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Reflexões jurídicas dos efeitos da Covid-19

Reflexões jurídicas dos efeitos da Covid-19

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Há 2 meses seria impossível imaginar que o mundo iria parar, apesar de não estarmos numa situação de total lockdown, pois os serviços essenciais ainda continuam em plena atividade, o fato é que a chegada do COVID-19 já causou estragos financeiros imensuráveis até o momento e, com certeza,  deixará lições preciosas sobre os hábitos do nosso cotidiano, especialmente, nas relações interpessoais, empresariais e trabalhistas com a abertura de negociações e diálogos, cuja estratégia deve ser permeada pela solidariedade, onde todos devem buscar o ponto de equilíbrio. 

Parece ser óbvia tal constatação, porém, o ato de conceder e abrir mão de um direito na prática é muito difícil, em suas estratégias negociais o ser humano tem a tendência natural de obter alguma vantagem econômica, nenhuma parte cede a sua posição contratual se não for para ter um benefício ou contrapartida posterior. No caso específico da crise causada pela COVID-19, o que está em jogo é a sobrevivência do mercado, por esse motivo excepcional, os agentes econômicos estão mais propensos a aceitarem acordos comerciais que outrora jamais aceitariam, pois cientes de que a manutenção da posição contratual proporcionará danos maiores. 

Nesses dias de confinamento e quarentena, a mensagem que o filme da netflix “O poço” traz é bastante clara, o ser humano deveria pensar em solidariedade espontânea como forma de combater a desigualdade social e econômica, quem está na parte de cima com todos os privilégios e prerrogativas, amanhã, poderá estar na parte de baixo (vice-versa), por isso, fechar as portas para o diálogo não é melhor. Hoje, podemos estar numa posição privilegiada, mas, num futuro próximo, a situação poderá inverter-se. Sendo assim, uma das soluções poderia ser a mitigação dos direitos, de forma livre e espontânea, com a segurança de que a parte adversa possa retribuir o gesto de liberalidade feito pelo titular de uma posição privilegiada. 

Quando discutimos a relativização dos direitos trabalhistas, a suspensão do pagamento de alugueis, a prorrogação do pagamento de dívidas, isenção de juros e multa, entre outros atos de negociações diversos, o que estamos fazendo nada mais é do que, uma concessão forçada em razão da excepcionalidade causada pela COVID-19. Caso não estivéssemos em situação de pandemia, ninguém jamais cederia a sua posição contratual em benefício do próximo, isso representa um ato altruístico distante da realidade social e econômica. Aqui, não se quer pregar a ideologia socialista contra o lucro, muito pelo contrário, o modelo econômico de sucesso é o liberalismo e o capitalismo, logo, o objetivo principal da atividade empresária deve ser a busca pelo lucro, porém, não a qualquer custo, também, não se pretende ter a ilusão de que um agende econômico venha a ceder a sua posição contratual sem a perspectiva de uma reciprocidade proporcional da parte adversa.

Igualmente, problemas sociais relevantes da humanidade como a fome, o estado de pobreza e o saneamento básico não serão resolvidos com a simples doação de recursos financeiros. A humanidade precisa encontrar novos caminhos para solucionar velhos problemas, talvez, um destes caminhos seja a solidariedade espontânea aliada à reciprocidade de benefícios e concessões.

Agora,    como     aplicar    a    solidariedade    espontânea    nas    atividades empresariais, esse é o ponto central, o que iremos aprender com o COVID-19 para melhorar o fluxo das relações jurídicas e comerciais, isto é, quando passar a pandemia, os agentes econômicos estariam dispostos a iniciar negociações com objetivo de fazer concessões para evitar a falência ou extinção de uma empresa, grande parte dos processos de recuperação judicial resultam em falência, exatamente, em função da falta diálogo.

Recentemente, tivemos a oportunidade de tentar resolver alguns conflitos de forma amigável, pouco se vê no sentido de fazer concessão e/ou solidariedade de forma espontânea, mesmo com a ciência da paralização geral da economia, muitas pessoas recusam-se a abrir diálogo para um acordo, esse comportamento parte sempre de quem tem uma posição contratual mais privilegiada, independentemente da condição econômica seja o trabalhador ou empresário, ainda que a manutenção da avença possa levar a outra parte à extinção ou ter prejuízos irreparáveis. De outra feita, também não se verifica a presença de boa-vontade da parte adversa de garantir um benefício extra a quem lhe está cedendo por liberalidade um direito ou uma prerrogativa.

Se diante de tamanha pandemia, não somos capazes de sensibilizar-se com o sofrimento da outra parte, o direito posto surge como a tábua de salvação e a lei acaba sendo a chave liberdade.

A lição a ser guardada com os reflexos da COVID-19 é que não podemos fechar às portas para a negociação de acordos e uma vez superadas as tentativas de resolução amigável, o direito positivo é o caminho a ser seguido com os seus princípios garantidores do estado democrático de direito e da preservação da função social do contrato.


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