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O IVA e uma reforma tributária

O IVA e uma reforma tributária

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No Mercosul, o Brasil é o único país que não tem um imposto simplificado, como o IVA. Fala-se que com a implementação de um tributo único, seria possível melhorar a dinâmica de arrecadação, facilitar os investimentos e diminuir a sonegação fiscal.

I – O IVA

Para os seus defensores, o IVA (Imposto Sobre Valor Agregado) é um tributo unificado que facilita a arrecadação e diminui a burocracia. Em vez de usar diversos tributos que incidem sobre bens e serviços (PIS, COFINS, ICMS, IPI e ISS), ocorre a incidência de apenas um imposto.

Esse é um modelo de tributação bastante comum em diversos países do mundo – incluindo os países da União Europeia, Mercosul, Canadá, Índia, Nova Zelândia e vários outros. Trata-se de um imposto que facilita a arrecadação – bastante diferente do sistema de tributação indireta com impostos separados para a União, para os estados e para os municípios.

No Mercosul, o Brasil é o único país que não tem um imposto simplificado, como o IVA. Fala-se que com a implementação de um tributo único, seria possível melhorar a dinâmica de arrecadação, facilitar os investimentos e diminuir a sonegação fiscal.


II – ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS

Os especialistas apontam aspectos positivos e negativos.

Positivos

1. Redução do risco de competição desleal e da informalidade: como o ICMS pode ser, em alguns casos, recolhido na fase industrial da cadeia produtiva, o estímulo para a venda sem nota fiscal ao consumidor é reduzido, o que beneficia as empresas formalizadas e éticas, grande maioria dos casos no Varejo;

2. Redução da burocracia tributária: a estrutura de arrecadação pode ser maximizada em sua eficiência com menos recursos utilizado, pois o número de estabelecimentos a ser fiscalizado cai substancialmente;

3. Resposta a parte da guerra fiscal estadual: reduz a possibilidade de cobranças de créditos e as discussões em operações interestaduais entre distribuidoras, varejistas e indústrias.

Negativos

1. Potencial unilateral de aumentos na carga tributária: basta o governo do estado definir nova margem de negociação (novo IVA) e automaticamente o ICMS aumenta, sem que haja necessidade de mudança de alíquotas e sem a discussão que deveria ser feita entre executivo e legislativo na questão;

2. Suposição de uma margem única de negociação em todo estado: como o IVA é definido por produto, existe no processo a suposição que todos os estabelecimentos varejistas do estado, em qualquer lugar, têm a mesma estrutura de custos e pratica a mesma margem de venda, o que fica muito distante da realidade e engessa muito o potencial de fazer política de preços de cada empresa, dado que isso não vai alterar o custo do ICMS no produto;

3. Redução do Capital de Giro do Varejo: o varejo já recebe o produto com o ICMS da indústria e da venda final retido, ou seja, em relação ao modelo tradicional, o custo de aquisição de mercadorias sobe. Isso faz com que o varejista tenha menos dinheiro em caixa para sustentar sua operação após a aquisição de estoques;

4. Cobrança do ICMS sem base em fato gerador efetivo: o varejista já pagou o ICMS da venda da mercadoria antes mesmo da venda ser realizada, pois a indústria recolheu antecipadamente, como substituto do varejo;

5. Pouca transparência para o consumidor: o sistema tributário brasileiro é pouco transparente, ou seja, o consumidor final tem pouca noção do que é o custo do produto e do que é tributo no preço.

O ST torna essa falta de informação ainda mais perniciosa.


III – A SUBSTITUIÇÃO GRADUAL DO ICMS PELO IVA

A proposta do IVA prevê que o ICMS seja substituído gradualmente numa fase de transição de cinco anos, no qual novas regras seriam definidas e um novo ICMS seria utilizado. O lado positivo é que haveria uma suposta padronização das alíquotas e regras em âmbito nacional.

Desta forma, quem realiza vendas entre Estados seria muito beneficiado, uma vez que a burocracia seria reduzida, principalmente no caso do diferencial de alíquota (Difal) que é realizado quando há movimentação de produtos e mercadorias entre empresas ou consumidores pertencentes a unidades federativas diferentes.

Por outro lado, como o ICMS é a fonte de capital primária dos Estados e responde, hoje, por cerca de R$ 400 bilhões de reais sozinho todos os anos (20% do total de impostos pago pelos brasileiros), certamente é um tributo que não deixará de ser arrecadado, até porque há previsão em aumentar o PIB e esse crescimento é amparado pelo maior volume recolhido.

Um fato curioso é que o ICMS passaria a ser exclusivamente arrecadado pelo estado de destino do produto ou serviço e não mais também pelo remetente, porém os detalhes deste ponto seriam discutidos futuramente em uma nova legislação.


IV – OS EFEITOS PERNICIOSOS DO IVA

O aumento do IVA traria, de forma irremediável, diminuição do poder de compra. Ademais, o IVA, por afeta todos os cidadãos, todas as pessoas e empresas que consomem bens e serviços traria enormes percalços. É um imposto que tributa a todos, e mais aos que têm um nível mais baixo de compras ou uma renda mais baixa. Proporcionalmente, os agregados familiares com os rendimentos mais baixos devem dedicar uma percentagem maior do seu rendimento à compra de produtos do que as famílias com rendimentos médios-altos.


V  – O NOVO IBS

Virá o novo IBS.

Há duas propostas de PEC na matéria.

De acordo com texto da PEC 45, o IBS terá as seguintes características:

I. incidirá sobre base ampla de bens, serviços e direitos, tangíveis e intangíveis, independentemente da denominação, pois todas as utilidades destinadas ao consumo devem ser tributadas;

II. será cobrado em todas as etapas de produção e comercialização, independentemente da forma de organização da atividade;

III. será totalmente não cumulativo;

IV. não onerará as exportações, já que contará com mecanismo para devolução ágil dos créditos acumulados pelos exportadores;

V. não onerará os investimentos, já que crédito instantâneo será assegurado ao imposto pago na aquisição de bens de capital;

VI. incidirá em qualquer operação de importação (para consumo final ou como insumo);

VII. terá caráter nacional e legislação uniforme, sendo instituído por lei complementar e tendo sua alíquota formada pela soma das alíquotas federal, estadual e municipal;

VIII. garantirá o exercício da autonomia dos entes federativos por meio de lei ordinária que altere a alíquota de competência do respectivo ente;

IX. terá alíquota uniforme para todos os bens, serviços ou direitos no território do ente federativo;

X. nas operações interestaduais e intermunicipais pertencerá ao Estado e ao Município de destino.

Por outro lado, tem-se a PEC 110.

A diferença fundamental entre as duas propostas está na quantidade de tributos que serão substituídos pelo imposto criado.

A PEC 110 propõe a criação de um imposto estadual, denominado — também— Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS); entretanto, os tributos agregados são 9: IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cicie Combustíveis, ICMS estadual e o Imposto sobre Serviços — ISS municipal.

Além disso, o texto propõe a criação de um imposto seletivo (ponto também abordado na PEC 45) , com as características extrafiscais do IPI. Ou seja, um imposto que tem como objetivo o estímulo ou desestímulo de comportamentos sociais, ou proteção de algum determinado setor econômico.

Por exemplo, a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de competência federal, sobre derivados do tabaco — que, de acordo com a TIPI 2019, tem alíquota de 300% em cigarros e cigarrilhas — atua como inibidora do tabagismo.

Em consonância:

“O Imposto Seletivo, por sua vez, incidirá sobre produtos específicos, como petróleo e derivados; combustíveis e lubrificantes; cigarros; energia elétrica e serviços de telecomunicações”.

Além do mais, através de legislação complementar, será definido quais serviços e produtos serão incluídos na cobrança do imposto seletivo.

Ademais, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), tributo de competência federal, que incide sobre o lucro líquido do período, antes da provisão do imposto de renda das pessoas jurídicas, será incorporada ao Imposto de Renda (IR).

O texto dispõe sobre a característica de progressividade da reforma, devido a incidência do IPVA em aeronaves e embarcações (com exceção de veículos comerciais destinados à pesca e ao transporte público), afetando as classes com maior poder aquisitivo.

Outro fator que diferencia as duas Propostas de Emenda a Constituição é o período de transição. Enquanto a PEC 45/2019 institui um período de 10 anos, a PEC 110/2019 propõe o intervalo de 15 anos.


VI – AS CRÍTICAS ÁS PROPOSTAS

A proposta atual tem como base o texto da Câmara e prevê dois pontos que estão na contramão do que deve ser feito. Reduz os impostos dos bancos e causa um choque de preços e de renda nos demais setores, aumentando os impostos sobre o consumo das famílias, com maior impacto nas de menor renda: um total disparate!

Estima-se um aumento expressivo da carga tributária do setor de serviços: educação, 211%; transporte, 59%; profissionais autônomos, 460%; taxistas, 1.150%; dentre outros. Cabe destacar que esse é o setor que mais emprega no Brasil e onde estão concentrados os empregos de baixas qualificação e renda. Com esse aumento no custo dos serviços para a classe média haveria redução da demanda e desemprego nas classes mais baixas. Em resumo, haveria perda de renda para a classe média e desemprego nas regiões mais carentes. Como consequência, essas regiões necessariamente recorreriam a novas transferências compensatórias ou sobrecarregariam a assistência social e o seguro-desemprego.


VII – AS PROFUNDAS MUDANÇAS ESPERADAS

Seja lá como for, o IVA trará profundas mudanças no pacto federativo. O Brasil possui uma federação forte onde os Estados-membros, os municípios e o Distrito Federal de muito dependem do ICMS e do ISS.

Fica claro ainda o risco de aumento expressivo da sonegação fiscal com o novo modelo no destino. Acontece que as economias de diversas localidades consumidoras ainda são rudimentares, pautadas em serviços locais focados em atender pessoas físicas com base na circulação da renda oriunda das transferências. Não por menos, sua arrecadação também é precária, com baixa capacidade de fiscalização. Ou seja, parte da renda repartida pelos produtores com os consumidores poderia ser desperdiçada com o aumento da sonegação fiscal nessas localidades, inclusive de receitas que seriam destinadas à União, que também teria de promover aumento de alíquotas para compensar a perda global.


VIII – O ISS

O imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), com exceção dos impostos compreendidos em circulação de mercadorias (ICMS), conforme o  art. 155, II, da CF/88 (ISSQN ou ISS), é um imposto brasileiro municipal, ou seja, somente os municípios têm competência para instituí-lo (Art.156, III, da Constituição Federal). A única exceção é o Distrito Federal, unidade da federação que tem as mesmas atribuições dos Estados e dos Municípios.

O ISSQN tinha como fato gerador a prestação de serviço (por empresa ou profissional autônomo) de serviços que eram descritos na lista de serviços da Lei Complementar nº 116 (de 31 de julho de 2003).

Como regra geral, o ISSQN é recolhido ao município em que se encontra o estabelecimento do prestador. O recolhimento somente é feito ao município no qual o serviço foi prestado (ver o artigo 3º da lei complementar citada) no caso de serviços caracterizados por sua realização no estabelecimento do cliente (tomador), por exemplo: limpeza de imóveis, segurança, construção civil, fornecimento de mão de obra.

Os contribuintes do imposto são as empresas ou profissionais autônomos que prestam o serviço tributável, mas os municípios e o Distrito Federal podem atribuir às empresas ou indivíduos que tomam os serviços a responsabilidade pelo recolhimento do imposto.

A alíquota utilizada é variável de um município para outro.

A União, por meio da lei complementar citada, fixou alíquota máxima de 5% (cinco por cento) para todos os serviços.

A alíquota mínima é de 2% (dois por cento), conforme o artigo 88, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal.

A base de cálculo é o preço do serviço prestado.

A função do ISSQN é predominantemente fiscal. Mesmo não tendo alíquota uniforme, não se pode afirmar que se trata de um imposto seletivo.

O ISS possui como característica ser um imposto predominantemente fiscal, uma vez que tem como finalidade a arrecadação. É real já que a sua cobrança é realizada por causa do fato gerador. Também podemos destacar que ele é residual incide quando não tem a incidência de ICMS, IPI e IOF.

Outra característica importante é que ele é não vinculado ou seja o ente federativo, nesse caso, o Município não precisa fazer nenhuma atividade ou serviço em troca .E ainda convêm ressaltar que é um tributo indireto e direto dependendo da situação apresentada.

Vale ressaltar que o ISS tinha como fato gerador a prestação de serviços por pessoa jurídica ou profissional autônomo desde que estivesse elencado na lista anexa à Lei Complementar 116/2003.

O ex-presidente Michel Temer sancionou com vetos a lei de reforma do Imposto sobre Serviços de qualquer natureza (ISS). A reforma fixa em 2% a alíquota mínima do imposto e amplia a lista de serviços alcançados pelo ISS. O texto (Lei 157/2016 - Complementar) foi publicado no dia 30 de dezembro do corrente ano no Diário Oficial da União(obedecidos os princípios da legalidade e da anterioridade). O principal veto é sobre a arrecadação do ISS no local de consumo do serviço.


IX – A QUESTÃO DA SELETIVIDADE

  Como ficaria o princípio da seletividade e da não-cumulatividade na nova ordem?

O princípio da seletividade do imposto visa assegurar a aplicação de moderna técnica fiscal, que permita a utilização de alíquotas inversamente proporcionais à essencialidade das mercadorias e serviços. Lembrando a lição de Maria Lúcia Américo dos Reis e ainda José Cassiano Borges(O ICMS ao alcance de todos, 1991, pág. 57), as mercadorias e serviços considerados supérfluos poderão ser mais onerados pela tributação do que os essenciais ao atendimento das necessidades básicas da população.

O ICMS tem finalidade incontestavelmente fiscal, embora a Constituição Federal, em seu art. 155, §2°, III, permita a seletividade em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. A utilização ou não do princípio da seletividade, deverá ser realizada pelo legislador estadual, no momento da criação da lei regulamentadora do imposto, em seu ente federativo. O objetivo de tal delegação da União, fora diminuir as desigualdades regionais, possibilitando aos Estados dispor sobre sua hipótese de incidência, arrecadação e utilização do imposto em benefício da população local, consubstanciado no artigo 3°, III, da Constituição Federal.

Sabe-se que serviços essenciais – como de energia e telecomunicações – não poderiam ter alíquotas superiores a de produtos considerados supérfluos, como cigarros, cosméticos e perfumes.

Na lição de Sacha Calmon Navarro Coelho(Comentários à Constituição de 1988 – Sistema tributário, 1990, pág. 238), quando discutiu sobre as alíquotas seletivas,  a seletividade no ICMS é facultativa. No IPI é obrigatória. Disse que no ICMS, a seletividade não poderá ser nem será muito ampla.

Assim, para Sacha Calmon Navarro Coelho, o ICMS é diferente do IPI. Neste a seletividade está intimamente ligada ao processo industrial e também às necessidades do consumo. No ICMS, a seletividade é relativa e olha para a população em primeiro lugar.

No IPI a seletividade está intimamente ligada ao processo individual e também as necessidades do consumo.

Realmente o Estado Membro não poderia, segundo o princípio da seletividade, estabelecer alíquotas majoradas para produtos considerados essenciais, como energia elétrica e telecomunicações.

Conforme leciona Hugo de Brito Machado: “dizer-se que um imposto é seletivo é apenas dizer que ele incide de forma diferente sobre os objetos tributados. A razão dessa incidência diferenciada é o que denominamos critério da seletividade”. O mesmo Hugo de Brito, agora citando Hugo de Brito Machado Segundo, afirma que “o caráter facultativo diz respeito apenas à seletividade, e não ao critério desta, se adotada”. E mais, “na verdade o ICMS poderá ser seletivo. Se o for, porém, essa seletividade deverá ocorrer de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços, e não de acordo com critérios outros, principalmente se inteiramente contrários ao preconizado pela Constituição. Em outros termos, a Constituição facultou aos Estados a criação de um imposto proporcional, que representaria ônus de percentual idêntico para todos os produtos e serviços por ele alcançados, ou a criação desse mesmo imposto com caráter seletivo, opção que, se adotada, deverá guiar-se obrigatoriamente pela essencialidade dos produtos e serviços tributados.  A seletividade é facultativa. O critério da seletividade é obrigatório” (Hugo de Brito Machado, Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988, 4ª edição, Dialética, São Paulo, 2001, p. 113).

Leve-se em conta que o ICMS, imposto estadual, é instrumento de ordenação político-econômico, onde se estimula a prática de operações ou prestações havidas por úteis ou convenientes ao País. É um instrumento extrafiscal de modo que deve ser direcionado de forma inversamente proporcional à essencialidade do produto ou da mercadoria.


X – A QUESTÃO DA NÃO CUMULATIVIDADE

Fala-se na aplicação do princípio da não-cumulatividade com relação ao ICMS, no qual se diz: compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou Distrito Federal(artigo 153, parágrafo segundo, inciso I). Mas, diversamente do que ocorre com o IPI, em relação ao ICMS, essa não cumulatividade está sujeita ao disposto em Lei Complementar, que disciplina o regime de competência do imposto(artigo 153, parágrafo segundo, inciso XII, alinea "c").

A Lei Complementar n. 87/96 alterou de forma significativa a regra da não cumulatividade, na medida em que admitiu a utilização de créditos relativos a entrada de bens destinados ao consumo e ao ativo fixo do adquirente, fixando, para tanto, regras de direito intertemporal.

No caso, os textos das duas propostas de emendas constitucionais propõem a criação de um imposto seletivo. Ou seja, um imposto que tem como objetivo o estímulo ou desestímulo de comportamentos sociais, ou proteção de algum determinado setor econômico.

Evitar-se-á a nociva cumulatividade entre o ICMS e o PIS/COFINS.

As Contribuições para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) são classificadas como tributos da espécie contribuições sociais, cobradas exclusivamente pela União Federal, consoante previsão do artigo 149 da CF/88.

A Constituição prevê, em seu artigo 195, que as contribuições sociais serão financiadas pelas pessoas jurídicas de direito privado com base em sua receita ou faturamento. Nota-se, portanto, que o constituinte confere ao ente tributante o poder de exigir a PIS/Pasep e a Cofins tomando como base de cálculo a receita ou faturamento da pessoa jurídica. Nesse contexto, o legislador infraconstitucional, pelo artigo 2º da lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, estabeleceu que "as contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento", e o artigo subsequente do referido diploma preceitua que o faturamento consiste na receita bruta, definida no art. 12 do decreto-lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977. Com a edição da lei 12.973/14, o conceito de receita bruta, que outrora compreendia todo o resultado das operações de venda de bens em conta própria e o preço dos serviços prestados, passou a ser mais abrangente. O referido diploma alterou o art. 12 do decreto-lei 1.598/77, de modo que a receita bruta da pessoa jurídica passou a compreender, também, o resultado auferido nas operações de conta alheia, e, de forma geral, todas as receitas da atividade ou do objeto principal da pessoa jurídica. Adicionalmente, o parágrafo 5º desse dispositivo, em flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade, previu ainda que na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes. 

Como disse Aluísio Neves Baptista Filho, o fisco ganhou respaldo normativo para uma prática já realizada: a de incluir os tributos indiretos, como o ISS e o ICMS, integrantes dos preços dos bens e serviços, nas bases de cálculo da contribuição ao PIS/Pasep e Cofins.

No entanto, a inclusão desses tributos na base das aludidas contribuições, ainda que diante do disposto no parágrafo único do art. 12 do decreto-lei no 1.598/77, é ilegal e inconstitucional, pois a parcela dos valores referentes a essas exações são receitas do Estado e não da pessoa jurídica (esta apenas os repassa no preço de seus produtos ou serviços), como se lê em “A inconstitucionalidade e ilegalidade da inclusão do ICMS e ISS na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS”, in Migalhas. .Dessa forma, tanto no período anterior à vigência da lei 12.973/14, como após a nova redação atribuída, essa tributação é ilegal e inconstitucional, na medida em que a CF dispõe que a base de cálculo da PIS/Pasep e Cofins é a receita ou faturamento da pessoa jurídica contribuinte, e não de pessoa alheia. Os valores que transitam provisoriamente pelo patrimônio da pessoa jurídica, sendo repassado a terceiros (verdadeiros titulares da riqueza), não são receita bruta daquela, e não se configuram como sua disponibilidade econômica. Admitir essa situação, como fazem as autoridades fiscais pátrias e a redação do §5º do art. 12 do decreto-lei 1.598/77, é ignorância não só ao conceito de receita, mas, também, ao principal fundamento da atividade tributária estatal, qual seja, o de valorar a capacidade contributiva dos particulares, que devem contribuir de acordo com a sua geração de riqueza (capacidade econômica). 

Nos termos do voto do relator do RExt 240.785/MG, Ministro Marco Aurélio Melo, "as expressões utilizadas no inciso I do artigo 195 em comento hão de ser tomadas no sentido técnico", de modo que:

"O conceito de faturamento diz com riqueza própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda de mercadorias ou à prestação dos serviços, implicando, por isso mesmo, o envolvimento de noções próprias ao que se entende como receita bruta. Descabe assentar que os contribuintes da Cofins faturam, em si, o ICMS. O valor deste revela, isto sim, um desembolso a beneficiar a entidade de direito público que tem a competência para cobrá-lo."

Conclui-se quanto a impossibilidade de se considerar os tributos indiretos como receita para fins da base de cálculo da PIS e da COFINS, que "se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e não o vendedor da mercadoria"

Decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 574706, Relatora Ministra Cármen Lúcia,  apreciando o tema 69 da repercussão geral, por dar provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins". Vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Nesta assentada o Ministro Dias Toffoli aditou seu voto. Plenário, 15.3.2017.

Dir-se-á que a decisão referenciada poderá ser objeto de modulação, desde que seja objeto de discussão própria em recurso de embargos de declaração.

A preocupação que existe é de que caso o STF não acate o pedido de modulação e a decisão seja aplicada retroativamente, haveria um enorme custo para o Tesouro que, segundo o anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, poderia chegar a R$ 250 bilhões.

No que diz respeito ao aspecto temporal, o artigo 27 da lei de n. 9.868/99 prevê que o Supremo Tribunal Federal terá a opção de declarar a inconstitucionalidade apenas a partir do trânsito em julgado da decisão (declaração de inconstitucionalidade ex nunc). Poderá, ainda, declarar a inconstitucionalidade, com a suspensão dos efeitos por algum tempo a ser fixado na sentença (declaração de inconstitucionalidade com efeito pro futuro). Nessa hipótese, por motivo de segurança jurídica ou de interesse social, a lei continuará sendo aplicada por um determinado prazo, a ser determinado pelo próprio Tribunal.

Razões de segurança jurídica e de ordem pública poderiam ser avaliadas na decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Mas, de toda sorte, para o futuro, estaria dada em sua plenitude a interpretação de que o ICMS não integra a base de cálculo das contribuições para o PIS e para a COFINS.

A tese apresentada pelos advogados e que vem sendo admitido em juízo é de que sob o   ponto de vista econômico, a alíquota do PIS/Cofins está embutida no preço também e, portanto, o imposto incide sobre ele mesmo.

O PIS e a Cofins, incidentes sobre a receita bruta auferida, compõem as suas próprias bases de cálculo graças aos parágrafos 1º, inciso III e 5º do artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/1977, cujo texto define que “na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes”. Para os advogados que atuaram na peça, há total relação entre o mandado e o RE. “A decisão do STF, mais do que determinar a exclusão [do ICMS] da base de cálculo do PIS/Cofins, acaba por determinar o próprio conceito de faturamento, no raciocínio de que quando as empresas formam seus preços e depois faturam esses valores, elas já contabilizam os tributos já pagos”.

Por entender que o ICMS não compõe faturamento ou receita bruta das empresas, o STF decidiu em março de 2017 que o imposto estadual deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins. O resultado, por 6 votos a 4, representou uma vitória dos contribuintes. A corte deverá julgar ainda a modulação dos efeitos da decisão tomada na análise do recurso com repercussão geral.

A Receita Federal alegou que era inviável aplicar o mesmo entendimento do Supremo no caso do ICMS ao cálculo do PIS e da Cofins. Segundo a Receita, a base de cálculo das contribuições é o valor do faturamento ou das receitas, com as exclusões legais expressamente admitidas. E complementou afirmando que não cabe ao intérprete da lei ampliar o rol de exclusões. Quanto a Lei 12.973/14, a Receita afirma que a norma não inovou em relação ao conceito de receita bruta, limitando-se a externar entendimento já consagrado na jurisprudência.

Vejamos a redação da Lei n. 12.973/14, no que interessa ao caso:

Art. 1º - O Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas - IRPJ, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, a Contribuição para o PIS/Pasep e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins serão determinados segundo as normas da legislação vigente, com as alterações desta Lei. Art. 2º - O Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, passa a vigorar com as seguintes alterações: (...)

Art. 12 - A receita bruta compreende:

I - o produto da venda de bens nas operações de conta própria;

II - o preço da prestação de serviços em geral;

III - o resultado auferido nas operações de conta alheia; e

IV - as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III.

§ 1º - A receita líquida será a receita bruta diminuída de:

I - devoluções e vendas canceladas;

II - descontos concedidos incondicionalmente;

III - tributos sobre ela incidentes; e (...)

§ 4º - Na receita bruta não se incluem os tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário.

§ 5º - Na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, das operações previstas no caput, observado o disposto no § 4º.

Está crescendo, por sua vez, o entendimento de que, por simetria, a idêntica solução deve ser aplicada ao caso concreto, onde se discute a possibilidade de exclusão dos valores de PIS e COFINS da base de cálculo das próprias contribuições. Veja-se que: (a) as rubricas discutidas nestes autos (PIS e COFINS) e no Recurso Extraordinário citado acima (ICMS) possuem naturezas semelhantes, qual seja a de tributos que apenas transitam na contabilidade da empresa, sem configurar acréscimo patrimonial; (b) há plena identidade entre os tributos tratados nesta ação e no RE 574.706/PR (Contribuições ao PIS e à COFINS).


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O IVA e uma reforma tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6102, 16 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80128. Acesso em: 23 abr. 2024.