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Subsídios e direitos adquiridos

Subsídios e direitos adquiridos

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Dados os parâmetros delineados pelo STF e pelo CNJ, talvez o problema mais relevante e candente que remanesce para ser resolvido seja o pertinente aos direitos adquiridos frente ao novo regime implantado.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Evolução remuneratória dos agentes políticos. 3. Julgamento do MS 24875. 4. Regime jurídico e direitos adquiridos. 5. Subsídios e direitos adquiridos. 6. Irredutibilidade remuneratória. 7. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

A implementação dos subsídios dos agentes políticos tem gerado sérias perplexidades e controvérsias. As dúvidas sobre quais as verbas do regime anterior que, não obstante a redação do art. 39, § 4º, da Constituição da República, coexistem no novo paradigma, de subsídio como parcela única, produzem disputas judiciais e questionamentos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

A respeito, o CNJ editou as Resoluções números 13 e 14. O CNMP está na iminência de disciplinar a matéria.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal também tratou parcialmente do tema no julgamento do Mandado de Segurança n. 24875, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, deferindo, parcialmente, a segurança aos Ministros aposentados Djaci Alves Falcão e outros.

Dados os parâmetros delineados pelo STF e pelo CNJ, talvez o problema mais relevante e candente que remanesce para ser resolvido seja o pertinente aos direitos adquiridos frente ao novo regime implantado.

A questão das vantagens pessoais, que o STF expressamente reconheceu subsistirem no regime do subsídio, atormenta operadores do direito e, principalmente, servidores que anseiam pelo correto equacionamento do tema, à luz dos princípios constitucionais da segurança jurídica e do respeito à coisa julgada, ao ato jurídico perfeito e aos direitos incorporados ao patrimônio jurídico individual.

Muitas interpretações têm invocado a firme jurisprudência da Excelsa Corte e dos demais tribunais pátrios no sentido da ausência de direito adquirido a regime jurídico para solapar parcelas historicamente pagas como vantagens pessoais, dando alcance indevido a tal entendimento.

Neste estudo analisaremos essas questões com a finalidade de contribuir para a correta percepção do tema, à luz dos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais. Para facilitar a compreensão, iniciaremos pela evolução remuneratória dos agentes políticos a partir da Carta de 1988, passando pela análise da decisão tomada no MS 24875 e da jurisprudência relativa à inexistência de direito adquirido a regime jurídico, até chegar propriamente ao tema direitos adquiridos e irredutibilidade remuneratória.


2. EVOLUÇÃO REMUNERATÓRIA DOS AGENTES POLÍTICOS

A Constituição Federal de 1988, na sua redação original, estabeleceu limites máximos de remuneração diferenciados para os três poderes e também para as esferas de governo. [01]

Intentou o Legislador Constituinte Originário estabelecer limites máximos que não poderiam ser excedidos, nem mesmo sob a alegação de direito adquirido, consoante expressamente determinou no art. 17, caput, do ADCT [02].

Dessa forma, quaisquer valores que estivessem sendo percebidos além dos limites estabelecidos pelo art. 37, XI, da Carta de 1988 foram reduzidos imediatamente, não se admitindo, neste caso, a invocação de direito adquirido.

O Supremo Tribunal Federal, interpretando tais normais em conjunto com o art. 39, § 1º, da Carta na redação original, entendeu que não se incluíam no teto "as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local do trabalho", no julgamento da ADI 14/DF, Pleno, Ministro Célio Borja, DJU de 01-12-1989, PP-17759:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROPOSTA PELA ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. O PARAGRAFO 2. DO ARTIGO 2. DA LEI FEDERAL N. 7.721, DE 6 DE JANEIRO DE 1989, QUANDO LIMITA OS VENCIMENTOS DOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – "COMPUTADOS OS ADICIONAIS POR TEMPO DE SERVIÇO" - A REMUNERAÇÃO MAXIMA VIGENTE NO PODER EXECUTIVO, VULNERA O ART. 39, PAR. 1., "IN FINE", DA CONSTITUIÇÃO, QUE SUJEITA A TAL LIMITE APENAS OS "VENCIMENTOS", EXCLUIDAS AS VANTAGENS "PESSOAIS". COMPATIBILIDADE DO CONCEITO DE "VENCIMENTOS" ESTABELECIDOS NA LEI COMPLEMENTAR N. 35/79 E EM OUTROS ARTIGOS DA LEI MAIOR COM A EXEGESE DO ALUDIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. PROCEDENCIA PARCIAL DA AÇÃO PARA DECLARAR INCONSTITUCIONAIS AS EXPRESSÕES" ... E VANTAGENS PESSOAIS (ADICIONAIS POR TEMPO DE SERVIÇO)...", CONSTANTE DO PAR. 2., ART. 2. DA LEI 7.721/89."

A Emenda Constitucional n. 19/1998 trouxe relevantes modificações nesse sistema. Em primeiro lugar, instituiu como teto único o subsídio mensal pago, em espécie, aos ministros do Supremo Tribunal Federal, dando nova redação ao art. 37, XI, da Carta Política [03].

A Emenda ainda introduziu a remuneração por intermédio de subsídio, que consiste em parcela única, vedado o acréscimo de quaisquer outras parcelas remuneratórias, conforme a nova redação conferida ao art. 39, § 4º, da Constituição Federal [04].

O art. 29 da Emenda determinava a adequação dos valores percebidos à guisa de remuneração ao teto único fixado, não se admitindo a percepção de excesso a qualquer título [05].

O Supremo Tribunal Federal, interpretando a Emenda Constitucional n. 19/1998, entendeu não serem "auto-aplicáveis as normas dos artigos 37, XI, e 39, § 4º, da Constituição, redação que lhes deram os arts. 3º e 5º, respectivamente, da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, porque a fixação de subsídio mensal, em espécie, de Ministro do Supremo Tribunal Federal – que servirá de teto –, nos termos do art. 48, XV, da Constituição, na redação do art. 7º da referida Emenda Constitucional nº 19, depende de lei formal" (STF, Pleno, Sessão Administrativa de 24/6/98, Ata da 3ª Sessão Administrativa, grifos do original).

O art. 37, inciso XI, da Constituição foi novamente modificado, agora pela Emenda Constitucional n. 41/2003, passando a ter a seguinte redação:

"a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos".

O art. 8º desta Emenda estabeleceu o teto provisório do serviço público, definido pelo Supremo Tribunal Federal em R$19.115,19 (STF, Pleno, Sessão Administrativa de 5/2/2005), equivalente ao valor da maior remuneração dos Ministros daquela Corte [06].

O art. 9º, por sua vez, pretendeu aplicar o art. 17 do ADCT à sistemática remuneratória modificada [07].

Os subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, que corresponde ao teto do serviço público, e do Procurador-Geral da República foram fixados, respectivamente, pelas Leis ns. 11.143/2005 e 11.144/2005. Com a publicação das referidas Leis, estabeleceram-se os subsídios dos Membros da Magistratura e do Ministério Público da União em parcela única, conforme determina o art. 39, § 4º, da Constituição.


3. JULGAMENTO DO MS 24875

Como se sabe, no último dia 11 de maio de 2006, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do MS 24875, impetrado por Ministros aposentados daquela Corte, deferindo, em parte e por maioria, a segurança, para admitir a permanência, no caso concreto, da vantagem do artigo 184 da Lei 8.112/1990, até que o valor correspondente seja absorvido pelo subsídio. No dia 9 de março de 2006, o Tribunal, por unanimidade de votos, já havia rejeitado o pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade do vocábulo "pessoais", inserido no inciso XI do artigo 37 da Constituição, na redação que lhe atribuiu a Emenda Constitucional nº 41/2003, e da expressão "e da parcela recebida em razão de tempo de serviço", contida no artigo 8º da referida emenda.

Nesse julgamento o STF definiu algumas premissas em matéria de remuneração da Magistratura, que terão reflexos na aplicação da Lei do Ministério Público, ante a paridade de tratamento em matéria de remuneração ratificada pela Emenda Constitucional n. 45.

A primeira premissa revela a extinção do Adicional de Tempo de Serviço (ATS) sob a fundamentação de sua absorção pelo subsídio. Restou claro que o STF entendeu, por unanimidade, que ficaram absorvidos pelo subsídio o vencimento básico, as verbas de representação e o adicional de tempo de serviço, nos exatos termos do art. 8º da Emenda Constitucional n. 41, cuja constitucionalidade foi confirmada neste julgamento.

A segunda é a necessidade de respeito absoluto ao teto remuneratório decorrente da fixação do subsídio, somente admitindo-se sua extrapolação em respeito à garantia da irredutibilidade nominal de remuneração e às parcelas que não são com ele cotejadas, como, por exemplo, as verbas indenizatórias.

A terceira – e de extraordinária relevância para o tema em tela – é o reconhecimento expresso pelo STF, pela unanimidade de seus Ministros, da coexistência das vantagens pessoais com os subsídios.

O próprio Ministro Relator, Sepúlveda Pertence, acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Celso de Mello, reconheceu a manutenção do acréscimo de 20% sobre os proventos de aposentadoria a título, evidentemente, de vantagem pessoal. O Ministro Ricardo Lewandowski, ao desempatar a votação, também acompanhou esse entendimento.

Além do voto do Ministro Marco Aurélio, que foi enfático na defesa dos direitos adquiridos, vão na mesma linha os votos dos Ministros Eros Grau, Carlos Britto, Cézar Peluso e Nelson Jobim, que acompanharam a tese defendida pelo Ministro Joaquim Barbosa, que não rechaça o direito adquirido como vantagens pessoais, ao contrário o reconhece explicitamente, mas limitado ao teto. Ressalta Sua Excelência: "deve ser rejeitada a tese do direito adquirido ao excesso, do direito adquirido a uma remuneração que ultrapasse o limite do que o país considera como remuneração justa para a função pública" (Disponível em: http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas/ler.asp?CODIGO=182375&tip=UN&param=. Acesso em: 30 mai. 2006, grifamos).

É imprescindível destacar ainda que o STF não afastou a possibilidade de reconhecer-se direito adquirido frente ao regime do subsídio, ao contrário sinalizou no sentido inverso. Conquanto a tônica do voto vencedor do Ministro Sepúlveda Pertence, Relator, seja no sentido de reconhecer somente direitos adquiridos de matriz constitucional – enfoque, além de inovador, destoante da doutrina dominante, como admite o próprio –, o cerne da discussão levava em conta a ponderação com a instituição do próprio teto constitucional pelas Emendas Constitucionais ns. 19 e 41, que foram promulgadas com o declarado intuito de modificar a jurisprudência do STF firmada do julgamento da ADI 14, em que se excluíam do teto as vantagens pessoais. Frise-se, por oportuno, que, de qualquer sorte, a tese defendida pelo Ministro Sepúlveda Pertence somente alcançou a maioria com a soma, pelo critério médio, do voto do Ministro Marco Aurélio, que adotou o entendimento diametralmente oposto – reconhecimento amplo do direito adquirido.


4. REGIME JURÍDICO E DIREITOS ADQUIRIDOS

Com freqüência, vêem-se pronunciamentos invocando a jurisprudência de que não há direito adquirido a regime jurídico como justificativa para solapar parcelas legitimamente incorporadas ao patrimônio jurídico dos servidores. Mais recentemente, tivemos o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, desempatando o Mandado de Segurança n. 24875, que reafirma a tese [08].

Tal jurisprudência, no entanto, não milita em desfavor das vantagens legitimamente incorporadas ao patrimônio jurídico individual, ao revés explica e fortalece a tese do direito adquirido. E não afasta a percepção das vantagens pessoais no novo regime dos subsídios.

Sem dúvida o art. 39, § 4º, da Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/1998, instituiu novo regime remuneratório para os membros de poder e agentes políticos, consubstanciado nos subsídios como parcela única.

Todavia, quando passou a viger, a Lei de fixação dos subsídios encontrou situações jurídicas definitivas decorrentes de atos jurídicos perfeitos, cristalizados de acordo com a legislação então vigente, constituindo-se, portanto, direitos adquiridos.

Como é curial, a lei, inclusive a Emenda Constitucional, vige para o futuro, não podendo retroagir para prejudicar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. A normatividade das emendas [e das leis] já nasce etiquetada com o timbre do "doravante", e jamais com o timbre do "desde sempre" [09].

A função específica da garantia do direito adquirido é assegurar, no tempo, a manutenção dos efeitos jurídicos de normas modificadas ou suprimidas. Trata-se de garantia ocupada com os efeitos concretos da lei. Não se destina a inibir a evolução da legislação, a modificação ou a revogação das leis preexistentes, mas a fazer perdurar os efeitos individuais e concretos da lei alterada ou suprimida mais vantajosa na nova ordem legal. Direitos adquiridos são direitos subjetivos estabilizados no patrimônio jurídico individual e protegidos da aplicação da lei nova. Não são direitos vocacionados a impedir a inovação abstrata da lei. Na verdade, a garantia do direito adquirido pressupõe, como condição para ser aplicada, a efetiva ocorrência de processos de reforma legislativa. Se não há sucessão legislativa, modificação da norma jurídica anterior por norma superveniente mais gravosa, a garantia não tem oportunidade de incidir. [10]

Portanto, da mudança do regime jurídico é que surge o direito adquirido. Desse modo, como bem adverte o Ministro Carlos Ayres Britto, "ainda que se afirme a inexistência de direito adquirido a regime jurídico, não se pode negar esta verdade: há direito adquirido em qualquer regime jurídico, no interior dele. Seja o celetista, seja o estatutário" [11].

A propósito, confira-se novamente o ensinamento de Paulo Modesto [12]:

"Essa orientação doutrinária e jurisprudencial, específica quanto ao tema da revisão do regime jurídico do servidor público, não impede a consolidação de vantagens ou a formação de direitos adquiridos frente a inovação legislativa na relação do servidor com o Estado.

Além das vantagens consumadas, isto é, aquelas que produziram no patrimônio individual todos os efeitos de que eram susceptíveis no tempo (ex. férias gozadas), dos ‘facta praeterita’, como as gratificações devidas ‘pro labore facto’, a exemplo da gratificação por substituição em cargo em comissão, anteriormente vencida mas eventualmente ainda não paga, é reconhecida a possibilidade de constituição de direitos adquiridos face à lei quando na situação jurídica individual o fato aquisitivo já tenha decorrido por inteiro sem que tenham se exaurido os seus efeitos, a exemplo do direito à qualificação de certo tempo como tempo de serviço público (STF, RE 82.881, Rel. Min. ELOY DA ROCHA, j. em 5/05/1976) e do direito ao cálculo dos proventos em conformidade com a lei vigente ao tempo em que o servidor preencheu os requisitos para a aposentadoria (STF, RE 92.638, Rel. Min. MOREIRA ALVES, RDA 145/56, j. em 6 de julho de 1980)."

É o que se dá em relação às vantagens pessoais, por exemplo, relativas à incorporação de gratificação de chefia, direção ou assessoramento (quintos/décimos) e à vantagem do art. 184 da Lei 8.112/1990 (há norma equivalente no art. 232, parágrafo único, da Lei Complementar n° 75/1993).

Temos aí típicas vantagens pessoais de regimes revogados, que foram legitimamente incorporadas ao patrimônio jurídico de Membros da Magistratura e do Ministério Público e cujos efeitos subsistem no regime do subsídio, devendo a parcela correspondente somar-se a este. Não se quer o prosseguimento ou o direito adquirido ao regime revogado, mas tão-somente a preservação dos seus efeitos.

Esclarecedora é a lição de Alexandre de Moraes [13] sobre o tema:

"(...) A posição pacificada na jurisprudência da Corte Suprema sobre a inexistência de direito adquirido em relação à imutabilidade do regime jurídico do servidor público, sendo as leis que o alterem aplicáveis desde o início de sua vigência, não afasta a proteção constitucional dos direitos adquiridos relacionados a eventuais vantagens pessoais que já tenham acrescido ao patrimônio do servidor público, pois são coisas diversas.

Como bem ressaltado por Hugo Nigro Mazzilli, os precedentes do STF sobre inexistência de direito adquirido e emenda constitucionais, diziam respeito a pretensa existência de direito adquirido contra a imutabilidade de regime jurídico do servidor, concluindo o referido autor que ‘ora, não se admitindo direito adquirido à imutabilidade de regime jurídico, obviamente tanto o poder constituinte originário como o derivado podem o alterar livremente, respeitados, neste último caso, apenas os efeitos válidos já consumados sob a ordem jurídica anterior’. Assim, por exemplo, um servidor público que tenha ingressado na carreira sob a vigência de determinado regime jurídico que lhe garantisse a percepção de qüinqüênios, ou seja, acréscimo à sua remuneração de determinada verba, como adicional por tempo de serviço, a cada 5 anos, após 10 anos de efetivo serviço terá adquirido pelo transcurso do tempo de serviço (ex facto temporis) direito a integralização ao seu patrimônio desses dois qüinqüênios. Se, futuramente, houver alteração no regime jurídico regente da carreira desse servidor público, ele não mais fará jus à aquisição de novos qüinqüênios à cada 5 anos de efetivo serviço, em face do posicionamento da Corte Suprema pela inexistência de direito adquirido à regime jurídico; porém, em relação aos valores equivalentes aos dois qüinqüênios incorporados aos seus vencimentos, já se constituiu direito adquirido uma vez que já se haviam completado os requisitos legais e de fato para a integralização patrimonial. Como observa Carlos Maximiliano, ‘se chama adquirido o direito que se constitui regular e definitivamente e a cujo respeito se completam os requisitos legais e de fato para integrar no patrimônio do respectivo titular, quer tenha sido feito valer, quer não, antes de advir norma posterior em contrário’.

Portanto, em relação à situação ora tratada, afirma Hugo Mazili que ‘havendo direito adquirido, o poder de emenda à CF e a ordem infraconstitucional devem-lhe respeito’.

Dessa forma, nenhum servidor público poderá, à partir da regulamentação da EC nº 19/98, adquirir qualquer vantagem pessoal ou de qualquer outra natureza, nos termos da nova redação do inciso XI, do art. 37, que exceda ao teto salarial do funcionalismo público, correspondente ao subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Diferentemente, será o tratamento jurídico-constitucional dos servidores públicos que já tem incorporadas ao seu patrimônio vantagens pessoais juridicamente reconhecidas. Em relação à esses, não haverá possibilidade de retroatividade do presente art. 29, continuando os mesmos a perceberem integralmente seus vencimentos, em face da existência do direito adquirido e a impossibilidade de reconhecer-se uma retroatividade que desconstitua uma situação jurídica perfeita e acabada, consolidada na vigência da norma constitucional originária anterior, acarretando irregular irredutibilidade de vencimentos, devidamente incorporados ao patrimônio."

De outra parte, não se desconhece a jurisprudência do STF autorizadora da modificação dos critérios modulatórios de remuneração. Isso sempre foi feito pela Administração, mas tendo em vista, ordinariamente, os vencimentos, tidos como a soma do vencimento básico com as vantagens permanentes relativas ao cargo, emprego, posto ou graduação (Lei n. 8.852/1994, art. 1º, II). Essas modificações, normalmente, preservam as vantagens pessoais. Quando não, há expresso registro da extinção da parcela, preservada, em todos casos, a garantia da irredutibilidade nominal.

No sistema remuneratório da Magistratura e do Ministério Público da União temos exemplo recente nesse sentido. As Leis ns. 10.474/2002 (art. 1º, § 3º) e 10.474/2002 (art. 1º, § 4º), dispondo, respectivamente, sobre a então nova remuneração para a Magistratura e para o Ministério Público da União, determinaram que a remuneração delas decorrentes incluísse e absorvesse todos e quaisquer reajustes remuneratórios percebidos ou incorporados, a qualquer título, por decisão administrativa ou judicial, até a data da publicação.

Como nada disseram das vantagens pessoais relativas aos quintos/décimos ou à vantagem decorrente da aposentadoria, Magistrados e Membros do Ministério Público seguiram percebendo tais direitos.

No regime do subsídio, como determinado pelo art. 8º da Emenda Constitucional n. 41 e confirmado, de forma didática, no julgamento do STF no MS 24875, foram extintos e absorvidos, expressamente, os vencimentos (ou seja, a retribuição pelo exercício cargo), a representação mensal e a parcela recebida em razão de tempo de serviço, tão-somente.

Subsistem, pois, os direitos adquiridos, licitamente agregados ao patrimônio jurídico de Juízes e Membros do MP, coexistindo com o regime jurídico dos subsídios.


5. SUBSÍDIOS E DIREITOS ADQUIRIDOS

A Constituição Federal, no art. 5º, inciso XXXVI, enuncia: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

Ensinam-nos Carlos Ayres Britto, ora emprestando seu brilho à Excelsa Corte, e Valmir Pontes Filho que os direitos adquiridos são manifestação do princípio maior da segurança jurídica [14].

José Afonso da Silva, em parecer encomendado pela AMPERJ e AMB, sintetiza o ensinamento sobre esses institutos:

"Ou seja, se o direito subjetivo não foi exercido, vindo lei ou emenda constitucional nova, ele se transforma em direito adquirido, porque já incorporado no patrimônio do titular. Se, porém, o direito subjetivo já foi exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica definitivamente constituída (direito satisfeito, direito realizado, extingui-se a relação jurídica que o fundamentava). Exemplo, quem tinha o direito de aposentar-se, aposentou-se, seu direito foi exercido, consumou-se; lei nova ou emenda constitucional nova não tem o poder de desfazer o direito assim exercido; não pode desaposentar o aposentado nem pode retirar os efeitos jurídicos da aposentadoria já consumada, só porque estabeleceu regras diferentes para ela. Aqui o direito subjetivo recebeu consagração definitiva por meio de um ato do Poder Público, gerando uma situação jurídica mais forte do que o direito adquirido, porque se dá o encontro entre o direito subjetivo, direito já incorporado no patrimônio do titular, e um ato jurídico do Poder Público que o consagra em definitivo, ato jurídico esse que, expedido regularmente, consolida definitivamente a situação jurídica subjetiva de vantagem no patrimônio do titular com força inderrogável do ato jurídico perfeito e acabado."

Tais garantias constituem-se cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º, IV, c/c o art. 5º, XXXVI) insuscetíveis de afastamento até mesmo por emenda constitucional, como já decidiu a Suprema Corte na ADI 939/DF, Plenário, Min. SYDNEY SANCHES, DJU 18/3/1994, página 5165 (no mesmo sentido: ADI 829/DF, Pleno, Min. MOREIRA DJU 16-09-1994 PP-24278). Mais recentemente, no multicitado julgamento do MS 24875, o STF reafirmou a possibilidade de confrontar direitos adquiridos com a Emenda Constitucional, no caso a de número 41.

A imutabilidade alcança tanto a garantia abstrata dos direitos adquiridos, ou seja, a previsão do art. 5º, XXXVI, como os próprios e concretos direitos individuais que são qualificados com o adjetivo adquirido.

É verdade que a Emenda Constitucional n. 41/2003, no art. 9º, mandou aplicar o disposto no art. 17 do ADCT "aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza". Porém, como reconhecido no julgamento do MS 24875, não é possível restaurar a eficácia deste dispositivo transitório que se exauriu com a promulgação da Constituição Federal em 1988, fazendo com que os valores percebidos acima dos limites então estabelecidos pelo Legislador Constituinte Originário fossem reduzidos. O que quer a Emenda Constitucional n. 41/2003 agora é afrontar o preceito fundamental do direito adquirido, cláusula pétrea, que não pode ser excetuado nem mesmo por dupla Emenda Constitucional.

José Afonso da Silva, corroborando a doutrina hoje corrente, ensina (parecer mencionado, p. 16-17, grifamos):

"18. O art. 5º, XXXVI, como visto acima (n. 10), estatui que a lei não poderá prejudicar direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Ninguém duvida de que, embora fale em lei, a garantia constitui também limitação ao poder de emenda: poder constituinte derivado, por ser uma forma de poder constituído ou instituído, é poder regrado, condicionado e limitado. Nada mais é do que uma competência instituída, na Constituição, para a produção de normas constitucionais derivadas, de acordo e dentro dos limites estabelecidos pela própria constituição. Disso decorre que se trata de um poder limitado por via de normas da própria Constituição que lhe impõem procedimento e modo de agir, dos quais não pode arredar-se sob pena de sua obra sair viciada, ficando mesmo sujeita ao sistema de controle de constitucionalidade, como outras normas jurídicas. Esse tipo de regramento da atuação do poder de reforma constitucional configura limitações formais. Além dessas limitações que são da essência do sistema, assinalam-se outras específicas que a doutrina costuma distribuir em três grupos: temporais, circunstanciais e materiais (explícitas e implícitas). Aqui só interessam as limitações materiais explícitas, porque aqui é que se situam os fundamentos das conclusões a que chegaremos neste parecer. Pois, entre as cláusulas imodificáveis por reforma constitucional, o art. 60, § 4º da Constituição vigente, está a vedação de proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais (inc. IV).

19. Antes dessa norma não era raro encontrarem-se afirmativas no sentido de não haver direito adquirido contra norma constitucional sem nenhuma distinção. Era uma doutrina pertinente ao poder constituinte originário, mas, se antes se poderia ter dúvidas de que o direito adquirido limitava o poder constituinte derivado, essas dúvidas não podem mais prevalecer em face da vedação, hoje expressa, de apresentação de propostas de emendas tendentes a abolir direitos e garantias individuais. E ninguém duvida de que se configura como uma típica garantia individual a regra constante do inc. XXXVI do art. 5º da Constituição de 1988, segundo o qual a lei não pode prejudicar o direito adquirido. O argumento é irretorquível, como um entimema: a reforma constitucional não pode abolir direito adquirido porque se trata de uma garantia individual. Ou se quiser em forma de um silogismo: a reforma constitucional não pode abolir direitos e garantias individuais; o direito adquirido é uma garantia individual expressa no art. 5º, XXXVI; logo, a reforma constitucional não pode abolir o direito adquirido. Ou ainda, por outra forma: os direitos e garantias individuais são imodificáveis por emenda constitucional; o direito adquirido é uma garantia constitucional; logo, o direito adquirido é imodificável por emenda constitucional."

No mesmo sentido Alexandre de Moraes [15]:

"Note-se que a alterabilidade constitucional, embora possa traduzir-se na alteração de muitas disposições da Constituição, sempre deverá conservar um valor integrativo, no sentido de que deve deixar substancialmente idêntico o sistema originário idealizado pelo legislador originário. Nelson Sampaio, citando Cooley, afirma que ‘as emendas constitucionais não podem ser revolucionárias; elas devem estar em harmonia com o corpo do documento’. Não é outro o entendimento exposto por Carl Schmitt, ao afirmar que a possibilidade da Constituição ser reformada, não ‘quer dizer que as decisões políticas fundamentais que integram a substância da Constituição possam ser suprimidas e substituídas por outras quaisquer pelo Parlamento’.

(...) Ressalte-se que a Emenda constitucional somente permanecerá no ordenamento jurídico se em sua edição tiver respeitado as limitações expressas e implícitas decorrentes do art. 60 da Constituição (Cf. Capítulo 11, item 4)."

E conclui o eminente autor na edição já atualizada com a Emenda Constitucional n. 47/2005 [16]:

Uma das regras obrigatórias para o Congresso Nacional no exercício do poder constituinte derivado reformador é a observância das chamadas cláusulas pétreas, verdadeiras limitações materiais ao poder de alteração constitucional e, dentre elas, os chamados direitos e garantias individuais (CF, art. 60, § 4º, IV).

Os direitos e garantias individuais [entre eles o direito adquirido], portanto, constituem um núcleo intangível da Constituição Federal, no sentido de preservação da própria identidade da Carta Magna, impedindo sua destruição ou enfraquecimento..."

O entendimento da doutrina encontra ressonância no Supremo Tribunal Federal:

"Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). (...)." (ADI 939/DF, Plenário, Min. SYDNEY SANCHES, DJU 18/3/1994, página 5165, grifamos No mesmo sentido: ADI 829/DF, Pleno, Min. MOREIRA DJU 16-09-1994 PP-24278).

Portanto, a instituição do subsídio em parcela única não pode afastar as vantagens regular e licitamente incorporadas ao patrimônio jurídico dos Membros do Ministério Público e da Magistratura.

Tal impossibilidade é ainda mais flagrante em relação às que, nos termos do julgamento da ADI 14, estavam imunes ao teto definido na redação original da Carta de 1988, como as vantagens pessoais decorrentes da aposentadoria e da incorporação de gratificações (quintos/décimos).

Ademais o escalonamento decorrente da instituição do subsídio para as categorias funcionais abaixo do Procurador-Geral da República e dos Ministros do STF não se confunde com subtetos. A parcela única para os cargos iniciais da carreira, por exemplo, não faz coincidir a noção de piso e teto intermediário. Ao contrário disso, o art. 37, XI, da Constituição – o que foi corroborado no julgamento do MS 24875 – prevê expressamente a coexistência do subsídio, parcela única, com vantagens pessoais, ao dispor:

"a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos" (grifamos).

Portanto, a fixação do teto no patamar do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal permite que os agentes públicos, incluindo os Membros da Magistratura e do Ministério Público, continuem percebendo as chamadas vantagens pessoais pelo menos até o teto.

Esse é o entendimento da doutrina constitucional brasileira, coligido no parecer supracitado do Professor José Afonso da Silva. É também a conclusão que se colhe do Mestre Alexandre de Moraes, eminente Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça [17]:

"Em conclusão, entendemos inadmissível qualquer interpretação seja da EC nº 19/98, seja da EC nº 41/03 que possibilite o desrespeito aos direitos adquiridos dos servidores públicos, às vantagens pessoais incorporadas regularmente aos seus vencimentos, e conseqüentemente, integrantes definitivamente em seu patrimônio, em face de desempenho efetivo da função ou pelo transcurso do tempo, como por exemplo anuênios ou qüinqüênios. Irrefutável a argumentação do saudoso Hely Lopes Meirelles, quando afirma que ‘vantagens irretiráveis do servidor só são as que já foram adquiridas pelo desempenho efetivo da função (pro labore facto), ou pelo transcurso do tempo (ex facto temporis).

Em relação a essas vantagens, consubstanciou-se o fator aquisitivo, configurando-se a existência de direito adquirido, pois conforme salienta Limongi França, ‘a diferença entre a expectativa de direito e direito adquirido está na existência, em relação a este, de fato aquisitivo específico já configurado por completo’. Ora, aqueles que, de forma lícita e reconhecida juridicamente, tenham seus vencimentos atuais superiores ao futuro teto salarial do funcionalismo, previsto no inciso XI, do art. 37, da Constituição Federal, pela EC nº 41/03 – auto-aplicável, em face do art. 8º da citada emenda, conforme já analisado -, e correspondente ao subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, (...), de forma alguma poderão sofrer redução salarial, sob pena de flagrante desrespeito à proteção aos direitos adquiridos" (grifamos).

É imprescindível notar que a Emenda Constitucional n. 19/98 instituiu o subsídio para os agentes políticos, que constituem o patamar mais elevado da Administração Pública. Estes, como os demais servidores públicos, estão submetidos ao teto remuneratório instituído pelo art. 37, XI, da Carta Magna e são remunerados por parcela única. Ocorre que a preservação das vantagens pessoais somente para os servidores públicos não remunerados por subsídio, o que se admite só para argumentar, faria com que houvesse uma subversão da normal organização administrativa, permitindo que tais servidores fossem remunerados até o teto, mas Magistrados e Membros do Ministério Público percebessem somente a parcela única decorrente do escalonamento determinado pelo art. 93, V, da Constituição. Tal aplicação literal do art. 39, § 4º, da Carta seria por demais iníqua e contrária ao sistema de organização administrativa.


6. IRREDUTIBILIDADE REMUNERATÓRIA

A Constituição, nos arts. 37, XV, 93, III, e 128, § 5º, I, "c", ao instituir a garantia de irredutibilidade remuneratória, veda a diminuição nominal dos valores licitamente recebidos.

Como antes mencionado, o próprio Supremo Tribunal Federal, já na vigência da atual Constituição, definiu que as vantagens pessoais, como o adicional de tempo de serviço e incorporação de quintos/décimos, não se incluíam no teto então estabelecido (ADI 14/DF, Pleno, Ministro Célio Borja, DJU de 01-12-1989, acima transcrito).

Dessa forma, como o princípio constitucional da irredutibilidade dos estipêndios funcionais consta do rol dos direitos e garantias individuais, que são imunes a modificações, é indevido o abate-teto dos valores que vinham sendo legitimamente percebidos.

Mesmo se reafirmando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que não há direito adquirido a regime jurídico, impossível afastar-se a regra da irredutibilidade, que serve de baliza à vigência no novo paradigma. Esse é o sentido da lição do eminente Professor Alexandre de Moraes [18]:

"O alcance dessa garantia constitucional de irredutibilidade de vencimentos foi definido pelo STF, que estabeleceu tratar-se de cláusula que ‘veda a redução do que se tem’; não podendo, portanto, o quantum remuneratório sofrer redução.

Ressaltamos, inclusive, que, mesmo que não haja direito adquirido do servidor público aos critérios legais de fixação do valor de sua remuneração, eventual alteração ou redução das parcelas que a compõem, não poderão desrespeitar o princípio da irredutibilidade, sendo proibida a diminuição do valor da remuneração em sua totalidade."

José Afonso da Silva, no parecer supramencionado (p. 11-12), demonstra o posicionamento sedimentado da Suprema Corte sobre o tema:

"O Supremo Tribunal Federal tem reiterado em diversos pronunciamentos que a garantia constitucional de irredutibilidade de vencimentos proíbe que estipêndio funcional seja reduzido ou afetado, por ato do Poder Público, em seu valor nominal (Cf. ADIN nº1.396-3-SC, Tribunal Pleno, Min. Rel. Marco Aurélio, DJU 07.08.1998; grifos nossos). ‘Esta Corte, pronunciando-se sobre o alcance da cláusula constitucional da irredutibilidade de vencimentos, deixou assentado que o princípio em questão ‘veda a redução do que se tem’ (RTJ 104/80, Rel. Min. MOREIRA ALVES). O Supremo Tribunal Federal, tendo presente a concreta abrangência desse postulado fundamentalmente enfatizou que ‘...a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos (...) torna intangível o direito que já nasceu e que não pode ser suprimido...’ (RTJ 118/300, Rel. Min. CARLOS MADEIRA), pois, afinal, a garantia da irredutibilidade incide sobre aquilo que, a título de vencimentos, o servidor já vinha percebendo (RTJ 112/786, Rel. Min. ALFREDO BUZAIK)’ (itálico meu)."

Tem-se a garantia de irredutibilidade de subsídio como modalidade qualificada da proteção ao direito adquirido:

"(...)Irredutibilidade de vencimentos: garantia constitucional que é modalidade qualificada da proteção ao direito adquirido, na medida em que a sua incidência pressupõe a licitude da aquisição do direito a determinada remuneração. (...)" [19]

Essa garantia foi novamente reconhecida recentemente no julgamento do MS 24875.

Portanto, há necessidade de preservarem-se os valores nominais da remuneração recebidos antes da fixação do subsídio.


7. CONCLUSÃO

No recente julgamento do MS 24875, o STF decidiu pela absorção dos vencimentos, das verbas de representação e do adicional de tempo de serviço pelos subsídios. Reconheceu, todavia, a subsistência de vantagens pessoais frente ao novo regime e a preservação da garantia da irredutibilidade remuneratória.

Tendo em vista a vocação de o direito novo viger para o futuro, a mudança de regime é que faz surgir o direito adquirido, ou seja, aquele em que se verificou os requisitos fáticos e jurídicos, com fato aquisitivo específico já configurado por completo. A lei nova ou regime jurídico novo não podem retroagir para impedir a superveniência dos efeitos de direitos que foram legitimamente incorporados ao patrimônio do cidadão.

As vantagens pessoais, por exemplo, referentes à incorporação de direção, chefia ou assessoramento (quintos/décimos) ou à vantagem do art. 184 da Lei n. 8.112/1990, que foram incorporadas de acordo com os parâmetros do regime já revogado, subsistem no regime dos subsídios, devendo a parcela correspondente somar-se a estes. Não se trata, nesta hipótese, de direito adquirido ao regime revogado, mas somente a preservação dos efeitos dos direitos incorporados enquanto este vigorava.

A Emenda Constitucional n. 41, art. 8º, não determinou a absorção pelos subsídios ou a extinção de tais parcelas, que subsistem portanto.

A Constituição, com status de cláusula pétrea, garante abstrata e concretamente os direitos individuais adquiridos. Essa garantia é ainda mais robusta em relação às vantagens pessoais que, nos termos do julgamento da ADI 14, estavam imunes ao teto original da Carta Cidadã, como as decorrentes da aposentadoria e da incorporação de gratificações (quintos/décimos).

É a própria Carta Magna, no art. 37, XI, que reconhece a coexistência dos subsídios com vantagens pessoais, possibilitando, pois, a soma destas com aqueles até o teto.

A título de irredutibilidade remuneratória, garantida nos arts. 37, XV, 93, III, e 128, § 5º, I, "c", da Constituição, deve-se preservar o valor nominal da remuneração percebida antes da fixação dos subsídios.


Notas

01 Art. 37, XI: "a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito".02 "Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título."

03 "a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal"

04 "O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI."

05 "Os subsídios, vencimentos, remuneração, proventos da aposentadoria e pensões e quaisquer outras espécies remuneratórias adequar-se-ão, a partir da promulgação desta Emenda, aos limites decorrentes da Constituição Federal, não se admitindo a percepção de excesso a qualquer título."

06 "Até que seja fixado o valor do subsídio de que trata o art. 37, XI, da Constituição Federal, será considerado, para os fins do limite fixado naquele inciso, o valor da maior remuneração atribuída por lei na data de publicação desta Emenda a Ministro do Supremo Tribunal Federal, a título de vencimento, de representação mensal e da parcela recebida em razão de tempo de serviço, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento da maior remuneração mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal a que se refere este artigo, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos" (grifamos).

07 "Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza."

08 Disponível em: http://www.stf.gov.br/imprensa/pdf/ms24875.pdf. Acesso em: 30 mai. 2006.

09 BRITO, Carlos Ayres; PONTES FILHO, Valmir. Direito adquirido contra as emendas constitucionais. Disponível em: http://www.pgm.fortaleza.ce.gov.br/revistaPGM/vol04/05DireitoAdquiridoContraEmendasConst.htm. Acesso em: 30 mai. 2006.

10 MODESTO, Paulo. Reforma administrativa e direito adquirido. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/374. Acesso em: 30 mai. 2006.

11 Aparte ao voto vencido do Ministro Marco Aurélio na ADI n. 3105. Disponível em:http://conjur.estadao.com.br//static/text/29954,1. Acesso em: 30 mai. 2006.

12 Loc. cit.

13 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 7ª ed. rev., ampl. e atual. com a EC n. 24/99. São Paulo: Atlas, 2000, p. 352-353.

14 Direito adquirido contra as emendas constitucionais. Disponível em: http://www.pgm.fortaleza.ce.gov.br/revistaPGM/vol04/05DireitoAdquiridoContraEmendasConst.htm. Acesso em: 30 mai. 2006.

15 Direito Constitucional. 7ª ed. rev., ampl. e atual. com a EC nº 24/99. São Paulo: Atlas, 2000, p. 348-349.

16 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18ª ed. atual. até a EC nº 47/05. São Paulo: Atlas, 2005, p. 369.

17 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 18ª ed. atual. até a EC nº 47/05. São Paulo: Atlas, 2005, p. 366

18 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 891-892, grifos nossos.

19 STF-RE-298.694/SP, Pleno, Min. Sepúlveda Pertence, DJU 23-04-2004 PP-00009.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAIXETA, Sebastião Vieira. Subsídios e direitos adquiridos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1072, 8 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8488. Acesso em: 23 abr. 2024.