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A prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos metaindividuais

enfoques trabalhistas

A prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos metaindividuais: enfoques trabalhistas

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A principal vantagem da tutela coletiva no âmbito do direito do trabalho consiste na possibilidade de prevenção ou reparação da imediata da violação aos direitos dos trabalhadores no curso da relação de trabalho.

I. Considerações Iniciais

Em estudo sobre as Ações Coletivas, Carlos Henrique Bezerra Leite (2001) registra que "com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que assegura o acesso – individual e coletivo – ao Judiciário, tanto nas lesões como nas ameaças a direito, o legislador constituinte reconheceu, definitivamente, a necessidade de se buscar novos meios que pudessem tornar o processo mais ágil e útil à sociedade de massa, como a dos nossos dias, evitando, assim, a prestação jurisdicional intempestiva".

Dada a natureza e as particularidades dos interesses e direitos metaindividuais, o sistema processual respectivo é voltado para a socialização (função social) e democratização do processo. Busca-se a efetividade do processo e a pacificação social através da solução preventiva (ou inibitória), homogênea e célere de questões que atingem um número, em regra, infindo de pessoas, liberando-as dos entraves da ação individual. Por outro lado, protegem-se bens jurídicos cuja lesão pode ocasionar conseqüências algumas vezes imprevisíveis.

A tutela coletiva também contribui para a efetivação do amplo acesso à justiça, na medida em que ameniza barreiras de ordem técnica, cultural e psicológica, facilitando a defesa de interesses e direitos dos hipossuficientes (crianças, consumidores, trabalhadores, grupos vulneráveis, idosos, enfermos, etc.). Portanto, as ações coletivas permitem o acesso à justiça daqueles que, individualmente, não teriam meios de ingressar em juízo ou teriam muita dificuldade de fazê-lo.

Outra vantagem da tutela coletiva é a facilitação do tratamento processual de causas pulverizadas, que, por serem individualmente muito pequenas e insignificantes, não seriam ajuizadas, deixando impunes os autores dos danos [1]. Conforme a doutrina majoritária, a tutela coletiva confere tratamento molecular às lides; enquanto a individual, atomizado. Há, também, a questão da economia de tempo, esforços e despesas e da garantia da uniformidade das decisões.

Vale destacar, ainda, o novo enfoque dado à responsabilidade civil, na medida em que a condenação genérica (art. 95 do Código de Defesa do Consumidor) impõe ao réu a obrigação de indenizar os danos e prejuízos causados, e não os sofridos. Isto quer dizer que, uma vez procedentes os pedidos formulados na ação coletiva, é fixada a responsabilidade genérica do réu pelos danos e prejuízos decorrentes de sua conduta, cabendo aos lesados apenas a liquidação dos respectivos danos e a posterior execução. Isso facilita sobremaneira a reparação, na medida em que na liquidação e execução não se discute mais a responsabilidade do réu pelos danos.

A tutela coletiva também concretiza a igualdade material entre os litigantes, na medida em que são neutralizadas as vantagens dos litigantes habituais e daqueles mais fortes pelo instituto da legitimidade extraordinária.

Na seara justrabalhista, caracterizada pela complexa e muita vezes conflituosa relação entre o capital e o trabalho, a tutela coletiva possibilita a equivalência processual entre trabalhadores e empregadores pela representatividade conferida a determinados órgãos e entidades (principalmente o Ministério Público do Trabalho e sindicatos). Nas ações coletivas há, portanto, equilíbrio das partes, o que não ocorre nas ações individuais, em que o trabalhador atua de forma isolada e enfraquecida.

A principal vantagem da tutela coletiva no âmbito do direito do trabalho consiste na possibilidade de prevenção ou reparação da imediata da violação aos direitos dos trabalhadores no curso da relação de trabalho. A realidade tem demonstrado que os trabalhadores só reivindicam seus direitos após o fim da relação laboral, em função do receio de ter o pacto rescindido na hipótese de demandar contra o empregador (ou tomador de serviço em geral) no curso daquela. Ao final do contrato, muitas vezes a pretensão do trabalhador tem sido atingida pela prescrição, ficando o trabalhador no prejuízo por não poder mais pleitear a devida reparação. Desse modo, o trabalhador geralmente tem ficado diante do seguinte dilema: demandar no curso da relação e correr o risco de perder o emprego ou aguardar o fim da relação para demandar e ter parte da pretensão fulminada pela prescrição.

Nesse contexto, apesar de assegurada a inafastabilidade da jurisdição e a proteção da relação de emprego pela Constituição Federal, o ajuizamento de reclamação trabalhista (ação individual) ainda tem ocasionado a dispensa de alguns trabalhadores. Essa questão tem conferido à Justiça do Trabalho o título de "Justiça dos desempregados", na medida em que os trabalhadores, em regra, têm ingressado em juízo apenas ao final da relação.

Como a tutela coletiva é pleiteada em juízo pelo substituto processual de forma genérica, abstrata, sem individualização dos beneficiários e independentemente de autorização destes, evita-se qualquer tipo de represália por parte dos empregadores, garantindo aos trabalhadores uma imediata e efetiva proteção de seus interesses e direitos [2], inclusive através da tutela inibitória.

Tendo em vista essas peculiaridades das ações coletivas, a prescrição da pretensão relativa aos interesses e direitos metaindividuais é tema polêmico e controvertido na doutrina e na jurisprudência.

Sem qualquer intenção de esgotar o tema, apresentaremos nesse trabalho algumas considerações e reflexões sobre a aplicação do instituto da prescrição em relação a pretensão que envolva interesses e direitos metaindividuais.


II. Evolução Legislativa da Tutela dos Interesses e Direitos Metaindividuais no Brasil

A evolução da sociedade, com a concentração em centros urbanos, a progressiva industrialização e expansão comercial, o desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte, a adoção do modelo capitalista de produção [3], a globalização, entre outras questões, fez surgir uma nova espécie de conflito social: os conflitos de massa.

Os conflitos de massa, por sua vez, deram origem a novos interesses e direitos, os metaindividuais, que têm como destinatários não apenas o homem singularmente considerado, mas o homem socialmente organizado, o próprio gênero humano, a sociedade, a coletividade [4]. Essa nova espécie de interesses e direitos compreende aqueles que a doutrina constitucionalista denomina de direitos fundamentais de terceira geração (direitos de fraternidade ou solidariedade), compreendendo o direito à paz, ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, à segurança, à educação, ao patrimônio comum da humanidade, ao progresso, à comunicação, os direitos das crianças, adolescentes e idosos, entre outros.

Xisto Tiago de Medeiros Neto (2004, p. 110), analisando o contexto delineado acima, lembra que:

"Os conflitos, por decorrência, adquiriram uma outra magnitude, de consideração coletiva, em um grau de elevada intensidade, não mais se subsumindo ao universo puramente intersubjetivo, tão característico do período liberal, clássico, impregnado de cogitações individualistas. É certo dizer, assim, que os interesses coletivos (lato sensu) são típicos da sociedade contemporânea, que se voltou para uma perspectiva de caráter social, visualizando, dentro desse contexto, o homem e sua proteção, por ser imprescindível à sua própria existência."

No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2003, p. 750) acrescentam que:

"A sociedade moderna caracteriza-se por uma profunda alteração no quadro dos direitos e na sua forma de atuação. De um lado, verifica-se a alteração substancial no perfil dos direitos desde sempre conhecidos, que assumem contornos completamente novos (basta pensar na função social do direito de propriedade, na publicização do direito privado e na privatização do direito público), e de outro a ampliação do próprio rol dos direitos, reconhecendo-se direitos tipicamente vinculados à sociedade de consumo e à economia de massa, padronizada e globalizada."

O sistema processual brasileiro vigente à época do início dessas transformações, eminentemente individualista, mostrou-se inadequado e insuficiente para a tutela das novas lides envolvendo os interesses e direitos metaindividuais. O principal diploma processual vigente era o Código de Processo Civil, Lei n.° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, cujos estudos e debates que orientaram a sua elaboração remontavam ao final dos anos 60 e início dos anos 70. Assim, foi necessária a criação e implementação de institutos jurídicos aptos a tutelar os novos direitos, cujas lesões podem acarretar conseqüências muitas vezes imprevisíveis.

Nesse contexto de intensas transformações, o legislador pátrio cuidou de editar leis disciplinando esses novos conflitos e direitos. As primeiras leis sobre o tema eram bastante tímidas e restritivas, contemplando apenas questões específicas da sociedade. Com o tempo, as leis passaram a tutelar de forma geral os interesses e direitos metaindividuais, o que se consolidou com a edição do Código de Defesa do Consumidor – Lei n.° 8.078/90, que, inclusive, alterou alguns dispositivos da Lei da Ação Civil Pública – Lei n.° 7.347/85, possibilitando uma ampla tutela desses direitos.

Tendo como marcos a Lei da Ação Civil Pública, a Constituição Federal de 1988 [5] e o Código de Defesa do Consumidor, a doutrina geralmente divide a evolução legislativa da tutela dos interesses e direitos metaindividuais em quatro fases: a) antes da Lei da Ação Civil Pública; b) depois da Lei da Ação Civil Pública e antes da Constituição; c) depois da Constituição e antes do Código de Defesa do Consumidor; e, d) depois do Código de Defesa do Consumidor, quando foi consolidado um sistema que possibilita uma efetiva e satisfatória tutela coletiva.

Comentando a primeira fase, Hugo Nigro Mazzilli (2004, p. 63), lembra que:

"Antes da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, poucas fórmulas havia para defesa global, em juízo, de interesses transindividuais, tais como: a) a ação popular, ajuizada pelo cidadão; b) algumas ações civis públicas já cometidas ao Ministério Público; c) a autorização a entidades de classe para postular interesses coletivos em juízo. Assim, mister se tornava encontrar fórmula que, dentro da tradição de nosso Direito, desse melhor acesso ao Poder judiciário quando de conflitos a propósito de interesses difusos ou coletivos, tomados estes em seu sentido lato."

Em conseqüência, foi editada a Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985, conhecida como Lei da Ação Civil Pública, marco inicial da segunda fase. Essa Lei disciplinava, apenas, a reparação de danos causados ao consumidor, ao meio ambiente e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O então Presidente da República, José Sarney, vetou o inciso IV do art. 1°, que incluía no âmbito da ação civil pública "qualquer outro interesse difuso ou coletivo".

Assim, embora a Lei n.° 7.347/85 tenha alargado o âmbito da ação civil pública, temos que a tutela dos interesses e direitos metaindividuais continuou contemplando apenas questões pontuais e específicas da sociedade, taxativamente elencadas no seu art. 1°. Ademais, a proteção conferida pela Lei da Ação Civil Pública era limitada aos interesses e direitos difusos e coletivos, não contemplando os individuais homogêneos.

Na seqüência, foi promulgada a Constituição Federal de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor, esse em 1990, marcos iniciais da terceira e quarta fase, respectivamente.

A Constituição Federal de 1988, elevando a ação civil pública à categoria de garantia fundamental, conforme expõe Carlos Henrique Bezerra Leite (2004, p. 816), ampliou significativamente o seu objeto. Ao tratar do Ministério Público, a Carta Política de 1988 estabeleceu que a ação civil pública poderia ser ajuizada para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III). Assim, em face da cláusula genérica do dispositivo constitucional, que havia sido vetada do texto da Lei n.° 7.347/85, a ação civil pública deixou de contemplar apenas as questões específicas e taxativamente previstas anteriormente. Importante deixar registrado que até então os interesses e direitos individuais homogêneos ainda não eram objeto da tutela coletiva.

Como já exposto, apenas com o Código de Defesa do Consumidor, marco inicial da quarta fase, é que a tutela dos interesses e direitos metaindividuais foi consolidada. Esse Código, além de regulamentar os interesses e direitos individuais homogêneos, até então inexistentes no ordenamento jurídico pátrio, cuidou de instituir um sistema processual apto a disciplinar, indistintamente, todas as ações coletivas. O Código de Defesa do Consumidor não se limita à solução dos conflitos oriundos das relações de consumo, disciplinando, pois, toda e qualquer ação coletiva, independentemente da matéria e espécie de interesse ou direito em conflito (difuso, coletivo e individual homogêneo).

Em face dos problemas e das dificuldades vivenciados na aplicação da Lei da Ação Civil Pública, o legislador dedicou o último título do Código de Defesa do Consumidor (Título VI, artigos 110 a 117) ao aperfeiçoamento daquele diploma.

Ada Pellegrini Grinover (2000, p. 11) de forma objetiva assim sintetiza a segunda, a terceira e a quarta fase dessa evolução:

"Veio assim à luz, em 1985, a Lei 7.347 sobre a denominada ação civil pública, destinada à tutela do ambiente e do consumidor, na dimensão dos bens indivisivelmente considerados e consequentemente dos interesses difusos propriamente ditos. A Constituição de 1988, depois, sublinhou em diversos dispositivos a importância dos interesses coletivos: em primeiro lugar, elevando a nível constitucional a defesa de todos os interesses difusos e coletivos, sem limitações quanto à matéria, como função institucional do Ministério Público – extremamente autônomo e independente no Brasil -, mas permitindo à lei a ampliação da legitimação ativa (art. 129, III e §1°); referindo-se, depois, à representação judicial e extrajudicial das entidades associativas para a defesa de seus próprios membros (art. 5.°, XXI); criando o mandado de segurança coletivo, com legitimação dos partidos políticos, dos sindicatos e das associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano (art. 5°, LXX); e ainda destacando a função dos sindicatos para a defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais da categoria (art. 8.°, III) e salientando a legitimação ativa dos índios e de suas comunidades e organizações para a defesa de seus interesses ou direitos (art. 232). E, finalmente, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) veio coroar o trabalho legislativo, ampliando o âmbito de incidência da lei da ação civil pública, ao determinar sua aplicação a todos os interesses difusos e coletivos, e criando uma nova categoria de direitos e interesses, individuais por natureza e tradicionalmente tratados apenas a título pessoal, mas condutíveis coletivamente perante a justiça civil, em função da origem comum, que denominou direitos individuais homogêneos."

Portanto, podemos dizer que o Código de Defesa do Consumidor consagrou e consolidou a tutela dos interesses e direitos metaindividuais na legislação pátria, sendo aplicado, juntamente com a Lei da Ação Civil Pública, na defesa de qualquer interesse dessa espécie [6].

Há, ainda, algumas leis esparsas que tratam dos direitos e interesses metaindividuais, como a Lei Orgânicas do Ministério Público da União (Lei Complementar n.° 75/93), Lei Orgânica do Ministério Público dos Estados (Lei Ordinária n.° 8.625/93), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.° 8.069/90), a Lei Antitruste ou Lei do Abuso Econômico (Lei Ordinária n.° 8.884/94), entre outras.


III. Os Interesses e Direitos Metaindividuais

Além de introduzir os interesses e direitos individuais homogêneos no ordenamento jurídico brasileiro, o Código de Defesa do Consumidor também apresentou a conceituação [7] das outras duas espécies de direitos metaindividuais [8], os difusos e coletivos.

Antes de passarmos a analisar as espécies de interesses e direitos metaindividuais é importante esclarecer que a identificação delas deve levar em consideração a pretensão deduzida em juízo (causa de pedir e pedido) e não o fato ou ato jurídico, ou mesmo a matéria, que motivou o ajuizamento da ação. Assim sendo, um mesmo ato ou fato pode ensejar pretensões visando a tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos [9], a depender da causa de pedir e do(s) pedido(s).

A definição dada pelo Código de Defesa do Consumidor é a seguinte:

"Art. 81 (...)

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum."

III.1. Interesses e direitos difusos

Os interesses e direitos difusos são, assim, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

Ada Pellegrini Grinover (2001, p. 741) destaca que o legislador optou "pelo critério da indeterminação dos titulares e da inexistência entre eles de relação jurídica base, no aspecto subjetivo, e pela indivisibilidade do bem jurídico, no aspecto objetivo".

Podemos, então, destacar as seguintes características e peculiaridades dos interesses e direitos difusos:

  • a) transindividuais, pois transcendem, ultrapassam a órbita individual;

  • b) indeterminação dos sujeitos, na medida em que atingem um número indeterminado de pessoas cuja identificação é impossível dada a amplitude do bem jurídico tutelado. Conforme Manoel Jorge Silva Neto (2001, p. 31), podem até mesmo estar afeto a toda humanidade;

  • c) indivisibilidade do objeto, pois esse não pode ser quantificado e dividido ou fracionado entre os pretensos interessados;

  • d) inexistência de vínculo associativo ou relação jurídica base entre os interessados, que estão ligados, apenas, por circunstâncias de fato.

Um exemplo de defesa de interesse e direito difuso seria uma ação coletiva visando a anulação da contratação de servidores investidos em cargos efetivos ou empregos de natureza permanente por um ente ou órgão da administração pública direta ou indireta, sem a realização de concurso público. Trata-se de interesse e direito difuso na medida em que é transindividual; de natureza indivisível; há indeterminação dos sujeitos, pois, em tese, todos os brasileiros poderiam concorrer aos cargos ou empregos se fosse realizado concurso público; e, por fim, os interessados estão ligados por circunstâncias de fato, inexistindo qualquer relação jurídica-base entre eles.

Outro exemplo seria uma ação coletiva visando obrigar uma determinada empresa a contratar pessoas portadoras de deficiência, conforme o art. 93 da Lei n.° 8.213/91 [10]. O interesse é transindividual; indivisível; há indeterminação dos interessados, uma vez que todos os deficientes podem, em tese, ser beneficiados; e não há qualquer relação jurídica unindo os interessados, apenas a circunstância fática de serem deficientes.

Por serem transindividuais, titularizados por pessoas indeterminadas, quase sempre indetermináveis, e terem objeto indivisível, os direitos difusos só permitem a tutela coletiva, não sendo possível a tutela individual.

III.2. Interesses e direitos coletivos

Os interesses e direitos coletivos, por sua vez, são os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base.

Conforme Xisto Tiago de Medeiros Neto (2004, p. 117), os direitos e interesses coletivos possuem as seguintes características:

  • a) transindividualidade, manifestando-se por força da coletividade, não se conformando ao âmbito individual;

  • b) abrangência de um número de indivíduos não determinado, porém determinável;

  • c) relação jurídica base, isto é, existência de um vínculo associativo entre os integrantes do grupo, categoria ou classe ou entre esses e a parte contrária;

  • d) indivisibilidade do interesse, não sendo possível o seu fracionamento entre os indivíduos integrantes do grupo, categoria ou classe, pois afeto a todos indistintamente e a nenhum pessoalmente.

Como exposto, um mesmo ato ou fato pode ensejar pretensões visando a tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, a depender da pretensão deduzida em juízo. Em decorrência, exemplificaremos os interesses e direitos coletivos com base nos mesmos fatos relativos aos difusos.

Na hipótese da contratação de servidores sem a realização de concurso público, verifica-se que a ação coletiva ajuizada visando a anulação das demissões (implementadas, por exemplo, sem a observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal) versará sobre interesses coletivos dos servidores contratados irregularmente, que consiste na manutenção do vínculo. O interesse, no caso, é transindividual; abrange um número determinado ou determinável de pessoas (os que foram contratados irregularmente); é indivisível, pois a anulação atingirá todos que foram demitidos, indistintamente; e há a relação jurídica base (contratação dos servidores pelo poder público).

Em relação às pessoas portadoras de deficiência, um exemplo de interesse coletivo seria uma ação para obrigar uma determinada empresa a adequar as suas instalações às necessidades dos seus empregados deficientes, instalando elevadores, rampas de acesso aos locais de trabalho, banheiros adaptados, etc. O interesse é coletivo, uma vez que é transindividual e de natureza indivisível, pos diz respeito a todos os empregados deficientes indistintamente. Esses constituem um grupo que, por sua vez, está ligado com a parte contrária (o empregador) por uma relação jurídica-base, o contrato de emprego.

Tal como ocorre com os direitos difusos, em regra os interessados não têm legitimidade para pleitear a tutela dos interesses e direitos coletivos de forma individual. Os direitos coletivos só permitem a tutela coletiva.

III.3. Interesses e direitos individuais homogêneos

Por fim, os interesses e direitos individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum.

Há, nessa espécie, um feixe de interesses individuais com origem comum, cujos titulares são determinados (facilmente identificáveis e individualizáveis). Quanto à origem comum, significa que a lesão e o causador da lesão são os mesmos.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 163) lembra que alguns doutrinadores defendem que "os interesses individuais homogêneos são essencialmente individuais, mas acidentalmente coletivos"; entretanto, prefere dizer que esses interesses "são materialmente individuais e processualmente coletivos".

Diferentemente dos interesses e direitos difusos e coletivos, os individuais homogêneos sempre podem ser defendidos a título individual. Entretanto, conforme exposto acima, a tutela coletiva é pertinente e necessária pelas inúmeras vantagens que proporciona aos interessados, especialmente no âmbito trabalhista.

Aproveitando os exemplos anteriores, uma hipótese de tutela a interesse individual homogêneo ocorreria na ação visando a anulação da demissão de empregados portadores de deficiência sem a prévia contratação de substitutos de condição semelhante, conforme exige o art. 93, §1°, da Lei n.° 8.213/91 [11]. Nesse caso, cada empregado deficiente demitido poderia pleitear individualmente a reintegração no emprego [12]. Por outro lado, atingindo uma pluralidade de empregados (grupo) e tendo origem comum (mesma lesão: demissão; mesmo causador: o empregador), resta caracterizado o interesse individual homogêneo, tutelável coletivamente.


IV. A Prescrição dos interesses e direitos metaindividuais

Adentrando no assunto objeto deste trabalho – a prescrição [13] –, cumpre apresentar as balizadas lições de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2002, p. 476):

"Tradicionalmente, a doutrina sempre defendeu que `a prescrição ataca a ação e não o direito, que só se extingue por via de conseqüência’. Nesse sentido é a assertiva de Carvalho Santos: `Tal prescrição pode definir-se como sendo um modo de extinguir os direitos pela perda da ação que os assegurava, devido à inércia do credor durante um decurso de tempo determinado pela lei e que só produz seus efeitos, em regra, quando invocada por quem dela se aproveita`. Mas, tal assertiva, data vênia, ampara-se em fundamento equivocado. O direito constitucional de ação, ou seja, o direito de pedir ao Estado o provimento jurisdicional que ponha fim ao litígio, é sempre público, abstrato, de natureza essencialmente processual e indisponível. Não importando se o autor possui, ou não, razão, isto é, se detém ou não o direito subjetivo que alega ter, a ordem jurídica sempre lhe conferirá o legítimo direito de ação, e terá, à luz do princípio da inafastabilidade, inviolável direito a uma sentença. Por isso, não se pode dizer que a prescrição ataca a ação!"

Tem-se, pois, que a prescrição é o instituto jurídico, de direito material, que extingue a pretensão relativa a determinado direito após o decurso do lapso temporal fixado em lei. Nesse sentido, José Augusto Rodrigues Pinto (2006, p. 6) defende a prescrição como a "perda da exigibilidade judicial de um direito pela inação de seu titular".

Após conceituar o instituto e destacar que a prescrição "tem a função de garantir estabilidade ao negócio jurídico eqüidistante do interesse privado e público que, num momento dado, podem tornar-se antagônico dentro dele", José Augusto Rodrigues Pinto (2006, p. 6-7) explica que:

"O antagonismo sempre começa a mostrar-se na agressão a um direito material, perturbando seu titular. A primeira reação legal, diante dela, é produzir, por tempo determinado, um efeito paralisante sobre todas as demais possíveis relações ou negócios jurídicos subjacentes ou sujeitos à influência do direito agredido. Nesse primeiro momento, portanto, a prescrição privilegia o interesse individual diante do social, fazendo com que todos aguardem durante o tempo dado ao titular do direito agredido para agir, no sentido de preserva-lo ou recompô-lo. A segunda reação legal, exatamente oposta, é inverter o privilégio individual concedido ao titular do direito violado, passando-o para o interesse social, sob a forma de desamparo defensiva ao direito individual violado."

Pois bem. Feitos esses registros, cumpre analisar o tema proposto.

A prescrição da pretensão sobre direitos metaindividuais é tema bastante polêmico. Alguns juristas entendem que todas são imprescritíveis, outros que apenas as que versam sobre direitos difusos e coletivos o são. Há, ainda, uma outra corrente que defende que são imprescritíveis os difusos e apenas parte dos coletivos. Quanto aos individuais homogêneos, há consenso de que a pretensão respectiva é prescritível.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 229) destaca que, comungando do mesmo entendimento de Vera Regina Loureiro Winter e Francisco Antônio de Oliveira, sustentava que os direitos metaindividuais eram imprescritíveis; entretanto, colhendo os argumentos postos na dissertação de mestrado de Héctor Valverde Santana, alterou parcialmente seu posicionamento.

Ainda conforme Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 230), não incide a prescrição sobre pretensão de direito difuso, em face da indisponibilidade do interesse material deduzido em juízo pelos titulares. Com relação à pretensão relativa a direitos individuais homogêneos, incide normalmente a prescrição, dada a sua característica materialmente individual e divisível.

Já em relação à pretensão sobre direitos coletivos, Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 231) defende que deve ser aferida a disponibilidade ou indisponibilidade dos interesses materiais deduzidos judicialmente. Se o interesse for disponível, incide a prescrição; se indisponível, não há incidência da prescrição.

Argumentando que é necessária a inércia do titular e o decurso do tempo para a caracterização da prescrição, Adriano Sant’Ana Pedra (2005, p. 137), por sua vez, defende que a pretensão relativa a direitos e interesses difusos e coletivos é imprescritível, uma vez que a falta de exercício do direito não pode ser atribuída à inércia do titular, já que esse não tem legitimidade para defendê-los. Assim, a pretensão sobre direitos difusos e coletivos (sejam esses disponíveis e indisponíveis) seria imprescritível; enquanto que sobre direitos individuais homogêneos haveria incidência da prescrição, uma vez que o titular do direito tem poder e legitimidade para agir.

Nesse mesmo sentido é o entendimento de Raimundo Simão de Melo (2004, p. 183), que defende a imprescritibilidade da pretensão relativa a interesses e direitos difusos e coletivos sob o fundamento de que eles "pertencem às pessoas indeterminadas ou apenas determináveis no seio da sociedade, tendo como características marcantes a indivisibilidade, a indisponibilidade, a essencialidade e a ausência de conteúdo econômico".

Entendemos que essa última corrente mostra-se mais consentânea com os princípios processuais que regem o instituto da prescrição. Não há como se reconhecer a prescritibilidade dos direitos coletivos, uma vez que, não sendo possível a sua tutela individual, os seus titulares ficam a depender da atuação dos legitimados extraordinários, não podendo arcar com o ônus da inércia ou mesmo da atuação retardada desses.

Portanto, e em face das particularidades e especificidades dos direitos metaindividuais, a pretensão relativa a direitos e interesses difusos e coletivos (sejam esses disponíveis e indisponíveis) é imprescritível. Já a pretensão relativa aos direitos individuais homogêneos, prescritível.

Diante dessas conclusões, e em relação aos interesses e direitos individuais homogêneos, cumpre analisar o momento processual adequado para a argüição [14] e declaração da prescrição.

A análise dessa questão deve partir do disposto no art. 95 do Código de Defesa do Consumidor, "in verbis":

"Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados." (destaques acrescidos).

Nas ações coletivas, portanto, a condenação é genérica e o réu é responsabilizado pelos danos e prejuízos causados, e não os sofridos. Isso corresponde a um novo enfoque da responsabilidade civil e significa que, uma vez procedentes os pedidos formulados na ação coletiva, é fixada a responsabilidade genérica do réu pelos danos e prejuízos decorrentes de sua conduta, cabendo aos lesados apenas a liquidação dos respectivos danos e a posterior execução [15], o que facilita sobremaneira a reparação, na medida em que na liquidação e execução não se discute mais a responsabilidade do réu pelos danos, que já foi determinada e tornada certa pela sentença proferida na ação coletiva, discute-se apenas o "quantum debeatur".

Como nas ações coletivas se discute o direito de todo o grupo, classe ou categoria de pessoas em abstrato, sem individualização dos substitutos e independentemente de autorização destes [16], não há como delimitar nas respectivas sentenças o "quantum" devido a cada uma dessas pessoas em particular. Se assim não fosse, restaria frustrada a própria finalidade das ações coletivas, bem como suas principais vantagens: a socialização (função social), democratização e a efetividade do processo.

Diante desse quadro, e tendo em vista a condenação genérica, é evidente que o Juiz não dispõe de dados suficientes para declarar a prescrição na sentença que proferir, até porque muitas vezes incidirão no caso concreto e em favor de determinado(s) substituído(s) causas impeditivas e suspensivas da prescrição ou, ainda, causas que interrompem o prazo prescricional. E isso decorre do fato de muitas das causas impeditivas, suspensivas e interruptivas da prescrição não se comunicarem, ou seja, não beneficiarem outros substituídos, senão aqueles que se enquadrarem nas respectivas hipóteses legais (arts. 197 a 204 do Código Civil, art. 440 da Consolidação das Leis do Trabalho, entre outras).

Um exemplo esclarecedor é a situação do trabalhador menor de 18 anos, contra o qual não corre nenhum prazo de prescrição, conforme o art. 440 da Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, se o trabalhador menor for beneficiário de uma determinada ação coletiva, não haverá prescrição a ser declarada, muito embora possa ocorrer de a pretensão de outros substituídos restar prejudicada (total ou parcialmente) pela consumação da prescrição.

Dessa forma, a mesma pretensão, veiculada no mesmo processo, poderá restar prescrita para uns substituídos e não prescrita para outros, a depender da situação particular e específica de cada um deles.

Portanto, em se tratando de ações coletivas referentes a interesses e direitos individuais homogêneos, a prescrição deve ser analisada após o julgamento da ação, mais precisamente quando da liquidação e execução da sentença pelos substituídos, considerando a situação particular e específica de cada um deles.


V. Considerações finais

Em face das particularidades e especificidades dos interesses e direitos metaindividuais, a pretensão relativa aos interesses e direitos difusos e coletivos (sejam esses disponíveis e indisponíveis) é imprescritível. Já a pretensão relativa aos direitos individuais homogêneos, prescritível.

No tocante aos interesses e direitos individuais homogêneos, tendo em vista que o Juiz não dispõe de dados suficientes para declarar a prescrição na sentença que proferir, a condenação é genérica e muitas vezes incidirão, no caso concreto e em favor de determinado(s) substituído(s), causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas da prescrição. Por essa razão, a prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos individuais homogêneos deve ser analisada após o julgamento da ação, mais precisamente quando da liquidação e execução da sentença pelos substituídos, considerando a situação particular e específica de cada um deles.


Notas

  1. Podemos destacar ainda que a aglutinação de diversos litígios individuais, independentemente da quantificação monetária, em uma só ação contribui para a diminuição de processos em tramitação perante o Poder Judiciário e, consequentemente, para a celeridade das demais ações. Com a tutela coletiva há, desse modo, a eliminação do custo de inúmeras ações individuais, tornando mais racional o trabalho do Poder Judiciário.

  2. Ao tratar desse tema, Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 157), expõe que "a jurisdição trabalhista metaindividual busca, assim, com base em tais princípios, efetivar um outro princípio constitucional: a igualdade substancial, real, entre os cidadãos-trabalhadores. O trabalhador sozinho apresenta-se bastante vulnerável para exercitar o direito constitucional de acesso ao Judiciário, máxime se levarmos em conta que a Justiça do Trabalho é, no plano real, a ‘Justiça dos Desempregados’, pois a regra geral é a de que o trabalhador, durante a vigência do contrato de trabalho, tem o fundado receio de perder o emprego. É a chamada paralisia temporária do direito de demandar. Daí a importância da implementação da jurisdição trabalhista metaindividual, que permite o acesso igualitário dos trabalhadores por meio de instituições ou associações que têm o papel de defender e proteger os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e sem o temor de figurarem formalmente na relação jurídica processual".

  3. Arruda Alvin (1997, p. 150) lembra que o capitalismo "se revelou talvez o único sistema econômico, na Idade Moderna, capaz da produção efetivamente volumosa e satisfatória de bens, por isso mesmo, acabou engendrando alta velocidade de circulação de bens, multiplicação dos serviços e deu nascimento a outros valores, jogando no ocaso da desnecessidade e do esquecimento outros tantos valores".

  4. Hugo Nigro Mazzilli (2004, p. 48) explica que "situados numa posição intermediária entre o interesse público e o interesse privado, existem os interesses transindividuais (também chamados de interesses coletivos, em sentido lato), os quais são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas (como os condôminos de um edifício, os sócios de uma empresa, os membros de uma equipe esportiva, os empregados do mesmo patrão). São interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam propriamente a constituir interesse público". Para Xisto Tiago de Medeiros Neto (2004, p. 112), "os interesses coletivos (lato sensu) correspondem, destarte, à modalidade dos interesses transindividuais ou metaindividuais, com a nota característica básica de se projetarem para além da esfera individual (subjetivada), posicionando-se na órbita coletiva, cuja titularização (não determinada individualmente) repousa em um grupo, uma classe , uma categoria de pessoas (determinadas ou determináveis) ou mesmo em toda a coletividade (indeterminada)".

  5. Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 145) explica que, "inovando substancialmente em relação ao regime anterior, a Constituição Federal de 1988 preocupou-se não apenas com a proteção dos direitos humanos de primeira dimensão (direitos civis e direitos políticos) e os de segunda dimensão (direitos sociais, econômicos e culturais), mas, concomitantemente, com a tutela dos direitos humanos de terceira dimensão, também denominados novos direitos, direitos híbridos, direitos ou interesse metaindividuais".

  6. As disposições do Código de Defesa do Consumidor, juntamente com as da Lei da Ação Civil Pública encerram verdadeiro "Código de Processo Coletivo", tutelando toda e qualquer ação coletiva, independentemente da matéria nela ventilada. Esse é o entendimento da doutrina majoritária. Os interesses e direitos metaindividuais e as ações coletivas possuem institutos e regramentos próprios, não permitindo a aplicação de institutos do processo individual (Código de Processo Civil e Consolidação das Leis do Trabalho), a não ser de forma subsidiária. Defendendo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública ao processo do trabalho, Raimundo Simão de Melo (2004, p. 42) destaca que o sistema instituído pela Consolidação das Leis do Trabalho "não serve mais para dar proteção efetiva aos direitos dos trabalhadores agredidos coletivamente". No mesmo sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite (2002, p. 157) assevera que a legislação material e processual do trabalho não possui normas próprias disciplinando as ações coletivas, pelo que entende constituir tarefa do intérprete a aplicação do sistema integrado pelas normas da Constituição Federal de 1988, Lei da Ação Civil Pública, Código de Defesa do Consumidor, Leis Orgânicas do Ministério Público da União e do Ministério Público dos Estados e de outras leis esparsas, "fazendo-se, apenas, algumas adaptações ao procedimento próprio do processo laboral". Sem fazer qualquer restrição quanto à matéria ou ramo do direito, a própria Lei da Ação Civil Pública estabelece que: "Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor."

  7. É importante destacar que, embora a conceituação de institutos jurídicos não seja de boa técnica legislativa, a definição das espécies de interesses e direitos metaindividuais pelo Código de Defesa do Consumidor é bastante precisa e elogiada pela doutrina, principalmente por causa da inexistência de consenso sobre a mesma.

  8. Verifica-se, pois, que direitos metaindividuais é o gênero e interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, as suas espécies.

  9. Pertinentes são as palavras de Nelson Nery Júnior (1991, p. 25): "Observamos o erro metodológico utilizado por doutrina e jurisprudência para qualificação de um direito como sendo difuso, coletivo ou individual. Correntemente vê-se a afirmação de que o direito ao meio ambiente é difuso, o do consumidor é coletivo e o que o de indenização por prejuízos particulares seria individual. A afirmação não está correta nem errada. Apenas há engano na utilização do método para a definição qualificadora do direito ou interesse posto em jogo. A pedra de toque do método classificatório é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Da ocorrência de um mesmo fato podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais. O acidente com o ‘Bateau Mouche IV’, que teve lugar no Rio de Janeiro há alguns anos, pode ensejar ação de indenização individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que têm interesse na manutenção da boa imagem desse setor da economia (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes".

  10. "Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I - até 200 empregados: 2%; II - de 201 a 500: 3%; III - de 501 a 1.000: 4%; IV - de 1.001 em diante: 5%."

  11. "§ 1º. A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante."

  12. "REINTEGRAÇÃO DEFICIENTE FÍSICO ART. 93, § 1º, DA LEI Nº 8.213/91 – O art. 93, caput, da Lei nº 8.213/91 estabelece a obrigatoriedade de a empresa preencher um determinado percentual dos seus cargos, conforme o número total de empregados, com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas. O § 1º do mesmo diploma, por sua vez, determina que: A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. O dispositivo não confere, diretamente, garantia de emprego, mas, ao condicionar a dispensa imotivada à contratação de substituto de condição semelhante, resguarda o direito de o empregado permanecer no emprego, até que seja satisfeita essa exigência. O e. Regional consigna que os reclamados não se desincumbiram do ônus de comprovar a admissão de outro empregado em condições semelhantes (deficiente físico), razão pela qual o contrato de trabalho não poderia ter sido rescindido. O direito à reintegração decorre, portanto, do descumprimento, pelo empregador, de condição imposta em Lei. Recurso de revista não provido. (TST – RR 5287 – 4ª T. – Rel. Min. Milton de Moura França – DJU 03.12.2004)" (destaques acrescidos).

  13. Neste trabalho abordaremos apenas a prescrição extintiva.

  14. Não obstante a nova redação do art. 219, §5°, do Código de Processo Civil, conferida pela Lei n.º 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, segundo a qual "o Juiz pronunciará, de ofício, a prescrição", entendemos que a prescrição não pode ser declarada de ofício pelo Juiz. A parte interessada deve, portanto, argüir a prescrição no momento processual próprio (art. 193 do Código Civil). Isso decorre do fato de a prescrição poder ser renunciada, inclusive tacitamente, pela parte a quem aproveita, o que é, a princípio, incompatível com a atuação de ofício do magistrado. Além disso, há quem sustente que a alteração de um instituto jurídico de direito material por lei de conteúdo eminentemente processual é inválida. Entretanto, vale registrar que a doutrina ainda não está pacificada sobre o tema, tendo em vista que a alteração implementada pela Lei n.º 11.280/2006 é bastante recente.

  15. É importante registrar que não há impedimento para o ajuizamento da ação individual quando ainda pendente (em tramitação) ou já julgada uma ação coletiva com o mesmo objeto. Contudo, optando pelo ajuizamento da ação individual, mesmo já havendo sentença coletiva favorável, o autor individual assume o risco de ter sua pretensão rejeitada pelo Poder Judiciário, ocasião em que não mais poderá beneficiar-se da sentença coletiva. Ao propor a ação individual, o autor renuncia de forma automática, legitima e expressa a tutela coletiva e assume os riscos decorrentes da ação individual. Assim, existindo uma sentença coletiva de procedência, é mais viável ao substituto liquidá-la e executá-la, tendo em vista que já houve a condenação genérica, do que arriscar o ajuizamento de uma ação de conhecimento, que poderá ser procedente ou improcedente.

  16. Nesse particular, merece registro a atuação dos sindicatos como substituto processual. Ao tratar dos direitos sociais, a Constituição Federal, em seu art. 8°, dá destaque à associação profissional ou sindical, estabelecendo, em seu inciso III, que "ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas". O Tribunal Superior do Trabalho, interpretando o dispositivo constitucional, editou a Súmula n.° 310, que, no seu inciso I, estabelecia que "o art. 8º, inciso III, da Constituição da República não assegura a substituição processual pelo sindicato". Ainda segundo a Súmula, a legitimidade extraordinária no processo do trabalho só haveria quando Lei específica a estabelecesse. Em face da reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal contrária ao entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, esse cancelou a citada Súmula, bem como as demais que eram incompatíveis com a jurisprudência da Suprema Corte (Resolução n.° 119/2003). Após o cancelamento da Súmula n.° 310, o Tribunal Superior do Trabalho ampliou significativamente o entendimento sobre a substituição processual pelo sindicato. Hodiernamente é entendimento pacífico na Justiça do Trabalho que os sindicatos possuem ampla legitimidade extraordinária. Portanto, tem-se que a substituição processual na Justiça do Trabalho é ampla, sendo desnecessária, inclusive, a filiação, a autorização e/ou a indicação nominal dos substituídos, uma vez que as entidades sindicais defendem os direitos e interesses da categoria, e não apenas dos filiados. Entretanto, alguns juízes trabalhistas, ainda influenciados pela já cancelada Súmula n.° 310, exigem a autorização e indicação nominal dos substituídos, confundindo o instituto da substituição processual (legitimidade extraordinária) com a representação.


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Autor

  • Adriano Mesquita Dantas

    Adriano Mesquita Dantas

    Juiz Federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região/PB, Professor Universitário e Presidente da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pós-Graduado em Direito do Trabalho e em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar (UnP). Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA). Foi Agente Administrativo do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região/RN, Advogado, Advogado da União e Diretor de Prerrogativas e Assuntos Legislativos da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Adriano Mesquita. A prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos metaindividuais: enfoques trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1001, 29 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8171. Acesso em: 18 abr. 2024.