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Da inocorrência do anatocismo na Tabela Price

uma ánalise técnico-jurídica

Da inocorrência do anatocismo na Tabela Price: uma ánalise técnico-jurídica

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Demonstraremos que a aplicação da Tabela Price não redunda, em si, na capitalização de juros e não há sentido lógico em combater-se o anatocismo através do afastamento dos resultados da fórmula matemática a ela relacionada.

Introdução

Muito se tem discutido no Brasil, nos últimos anos, sobre a legalidade ou não da utilização da Tabela Price no cálculo de prestações de empréstimos ou financiamentos, notadamente em face da alegada ilicitude quanto à prática do anatocismo.

As opiniões antagônicas, por certo, decorrem da interpretação da fórmula matemática utilizada no sistema de amortização em questão e fundam-se, ora em sua gênese, que seria derivada da fórmula de juros compostos, ora nos resultados de sua aplicação concreta, que implicariam, da mesma forma, na capitalização de juros embutida nas prestações disso decorrentes.

Entretanto, tal antagonismo não se justifica sob o aspecto científico posto que, diante da formulação matemática, sua aplicação no âmbito financeiro e suas conseqüências nas realidades econômica e jurídica, não há margem para que dúvidas remanesçam, desde que não se percam de vista os conceitos que advém dos diversos ramos do conhecimento envolvidos, no caso, a matemática, a economia e o direito.

O que nos propomos, aqui, é demonstrar de maneira cabal que, em face dos fundamentos jurídicos que norteiam as relações entre tomadores e prestadores de capital, as condições decorrentes da aplicação da Tabela Price não redundam, consideradas em si, na capitalização de juros e, portanto, não há sentido lógico em combater-se o anatocismo através do afastamento dos resultados da fórmula matemática que decorre do dito sistema de amortização.

A despeito de ser compreensível que no Brasil exista uma prevenção natural contra as instituições financeiras, que são as operadoras de taxas de juros das mais altas do planeta – quando não as maiores – há que se ter em mente que a utilização da Tabela Price ocorre em diversos outros tipos de relação contratual que não as envolva. E, mesmo que assim não fosse, nada justifica que, em nome da natural reação social contra as práticas usurárias disseminadas no mercado brasileiro, se consagre um conceito equivocado, para não dizer, falacioso.

Nossa jurisprudência, infelizmente, já foi influenciada parcialmente por tais equívocos, sendo vacilante quanto à legalidade ou não da utilização da Tabela Price, o que não inibe o restabelecimento da verdade em nossos tribunais.

São oportunas as palavras do Eminente Magistrado, Dr. Paulo Eduardo Razuk [01]:

"A tarefa do jurista é interpretar as normas jurídicas, embora deva estuda-las em atenção à realidade social subjacente, ao fato e ao valor que confere sentido a esse fato, regulando a ação humana para a consecução de uma finalidade."

Ou seja, se é certo que compete ao Poder Judiciário, atento à realidade social, inibir as práticas lesivas de usura, também é certo que não se pode olvidar de que os fatos devam ser tratados pelo sentido efetivo que tenham. Não há sentido em acolher-se uma tese "simpática" socialmente, se ela não se pauta em fatos verdadeiros e, mais, se considerados efeitos concretos nulos, é de todo inócua a interferência do Estado que, assim, não atinge a finalidade pretendida de distribuir justiça.


I – Análise histórica

Antes de adentrar no estudo e demonstração específicos relativos às bases de aplicação e efeitos da Tabela Price, é de todo relevante relembrar o contexto histórico do momento em que surgiram as teses que passaram a apontar a prática de anatocismo por decorrência desse sistema de amortização de dívidas.

As notícias sobre grande volume de ações judiciais que passaram a "denunciar" que a prática do anatocismo estaria implícita na fórmula de cálculo de prestações decorrente da Tabela Price datam do final da década de oitenta e início da década de noventa. Tal "modismo" não surgiu ao acaso e tem suas raízes em uma série de fatores concorrentes.

Primeiramente, há que se considerar que, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, já estava assentado por nossos tribunais (Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal) que as disposições da Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933) não se aplicavam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados por instituições financeiras.

Afinal, a Lei nº 4.595, de 31.12.1964, que dispõe sobre o sistema financeiro nacional e o mercado de capitais, atribuiu com exclusividade ao Conselho Monetário Nacional disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, bem como, sempre que necessário, limitar as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros.

Portanto, o entendimento jurisprudencial vigente, no curso da década de oitenta, era de que as instituições financeiras em geral não estavam subordinadas aos comandos da Lei de Usura.

Contudo, com a promulgação, em 05 de outubro de 1988, da nova Constituição Federal, a discussão sobre o tema reacendeu em face do § 3º do Art. 192 que fixou em 12% (doze por cento) ao ano o limite de juros "reais" sobre operações de crédito, nisso considerada toda e qualquer remuneração.

Apesar da referência final daquele dispositivo constitucional, que remeteu a disciplina do tema aos "termos que a lei determinar", a discussão passou a ser sobre a auto-aplicabilidade de tais critérios, uma vez que a Lei de Usura teria sido, na visão de alguns, recepcionada pelos efeitos da nova ordem constitucional. Em outras palavras, passou-se a aventar a hipótese de que os efeitos da Lei de Usura também atingissem as instituições financeiras.

O Poder Judiciário em pouquíssimo tempo, a partir de então, passou a se ver assoberbado com uma avalanche de ações judiciais que pretendiam ver o dispositivo constitucional respeitado naquilo em que limitava a cobrança da remuneração sobre o capital em 12% (doze por cento) ao ano.

A criatividade de alguns advogados e seu afã de tirar o maior proveito possível da nova tese que se vislumbrou na ocasião, fez com que, dentre outros aspectos, passassem a tentar configurar a diversidade de operações de crédito de um tomador perante uma mesma instituição financeira como um grande e único negócio, tudo com o intuito de adaptar as complexas relações bancárias à singela figura de "conta corrente" contemplada na Lei de Usura, que data de 1933.

Ainda, em 1990, houve a promulgação do Código do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990), que instituiu expressamente uma série de dispositivos que vedam o abuso nas relações entre o consumidor e fornecedores de produtos e serviços. As discussões sobre dívidas bancárias foram, então, enriquecidas pelos debates sobre a inserção ou não das instituições financeiras no rol de fornecedores de serviços. Aliás, esse debate perdura até hoje e não há definição sobre o tema.

Nesse contexto é que surgiu, dentre as obras dos professores brasileiros de matemática financeira, a menção de que a fórmula da Tabela Price é uma variação da fórmula dos juros compostos, ou que ela é constituída com base na teoria dos juros compostos (ou capitalização composta). Destaque-se que esse tipo consideração sequer é cogitada em obras de autores estrangeiros traduzidas para o nosso idioma, até porque é uma ilação relativa e que, em si, não tem nenhuma conseqüência financeira concreta.

O que se observou é que alavancaram-se as vendas das obras desses autores brasileiros, tendo em vista sua menção expressa em ações judiciais que tiveram seus pleitos fundamentados nessa ilação matemática. Ou seja, dessa "verdade matemática", enriquecida com equivocadas interpretações históricas, abstraiu-se uma "meia-verdade financeira" e, por conseqüência disso, uma artificial e falaciosa "verdade jurídica".

Assim foi que, diante disso, passou-se a alegar nas ações judiciais em geral que a Tabela Price consagrava a prática do anatocismo e que isso estaria comprovado por conclusões matemáticas inquestionáveis – que não representam, em absoluto, uma verdade financeira ou jurídica. Infelizmente, em face do despreparo da maioria dos auxiliares da justiça responsáveis pela elaboração de provas técnicas, muitos acabaram aderindo a tal propositura conceitual como se verdade fosse.

Disso implicou, inclusive, que a própria jurisprudência não se formasse de modo uniforme quanto à legalidade ou não da aplicação da Tabela Price como meio de fixação dos valores de prestações de financiamentos ou empréstimos, havendo julgados que dispõe diferentemente sobre o tema.

Atualmente, o § 3º do Art. 192 da Constituição Federal já está revogado pela Emenda 40/2003 e, nesse sentido, pelo menos em princípio, já não há como provocar o Poder Judiciário sobre a aplicabilidade ou não da Lei de Usura sobre as atividades das instituições financeiras.

Contudo, as demandas judiciais persistem a combater a utilização da Tabela Price, apontada como meio abusivo de capitalizar juros. E, mesmo quanto a outros tantos tipos de relações contratuais de caráter não financeiro, há aquelas que se utilizam ordinariamente da Tabela Price como, por exemplo, os contratos de financiamento direto na venda de imóveis.

Portanto, dentre as heranças das teses outrora urdidas no sentido de resistir ao pagamento de dívidas financeiras, remanesce aquela que atribui a prática de anatocismo pela mera utilização da Tabela Price, o que torna o tema relevante e atual.

Destaque-se que, aqui, não se pretende fazer a defesa da fixação livre e unilateral de taxas de juros por parte das instituições financeiras e, menos ainda, de práticas efetivamente abusivas em detrimento dos tomadores de empréstimos e financiamentos.

A questão a respeito das altas taxas de juros praticadas no Brasil, suas causas, conseqüências e bases jurídicas não é o foco dos temas aqui em comento. Ainda, não é circunstância cuidada aqui a análise sobre o eventual tratamento diferenciado dado às instituições financeiras, que não estariam sujeitas aos regramentos limitadores da legislação civil sobre encargos financeiros.

A única proposta neste trabalho é demonstrar que, efetivamente, a Tabela Price não promove a capitalização de juros e, mais, que tal conclusão não pode ser tida como mera questão de opinião, porque não se trata de um conceito filosófico que esteja sujeito a variar conforme as crenças, desejos ou interesses de quem se dedique à sua análise.

Conforme ficará patente nos capítulos subseqüentes a utilização da Tabela Price não consagra a prática do anatocismo e, mais, seus critérios, mesmo tendo sido definidos em épocas remotas e no contexto de circunstâncias alienígenas, são perfeitamente adequados à legislação brasileira, nada havendo que implique que sua utilização represente algum tipo de ilicitude.


II – Usura e anatocismo – restrições legais

Diante de tantas utilizações indevidas de terminologias e conceitos relativos à cobrança de juros torna-se imprescindível recapitular definições que se corromperam ou desvirtuaram com a prática em larga escala de invocar juridicamente aspectos financeiros que não são, ordinariamente, afetos aos instrumentalizadores do direito.

Usura, na essência etimológica da palavra – que provém do latim (usura) –, significa "juro de capital", isto é, remuneração que o devedor de capital mutuado tem perante o credor como forma de compensar a este pela privação dos recursos correspondentes durante um determinado período.

Durante a Idade Média, quando a Igreja Católica ditava os mandamentos éticos e morais da sociedade ocidental, então concentrada unicamente na Europa, a prática da cobrança de juros de qualquer espécie era totalmente combatida e, nesse contexto, por conseqüência, existia a vedação expressa da "prática de usura", no sentido estrito originalmente atribuído ao termo.

Entretanto, com a evolução da sociedade e das relações econômicas, mostrou-se inevitável que o instituto do crédito se consolidasse e, assim, a cobrança de juros passou a ser não só admissível como, ainda, desejável por ser condição da concessão de financiamentos e empréstimos.

Por certo que práticas abusivas levaram à necessidade de restringir a cobrança de juros em níveis não extorsivos. Diante dessa nova situação é que o termo "usura" passou a representar a cobrança de juros excessivos ou lucro desmedido. Portanto, tem-se que "usura", na acepção contemporânea da palavra, representa a cobrança de juros em níveis exagerados ou superiores aos parâmetros legais fixados.

Anatocismo, por sua vez, é palavra de origem grega (ana = repetição, tokos = juros), e significa a cobrança de juros sobre os juros. Assim, consiste na incorporação dos juros vencidos ao capital, de forma que os juros vincendos passem sobre eles a incidir, além do próprio saldo de capital.

Considerando que a capitalização sistemática dos juros implica que uma dívida sem amortizações de tais encargos cresça em progressão geométrica, passou-se a considerar que o anatocismo, em si, fosse uma prática usurária e que poderia levar os rendimentos a níveis exagerados.

Entretanto, não é de todo correto assumir que "anatocismo" e "usura" sejam sinônimos até porque, se a usura é combatida por ser prática de enriquecimento reprovável, o anatocismo, em si, não o é, necessariamente. Afinal, a legislação não veda a capitalização de juros, simplesmente a limita.

Veja-se o que disciplinava o Código Civil de 1916:

Art.1.262. É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis. Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (art. 1.062), com ou sem capitalização.

Essa era uma norma em branco até a entrada em vigência da Lei de Usura que, apesar de ter sido invocada tantas vezes como sendo a fonte legal de vedação do anatocismo, na verdade assim restringiu:

Art.4º. É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

O novo Código Civil repetiu tal mandamento, ou seja:

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.

Conforme percebe-se da leitura dos termos da lei, é expressamente permitida a capitalização anual dos juros. A legislação antiga, utilizando os conceitos da época, falava em juros vencidos sobre saldos em conta corrente de mútuo, ano a ano. A nova legislação, já adaptada a conceitos inerentes às complexas relações financeiras contemporâneas, dispensou referências a "conta corrente", "saldo devedor" e outros afins.

Portanto, uma inverdade largamente difundida – por má-fé ou despreparo – e que carece ser rechaçada é de que exista legislação que vede de forma absoluta a prática do anatocismo.

Há que se ter em conta, ainda, que os juros podem ter diferentes fundamentos e naturezas. Assim, há os juros compensatórios e os juros de mora. Tal ressalva é de extrema importância porque, em sua esmagadora maioria, as ações que discutem a vedação ao anatocismo não fazem qualquer distinção entre os juros compensatórios e os juros de mora, considerando, de maneira indevida, que tais encargos não possam ser cumulados por implicarem em "anatocismo".

Os juros compensatórios são aqueles pactuados entre as partes para remunerar o capital, entre a concessão do empréstimo ou financiamento até os respectivos vencimentos das prestações contratadas. Os juros compensatórios, também, podem ser aqueles decorrentes de lei que os estipule, caso as partes não o tenham pactuado.

Os juros de mora, por sua vez, representam a indenização paga ao credor por não terem sido honradas obrigações no tempo e no modo ajustado contratualmente (Art. 955 do CC antigo e Art. 394 do vigente).

Certo é, que quando os juros são decorrentes de diferentes fundamentos, podem cumular-se sem que isso represente anatocismo. Isto é, juros de mora podem ser cumulados sobre os juros compensatórios e isto, em si, não representa anatocismo. Isto, inclusive, já está sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, ou seja:

Súmula nº12. Em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e moratórios.

Súmula nº102. A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropria-tórias, não constitui anatocismo vedado em lei.

As súmulas referenciadas dizem respeito às ações expropriatórias, contudo, é cediço que toda e qualquer condenação judicial envolvendo dívida de natureza econômica implique no cômputo de juros de mora, mesmo que em tal dívida já estejam implícitos os juros contratuais. Aliás, assim disciplina o Art. 407 do novo Código Civil (Art. 1064 do antigo CC):

Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora, que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.

Aliás, isso também está devidamente sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja:

Súmula nº 254. Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação.

Além disso, é comum que os contratos em geral estipulem juros de mora de 1% (um por cento) ao mês. Contudo, a Lei de Usura, assim estipula:

Art.5º. Admite-se que pela mora dos juros contratados estes sejam elevados de 1% e não mais.

Ou seja, a Lei de Usura estipula que os juros de mora sejam de 1% (um por cento) ao mês. De qualquer forma, o que é de interesse ressaltar é que também a Lei de Usura não vedou o cálculo dos juros de mora sobre os juros contratados.

Portanto, a legislação é clara no sentido de que a cumulação de juros de natureza e fundamentos diferentes não representa anatocismo.

Por fim, e para que se tenha em relevo e destaque todos os aspectos legais pertinentes, o Código Civil, tanto o anterior (Arts. 991 a 994) como o que está em vigência (Arts. 352 a 355), possuem estipulação de que na amortização dos débitos vencidos deve-se imputar os valores pagos primeiro às dívidas mais antigas e, ainda, na seguinte ordem:

- os encargos de mora;

- os juros compensatórios; e

- o capital.

Ou seja, a decomposição dos valores de pagamento deve dar-se, por uma conseqüência lógica natural, para saldar os valores de origem mais antiga, sob pena de onerar-se o devedor pela quitação das mais recentes cujas bases de cálculo dos encargos são menores.

Tal aspecto é de suma importância e, por certo, a legislação não lhe deu trato específico por mero capricho do legislador. Com efeito, se a ordem das imputações dos valores pagos não for observada, conforme descrito anteriormente, duas conseqüências podem advir:

-se não liquidados primeiramente os juros antes do capital, estar-se-ia deixando remanescer encargos que, no curso do tempo poderiam ser cumulados de forma capitalizada; e

-se não liquidadas as dívidas mais antigas em detrimento das mais recentes, implicaria que estariam preservando débitos sobre os quais incidiriam os maiores encargos cumulativos de mora.

A primeira conseqüência acima descrita representaria uma forma artificial de provocar indevidamente o anatocismo permitido por lei e a segunda uma forma abusiva de fazer incidir os encargos de mora. Ou seja, a observância estrita da seqüência legal de imputações dos valores entregues para saldar uma dívida econômica é medida que visa efetivamente inibir a usura, no sentido de coibir práticas que onerem o devedor sem propósito e com o conseqüente enriquecimento sem causa do credor.

Em resumo, usura é a prática de cobrança de rendimentos financeiros abusivos e anatocismo é a prática de cumulação de encargos financeiros da mesma natureza e fundamento. Nem todas as formas de anatocismo são vedadas por lei e, por certo, somente quando há o cômputo ilícito de juros sobre juros é que se configura a usura.


III –Das condições que se contratam com a aplicação da Tabela Price

Ordinariamente, o que se tem divulgado é que a Tabela Price contempla a prática do anatocismo e isso é feito com base em inferências infundadas, conforme se verá em capítulos subseqüentes.

Contudo, antes que se percorra o quase sempre penoso caminho de interpretar fórmulas e cálculos, parece de todo conveniente que se interpretem quais efetivas condições são ajustadas entre as partes quando contratam o cálculo de prestações e a amortização de dívidas com base no sistema da Tabela Price. Ou seja, é imprescindível identificar qual o fato jurídicoque emana da vontade das partes que contratam obrigações a serem pagas e amortizadas com base no sistema da Tabela Price.

Um contrato é um ajuste que expressa a livre manifestação de vontade entre as partes e, se não compreendidas com clareza quais as obrigações assumidas quanto ao modo e tempo de seu adimplemento, impraticável é definir se existe ou não prática abusiva que justifique a interferência do Estado para restabelecer o equilíbrio entre os contratantes e coibir eventuais ilicitudes camufladas nas condições contratadas.

O que se observa nos pleitos de quem busca a tutela jurisdicional do Estado, no que tange especificamente às obrigações contratuais ajustadas com base na Tabela Price, é que se alega a prática de abuso usurário decorrente de anatocismo que estaria implicitamente contemplado na fórmula de cálculo que redunda, diretamente, na apuração dos valores das prestações e, indiretamente, nas proporções de amortização do capital e da evolução do saldo da dívida.

Entretanto, a utilização da Tabela Price em contratos não implica nas alegadas ilicitudes. Tomemos o seguinte exemplo: um mutuário toma um empréstimo de R$ 9.000,00 no dia 01/04/X0 e pretende saldá-lo dentro de dois anos com o pagamento de 24 (vinte e quatro) prestações mensais, iguais e sucessivas, vencíveis sempre no mesmo dia de cada mês, considerada a taxa de juros legal de 1% (um por cento) ao mês. Se aplicada a fórmula da Tabela Price, a mesma indicará, para o caso em questão, um fator igual a 0,047073 e que, se aplicado sobre o capital mutuado, resultará no valor de cada uma das prestações contratuais, isto é: R$ 9.000,00 X 0,047073 = R$ 423,66.

Convém confirmar tal assertiva com a resolução concreta da fórmula da Tabela Price, conforme segue:

P

=

C

x

(1 + i )n x I

(1 + i)n - 1

Onde:

P =Prestação
C = Capital Inicial
i =taxa de juros
n = período

 

P

=

9.000,00

x

(1 + 0,01)24 x 0,01

 

(1 + 0,01)24 - 1

 

P

=

9.000,00

x

1,269735 x 0,01

 

1,269735 - 1

 

P

=

9.000,00

x

0,012697

 

0,269735

 

P

=

9.000,00

x

0,047073

 

P

=

423,66

Ainda, assuma-se que a contratação exemplificativa previu que, em caso de inadimplemento, sobre as prestações vencidas incidam juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde seus respectivos vencimentos e até seus efetivos pagamentos.

Esse é um padrão bem conhecido nos contratos brasileiros, que usualmente prevêem o pagamento em prestações "mensais, iguais e sucessivas vencíveis sempre no mesmo dia de cada mês". Ainda, é usual que sobre as prestações vencidas incidam "juros de mora de 1% (um por cento) ao mês". As dívidas feitas em prestações mensais são assim consumadas e é fato dos mais comezinhos que dispensa referências ou confirmações, já que de notório conhecimento público.

Tais contratos não falam em juros capitalizados. Também não falam de carência para o início das amortizações do principal ou dos juros. Menos ainda, estipulam especificamente uma ordem ou proporção de imputação dos valores pagos para efeito de liquidação das obrigações assumidas. Simplesmente estipulam que o valor das parcelas mensais já computa juros de 12% ao ano pela Tabela Price, ou singelamente "TP".

Portanto, tem-se que um tal tipo de contratação, com a aplicação do fator colhido na Tabela Price, fixou expressa estipulação entre as partes quanto ao período do mútuo, as épocas dos pagamentos e amortizações e, obviamente, o valor específico de cada pagamento. No mais, ou seja, naquilo que não se depreende especificamente dos termos expressamente ajustados, obviamente devem ser observados os estritos preceitos legais, quais sejam:

a)que a partir do primeiro vencimento – e assim sucessivamente com os demais – devam haver pagamentos que se prestem a amortizações parciais do saldo devedor total;

b)que os valores entregues se prestem, primeiramente, a saldar os juros do saldo devedor total e, na seqüência, amortizar parte do capital mutuado;

c)que não sejam incorporados juros ao saldo do capital; e

d)que os juros moratórios somente incidam sobre o valor das prestações pagas em atraso e não sobre o capital como um todo, vez que a mora dá-se em função do atraso no pagamento da mensalidade e não do contrato.

Conforme anteriormente já ressaltado, a alegação feita por aqueles que atacam a utilização da Tabela Price é que sua aplicação não respeitaria o ditame legal que veda a incorporação dos juros ao capital. Ocorre que, na verdade, tal conseqüência não existe, conforme se demonstra na seqüência.


IV – Das conseqüências concretas pela aplicação da Tabela Price

Tomado o exemplo contido no capítulo anterior, bem como, as condições contratuais implícitas na contratação de prestações calculadas pelo sistema de amortização da Tabela Price, a evolução dos valores decorrentes restaria assim espelhada:

EVOLUÇÀO DO SALDO DEVEDOR PELO CRITÉRIO DA TABELA PRICE

Época

Histórico

Saldo do Principal

Saldo dos Juros

Saldo Do Contrato

Parcela de Amortização

Parcela de Juros

Total da Prestação

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

9.000,00

0,00

0,00

0,00

01/05/X0

1a. Prest.

8.666,34

0,00

8.666,34

333,66

90,00

423,66

01/06/X0

2a. Prest.

8.329,34

0,00

8.329,34

337,00

86,66

423,66

01/07/X0

3a. Prest.

7.988,97

0,00

7.988,97

340,37

83,29

423,66

01/08/X0

4a. Prest.

7.645,20

0,00

7.645,20

343,77

79,89

423,66

01/09/X0

5a. Prest.

7.297,99

0,00

7.297,99

347,21

76,45

423,66

01/10/X0

6a. Prest.

6.947,31

0,00

6.947,31

350,68

72,98

423,66

01/11/X0

7a. Prest.

6.593,12

0,00

6.593,12

354,19

69,47

423,66

01/12/X0

8a. Prest.

6.235,39

0,00

6.235,39

357,73

65,93

423,66

01/01/X1

9a. Prest.

5.874,08

0,00

5.874,08

361,31

62,35

423,66

01/02/X1

10a. Prest.

5.509,16

0,00

5.509,16

364,92

58,74

423,66

01/03/X1

11a. Prest.

5.140,59

0,00

5.140,59

368,57

55,09

423,66

01/04/X1

12a. Prest.

4.768,34

0,00

4.768,34

372,25

51,41

423,66

01/05/X1

13a. Prest.

4.392,36

0,00

4.392,36

375,98

47,68

423,66

01/06/X1

14a. Prest.

4.012,62

0,00

4.012,62

379,74

43,92

423,66

01/07/X1

15a. Prest.

3.629,09

0,00

3.629,09

383,53

40,13

423,66

01/08/X1

16a. Prest.

3.241,72

0,00

3.241,72

387,37

36,29

423,66

01/09/X1

17a. Prest.

2.850,48

0,00

2.850,48

391,24

32,42

423,66

01/10/X1

18a. Prest.

2.455,32

0,00

2.455,32

395,16

28,50

423,66

01/11/X1

19a. Prest.

2.056,21

0,00

2.056,21

399,11

24,55

423,66

01/12/X1

20a. Prest.

1.653,11

0,00

1.653,11

403,10

20,56

423,66

01/01/X2

21a. Prest.

1.245,98

0,00

1.245,98

407,13

16,53

423,66

01/02/X2

22a. Prest.

834,78

0,00

834,78

411,20

12,46

423,66

01/03/X2

23a. Prest.

419,47

0,00

419,47

415,31

8,35

423,66

01/04/X2

24a. Prest.

0,00

0,00

0,00

419,47

4,19

423,66

Totais

9.000,00

1.167,84

10.167,84

Primeiramente, é importante notar que os juros foram calculados de forma simples, a cada período, considerando sempre o saldo devedor total do contrato, isto é:

Época

 

Taxa de Juros Mensal

 

Saldo Anterior do Principal

 

Juros Contratuais

01/05/X0

 

1,00%

x

9.000,00

=

90,00

01/06/X0

 

1,00%

x

8.666,34

=

86,66

. . .

           

01/04/X2

 

1,00%

x

419,47

=

4,19

Total

         

1.167,84

Ainda, considerando que, a cada pagamento feito, os primeiros valores saldados foram os juros contratuais, liquidados integralmente, e que somente a diferença foi computada como amortização do principal, tem-se que o saldo devedor JAMAIS contempla em si um centavo sequer de juros, isto é:

Época

Histórico

Saldo do Principal

Saldo dos Juros

Saldo do Contrato

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

9.000,00

01/05/X0

1a. Prest.

8.666,34

0,00

8.666,34

01/06/X0

2a. Prest.

8.329,34

0,00

8.329,34

. . .

       

01/04/X2

24ª. Prest.

0,00

0,00

0,00

Em outras palavras, a aplicação da Tabela Price observa os ditames legais pertinentes e não contempla a capitalização de juros, posto que não redunda na incorporação dos juros ao saldo contratual e, por conseqüência, não há incidência de juros sobre juros em nenhum momento da evolução do saldo da dívida.


V – Métodos de Amortização de Dívidas e a Tabela Price

Tratar do tema "dívidas" pode parecer algo indigesto se vislumbrado sob o prisma do ônus assumido pelo devedor. Entretanto, quando se fala de dívida também se fala de crédito e, nesse contexto, a história humana registra que o mútuo em dinheiro é prática costumeira desde épocas imemoriais.

A Lei das XII Tábuas, de 449 a.c., já previa em sua tábua terceira a limitação dos juros por empréstimo de dinheiro a 1% ao ano.

Conforme mencionado no capítulo II, durante a Idade Média, quando a civilização ocidental representada pelos povos da Europa estava sob o comando e dominação dos ditames da Igreja Católica, a cobrança de juros era tida como pecado. Empréstimo deveria ser por caridade. A repressão cultural inibia o comércio e por conseqüência o crédito.

A evolução das relações econômicas após o término da Idade Média, implicou no incremento dos volumes financeiros empregados nos negócios desenvolvidos pelos povos e, por conseqüência, no próprio desenvolvimento do crédito como fator fundamental e inerente às próprias bases do capitalismo.

A progressão histórica de nossa civilização ocidental entre os séculos XV e XIX, indica a passagem da Idade Moderna e início da Idade Contemporânea, tendo marcos relevantes a Era dos Descobrimentos, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Desnecessário seria salientar que o epicentro desses eventos históricos é a Europa, berço da civilização ocidental.

Somente no século XX é que os Estados Unidos da América passaram a despontar como potência mundial e, então, passassem a ditar os rumos da economia mundial.

Natural, portanto, que os usos e costumes dos povos europeus – e mais recentemente do americano – influenciassem as relações humanas do planeta, mormente, no que tange aos aspectos econômicos, posto que o capitalismo é o sistema que apresenta quase uma hegemonia planetária.

Assim é que as taxas de juros, nos países assim tidos como pilares do mundo civilizado, são definidas em paridades anuais, herança de tempos onde as relações humanas marcavam a evolução de seus negócios fracionados em interstícios de doze meses.

Atualmente, a taxa de juros legal na França é expressa ao ano, porém não é determinada de uma forma rígida por lei mas sim por decreto em que é fixado um percentual que vigora ao longo de cada ano civil. Na Alemanha a taxa de juros legal é de 4% ao ano; na Suíça, Itália e Portugal é de 5% ao ano. Países como a Inglaterra e Estados Unidos também equacionam suas relações econômicas com base em taxas de juros anuais, porém, sequer existe limite fixado por lei posto que, como economias fortes, a remuneração do capital é regulada naturalmente e sem exageros.

No Brasil, os juros legais fixados no Código Civil de 1916 eram de 6% ao ano (Art. 1.062), limitados ao dobro disso pela Lei de Usura (Art. 5º). Ou seja, é antiga a tradição brasileira de praticar taxas de juros maiores do que a das principais economias mundiais.

Certo é que essa prática de fixação de taxas de juros em paridades anuais decorre de épocas remotas onde os negócios se davam com previsão de amortizações e pagamentos anuais o que, obviamente, já não tem lugar nas relações cotidianas dos agentes econômicos em todo o planeta.

Aliás, a legislação civil brasileira inovou nesse campo, já que desde a época de vigência do novo Código Civil (Arts. 406 e 591 c.c. Art. 161, § 1º do CTN) a taxa de juros legal é de 1% ao mês.

Contudo, o fato de estar contemplado no direito positivo mundial que é anual o padrão de fixação de taxas de juros, isso não representa que os pagamentos e amortizações se dêem com tal periodicidade. É óbvio que quanto mais dinâmica a natureza dos negócios tão mais rapidamente o capital muda de mãos. Assim, não causa espécie que existam dívidas a serem saldadas em pagamentos periódicos semestrais, trimestrais, mensais, semanais e até diários. Só podemos esperar que o "progresso" do capitalismo não leve isso a horas e segundos.

Com efeito, desde meados do século XX, a economia capitalista é pautada em conceitos monetaristas e, nesse passo, o capital, como elemento fundamental das relações humanas, passou a ser o parâmetro determinante de poder e progresso.

Assim, o crédito é um dos institutos basilares que dão sustentação à economia e, no esteio disso, a remuneração do capital consubstanciada no juro é elemento de destaque.

Relembremos que juro é a compensação que o credor recebe pelo tempo em que ficou privado de seu capital. Ou seja, o crédito concedido visa satisfazer a necessidade do mutuário por dinheiro e os juros pagos visam satisfazer o credor pelo tempo em que ficou privado de sua riqueza por empréstimo.

Assim, conforme o tempo e o lugar, os costumes culturais e as necessidades econômicas de cada circunstância é que ditaram as diversas formas de se retribuir os juros ao credor e de se lhe devolver o capital mutuado.

Hoje são conhecidos diversos "métodos" de amortização de dívidas e, implícitos em cada um deles, os modos e tempos de pagamentos dos juros. Apesar de tais métodos levarem a nomenclatura de seu lugar de origem não representam, necessariamente, que assim sejam praticados hodiernamente em tais localidades.

Há o "Método Hamburguês", que calcula juros sobre os saldos de uma conta corrente pelo prazo em dias que cada um deles se verificou. No Brasil ele é largamente utilizado no cálculo de juros sobre crédito rotativo, com a ressalva que somente são considerados os saldos devedores, pois não há previsão de remuneração proporcional sobre saldos credores.

Há o "Método Alemão", que prevê o pagamento antecipado dos juros desde o período de concessão do capital. Esse método caiu em desuso, posto que se considerado o valor líquido disponibilizado de início – quando se deduzem os juros do primeiro período – a taxa praticada seria equivalente a outra maior em outro sistema qualquer.

Há o "Método Americano", onde principal e juros sofrem tratamento apartado, sendo que as parcelas destinadas a seus respectivos pagamentos estão sujeitas a condições diferenciadas. Por exemplo, os juros sobre o saldo devedor são pagos a cada semestre e o principal em parcelas a cada ano. Ou, os juros sobre o saldo devedor são pagos a cada mês e o principal em parcelas a cada semestre. As variações são infinitas, conforme as características de cada operação.

Não nos interessa, aqui, entrar em maiores detalhes quanto a tais "métodos" ou outros de que se tenha notícia. No caso deste trabalho em particular é de interesse conhecer em detalhes o "Método Francês" que decorre da Tabela Price.

V.1.O "Método Francês"

Em princípio, o Método Francês visava apurar os juros a partir de taxas anuais, com previsão de pagamentos também anuais, tendo por principal peculiaridade que as prestações tivessem o mesmo valor.

Assim, se considerado um mútuo de R$ 9.000,00 a ser saldado em três anos, com taxa de juros de 12% ao ano e com previsão de amortizações também anuais, o resultado da evolução do saldo devedor assim ficaria demonstrado:

EVOLUÇÃO DA DÍVIDA CONSIDERANDO MÉTODO FRANCÊS

(PRESTAÇÕES ANUAIS DE VALORES CONSTANTES)

Época

Histórico

Saldo do Principal

Saldo dos Juros

Saldo do Contrato

Parcela de Amortização

Parcela de Juros

Total da Prestação

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

9.000,00

0,00

0,00

0,00

01/04/X1

1a. Prest.

6.332,86

0,00

6.332,86

2.667,14

1.080,00

3.747,14

01/04/X2

2a. Prest.

3.345,66

0,00

3.345,66

2.987,20

759,94

3.747,14

01/04/X3

3a. Prest.

0,00

0,00

0,00

3.345,66

401,48

3.747,14

Totais

       

9.000,00

2.241,42

11.241,42

Este sistema é variante da Tabela Price, contudo, isto será analisado no próximo subtópico deste mesmo capítulo (V.2).

O Método Francês passou a sofrer variações, conforme as contingências de cada negócio em si, notadamente em face da concessão de prazos de carência para início de amortização do principal.

Assim, poderia haver duas possibilidades de cálculo dos juros em face da carência concedida, conforme o mútuo:

a -carência para o principal, com pagamento periódico dos juros; e

b -carência para o principal e para os juros, com capitalização.

A primeira hipótese contempla que, durante certo período, somente os juros seriam pagos e, a partir de determinado momento, as prestações contemplariam inclusive amortizações do capital. Tomemos o mesmo exemplo com carência de um ano para início de amortização do principal:

EVOLUÇÃO ANUAL DA DÍVIDA CONSIDERANDO MÉTODO FRANCÊS

(CARÊNCIA DE UM ANO PARA AMORTIZAÇÀO DO PRINCIPAL COM PAGAMENTO DOS JUROS DO PERÍODO DE CARÊNCIA)

Época

Histórico

Saldo do Principal

Saldo dos Juros

Saldo do Contrato

Parcela de Amor tização

Parcela de Juros

Total da Prestação

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

9.000,00

0,00

0,00

0,00

01/04/X1

1a. Prest.

9.000,00

0,00

9.000,00

0,00

1.080,00

1.080,00

01/04/X2

2a. Prest.

4.754,72

0,00

4.754,72

4.245,28

1.080,00

5.325,28

01/04/X3

3a. Prest.

0,00

0,00

0,00

4.754,72

570,57

5.325,29

Totais

       

9.000,00

2.730,57

11.730,57

A segunda hipótese prevê que, durante um certo período, não haveria nenhum pagamento e os juros relativos ao prazo de carência seriam incorporados ao saldo devedor (capitalizados) e pagos juntamente com o restante da dívida, isto é:

EVOLUÇÃO ANUAL DA DÍVIDA CONSIDERANDO MÉTODO FRANCÊS

(CARÊNCIA DE UM ANO PARA AMORTIZAÇÀO DO PRINCIPAL COM CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS DO PERÍODO DE CARÊNCIA)

Época

Histórico

Saldo do Principal

Saldo dos Juros

Saldo do Contrato

Parcela de Amor tização

Parcela de Juros

Total da Prestação

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

9.000,00

0,00

0,00

0,00

01/04/X1

Capitalização

9.000,00

1.080,00

10.080,00

0,00

0,00

0,00

01/04/X2

2a. Prest.

5.325,29

0,00

5.325,29

4.754,71

1.209,60

5.964,31

01/04/X3

3a. Prest.

0,00

0,00

0,00

5.325,29

639,03

5.964,32

Totais

       

10.080,00

1.848,63

11.928,63

Perceba-se que, no exemplo acima, o contrato foi subdividido em períodos anuais e, assim, a capitalização em questão ocorreu após um ano, prática que não é vedada pela legislação brasileira.

Entretanto, imaginemos que o mesmo contrato tivesse sido ajustado por períodos semestrais, ou seja, interstícios de tempo menores do que o prazo da taxa que é anual. Os resultados, nesse caso, considerando as duas hipóteses já aventadas, seriam os que se seguem:

EVOLUÇÃO SEMESTRAL DA DÍVIDA CONSIDERANDO MÉTODO FRANCÊS

(CARÊNCIA DE UM ANO PARA AMORTIZAÇÀO DO PRINCIPAL COM PAGAMENTO DOS JUROS DO PERÍODO DE CARÊNCIA)

Época

Histórico

Saldo do Principal

Saldo dos Juros

Saldo do Contrato

Parcela de Amor tização

Parcela de Juros

Total da Prestação

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

9.000,00

0,00

0,00

0,00

01/10/X0

1a. Prest.

9.000,00

0,00

9.000,00

0,00

540,00

540,00

01/04/X1

2a. Prest.

6.173,01

0,00

6.173,01

2.826,99

540,00

3.366,99

01/10/X1

3a. Prest.

3.176,40

0,00

3.176,40

2.996,61

370,38

3.366,99

01/04/X2

4a. Prest.

0,00

0,00

0,00

3.176,40

190,58

3.366,98

Totais

       

9.000,00

1.640,96

10.640,96

EVOLUÇÃO SEMESTRAL DA DÍVIDA CONSIDERANDO MÉTODO FRANCÊS

(CARÊNCIA DE UM ANO PARA AMORTIZAÇÀO DO PRINCIPAL COM CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS DO PERÍODO DE CARÊNCIA)

Época

Histórico

Saldo do Principal

Saldo dos Juros

Saldo do Contrato

Parcela de Amor tização

Parcela de Juros

Total da Prestação

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

9.000,00

0,00

0,00

0,00

01/10/X0

Capitalização

9.000,00

540,00

9.540,00

0,00

0,00

0,00

01/04/X1

1a. Prest.

6.543,39

0,00

6.543,39

2.996,61

572,40

3.569,01

01/10/X1

2a. Prest.

3.366,98

0,00

3.366,98

3.176,41

392,60

3.569,01

01/04/X2

3a. Prest.

0,00

0,00

0,00

3.366,98

202,02

3.569,00

Totais

       

9.540,00

1.167,02

10.707,02

Este último exemplo, acima discriminado, é o tipo de capitalização vedado pela legislação brasileira, já que computada a incorporação dos juros ao principal (capitalização) em período inferior a um ano.

Tais exemplificações e hipóteses foram aqui explicitadas com o intuito de demonstrar o modo de operação do Método Francês em suas diversas variantes, até porque, uma vez que foi baseado originalmente na Tabela Price, é indispensável conhecer quais os elementos que foram efetivamente absorvidos nessa variação. Com absoluta certeza, a capitalização dos juros não foi um deles, conforme exposto a seguir.

V.2.Tabela Price – Base do Método Francês

Conforme ressaltado no subtópico imediatamente precedente (V.1), o Método Francês puro visava apurar os juros a partir de taxas anuais, com previsão de pagamentos também anuais, tendo por principal peculiaridade que as prestações tivessem o mesmo valor.

Retomemos o mútuo exemplificativo já mencionado nos capítulos III e IV, para efeito de comparação. No caso, teríamos um empréstimo de R$ 9.000,00, na data de 01/04/X0, a ser pago em dois anos, considerada a taxa de juros de 12% ao ano. Para vislumbrarmos tal negócio hipotético pelo Método Francês puro, haveríamos que considerar que os pagamentos seriam feitos em duas prestações anuais, conforme segue:

EVOLUÇÀO DO SALDO DEVEDOR PELO MÉTODO FRANCÊS

(PRESTAÇÕES ANUAIS)

Época

Histórico

Saldo do Principal

Saldo dos Juros

Saldo do Contrato

Parcela de Amor tização

Parcela de Juros

Total da Prestação

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

9.000,00

0,00

0,00

0,00

01/04/X1

1a. Prest.

4.754,72

0,00

4.754,72

4.245,28

1.080,00

5.325,28

01/04/X2

2a. Prest.

0,00

0,00

0,00

4.754,72

570,57

5.325,29

Totais

       

9.000,00

1.650,57

10.650,57

A diferença básica entre tal apuração e aquela discriminada no capítulo IV, elaborada pelos critérios da Tabela Price, é que a presente demonstração contempla pagamentos anuais utilizando taxas de juros anuais e aquela demonstra pagamentos mensais utilizando taxas de juros anuais, ou seja: juros e prestações anuais versus juros anuais e prestações mensais.

Posteriormente, com a dinâmica dos negócios, o Método Francês passou a considerar pagamentos mensais, isto é, adotou exatamente os fatores previstos na Tabela Price. Daí o conceito existente ainda hoje de que Tabela Price e Método Francês se equivalem, até porque, em determinado período, isso representou um fato.

Entretanto, no quê, de fato, se consubstancia a Tabela Price? É interessante que muitos discutam seus efeitos, sua validade jurídica, seu conceito matemático mas poucos, de fato, já vislumbraram a dita "tábua de cálculos" formulada pelo Reverendo Richard Price.

Os mais velhos talvez se recordem que, há algumas décadas, os livros de matemática possuíam um apêndice repleto de tábuas de cálculos, tal qual a famosa "tábua de logaritmos". Isso era indispensável numa época em que não se dispunham das ferramentas tecnológicas de cálculo que hoje possuímos.

A "tábua" elaborada pelo Sr. Price, no caso, nada mais fazia que explicitar uma evolução de fatores que permitiam ao usuário que detivesse o mero conhecimento das quatro operações básicas, calcular o valor da prestação de um investimento, dispondo tão somente dos dados sobre capital inicial, tempo e taxa de juros anual.

Reconstituímos parcialmente o teor da dita "tábua de cálculos":

RECONSTITUIÇÃO PARCIAL DA TÁBUA DE CÁLCULOS DE RICHARD PRICE

No. Meses

Taxa de 4% a a

Taxa de 5% a a

. . .

Taxa de 12% a a

. . .

Taxa de 15% a a

Meses

0,3%

0,4%

. . .

1,0%

. . .

1,3%

1

1,003333

1,004167

. . .

1,010000

. . .

1,012500

2

0,502501

0,503127

. . .

0,507512

. . .

0,509394

3

0,335558

0,336115

. . .

0,340022

. . .

0,341701

4

0,252087

0,252610

. . .

0,256281

. . .

0,257861

5

0,202004

0,202507

. . .

0,206040

. . .

0,207562

6

0,168617

0,169106

. . .

0,172548

. . .

0,174034

7

0,144768

0,145248

. . .

0,148628

. . .

0,150089

8

0,126882

0,127355

. . .

0,130690

. . .

0,132133

9

0,112971

0,113439

. . .

0,116740

. . .

0,118171

10

0,101842

0,102306

. . .

0,105582

. . .

0,107003

11

0,092737

0,093198

. . .

0,096454

. . .

0,097868

12

0,085150

0,085607

. . .

0,088849

. . .

0,090258

13

0,078730

0,079185

. . .

0,082415

. . .

0,083821

14

0,073227

0,073681

. . .

0,076901

. . .

0,078305

15

0,068458

0,068910

. . .

0,072124

. . .

0,073526

16

0,064286

0,064737

. . .

0,067945

. . .

0,069347

17

0,060604

0,061054

. . .

0,064258

. . .

0,065660

18

0,057331

0,057781

. . .

0,060982

. . .

0,062385

19

0,054403

0,054852

. . .

0,058052

. . .

0,059455

20

0,051768

0,052216

. . .

0,055415

. . .

0,056820

21

0,049384

0,049832

. . .

0,053031

. . .

0,054437

22

0,047217

0,047664

. . .

0,050864

. . .

0,052272

23

0,045239

0,045685

. . .

0,048886

. . .

0,050297

24

0,043425

0,043871

. . .

0,047073

. . .

0,048487

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

A demonstração deu especial destaque à faixa correspondente à taxa de juros de 12% ao ano, que é a que se utilizou de maneira generalizada no Brasil, por equivaler ao limite legal de 1% ao mês. Também, há o destaque específico da confluência com a linha correspondente a 24 meses (0,047073), que é o fator utilizado no cálculo discriminado no capítulo III.

Ocorre que a "tábua de cálculos" do Sr. Price foi elaborada na década de 70 no século XVIII visando calcular pensões e aposentadorias. A utilização da chamada "Tabela Price" como fatoração para cálculo de financiamentos ocorreu na França – daí o chamado Método Francês - diante da necessidade de incremento do crédito pela massificação de consumo ocorrida a partir de 1860, com a chamada "Segunda Revolução Industrial". Ou seja, a utilização pelos franceses da "Tabela Price" deu-se quase um século depois de sua formulação e muito tempo depois da morte de seu formulador.

Conforme restou consignado no subtópico precedente (V.1), a utilização do Método Francês como originalmente concebido, visava utilizar os fatores da Tabela Price na forma como foram calculados por seu criador, considerando pagamentos periódicos e integrais dos juros e amortizações progressivas do capital, sempre observando valores constantes de prestações.

Posteriormente é que foram agregadas "variações" que desnaturaram a Tabela Price, posto que computavam prazos de carências para pagamentos e, em alguns casos, até a capitalização dos juros incorridos nesses interstícios. Esses componentes adicionais não constituem a base da Tabela Price e com ela não podem ser confundidos. Daí a necessidade de não se assumir de forma absoluta que Tabela Price seja sinônimo de Método Francês.


VI –Quanto aos comprovados equívocos dos argumentos contrários

Anteriormente, já restou aqui consignado que no Brasil foi ressaltada e largamente propalada uma ilação de natureza matemática que, em si, teria sido traduzida equivocadamente como uma inquestionável conclusão financeira e que, por conseqüência, foi indevidamente tratada como se fosse uma verdade jurídica.

Aliás, na introdução deste trabalho, restou afirmado de maneira categórica que de uma "verdade matemática", enriquecida com equivocadas interpretações históricas, abstraiu-se uma "meia-verdade financeira" e, por conseqüência disso, uma artificial e falaciosa "verdade jurídica".

Cabe aqui, portanto, analisar cada um desses aspectos e comprová-los naquilo em que sejam verdadeiros ou não, conforme proposto.

VI.1. A verdade matemática

A referência científica existente nos livros de alguns autores brasileiros sobre matemática financeira diz respeito à afirmação de que a fórmula da Tabela Price é uma variação da fórmula de juros compostos capitalizados, ou mais especificamente, que:

"A Tabela Price foi constituída com base na teoria dos juros compostos capitalizados."

Para não fomentar debates estéreis sobre o tema, é bom que se frise que tal afirmativa, em linhas gerais, é totalmente correta. Eis aí uma "verdade matemática"

Talvez pareça absurdo registrar tal consideração sobre a referida "verdade matemática" e, mesmo assim, continuar afirmando que a Tabela Price não contempla nenhum tipo de anatocismo. Entretanto, analisados os termos da propositura matemática em questão, há de perceber-se que isso não apresenta nenhuma contradição.

A Tabela Price, conforme já mencionado anteriormente (V.2) foi constituída com base na teoria dos juros compostos, aliás, tendo sido denominada pelo próprio Reverendo Richard Price como "tábua de juros compostos". Contudo, os juros compostos não são equivalentes diretos de "juros capitalizados".

Juros compostos são aqueles que se exprimem de forma aglutinada com o capital no resultado de uma apuração financeira.

Por exemplo:

R$ 1.000,00 x 1% ao mês x 2 meses = R$ 20,00 de juros simples

R$ 1.000,00 x 1,02 = R$ 1.020,00 (R$ 1.000,00 + R$ 20,00)

No exemplo acima, tem-se que o fator 1,02 é equivalente a juros compostos simples – (1 + i) x n.

De outra forma, podemos analisar que:

R$ 1.000,00 x (1% ao mês) 2 meses = R$ 20,10 de juros simples

R$ 1.000,00 x 1,0201 = R$ 1.020,10 (R$ 1.000,00 + R$ 20,10)

Nesse novo exemplo, tem-se que o fator 1,0201 é equivalente a juros compostos capitalizados – (1 + i)n.

Antes de prosseguir, tomemos uma analogia simplória. Tem-se que as diversas fórmulas contidas nas receitas de todos os povos para fazer-se o pão envolvem algum ingrediente líquido, seja água, seja leite ou seja sumo de algum fruto. Contudo, nem por isso nenhum tipo de pão, em si, é alimento em estado líquido.

Sem nenhum conhecimento científico avançado, qualquer pessoa mediana é capaz de entender que, seja qual for o tipo de pão, ele baseia-se em receita culinária que pressupõe algum líquido entre seus ingredientes. Daí a chegar-se à conclusão de que todo e qualquer pão, após o preparo e cozimento, seja um alimento em estado líquido existe uma enorme distância.

O mesmo se dá com a afirmação relativa à Tabela Price e a teoria dos juros compostos capitalizados.

Com absoluta certeza, a Tabela Price baseia-se na teoria dos juros compostos capitalizados e, por certo, sua fórmula matemática deixa isso bem explícito, senão vejamos:

P

=

C

x

(1 + i )n x I

(1 + i)n - 1

Onde:

P = Prestação
C = Capital Inicial
i = taxa de juros
n = período

Para que não pairem dúvidas sobre o assunto, observe-se que na expressão (1 + i)n é que se identifica a fórmula de "juros compostos capitalizados". Ela está na fórmula da Tabela Price como o líquido está na receita para fazer o pão.

Entretanto, o que vislumbramos é que existe um "fator exponencial" agregando a taxa ao capital – no caso, (1 + i)n – e isto, em si não quer dizer que haja cálculo de juros capitalizados, se considerada a fórmula como um todo. Observe-se que o dito "fator exponencial" surge tanto no divisor como no dividendo da fórmula, o que anula-lhe o efeito matemático de exponenciação do argumento. Entretanto, tal exponenciação elevou argumentos a alguma potência, contudo, se isso representa uma progressão geométrica não implica, necessariamente, que ela tenha se operado com relação aos juros.

A bem da verdade, a dita progressão geométrica se faz operar sobre o montante do capital amortizado ao longo do tempo e não sobre os juros sobre ele incidentes. Não se perca de vista que a Tabela Price é, também, um "sistema de amortização de capital" e não só um "sistema de cálculo de juros".

Infelizmente, os matemáticos brasileiros olvidaram-se de tal consideração, pois, se assim não fosse, a propositura de suas afirmações, de uma forma plena, seria:

"A Tabela Price foi constituída com base na teoria dos juros compostos capitalizados" ... e que visa apurar prestações constantes que implicam na amortização em progressão geométrica do capital e liquidação não cumulativa dos juros.

Agora, sem dúvida nenhuma, temos a exposição de uma verdade matemática COMPLETA!!! Em outras palavras, o sistema da Tabela Price dá prevalência para que os valores das prestações sejam constantes e os valores de amortização de capital sejam progressivos, remanescendo, portanto, valores de juros que sejam variáveis na proporção do próprio capital amortizado.

Em contraposição, podemos analisar um sistema diferente que dá prevalência para que os valores de amortização de capital sejam constantes. Por conseqüência, considerando que os juros sempre variam na proporção do capital amortizado que vai sendo reduzido ao longo do tempo, a variação das prestações é progressiva numa função decrescente. Tomemos o mesmo exemplo explicitado no capítulo III deste trabalho, porém, refazendo os cálculos do capítulo IV utilizando o sistema de amortização constante do capital. Veja-se a evolução do cálculo a seguir.

EVOLUÇÃO DO SALDO DEVEDOR PELO CRITÉRIO DE AMORTIZAÇÃO CONSTANTE DO CAPITAL

Época

Histórico

Saldo do Principal

Saldo dos Juros

Saldo do Contrato

Parcela de Amor tização

Parcela de Juros

Total da Prestação

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

9.000,00

0,00

0,00

0,00

01/05/X0

1ª. Prest.

8.625,00

0,00

8.625,00

375,00

90,00

465,00

01/06/X0

2ª. Prest.

8.250,00

0,00

8.250,00

375,00

86,25

461,25

01/07/X0

3ª. Prest.

7.875,00

0,00

7.875,00

375,00

82,50

457,50

01/08/X0

4ª. Prest.

7.500,00

0,00

7.500,00

375,00

78,75

453,75

01/09/X0

5a. Prest.

7.125,00

0,00

7.125,00

375,00

75,00

450,00

01/10/X0

6a. Prest.

6.750,00

0,00

6.750,00

375,00

71,25

446,25

01/11/X0

7a. Prest.

6.375,00

0,00

6.375,00

375,00

67,50

442,50

01/12/X0

8a. Prest.

6.000,00

0,00

6.000,00

375,00

63,75

438,75

01/01/X1

9a. Prest.

5.625,00

0,00

5.625,00

375,00

60,00

435,00

01/02/X1

10a. Prest.

5.250,00

0,00

5.250,00

375,00

56,25

431,25

01/03/X1

11a. Prest.

4.875,00

0,00

4.875,00

375,00

52,50

427,50

01/04/X1

12a. Prest.

4.500,00

0,00

4.500,00

375,00

48,75

423,75

01/05/X1

13a. Prest.

4.125,00

0,00

4.125,00

375,00

45,00

420,00

01/06/X1

14a. Prest.

3.750,00

0,00

3.750,00

375,00

41,25

416,25

01/07/X1

15a. Prest.

3.375,00

0,00

3.375,00

375,00

37,50

412,50

01/08/X1

16a. Prest.

3.000,00

0,00

3.000,00

375,00

33,75

408,75

01/09/X1

17a. Prest.

2.625,00

0,00

2.625,00

375,00

30,00

405,00

01/10/X1

18a. Prest.

2.250,00

0,00

2.250,00

375,00

26,25

401,25

01/11/X1

19a. Prest.

1.875,00

0,00

1.875,00

375,00

22,50

397,50

01/12/X1

20a. Prest.

1.500,00

0,00

1.500,00

375,00

18,75

393,75

01/01/X2

21a. Prest.

1.125,00

0,00

1.125,00

375,00

15,00

390,00

01/02/X2

22a. Prest.

750,00

0,00

750,00

375,00

11,25

386,25

01/03/X2

23a. Prest.

375,00

0,00

375,00

375,00

7,50

382,50

01/04/X2

24a. Prest.

0,00

0,00

0,00

375,00

3,75

378,75

Totais

       

9.000,00

1.125,00

10.125,00

Perceba-se que por esse sistema de amortização os valores totais desembolsados (R$ 10.125,00) são menores do que os desembolsados pelo sistema da Tabela Price (R$ 10.167,84), entretanto, isso nada tem a ver com capitalização de juros, mas sim, pelo sistema de amortização em si.

Com efeito, no sistema da Tabela Price, onde os valores de amortização de capital não são constantes, as primeiras prestações contemplam menos amortização de capital do que as últimas. Vale dizer, o credor ficou privado de seu capital por mais tempo e, como é cediço, os juros são remuneração pelo tempo em que o capital fica disponibilizado.

Veja-se, ainda, a diferença entre a evolução de amortização de capital progressiva, contemplado pela Tabela Price, em comparação com o sistema de amortização constante do capital:

A diferença entre a curva progressiva da Tabela Price, em relação à outra de evolução linear, demonstra a proporção em que o credor ficou privado de seu capital no montante e no tempo. Natural, portanto, que os juros nominais incidentes sejam maiores.

Assim, a Tabela Price é um sistema de amortização de capital que pondera em sua fórmula a progressão geométrica decorrente da exponenciação do capital inicial mais a taxa de juros, ou seja, considera ambos compostos como base de cálculo. Isto, em si, não reflete em incorporação dos juros ao capital em momento nenhum de evolução do saldo devedor e, somente se isso ocorresse, é que poder-se-ia afirmar que existiria a "capitalização".

Portanto, a "verdade matemática" que a Tabela Price foi constituída com base na teoria dos juros compostos (ou capitalização composta), reflete simplesmente que sua fórmula utilizou elementos matemáticos que consideram a exponenciação do capital mais a taxa de juros. Tal exponenciação reflete-se na proporção de amortização do capital e não no cômputo dos juros.

VI.2. As equivocadas interpretações históricas [02]

As interpretações equivocadas quanto às ilações matemáticas decorrentes da fórmula da Tabela Price, por certo, foram contestadas por algumas vozes destoantes – inclusive a deste autor, enquanto Perito Judicial – que insistiram em declarar o absurdo de apontar anatocismo decorrente do uso de tal sistema.

Entretanto, a interpretação matemática equivocada era mais "simpática" e levou os detratores da Tabela Price a buscarem outras fontes de aparência fidedigna que pudessem dar suporte à sua "tese".

Assim foi que muitos brasileiros, diante do repentino interesse sobre o assunto, ao invés de reverem seus deficientes conhecimentos sobre matemática financeira, foram buscar na própria origem as explicações do Sr. Price para ter elaborado sua tão comentada "tabela".

É costumeiro, aliás, ver-se em pareceres técnicos tendenciosos a menção extraída de texto da lavra do próprio Richard Price, qual seja:

"One penny put out at our Saviour´s birth to five per cent, compound intereft, would, in the prefent year 1781, have increafed to a greater fum than would be contained in two hundred millions of earths, all folid gold. But, if put out to fimple intereft, it would, in the fame time, have amounted to no more than seven shilings and six-pence."

Ou seja:

"Um penny emprestado na data de nascimento de nosso Salvador a um juro composto de cinco por cento teria, no presente ano de 1781, resultado em um montante maior do que o contido em duzentos milhões de Terras, todas de ouro maciço. Porém, caso ele tivesse sido emprestado a juro simples ele teria, no mesmo período, totalizado não mais do que sete shilings e seis pence."

Também não são poucos que comentam que Richard Price trata sua criação matemática como "tábua de juros compostos" o que, em princípio, já demonstraria as intenções do Sr. Price. Entretanto, conforme já discorrido no subtópico "V.1", juros compostos não são sinônimo absoluto de juros capitalizados.

Ainda, ao contrário do que querem fazer parecer os detratores da Tabela Price, o Sr. Richard Price não era um usurário confesso que andou celebrando aos quatro cantos o quão rico poderia ficar emprestando seu dinheiro a juros capitalizados.

Richard Price foi um pastor presbiteriano cujas obras mais reconhecidas foram de cunho filosófico e religioso. A bem da verdade, os trabalhos estatísticos foram a menor contribuição legada pelo Reverendo Price.

Seu trabalho estatístico mais famoso, inclusive, sequer é a Tabela Price, mas sim, um estudo sobre mortalidade em Northhampton que foi utilizado como base atuarial para o pagamento de seguros e pensões na Inglaterra durante muito tempo.

Por sinal, a tão famigerada "tábua de juros compostos" elaborada pelo Reverendo Richard Price sequer se destinava a calcular rendimentos de empréstimos. Ela foi constituída visando projetar os valores mensais de aplicações que serviam de lastro ao pagamento de pensionistas em planos de aposentadoria.

Conforme já se disse anteriormente, as taxas de juros de mercado são historicamente divulgadas por sua paridade anual. O Sr. Price se viu diante do desafio atuarial de apurar o valor mensal de capitais que assim progrediam, porém, a taxas de juros anuais.

Isso pode parecer uma questão banal, hoje em dia, onde temos acesso fácil a computadores. Mesmo antes disso já existiam as outrora cobiçadas calculadoras eletrônicas financeiras. Um pouco antes, também, já estavam disponíveis as calculadoras eletrônicas científicas.

O Sr. Richard Price só dispunha de papel e pena na segunda metade do século XVIII e com tais ferramentas é que deveria trabalhar para oferecer o resultado que dele se esperava. Mais ainda, não bastava ao Reverendo Price depurar uma fórmula matemática que levasse aos resultados desejados. Era necessário que os resultados fossem registrados de forma a poderem ser consultados pelos administradores e operadores dos planos de pensão.

Assim foi que o Reverendo Richard Price, filósofo e religioso, defensor fervoroso da moral mais rígida que em seu tempo contemplava, elaborou uma tábua de cálculos baseada na fórmula dos juros compostos: a hoje conhecida como "Tabela Price". Uma reprodução parcial de tal "tábua de cálculos" está exposta no subtópico "V.2", precedente.

Ou seja, o Sr. Price não pretendeu, em momento nenhum calcular "empréstimos", porque esse não era o foco e objeto de seu trabalho naquele instante. Ainda, o Sr. Price, que foi um matemático sério, bem sabia que "juros compostos" não são sinônimos de "juros capitalizados", conforme já demonstramos anteriormente.

O que é certo é que Richard Price, ao classificar seu trabalho como "tábua de juros compostos", não admitiu que os montantes de juros fossem "capitalizados", até porque seu sistema pressupõe pagamentos periódicos mensais que inibem qualquer incorporação dos juros ao capital.

Ainda, talvez seja melhor traduzir aquela afirmação feita originalmente com base em moeda inglesa para uma outra com expressão decimal, mais afeta à nossa cultura. O que afirmou o Reverendo Price equivale a dizer que se um centavo de Real fosse aplicado ao longo de 1781 anos, à taxa de 5% ao ano, resultaria:

Juros Capitalizados = R$ 547.194.399.249.785.000.000.000.000.000.000.000,00

Juros Simples = R$ 0,89

Convenhamos, primeiramente, que os cálculos da Tabela Price não contemplam, em nenhuma hipótese, que um capital possa ser mutuado com prazo de carência de 21.372 meses – ou, 1781 anos – sem qualquer pagamento de juros ou amortização. A propositura, em si, é absurda e o que tentava o Sr. Price salientar era a desproporção entre uma progressão geométrica e uma progressão aritmética.

Tal desproporção também pode ser ressaltada se sugerirmos que alguém pegue um tabuleiro de xadrez e coloque na primeira casa dois grãos de feijão; na segunda duplique a quantidade; e, assim, vá duplicando até a última casa do tabuleiro. Com efeito, o cálculo da exponenciação de 264 redundaria em 18.446.744.073.709.600 grãos de feijão o que, por certo, não seria plausível.

Esses são desafios matemáticos de almanaques infanto-juvenis e não se prestam a nenhum efeito prático, senão, conforme já dissemos, salientar a desproporção entre uma progressão aritmética e uma progressão geométrica.

O Reverendo Richard Price não foi um usurário, mas sim, um filósofo e religioso, fervoroso defensor do moralismo e da ética e, assim, não é concebível que ele propusesse um sistema que pudesse levar ao enriquecimento sem propósito. Sua "tábua de cálculos" foi elaborada para o cálculo de pensões de aposentadoria e partia da premissa de que haveria pagamentos e amortizações mensais e, principalmente, sem a capitalização de juros que ele próprio repudiava.

VI.3. A meia-verdade financeira

Até agora, já temos a demonstração concreta de que não há incorporação de juros ao capital pelo sistema da Tabela Price, conforme demonstrado em detalhes no capítulo IV deste trabalho.

Também, já demonstrou-se de maneira clara que o fato da fórmula da Tabela Price basear-se na fórmula de juros compostos não implica que isso represente a capitalização dos juros, ou seja, seu cômputo como base para o cálculo de novos juros.

Entretanto, há os que não se satisfazem com tais constatações e, numa resistência heróica, tentam atribuir ao sofisma matemático criado a partir do termo "juros compostos" alguma comprovação concreta de que, de fato, impliquem em "juros capitalizados", o que não é verdade no caso da Tabela Price.

Para tanto, a propositura que fazem é que, se considerados os juros incidentes sobre cada parcela de capital amortizado, ao invés de sobre o saldo devedor, o montante de encargos representaria uma efetiva capitalização.

Tomando nosso exemplo, já descrito no capítulo IV, teríamos a seguinte demonstração de tal "teoria":

PROPORÇÃO DOS JUROS EM RELAÇÃO AO PRINCIPAL DE CADA PRESTAÇÃO CONFORME CALCULADA PELA TABELA PRICE

Época

Valor da Prestação Mensal

Principal

Juros Contratuais

Proporção Prestação x Principal

Equivalência

01/05/X0

423,66

333,66

90,00

1,2697

1,0124

01/06/X0

423,66

337,00

86,66

1,2572

1,0123

01/07/X0

423,66

340,37

83,29

1,2447

1,0122

01/08/X0

423,66

343,77

79,89

1,2324

1,0121

01/09/X0

423,66

347,21

76,45

1,2202

1,0120

01/10/X0

423,66

350,68

72,98

1,2081

1,0119

01/11/X0

423,66

354,19

69,47

1,1961

1,0118

01/12/X0

423,66

357,73

65,93

1,1843

1,0117

01/01/X1

423,66

361,31

62,35

1,1726

1,0116

01/02/X1

423,66

364,92

58,74

1,1610

1,0115

01/03/X1

423,66

368,57

55,09

1,1495

1,0114

01/04/X1

423,66

372,25

51,41

1,1381

1,0113

01/05/X1

423,66

375,98

47,68

1,1268

1,0112

01/06/X1

423,66

379,74

43,92

1,1157

1,0111

01/07/X1

423,66

383,53

40,13

1,1046

1,0110

01/08/X1

423,66

387,37

36,29

1,0937

1,0109

01/09/X1

423,66

391,24

32,42

1,0829

1,0108

01/10/X1

423,66

395,16

28,50

1,0721

1,0107

01/11/X1

423,66

399,11

24,55

1,0615

1,0106

01/12/X1

423,66

403,10

20,56

1,0510

1,0105

01/01/X2

423,66

407,13

16,53

1,0406

1,0104

01/02/X2

423,66

411,20

12,46

1,0303

1,0103

01/03/X2

423,66

415,31

8,35

1,0201

1,0102

01/04/X2

423,66

419,47

4,19

1,0100

1,0101

Totais

10.167,84

9.000,00

1.167,84

   

Convenhamos que, assim demonstrados os números, torna-se quase convincente o argumento de que existe a capitalização dos juros. Entretanto, isso nada mais é do que uma "ilusão de ótica matemática". Pode até confundir os olhos, mas não se sustenta como verdade fática, se analisada com maior cuidado.

Se o quadro de cálculos em questão for novamente analisado, percebe-se claramente que a prestação que seria paga no primeiro mês teria em si os juros devidos para o último da série. A segunda, o penúltimo, e assim por diante. Ou seja, a demonstração do cálculo é matematicamente correta, contudo, peca pela contradição, pois é óbvio que as taxas cumuladas devem evoluir na mesma proporção do tempo e não na razão contrária. Recolocados os argumentos na seqüência correta, o que se observa é uma realidade muito diferente, senão, vejamos:

CÁLCULO DO VALOR DAS PRESTAÇÕES SE CALCULADOS HIPOTÉTICOS JUROS CAPITALIZADOS SOBRE AS PORÇÒES DE PRINCIPAL AMORTIZÁVEL

Época

Principal

Tx. Período

Equivalência

Vr. Prestação

01/05/X0

333,66

1,0100

1,0101

336,99

01/06/X0

337,00

1,0201

1,0102

343,78

01/07/X0

340,37

1,0303

1,0103

350,68

01/08/X0

343,77

1,0406

1,0104

357,73

01/09/X0

347,21

1,0510

1,0105

364,92

01/10/X0

350,68

1,0615

1,0106

372,25

01/11/X0

354,19

1,0721

1,0107

379,74

01/12/X0

357,73

1,0829

1,0108

387,37

01/01/X1

361,31

1,0937

1,0109

395,16

01/02/X1

364,92

1,1046

1,0110

403,10

01/03/X1

368,57

1,1157

1,0111

411,20

01/04/X1

372,25

1,1268

1,0112

419,46

01/05/X1

375,98

1,1381

1,0113

427,91

01/06/X1

379,74

1,1495

1,0114

436,50

01/07/X1

383,53

1,1610

1,0115

445,27

01/08/X1

387,37

1,1726

1,0116

454,22

01/09/X1

391,24

1,1843

1,0117

463,35

01/10/X1

395,16

1,1961

1,0118

472,67

01/11/X1

399,11

1,2081

1,0119

482,17

01/12/X1

403,10

1,2202

1,0120

491,86

01/01/X2

407,13

1,2324

1,0121

501,74

01/02/X2

411,20

1,2447

1,0122

511,82

01/03/X2

415,31

1,2572

1,0123

522,11

01/04/X2

419,47

1,2697

1,0124

532,62

Totais

9.000,00

   

10.264,62

Em outras palavras, conforme já deixamos consignado anteriormente, a ilação de que os valores das prestações decorrentes da Tabela Price refletem juros capitalizados, se consideradas uma a uma, é uma "meia-verdade financeira", porque espelha um cálculo correto, porém, sobre uma situação fática inverídica, afinal:

- não há como considerar que exista um mútuo correspondente a cada uma das prestações, posto que isto desnatura completamente a relação econômica e jurídica do empréstimo; e

os juros são remuneração que decorrem do montante do capital integral mutuado e do tempo em que o credor se priva dele. Assim, por sua própria natureza, somente podem ser calculados sobre o saldo devedor e na razão direta do tempo transcorrido, e nunca o contrário.

Assim, é uma "verdade financeira" que as prestações decorrentes da Tabela Price, consideradas as proporções entre principal amortizado e juros, equivalem à proporção da taxa de juros capitalizada se considerada cada prestação isoladamente. Contudo, tal constatação não tem sentido financeiro prático, pois que as expressões numéricas assim apuradas seriam representativas de juros calculados na razão inversa do tempo transcorrido e sobre bases irreais, uma vez que desvinculadas do total mutuado e da dívida remanescente.

VI.4. A falsa verdade jurídica

Após todas as demonstrações até aqui já explicitadas, parece mais do que claro que não há fundamento científico, tanto sob o ponto de vista matemático como sob o prisma econômico-financeiro, que justifique a postulação em juízo de revisão contratual que afaste a aplicação da Tabela Price, porque a mesma não implica na capitalização de juros.

Independente disso, é patente que, quando tais pleitos são feitos em Juízo, os requerimentos são no sentido de que a Tabela Price seja desconsiderada e que os juros contratuais sejam computados sem capitalização, até porque, é contra esta que os fundamentos jurídicos se lançam.

O que não fica claro em tais demandas é qual o sistema de amortização pretendido em substituição à Tabela Price. Ou seja, mesmo que haja uma condenação judicial determinando que a Tabela Price seja desconsiderada, não se tem notícia de qual critério deva ser utilizado em substituição.

Considerando que uma revisão judicial de cláusulas contratuais que meramente afaste a aplicação da Tabela Price não desconstitui a avença como um todo, tem-se que somente os efeitos da aplicação de tal sistema de amortização é que devem ser escoimados. Na ausência de estipulação expressa no contrato, que possa servir de base para tal "substituição", a conseqüência única possível é que se aplique a Lei Civil como fonte dos critérios para o cálculo do quanto seria devido.

Contudo, conforme amplamente demonstrado no capítulo III deste trabalho, ao se observar os ditames da Lei Civil, a única conseqüência da Tabela Price que seria afastada seria a desconsideração dos valores fixos das prestações. Perceba-se que não se estaria afastando a necessidade de honrar os vencimentos pactuados quanto às prestações, mas sim, somente seus valores que seriam as conseqüências únicas decorrentes da Tabela Price.

Qual seria, então, o critério justo, equânime e adequado à legislação civil? Os pais da tese que ataca a aplicação da Tabela Price não deixaram resposta para tal questão até porque, quase sempre, seu intuito foi o de resistir ao pagamento de dívidas e não o de rever efetivamente os ditames contratuais.

Em outras palavras, mesmo que alcançado o intento de ver declarada em sentença judicial a impossibilidade de utilização da Tabela Price, a conseqüência de uma revisão contratual seria que, conforme já dito, fossem utilizados os critérios definidos na fonte originária do Direito advinda do Código Civil – ou de Lei de Usura, se o caso.

Entretanto, nada disso interferiria no resultado final da evolução da dívida. Essa é uma constatação que precisa ser ressaltada, até porque, enquanto os operadores do Direito despenderam tempo e energia no debate sobre a validade ou não da Tabela Price, pouco se dedicaram a sopesar sobre os efeitos concretos a que levaria sua desconsideração.

Assim é que, se desconsideradas as conseqüências da Tabela Price, pautando a revisão de um contrato de mútuo como o que foi utilizado exemplificativamente neste trabalho, chegar-se-ia inevitavelmente a duas possibilidades, conforme estivesse o contrato a ser revisado liquidado total ou parcialmente. Vejamos, portanto, as conseqüências concretas em cada uma das situações.

VI.4.a. Conseqüências da desconsideração da Tabela Price em contratos totalmente liquidados

Consideremos, mais uma vez, as condições do ajuste contratual exemplificativo descrito no capítulo III deste trabalho:

a)Mútuo de R$ 9.000,00 concedido em 01/04/X0;

b)Taxa de juros de 12% a.a. simples calculados pela Tabela Price;

c)Restituição em 24 (vinte e quatro) prestações mensais, iguais e sucessivas de R$ 423,66, vencendo a primeira em 01/05/X0 e a última em 01/04/X2; e

d)Juros de mora de 1% ao mês sobre as prestações pagas em atraso.

Considerando que o contrato em questão já estivesse totalmente liquidado e que houvesse a determinação judicial de desconsiderar a Tabela Price para escoimar os supostos efeitos de anatocismo nela implícita, ter-se-ia que refazer os cálculos de evolução do débito e, assim, apurar as diferenças disso decorrentes que, então, representariam indébitos em favor do postulante.

Com a desconsideração da Tabela Price, o saldo devedor deveria ter sua evolução reconstituída, observando estritamente os ditames originários da Lei Civil, já que, além da aplicação da Tabela Price, nenhuma outra estipulação expressa existiria a ser considerada. Assim, teríamos os seguintes critérios para tal recomposição da evolução do saldo devedor:

a)Data inicial em 01/04/X0 pela quantia de R$ 9.000,00;

b)Apuração de saldos no dia primeiro de cada mês subseqüente, por serem as épocas avençadas para que se realizassem os pagamentos das prestações contratuais;

c)Cálculo de juros simples de 12% a.a., no caso, equivalentes a 1% a.m. incidentes durante cada período transcorrido entre as prestações, a serem computados sobre o saldo devedor existente;

d)Dedução das prestações efetivamente pagas, uma vez que o contrato estaria totalmente liquidado;

e)Apuração de novo saldo que, hipoteticamente, ao final deveria ser credor para representar o total dos indébitos em favor do mutuário.

A demonstração de como tal cálculo seria elaborado é a que segue:

EVOLUÇÃO DO SALDO DEVEDOR DE OBRIGAÇÕES CALCULADAS PELA TABELA PRICE CONSIDERANDO SOMENTE OS CRITÉRIOS DEFINIDOS NA LEGISLAÇÃO CIVIL

Época

Histórico

Saldo Anterior Contrato

Parcela de Juros

Prestação Mensal Paga

Saldo do Contrato

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

0,00

9.000,00

01/05/X0

1a. Prest.

9.000,00

90,00

-423,66

8.666,34

01/06/X0

2a. Prest.

8.666,34

86,66

-423,66

8.329,34

01/07/X0

3a. Prest.

8.329,34

83,29

-423,66

7.988,97

01/08/X0

4a. Prest.

7.988,97

79,89

-423,66

7.645,20

01/09/X0

5a. Prest.

7.645,20

76,45

-423,66

7.297,99

01/10/X0

6a. Prest.

7.297,99

72,98

-423,66

6.947,31

01/11/X0

7a. Prest.

6.947,31

69,47

-423,66

6.593,12

01/12/X0

8a. Prest.

6.593,12

65,93

-423,66

6.235,39

01/01/X1

9a. Prest.

6.235,39

62,35

-423,66

5.874,08

01/02/X1

10a. Prest.

5.874,08

58,74

-423,66

5.509,16

01/03/X1

11a. Prest.

5.509,16

55,09

-423,66

5.140,59

01/04/X1

12a. Prest.

5.140,59

51,41

-423,66

4.768,34

01/05/X1

13a. Prest.

4.768,34

47,68

-423,66

4.392,36

01/06/X1

14a. Prest.

4.392,36

43,92

-423,66

4.012,62

01/07/X1

15a. Prest.

4.012,62

40,13

-423,66

3.629,09

01/08/X1

16a. Prest.

3.629,09

36,29

-423,66

3.241,72

01/09/X1

17a. Prest.

3.241,72

32,42

-423,66

2.850,48

01/10/X1

18a. Prest.

2.850,48

28,50

-423,66

2.455,32

01/11/X1

19a. Prest.

2.455,32

24,55

-423,66

2.056,21

01/12/X1

20a. Prest.

2.056,21

20,56

-423,66

1.653,11

01/01/X2

21a. Prest.

1.653,11

16,53

-423,66

1.245,98

01/02/X2

22a. Prest.

1.245,98

12,46

-423,66

834,78

01/03/X2

23a. Prest.

834,78

8,35

-423,66

419,47

01/04/X2

24a. Prest.

419,47

4,19

-423,66

0,00

Totais

   

1.167,84

-10.167,84

 

Conforme se nota, o resultado final seria igual a "ZERO" porque, conforme vem se afirmando desde o início, os cálculos decorrentes da Tabela Price estão em perfeita consonância com os ditames legais e não resultam em juros capitalizados.

VI.4.b. Conseqüências da desconsideração da Tabela Price em contratos parcialmente liquidados

Consideremos, nesta outra análise, que o contrato de mútuo em questão tivesse somente metade de suas prestações saldadas e o restante, por conseqüência, estaria ainda em aberto, quando da hipotética postulação de revisão das cláusulas contratuais.

Nesse caso, o valor das prestações definidos pela Tabela Price, conforme já visto, seria de R$ 423,66 cada uma e haveriam doze delas em aberto, com vencimentos entre 01/05/X1 e 01/04/X2. Considerados os encargos de mora previstos contratualmente, o valor do débito em atraso na data do termo final ajustado, com base nos critérios estipulados no hipotético contrato, seria o que segue:

APURAÇÃO DO DÉBITO EM ATRASO DAS PRESTAÇÕES EM ABERTO APURADAS CONFORME OS CRITÉRIOS DA TABELA PRICE

Data de Vencto.

Valor da Prestação

% Juros de Mora

Valor Juros de Mora

Total em 01/04/X2

01/05/X1

423,66

11%

46,60

470,26

01/06/X1

423,66

10%

42,37

466,03

01/07/X1

423,66

9%

38,13

461,79

01/08/X1

423,66

8%

33,89

457,55

01/09/X1

423,66

7%

29,66

453,32

01/10/X1

423,66

6%

25,42

449,08

01/11/X1

423,66

5%

21,18

444,84

01/12/X1

423,66

4%

16,95

440,61

01/01/X2

423,66

3%

12,71

436,37

01/02/X2

423,66

2%

8,47

432,13

01/03/X2

423,66

1%

4,24

427,90

01/04/X2

423,66

0%

0,00

423,66

Totais

5.083,92

 

279,62

5.363,54

Entretanto, considerando que haveria que revisar-se as prestações contratuais para afastar a incidência da Tabela Price, necessário seria recompor a evolução do saldo devedor, de forma a apurar o valor revisado de tais prestações em aberto, conforme segue:

REVISÃO DOS VALORES DAS PRESTAÇÕES EM ABERTO COM BASE NOS CRITÉRIOS DECORRENTES DA LEGISLAÇÃO CIVIL (AMORTIZAÇÃO CONSTANTE DO CAPITAL)

Época

Histórico

Saldo do Contrato

Parcela de Amortização

Parcela de Juros

Total da Prestação

 

01/04/X0

Vr. Mútuo

9.000,00

0,00

0,00

0,00

 

01/05/X0

1a. Prest.

9.000,00

333,66

90,00

423,66

PRESTAÇÕES PAGAS .

01/06/X0

2a. Prest.

8.666,34

337,00

86,66

423,66

01/07/X0

3a. Prest.

8.329,34

340,37

83,29

423,66

01/08/X0

4a. Prest.

7.988,97

343,77

79,89

423,66

01/09/X0

5a. Prest.

7.645,20

347,21

76,45

423,66

01/10/X0

6a. Prest.

7.297,99

350,68

72,98

423,66

01/11/X0

7a. Prest.

6.947,31

354,19

69,47

423,66

01/12/X0

8a. Prest.

6.593,12

357,73

65,93

423,66

01/01/X1

9a. Prest.

6.235,39

361,31

62,35

423,66

01/02/X1

10a. Prest.

5.874,08

364,92

58,74

423,66

01/03/X1

11a. Prest.

5.509,16

368,57

55,09

423,66

01/04/X1

12a. Prest.

5.140,59

372,25

51,41

423,66

01/05/X1

13a. Prest.

4.768,34

397,36

47,68

445,04

PRESTAÇÕES EM ABERTO .

01/06/X1

14a. Prest.

4.370,98

397,36

43,71

441,07

01/07/X1

15a. Prest.

3.973,62

397,36

39,74

437,10

01/08/X1

16a. Prest.

3.576,26

397,36

35,76

433,12

01/09/X1

17a. Prest.

3.178,90

397,36

31,79

429,15

01/10/X1

18a. Prest.

2.781,54

397,36

27,82

425,18

01/11/X1

19a. Prest.

2.384,18

397,36

23,84

421,20

01/12/X1

20a. Prest.

1.986,82

397,36

19,87

417,23

01/01/X2

21a. Prest.

1.589,46

397,37

15,89

413,26

01/02/X2

22a. Prest.

1.192,09

397,36

11,92

409,28

01/03/X2

23a. Prest.

794,73

397,36

7,95

405,31

01/04/X2

24a. Prest.

397,37

397,37

3,97

401,34

Totais

   

9.000,00

1.162,20

10.162,20

 

A partir dos valores assim apurados e considerados os encargos de mora previstos contratualmente, o valor do débito em atraso na data do termo final ajustado, com base nos critérios revisados do hipotético contrato, seria o que segue:

APURAÇÃO DO DÉBITO EM ATRASO DAS PRESTAÇÕES EM ABERTO APURADAS CONFORME OS CRITÉRIOS DE AMORTIZAÇÃO CONSTANTE DO CAPITAL

Data de Vencto.

Valor da Prestação

% Juros de Mora

Valor Juros de Mora

Total em 01/04/X2

01/05/X1

445,04

11%

48,95

493,99

01/06/X1

441,07

10%

44,11

485,18

01/07/X1

437,10

9%

39,34

476,44

01/08/X1

433,12

8%

34,65

467,77

01/09/X1

429,15

7%

30,04

459,19

01/10/X1

425,18

6%

25,51

450,69

01/11/X1

421,20

5%

21,06

442,26

01/12/X1

417,23

4%

16,69

433,92

01/01/X2

413,26

3%

12,40

425,66

01/02/X2

409,28

2%

8,19

417,47

01/03/X2

405,31

1%

4,05

409,36

01/04/X2

401,34

0%

-

401,34

Totais

5.078,28

 

284,99

5.363,27

Por surpreendente que possa parecer, ambos os resultados são praticamente idênticos, isto é:

Débito em atraso conforme critérios da "TP" = R$ 5.363,54

Débito em atraso conforme critérios revisados = R$ 5.363,27

Por certo, a diferença de R$ 0,27 (vinte e sete centavos de real) é imaterial em relação ao montante mutuado e, obviamente, não pode ser tida como fruto de um critério mais oneroso ao mutuário decorrente de uma disfarçada capitalização de juros.

Em outras palavras, durante a fase cognitiva de uma demanda que discutisse a aplicação da Tabela Price em um contrato com prestações ainda em aberto, restaria patente que não haveria vantagem econômica nenhuma em substituir seus critérios o que, por certo, lançaria por terra o argumento de que o mutuário estaria sendo onerado pela utilização de sua fórmula de cálculo.

Da mesma forma, se tal apuração se desse em fase de liquidação de sentença que determinasse a substituição dos critérios da Tabela Price, os valores revisados indicariam que não existiria indébito em favor do mutuário porque, efetivamente, independente do pressuposto da decisão judicial, a Tabela Price não implica no cômputo de juros sobre juros.

VI.4.c. Do efeito inócuo de acolhimento judicial da tese que pleiteia a desconsideração da Tabela Price

Portanto, retomando conclusivamente as considerações a respeito da falsa "verdade jurídica" abstraída pelos detratores da Tabela Price, mesmo que seja afastada a utilização de sua fórmula na quantificação das prestações de mútuo, e substituindo tais critérios por aqueles advindos da legislação civil, o resultado final da evolução do saldo devedor não sofreria nenhuma modificação. Ou seja, não há, na essência, "causa de pedir" porque não é constatável na prática que a aplicação da Tabela Price implique na capitalização de juros e torne, por si mesma, as obrigações do mutuário mais onerosas em função disso.


VII – Para você que ainda tem dúvidas

Ao longo desta obra tentamos demonstrar a efetiva inocorrência de anatocismo na Tabela Price, com base nos principais enfoques, quais sejam:

- um enfoque jurídico; que demonstra que a aplicação singela da Lei Civil confirma que os critérios da Tabela Price são perfeitamente lícitos;

- um enfoque matemático; que demonstra que a interpretação plena da fórmula de cálculo da Tabela Price comprova que dela não decorre capitalização de juros;

- um enfoque histórico; que demonstra que em sua origem e método de formulação a Tabela Price jamais pretendeu computar juros sobre juros;

- um enfoque contábil; que demonstra que, na prática, ao se calcular as supostas desvantagens econômicas e financeiras da aplicação da Tabela Price, não há resultado nenhum que confirme alguma onerosidade ao mutuário.

Contudo, a celeuma gerada com as infundadas alegações sobre a existência de anatocismo decorrente da Tabela Price gerou tal repercussão no Brasil que, conforme já se disse anteriormente, acabou até por refletir tal equívoco em decisões judiciais proferidas de boa-fé, induzir em erro profissionais sérios da área técnica e, por fim, disseminar uma crença generalizada em tal "tese".

É importante deixar ressaltado que o anatocismo é prática combatida não só no Brasil, mas pelo mundo afora também. Contudo, somente em nosso país é que a Tabela Price ganhou tamanha importância e destaque, a ponto de existir na praça obras das mais variadas discutindo e defendendo a "tese" de que ela implica no cômputo de juros capitalizados.

Inevitável relembrar um pejorativo traço cultural tipicamente brasileiro que preconiza que se deva "levar vantagem em tudo" e, por certo, muitos já tentaram – e ainda tentam – tirar vantagem em atacar a utilização Tabela Price.

Com efeito, provocar o Poder Judiciário a revisionar contratos que tenham pactuado um tal tipo de critério para fixação de parcelas de dívida tornou-se meio fácil de resistir a obrigações assumidas livremente pelo devedor, sob a falsa alegação de que o tomador do mútuo, como "homem médio", teria sido lesado por não deter conhecimentos matemáticos avançados. Afinal, a "tese" traz aparência de seriedade e consistência, pois é calcada em livros de matemática, economia, história, direito e, agora, em jurisprudência também.

A bem da verdade, a crença de que a Tabela Price implica em prática de anatocismo tornou-se senso comum, porém, somente no Brasil. E quando aqui afirmamos, de maneira taxativa, que isso não representa a verdade, sentimo-nos como Galileu Galilei a enfrentar o clero por afirmar que o sol não gira em torno da terra, mas sim que ela é que se move ao redor dele.

Portanto, é natural que existam aqueles que, a despeito de toda a comprovação registrada neste trabalho, ainda alimentem dúvidas em seu espírito a respeito do assunto. Assim, nos resta tentar demonstrar por meios mais "intuitivos" a razão de nossa propositura.

Primeiramente, partamos do pressuposto que o leitor, a despeito de não ser necessariamente um jurista ou estudioso das leis e do Direito, obviamente, ao menos tenha um natural senso lógico do que seja justo ou injusto. Ainda, assumamos que não seja ele versado em matemática, porém, domine obviamente as quatro operações aritméticas básicas. Por fim, não é absurdo alimentarmos a crença de que alguém interessado no tema enfrentado neste trabalho seja esclarecido o suficiente para ter acesso a informações na rede mundial de computadores (Internet).

Assuma você, leitor, que existam economias suas amealhadas com seu trabalho e das quais você não necessita utilizar-se neste momento e que, seu vizinho, amigo de longa data, em face de necessidades inesperadas, lhe venha solicitar um empréstimo de R$ 1.000,00 para ser pago daqui um ano.

Para efeito de simplificação é de todo aconselhável que desconsideremos os efeitos inflacionários porque isto implicaria em utilizar critérios, fórmulas e cálculos que fugiriam do ânimo de apresentar uma demonstração simplista. É importante ressaltar, apenas, que a correção monetária não representa efetivo acréscimo de capital, mas sim, apenas sua recomposição do poder de compra. Assim, desconsideremos tais efeitos porque, no caso, são inócuos para o desenvolvimento do raciocínio e, ao contrário, inoportunos para a melhor compreensão do que se deseja expor.

Pois bem, caro leitor, é bastante razoável crer que você não seja um usurário e, menos ainda, que tente levar vantagens indevidas sobre alguém – que dirá de um amigo seu de longa data. Contudo, suas economias compõem seu patrimônio e decorrem do fruto de seu trabalho, razão porque é natural que se estipule alguma remuneração sobre o empréstimo pretendido.

Portanto, seu senso de justiça indica que a cobrança de juros de 1% (um por cento) ao mês são módicos, justos e, até onde dita o senso comum no Brasil, absolutamente legais. Seu vizinho amigo, mutuário nessa relação, concorda com tais encargos e sugere pagar tudo ao final de um ano, isto é: R$ 1.120,00. Assim, ele lhe estaria reembolsando o principal de R$ 1.000,00 mais juros de 12%, relativos ao ano em que o capital ficaria emprestado.

Nada impediria que tal ajuste fosse feito nessas bases, entretanto, tanto você quanto seu amigo têm plena ciência que esse tipo de negócio não é usual. Afinal, todas as dívidas e obrigações assumidas pelo brasileiro médio – como você e seu vizinho – são contratadas para serem saldadas em prestações mensais. Ainda, é lógico acreditar, inclusive, que tais economias estivessem devidamente aplicadas num Fundo de Investimentos ou Caderneta de Poupança que geram rendimentos, no mínimo, uma vez por mês. Assim, sua contraproposta é de que seu vizinho faça amortizações mensais desse empréstimo, de forma que, ao final, daqui um ano, toda a dívida esteja paga.

O negócio está evoluindo bem e seu amigo concorda com a estipulação de pagamentos mensais. Assim, ele lhe propõe que, a cada mês e durante doze meses, pagaria R$ 10,00 (dez reais), que representam exatamente 1% do valor do empréstimo e, no último vencimento, daqui um ano, saldaria também o principal. Isso equivaleria aos mesmos R$ 1.120,00, porém, pagos de uma forma mais razoável, como se a todo mês ele "renovasse" o empréstimo.

Apesar de seu inegável senso de justiça, você entende que mais justo é que sejam pagos, a cada mês, não só os juros, mas também parcelas do principal emprestado, o que seu vizinho aceita meio a contragosto, pois afinal ele precisa do dinheiro.

Então, você sugere a seu amigo dividir o valor total em doze vezes, isto é R$ 1.120,00 : 12 meses, o que implicaria em pagamentos mensais de R$ 93,33. Ou seja, 12 parcelas de R$ 83,33 que representariam os R$ 1.000,00 do empréstimo, mais 12 parcelas de R$ 10,00, que equivaleriam a 1% ao mês sobre o valor emprestado.

Seu vizinho coça a cabeça e, constrangido, lhe informa que tal forma não seria correta, porque se ele estaria pagando, a cada mês, parte do empréstimo, não seria justo que pagasse o mesmo valor de juros todo mês sobre o montante total.

A partir disso, ele sugere pagar as 12 parcelas do principal, no caso, R$ 83,33 a cada mês e, no final os juros sobre elas. Você, obviamente, diz que em princípio isso seria bom, contudo, não saberia dizer qual o valor dos juros ao final de um ano. Seu amigo, mais que depressa, toma papel e caneta e faz a seguinte conta:

Hoje, você me empresta

1.000,00

   

Devolvo daqui 1 mês

-83,33

1%

-0,83

Devolvo daqui 2 meses

-83,33

2%

-1,67

Devolvo daqui 3 meses

-83,33

3%

-2,50

Devolvo daqui 4 meses

-83,33

4%

-3,33

Devolvo daqui 5 meses

-83,33

5%

-4,17

Devolvo daqui 6 meses

-83,33

6%

-5,00

Devolvo daqui 7 meses

-83,33

7%

-5,83

Devolvo daqui 8 meses

-83,33

8%

-6,67

Devolvo daqui 9 meses

-83,34

9%

-7,50

Devolvo daqui 10 meses

-83,34

10%

-8,33

Devolvo daqui 11 meses

-83,34

11%

-9,17

Devolvo daqui 12 meses

-83,34

12%

-10,00

Total da devolução daqui 1 ano

-1.000,00

   

Pago os juros daqui 12 meses à

-65,00

Você olha bem para o cálculo de seu vizinho e, mesmo assim, acha que não ficou bom, porque vocês já haviam concordado que ele iria pagar, todo mês, tanto os juros, como parte do empréstimo. O único problema seria que sua conta de R$ 93,33 todo mês estava errada.

Então, você começa a refazer a conta, considerando que devam ser pagos, todos os meses, juros e parcelas do valor do empréstimo:

Empréstimo hoje

1.000,00

   

Juros de 1%

10,00

   

Pagto. dos juros daqui 1 mês

-10,00

   

Pagto. parte do empréstimo daqui 1 mês

-83,33

-93,33

1o. Pagto.

Saldo

916,67

   

Juros de 1%

9,17

   

Pagto. dos juros daqui 2 meses

-9,17

   

Pagto. parte do empréstimo daqui 2 meses

-83,33

-92,50

2o. Pagto.

Saldo

833,34

   

Juros de 1%

8,33

   

Pagto. dos juros daqui 3 meses

-8,33

   

Pagto. parte do empréstimo daqui 3 meses

-83,33

-91,66

3o. Pagto.

Saldo

750,01

   

Juros de 1% ...

     

Seu vizinho interrompe seu cálculo e diz que os valores mensais de juros que você está calculando são iguais aos que ele havia calculado, só que "de trás para frente". Portanto, seguindo tal raciocínio, os valores das parcelas que você estaria calculando seriam:

Hoje, você me empresta

1.000,00

   

Devolvo daqui 1 mês

-83,33

-10,00

-93,33

Devolvo daqui 2 meses

-83,33

-9,17

-92,50

Devolvo daqui 3 meses

-83,33

-8,33

-91,66

Devolvo daqui 4 meses

-83,33

-7,50

-90,83

Devolvo daqui 5 meses

-83,33

-6,67

-90,00

Devolvo daqui 6 meses

-83,33

-5,83

-89,16

Devolvo daqui 7 meses

-83,33

-5,00

-88,33

Devolvo daqui 8 meses

-83,33

-4,17

-87,50

Devolvo daqui 9 meses

-83,34

-3,33

-86,67

Devolvo daqui 10 meses

-83,34

-2,50

-85,84

Devolvo daqui 11 meses

-83,34

-1,67

-85,01

Devolvo daqui 12 meses

-83,34

-0,83

-84,17

Total da devolução daqui 1 ano

-1.000,00

-65,00

-1.065,00

Então, os amigos parecem ter chegado a um consenso, pois dessa forma, você receberia todos os meses os juros e parcelas proporcionais do empréstimo e seu vizinho desembolsaria, ao final, os mesmos R$ 65,00 de juros calculados por ele próprio.

Contudo, apesar da concordância, ambos entendem que melhor seria se todas as parcelas tivessem o mesmo valor todos os meses, para facilitar o controle dos pagamentos e recebimentos.

Nesse ponto, você e seu amigo começam a confabular para encontrar uma solução que seja adequada. No verso daquele papel relacionam as contas que fizeram até então:

Todo o empréstimo daqui um ano

1.000,00

+ Juros sobre tudo daqui um ano

120,00

Total

1.120,00

   

Todo o empréstimo daqui um ano

1.000,00

+ 12 parcelas de juros de R$ 10,00

120,00

Total

1.120,00

   

Tudo dividido em 12 x R$ 93,33

1.120,00

(esse está errado)

 
   

O empréstimo em 12 x R$ 83,33

1.000,00

+ Juros sobre tudo daqui um ano

65,00

Total

1.065,00

   

Tudo em 12 parcelas de valores diferentes (93,33; 92,50; ...)

1.065,00

Você e seu vizinho já estão quase fechando o negócio, porém, não chegam a um valor que seja idêntico todos os meses e que satisfaça o interesse de ambos.

Seu vizinho, entretanto, vai buscar em casa um velho livro de matemática financeira que ele utilizou no "colegial" e que possui várias tabelas no apêndice. Lá, você localiza uma tal de "Tabela Price" onde identifica:

RECONSTITUIÇÃO PARCIAL DA TABELA PRICE

No. Meses

Taxa de 4% a a

Taxa de 5% a a

. . .

Taxa de 12% a a

. . .

Taxa de 15% a a

Meses

0,3%

0,4%

. . .

1,0%

. . .

1,3%

1

1,003333

1,004167

. . .

1,010000

. . .

1,012500

2

0,502501

0,503127

. . .

0,507512

. . .

0,509394

3

0,335558

0,336115

. . .

0,340022

. . .

0,341701

4

0,252087

0,252610

. . .

0,256281

. . .

0,257861

5

0,202004

0,202507

. . .

0,206040

. . .

0,207562

6

0,168617

0,169106

. . .

0,172548

. . .

0,174034

7

0,144768

0,145248

. . .

0,148628

. . .

0,150089

8

0,126882

0,127355

. . .

0,130690

. . .

0,132133

9

0,112971

0,113439

. . .

0,116740

. . .

0,118171

10

0,101842

0,102306

. . .

0,105582

. . .

0,107003

11

0,092737

0,093198

. . .

0,096454

. . .

0,097868

12

0,085150

0,085607

. . .

0,088849

. . .

0,090258

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

Diante disso, seu amigo faz o novo cálculo:

Valor do empréstimo

=

R$ 1.000,00

Taxa de juros

=

12% a. a.

Número de prestações

=

12

Fator da TP

=

0,088849

Valor da prestação :

   

R$ 1.000,00 x 0,088849

=

R$ 88,85

     

Tudo dividido em 12 x R$ 88,85

=

R$ 1.066,20

Você não fica muito convencido e questiona seu amigo porque o resultado, afinal, não seria muito mais do que os R$ 83,33 por mês que, inclusive com os juros, haviam totalizado R$ 1.065,00 no outro cálculo anterior. Ele, entretanto, diz que o cálculo com o qual vocês concordaram também alcançava a cifra total de R$ 1.065,00 e dessa forma, também não chegaria aos R$ 1.120,00 daquela conta que você mesmo havia reconhecido que estava errada.

Diante disso – e pondo um ponto final nas tratativas – os valores das prestações e do total de pagamentos foram aceitos como corretos por ambos, porque se situaram num nível intermediário e aparentemente razoável. Assim, o negócio foi fechado nessa forma: você entregou os R$ 1.000,00 a seu amigo e ele se comprometeu a pagar 12 prestações mensais de R$ 88,85.

Entretanto, dias depois, após ter pego o dinheiro e utilizado para o que necessitava, seu amigo retornou até sua casa e lhe disse que não iria mais pagar os R$ 88,85 por mês, porque ele leu em algum lugar que a Tabela Price seria ilegal e que você estaria abusando da situação de necessidade em que ele se encontrava.

E você, que sempre agiu dentro da maior honestidade, ficou espantado com a reação de seu amigo, que lhe pediu um favor, concordou com todas as condições no momento de tomar o empréstimo e, depois, veio alegando que não iria pagar o combinado porque teria sido enganado.

Por certo, uma amizade de longo tempo vale mais que R$ 1.000,00. Entretanto, o que é certo é certo! Perguntou você a seu amigo qual a alternativa que ele encontrava para o pagamento da dívida. Ele, cheio de brios, invocou parâmetros mais justos como são utilizados por povos mais adiantados do que o brasileiro. Assim, sugeriu que fossem buscadas na "Internet" fórmulas de cálculo dentro de parâmetros americanos ou europeus.

Assim, foram ambos à frente do computador e lá, após pesquisarem alguns dicionários virtuais, descobriram os seguintes termos em outros idiomas para fazer uma busca:

"Loan payment calculator" – em inglês;

"Calcul dámortissement financier" – em francês;

"Calcolo rata di mutuo" – em italiano;

"Calculadora de prestamo" – em espanhol; e

"Anleihe kalkulation"- em alemão.

A tela multicolorida do computador começou a retornar páginas que continham calculadoras virtuais de financiamentos e empréstimos, tanto nos Estados Unidos da América como na Europa. Obviamente, foram inseridas as informações do empréstimo combinado vocês, para aferir-se o resultado. O que se descobriu, ao final de tal busca, foi que:

- em outros países, assim como no Brasil, é perfeitamente possível ajustar amortizações parciais ou liquidação antecipada de mútuos o que, em si, reduz o valor das parcelas e dos juros pagos;

- as taxas de juros praticadas em economias mais sólidas que a do Brasil são inferiores do que as que aqui se praticam; e

- quando o interesse do mutuário é pagar prestações de valor igual durante todo o período de empréstimo, sem nenhuma amortização parcial, o resultado da conta é absolutamente igual ao do cálculo feito com base na Tabela Price.

Ou seja, em outros lugares do mundo, mesmo naqueles onde os consumidores são muito mais respeitados do que no Brasil, a fórmula da Tabela Price é utilizada em larga escala sem que isso denote nenhum tipo de abuso. Isto é assim nos Estados Unidos da América e em toda a Europa. A conclusão lógica, entre você e seu amigo, é que o livro de matemática estava certo e a fonte onde havia a informação de que a Tabela Price implicava em anatocismo estava errada.

Portanto, caso você ainda tenha alguma dúvida, esteja certo que somente no Brasil é que se discute a validade e legalidade da Tabela Price. Nem cogite que nossa legislação possui alguma peculiaridade que inexiste nas demais que possa sugerir algo em sentido contrário. Não se preocupe em localizar em livros de matemática financeira estrangeiros alguma referência sobre isso, porque não encontrará. Aliás, afora as taxas de juros mais atrativas e a inexistência de correção monetária em separado, nem sonhe que se for buscar um empréstimo em outras paragens do planeta as opções sejam diferentes das que se encontram por aqui, pois fatalmente os critérios da Tabela Price estarão contemplados como uma delas.

Censurar o uso da Tabela Price é modismo tipicamente brasileiro e, com meridiana clareza, não se sustenta por absoluta falta de fundamento, o que é possível constatar sem a necessidade de nenhum conhecimento especializado sobre matemática, economia ou direito.


VIII – Considerações finais e conclusivas

Por tudo quanto restou discorrido ao longo deste trabalho, tem-se que, diante de uma análise jurídica e contábil – e porque não dizer, matemática – é certo que não observa-se a ocorrência de anatocismo pela aplicação dos critérios advindos da Tabela Price, porque:

a)O pressuposto do anatocismo é que haja juros compostos capitalizados, na medida que exista a incorporação dos juros vencidos ao capital, de forma que os juros vincendos passem sobre eles a incidir, além do próprio saldo de capital. A evolução do saldo devedor de um mútuo, a partir dos critérios de cálculo de prestações da Tabela Price não acarreta tal efeito multiplicador dos juros sobre juros, sendo que o saldo representa, durante todo o período, somente parcela de capital sem incorporação de juros na base de cálculo de novos juros;

b)Os critérios de cômputo de juros, sua forma de cobrança periódica durante a vigência do mútuo e as sistemáticas de amortização do capital, conforme contemplados pelo sistema da Tabela Price, estão em perfeita consonância com a legislação vigente no Brasil, não havendo nenhum aspecto que aponte para algum tipo de ilicitude;

c)De fato, é verdadeira a conclusão matemática de que a Tabela Price foi constituída com base na teoria dos juros compostos, contudo, também dela decorre que a mesma é um sistema de amortização que prevê uma liquidação do principal em progressão geométrica e não que isso implique em efetiva capitalização de juros;

d)As informações históricas a respeito de Richard Price e da tábua de cálculo por ele elaborada indicam que a Tabela Price não foi criada, originalmente, com o intuito de calcular juros sobre empréstimos, mas sim, pensões de aposentadoria. Ainda, ao classifica-la como "tábua de juros compostos", simplesmente houve a referência de que eles serviram de base para o cálculo e não que houvesse capitalização de juros, até porque o pressuposto é de que haja pagamentos periódicos mensais o que inibe tal efeito;

e)As demonstrações de equivalência financeira que indicam que o valor individual das prestações decorrentes da Tabela Price corresponderiam ao cômputo de juros capitalizados sobre cada uma delas não consideram que os ajustes contratuais não prevêem nenhum tipo de carência para o pagamento periódico dos juros compensatórios e, ainda, desconsideram a razão direta da evolução cronológica do cômputo de encargos. Portanto, em nada se prestam a apresentar algum efeito concreto de capitalização de juros sobre o saldo devedor que advenha da Tabela Price; e

f)Independente de haver julgados que tenham acolhido a tese de que a Tabela Price consagra a prática de anatocismo, sob o aspecto quantitativo econômico, é nula a conseqüência concreta de sua substituição por outros critérios advindos do contrato e da lei. Ou seja, se determinada judicialmente a aferição de prejuízos ao mutuário durante a fase cognitiva do feito, haverá de se constatar que inexistem ônus adicionais decorrentes da utilização da Tabela Price. Ainda, se determinada em liquidação de sentença que os critérios da Tabela Price sejam substituídos por outros advindos do contrato e da lei o resultado será igualmente nulo, não surtindo conseqüência concreta na apuração dos valores condenatórios.


Notas

01 RAZUK, Paulo Eduardo – Dos juros – São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2005; p. 6.

02 As referências históricas e biográficas de Richard Price foram compiladas na Internet no sítio eletrônico www.wikipedia.org


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIA JUNIOR, Obed de. Da inocorrência do anatocismo na Tabela Price: uma ánalise técnico-jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1019, 16 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8241. Acesso em: 24 abr. 2024.