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Comentários acerca da nova Lei de Franquias (Lei n. 13.966/2019)

Comentários acerca da nova Lei de Franquias (Lei n. 13.966/2019)

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No dia 26/12/2019, foi publicada a nova Lei de Franquias, que entrará em vigor no prazo de 90 dias e substituirá a lei vigente. Dentre outras coisas, a nova lei detalhou o conceito de franquia empresarial.

No dia 26/12/2019 foi publicada a nova Lei de Franquias (Lei nº 13.966/20191), que entrará em vigor no prazo de 90 dias e substituirá a Lei vigente (Lei nº 8.955/19942).

Desta forma, até o dia 25/03/2020 é imprescindível se inteirar sobre o tema e atualizar os Contratos e a Circular de Oferta de Franquia (COF) de sua empresa e/ou de seus clientes!

A nova Lei de Franquias detalhou um pouco mais o conceito de franquia empresarial e trouxe algumas inovações para o sistema, dentre as quais eu destaco:

(i) a expressa possibilidade de que empresas estatais e entidades sem fins lucrativos tenham franquias;

(ii) a necessidade de apresentar todas as empresas ligadas ao franqueador (atualmente só era necessário apresentar as diretamente ligadas a ele); e

(iii) a exclusão da previsão de perdas e danos no caso do não fornecimento da COF (continuará havendo previsão de anulação ou nulidade do contrato, com devolução dos valores pagos, mas estes apenas corrigidos monetariamente – atualmente a correção deve ser pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança).

Além disto, foram feitas com substanciais alterações nas exigências do COF e, também, houve inclusão de obrigatoriedade de que o Contrato obedeça algumas condições especificadas na Lei, conforme veremos a seguir.


COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS

Primeiramente, como mencionado acima, o conceito de franquia empresarial foi melhor definido no caput do artigo primeiro, vide transcrição abaixo:

“Art. 1º Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.” (o grifo não é do original).

Veja, se a lei em vigor limita a autorização do uso de marca ou patente associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi exclusiva de produtos e serviços e, também, ao uso de tecnologias de implantação e administração de negócio ou uso do sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, a nova Lei de Franquias permitirá a autorização para uso de marcas ou outros objetos de propriedade intelectual associado ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos e serviços. Além disso, definiu que as tecnologias alvo da autorização são métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional.

Outro aspecto interessante notado no dispositivo acima transcrito cuida da expressa determinação de que não haverá caracterização de vínculo empregatício e nem relação de consumo na relação com franqueado ou a seus empregados, inclusive no período de treinamento (cuja duração, conteúdo e custos já deverão constar da COF).

Finalizando a parte introdutória, cabe ressaltar que os §§ 1º e 2º do artigo 1º da nova Lei de Franquia preveem que o franqueador deve ser titular ou requerente de direitos sobre as marcas ou outros objetos de propriedade intelectual objeto do contrato de franquia, ou ser expressamente autorizado pelo titular, além da já mencionada possibilidade de que, além das empresas privadas, as empresas estatais e entidades sem fins lucrativos também podem possuir franquias.


ALTERAÇÕES RELACIONADAS À COF

A nova Lei de Franquia manteve a exigência de apresentação da COF com no mínimo 10 dias de antecedência, mas – por permitir que empresas estatais tenham franquias – estipulou que a COF seja apresentada no início do processo de seleção quando se tratar de licitação ou pré-qualificação promovida por órgão ou entidade pública.

Todavia, como mencionado no capítulo introdutório acima, houve algumas alterações nas exigências da COF, como a citada necessidade de apresentar a qualificação completa das empresas às quais o franqueador estiver ligado (vejam, a Lei não fala mais naquelas que ele está diretamente ligado, mas sim das que ele está ligado e identificando-as com os números dos CNPJs).

Outrossim, a COF passará a exigir a indicação de TODOS os serviços oferecidos pelo franqueador, não bastará mais uma orientação como a lei ainda em vigor prevê, e a nova Lei de Franquias não mais prevê a cobrança de taxa de caução, mas sim apenas a de taxa inicial de filiação/taxa de franquia, além de não mais requerer a indicação de pendências judiciais e sim de “ações judiciais relativas à franquia que questionem o sistema ou que possam comprometer a operação da franquia no País, nas quais sejam parte o franqueador, as empresas controladoras, o subfranqueador e os titulares de marcas e demais direitos de propriedade intelectual”.

Ademais, dentre as inovações destaca-se a exigência de que a COF apresente as regras de concorrência territorial entre as unidades próprias e franqueadas. Este é ponto um ponto extremamente interessante, diante da atual preocupação dos franqueadores quando da demanda pela abertura de mais lojas na mesma localidade. Segue, abaixo, transcrição dos dispositivos que tratam desta relevante inovação que a nova Lei de Franquias trará para o sistema de franquias:

“Art. 2º Para a implantação da franquia, o franqueador deverá fornecer ao interessado Circular de Oferta de Franquia, escrita em língua portuguesa, de forma objetiva e acessível, contendo obrigatoriamente:

(...)

XI - informações relativas à política de atuação territorial, devendo ser especificado:

a) se é garantida ao franqueado a exclusividade ou a preferência sobre determinado território de atuação e, neste caso, sob que condições;

b) se há possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território ou realizar exportações;

c) se há e quais são as regras de concorrência territorial entre unidades próprias e franqueadas;”

No entanto, o legislador perdeu a oportunidade de ir além e solucionar um ponto que tem causado discussão, qual seja, a nova Lei de Franquia não trouxe nada para auxiliar na discussão acerca de concorrência por meio de comércio eletrônico – a regulamentação deste tipo de concorrência nortearia as relações entre franqueador e franqueados e poderia dar fim às controvérsias (ou ao menos diminuí-las).

Além disto, passará a ser necessária a apresentação da relação dos franqueados, subfranqueados ou subfranqueadores que se desligaram nos últimos 24 meses (aumento de 12 meses em relação ao atualmente exigido).

Ainda, na parte da indicação do que é oferecido pelo franqueador ao franqueado, houve algumas alterações que especificaram/detalharam mais o que será oferecido ao franqueado. Neste sentido, a nova Lei de Franquias determina que, através da COF, será oferecida ao franqueado a “incorporação de inovação tecnológica às franquias”, treinamento dos funcionários do franqueado e “leiaute e padrões de arquitetura das instalações dos franqueado”, incluindo “arranjo físico dos equipamentos e instrumentos, memorial descritivo, composição e croqui”.

Também, foi incluída detalhada exigência relacionada à marca franqueada e aos direitos de propriedade intelectual relacionados ao sistema de franquia (“caracterização completa, com o número do registro ou do pedido protocolizado, com a classe e subclasse, nos órgãos competentes, e, no caso de cultivares, informações sobre a situação perante o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares”), bem como foram discriminadas mais obrigações relacionadas ao exigir que a COF contenha:

“XV - situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a:

a) know-how da tecnologia de produto, de processo ou de gestão, informações confidenciais e segredos de indústria, comércio, finanças e negócios a que venha a ter acesso em função da franquia;

b) implantação de atividade concorrente à da franquia;

(...)

XVII - indicação da existência ou não de regras de transferência ou sucessão e, caso positivo, quais são elas;

XVIII - indicação das situações em que são aplicadas penalidades, multas ou indenizações e dos respectivos valores, estabelecidos no contrato de franquia;

XIX - informações sobre a existência de cotas mínimas de compra pelo franqueado junto ao franqueador, ou a terceiros por este designados, e sobre a possibilidade e as condições para a recusa dos produtos ou serviços exigidos pelo franqueador;

XX - indicação de existência de conselho ou associação de franqueados, com as atribuições, os poderes e os mecanismos de representação perante o franqueador, e detalhamento das competências para gestão e fiscalização da aplicação dos recursos de fundos existentes;

(...)

XXII - especificação precisa do prazo contratual e das condições de renovação, se houver;

XXIII - local, dia e hora para recebimento da documentação proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, quando se tratar de órgão ou entidade pública.” (o grifo não é do original).

Finalmente, a nova Lei de Franquias especifica, em seu art. 3º, critérios para sublocação do ponto comercial ao fraqueado.


CONDIÇÕES OBRIGATÓRIAS DOS CONTRATOS DE FRANQUIA

Se a Lei nº 8.955/1994 estipula obrigações para os Contratos de Franquia apenas por meio de exigências da COF e da definição do sistema de franquia, a nova Lei de Franquias traz expressa e especificamente condições que devem ser obedecidas por estes Contratos, vide artigo 7º infra transcrito:

“Art. 7º Os contratos de franquia OBEDECERÃO às seguintes condições:

I - os que produzirem efeitos exclusivamente no território nacional serão escritos em língua portuguesa e regidos pela legislação brasileira;

II - os contratos de franquia internacional serão escritos originalmente em língua portuguesa ou terão tradução certificada para a língua portuguesa custeada pelo franqueador, e os contratantes poderão optar, no contrato, pelo foro de um de seus países de domicílio.

§ 1º As partes poderão eleger juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato de franquia.

§ 2º Para os fins desta Lei, entende-se como contrato internacional de franquia aquele que, pelos atos concernentes à sua conclusão ou execução, à situação das partes quanto a nacionalidade ou domicílio, ou à localização de seu objeto, tem liames com mais de um sistema jurídico.

§ 3º Caso expresso o foro de opção no contrato internacional de franquia, as partes deverão constituir e manter representante legal ou procurador devidamente qualificado e domiciliado no país do foro definido, com poderes para representá-las administrativa e judicialmente, inclusive para receber citações.” (o grifo não é do original).

Dentre as obrigatoriedades constantes do dispositivo supra, destaco:

(i) a possibilidade de eleição de juízo arbitral para solução de controvérsias do Contrato de Franquia;

(ii) a exigência de que os contratos que só produzirem efeitos no território nacional sejam escritos em língua portuguesa e regidos pela legislação brasileira; e

(iii) a definição de contrato de franquia internacional e das condições que ele deverá obedecer (como ser escrito em língua portuguesa ou ter tradução certificada para esta língua, opção de eleição de foro de um dos países de domicílio das partes e a exigência de que as partes tenham representante legal ou procurador no país do foro eleito).


CONCLUSÃO

Face ao exposto, é imprescindível analisar o COF e os contratos atualmente utilizados e incluir neles os conteúdos que a nova Lei de Franquia expressamente prevê que devem constar destes instrumentos.

Desta forma, recomenda-se a consulta e o estudo da Lei nº 13.966/2019 para evitar surpresas indesejadas a partir de 25/03/2020 e a celebração de instrumentos inadequados e/ou desatualizados que possam levar à anulação ou à nulidade dos Contratos de Franquia, e prejudicar ou inviabilizar a implementação ou continuidade de sistema de franquia.


Notas

1 Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13966.htm. Acessada em 06/02/2020.

2 Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8955.htm. Acessada em 06/02/2020.


Autor

  • André Fagundes Tavares

    Sou advogado, formado na Uerj, moro em Florianópolis e sócio da Lobo & Vaz Advogados Associados - responsável pelas áreas de Direito Empresarial/Societário e Licitações. Sou membro das Comissões de Sociedade de Advogados, de Assistência Social e de Licitações e Contratos Administrativos da Seccional da OAB/SC e da de Direito Empresarial da subseção de São José da OAB/SC. Tenho experiência em diversas áreas do Direito, com destaque para as áreas administrativa, cível e empresarial/societária e dou aulas de Direito Administrativo, Sustentabilidade, Acessibilidade, Ética e Legislações Específicas para concursos públicos. Atuo como voluntário na 'Avos', no 'Projeto Resgate' e no 'E aí, bora conectar?', e ajudo ações do 'Círculos de Hospitalidade', do 'Voluntários Floripa' e do 'Somar Floripa'.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, André Fagundes. Comentários acerca da nova Lei de Franquias (Lei n. 13.966/2019). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6086, 29 fev. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79638. Acesso em: 24 abr. 2024.