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As "associações de associações" como entes legitimados para a instauração do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade.

A jurisprudência do STF

As "associações de associações" como entes legitimados para a instauração do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade. A jurisprudência do STF

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O presente ensaio tem por finalidade examinar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria de legitimidade para a instauração do controle abstrato de constitucionalidade, merecendo ser lembrada a equiparação do rol de legitimados da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN e da Ação Direta de Constitucionalidade - ADC produzida pela Emenda Constitucional n.º 45/2004.

A questão aqui trabalhada não passará pelo tema da pertinência temática, compreendida como a ligação específica entre os objetivos sociais do requerente e o alcance da norma que se pretende impugnar [01], mas tão-somente do cabimento do ingresso de tais medidas por parte das chamadas "associações de associações".

O Supremo Tribunal Federal, antes das várias alterações em sua composição, restringiu o direito de propositura da Ação Direta por parte das Entidades de Classe, entendendo que as mesmas devem necessariamente ser compostas por pessoas naturais ou por pessoas jurídicas, impedindo que associações de outros entes associados, tidas como "Associação de Associações" possam ingressar junto ao STF. Da mesma forma, vedou-se o acesso das ações por parte de entidades tidas como híbridas, assim compreendidas aquelas que possuem pessoas físicas e jurídicas em seu quadro de associados [02].

Tal conduta, por certo, revelava uma política de autocontenção, como escopo de evitar a inevitável sobrecarga de demandas diversas, em especial de ADIns, junto ao Supremo Tribunal Federal.

O critério adotado pelo STF, todavia, sobretudo por se mostrar pautado em inegável casuísmo, como pouco razoável legítimo, sob os prismas de se assegurarem as garantias fundamentais inerentes à organização e procedimento [03] ao jurisdicionado, além de descaracterizar a objetividade do processo.

As ressalvas feitas a esse posicionamento então adotado fundam-se também na falta de previsão normativa para a imposição dessas restrições, ou ainda para a introdução de discrímem entre as confederações sindicais e entidades de classe em relação aos demais legitimados. A jurisprudência do STF acabou por criar classes de legitimados, diferenciados pela sua aceitação como Requerente em ação direta [04]. Criaram-se "legitimados de primeira classe", que não possuem entraves de ordem subjetiva à propositura de ação direta e os legitimados inferiores, que necessitam de passar por um primeiro "filtro" e demonstrar a ligação entre a sua atuação institucional e o conteúdo da norma atacada para não terem suas ações liminarmente indeferidas.

Não se ignora o fato de que as restrições jurisprudenciais feitas pelo STF, como a ora examinada, decorrem do excesso de demandas afetas a ele em razão de suas outras competências, bem como à propositura desmedida de ações no próprio controle abstrato. Além de questões estruturais, como a revisão de suas competências, ou ainda os critérios de admissão dos feitos de competência extraordinária, que refogem ao presente exame, para obstar ao seguimento de demandas, o Tribunal deveria assumir sua feição política e adotar uma postura mais pragmática a respeito. Em boa hora e corroborando esse entendimento, pode ser citado o instituto da repercussão geral nos recursos extraordinários, introduzida pela Emenda Constitucional n.º 45.

Nessa ordem de idéias, a adoção de um critério de relevância, ou mesmo de um juízo preliminar de viabilidade da propositura da ação parece muito mais legítimo do que se cercear genericamente o ingresso de determinados agentes, de por termo a uma ação caso ocorra a perda superveniente por parte do Requerente.

Como o Tribunal não dispõe do direito de instaurar a fiscalização abstrata, de ofício, deve tentar ao máximo aproveitar as demandas úteis que são postas, permitindo-se o aditamento da inicial, no caso de na mesma encontrar-se falha, remetendo-se a inicial para o Procurador-Geral da República e/ou para o Conselho Federal da OAB como mera representação para propositura de Ação Direta se o eventual Requerente for manifestamente ilegítimo.

Ainda que mais trabalhosa, parece que a melhor triagem teria de ser um tanto quanto invasiva do mérito da controvérsia, ou mais, da relevância de se provocar o STF a discutir sobre o tema. A atual modelagem, que refreia o direito à propositura por meio de jurisprudência excessivamente restritiva e que tornam as regras processuais maleáveis e passíveis de alteração com a composição da Corte, afigura-se menos segura, além de ser pouco receptiva à participação popular no processo de controle, o que a torna, por conseguinte, ilegítima.

Feitas essas considerações gerais e as ressalvas a esse cenário, merece ser destacada o início de mudança de orientação havida no âmbito do STF. Já com alterações substantivas na composição do Tribunal o plenário da Corte marchou em sentido contrário à jurisprudência ora examinada. Ante a eloqüência do texto, transcreva-se excerto do "Informativo STF", corroborando o ora exposto:

O Tribunal concluiu julgamento de agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade no qual se discutia se entidades que congregam pessoas jurídicas consubstanciam entidades de classe de âmbito nacional, para os fins de legitimação para a propositura de ação direta.

Tratava-se, na espécie, de agravo regimental interposto pela Federação Nacional das Associações dos Produtores de Cachaça de Alambique - FENACA contra decisão do Min. Celso de Mello, relator, que, por ausência de legitimidade ad causam da autora, julgara extinto o processo e declarara o prejuízo da apreciação do pedido de medida cautelar - v. Informativo 346. Por maioria, deu-se provimento ao recurso, por se entender que a autora possui legitimidade ad causam, haja vista ser entidade de classe que atua na defesa da mesma categoria social, apesar de se reunir em associações correspondentes a cada Estado. Vencidos os Ministros Celso de Mello, relator, e Carlos Britto que mantinham a decisão agravada, salientando a orientação da Corte segundo a qual não se qualificam como entidades de classe aquelas que, congregando exclusivamente pessoas jurídicas, apresentam-se como verdadeiras associações de associações, nem tampouco as pessoas jurídicas de direito privado, ainda que coletivamente representativas de categorias profissionais ou econômicas. (CF, art. 103: "Podem propor a ação de inconstitucionalidade:... IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional."). ADI 3153 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, rel. p/ acordão Min. Sepúlveda Pertence, 12.8.2004.(ADI-3153) – Informativo STF 356

Desse julgado, é merecedor de destaque o voto do ministro Sepúlveda Pertence, relator designado para o acórdão:

"Presidente, volta ao Plenário um problema cuja solução, na jurisprudência da Corte, jamais, pessoalmente, me convenceu: é a que baniu da legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade o que se tem chamado "associação de associações". A meu ver, nada o justifica. Chegou-se a falar que uma "associação de associações" só poderia defender os interesses das suas associadas, vale dizer, das associações que congrega. Mas, data vênia, o paralogismo é patente. A entidade é de classe, da classe reunida nas associações estaduais que lhe são filiadas. O seu objetivo é a defesa da mesma categoria social. E o fato de uma determinada categoria se reunir, por mimetismo com a organização federativa do País, em associações correspondentes a cada Estado, e essas associações se reunirem para, por meio de uma entidade nacional, perseguir o mesmo objetivo institucional de defesa de classe, a meu ver, não descaracteriza a entidade de grau superior como o que ela realmente é: uma entidade de classe. No âmbito sindical, isso é indiscutível. As entidades legitimadas à ação direta são as confederações, que, por definição, não têm como associados pessoas físicas, mas, sim, associações delas. Não vejo, então, no âmbito das associações civis comuns não sindicais, como fazer a distinção. Peço todas as vênias ao eminente Relator - aliás já discutimos a respeito, desde de pelo menos o caso CUT e CGT, na ADI 271 - para dar provimento ao agravo regimental, a fim de que se processe a ação direta".

Mesmo após essa decisão, a questão não restou dirimida de modo cabal. S. Exa. o ministro Sepúlveda Pertence, na ADInMC 3472, superou a questão da cognição ante a mudança estatutária da CONAMP, mas fez questão de destacar a posição restritiva da Corte em relação ao tema, o que permite antever que a questão está longe de uma solução definitiva.

Por permitir uma efetiva abertura procedimental, na locução habërliana [05], entende-se que a admissão das associações de associações como partes legítimas para a deflagração do controle abstrato de constitucionalidade é uma medida salutar.

É de se anotar, todavia, como principal conclusão desses breves apontamentos que, em matéria processual, o pior cenário, todavia, é o ora experimentado, em que a casuística vem predominando, o que ocasiona um estado de incerteza processual, o que, indubitavelmente, rompe com as comezinhas noções de segurança jurídica e de devido processo legal, afinal, não se sabe sequer as condições de procedibilidade consideradas pelo Tribunal ou não.

A título de sugestão e de contribuição para o debate, afigurar-se-ia oportuna a edição de enunciado na súmula do Tribunal, definindo a matéria. Mais do que isso, tal edição poderia ocorrer logo após a ainda inexistente regulamentação da súmula vinculante, introduzida pela Emenda Constitucional n.º 45. Sem embargo das críticas feitas ao instituto, feitas por diversos doutrinadores de renome, ao menos para a definição da questão aqui proposta, a edição sugerida seria de todo oportuna para por termo ao indesejável estado de insegurança jurídica demonstrado.


Notas

01 A título enunciativo, confiram-se: BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1250. Relator: Ministro Moreira Alves. Publicado no DJU em 30.6.1995 e Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1151 – medida cautelar. Relator para acórdão: Ministro Marco Aurélio. Publicado no DJU em 19.5.1995.

02 Entre outros julgados, vejam-se: BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 142, relator: Ministro Paulo Borssard, acórdão publicado no Diário da Justiça de 2.4.1993; BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 57, relator: Ministro Ilmar Galvão, acórdão publicado na RTJ 139/378; Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 79 (questão de ordem), relator: Ministro Celso de Mello, acórdão publicado na RTJ 147/003; Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 146, relator: Ministro Maurício Corrêa, acórdão publicado no Diário da Justiça de 19.12.2002; Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1621, relator: Ministro Octávio Gallotti, acórdão publicado no Diário da Justiça de 4.5.2001 e Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 57, relator: Ministro Moreira Alves, acórdão publicado no Diário da Justiça de 3.4.1996.

03 Nesse sentido, ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Centro de Estudios Constitucionales, Madrid., 1993., pp. 454 e segs. Observa que "En la actual discusión sobre los derechos fundamentales, ninguna idea há despertado tanto interés como de la conexión entre derechos fundamentales, organización y procedimiento".

04 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2.ed rev. e ampl. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2000., p. 121 e FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade. 4 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999, p. 169 denominam legitimados ativos universais e especiais.

05 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade aberta aos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da Constituição, tradução: Gilmar Ferreira Mendes, Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 1997.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Marcelo Ribeiro de. As "associações de associações" como entes legitimados para a instauração do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade. A jurisprudência do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 965, 23 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8004. Acesso em: 25 abr. 2024.