Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/85813
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século

anotações e reflexões para futuras reformas

A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século: anotações e reflexões para futuras reformas

|

Publicado em . Elaborado em .

De longa data vem-se tentando chegar ao equilíbrio entre o poder de tributar e a capacidade da sociedade suportar o pagamento de tais tributos. Entretanto, a compreensão popular para isso é condizente com a contrapartida oferecida pelo Estado. A história dá indícios das mudanças necessárias.

Resumo: Este artigo objetiva promover uma reflexão para uma futura reforma tributária à luz da experiência vivida no Brasil desde a Primeira Constituição Republicana até a Constituição de 1988. O estudo está divido em 4 partes. A primeira, que considera a tributação no Brasil no período compreendido entre 1891 a 1965; a segunda, que procura demonstrar a Reforma da década de 60 e a evolução do sistema tributário até 1988, tomando como ponto de partida a década de 50; a terceira, que trata da Reforma Tributária de 1988 e seus ajustes posteriores e, por fim, a quarta parte, onde serão apresentadas algumas anotações e reflexões para futuras reformas. Ao longo de quase um século (1891 a 1988), o Brasil passou por 7 Constituições (sem incluir a Emenda Constitucional de 1969, para alguns considerada uma nova Constituição) e cada uma delas apresentou, ampliou ou modificou o sistema tributário nacional, como se verá no curso do presente artigo, que, na sua feitura, tomou como referência os documentos legislativos, especialmente as Cartas Constitucionais, livros de doutrina e artigos escritos acerca da evolução da tributação no Brasil. Em conclusão, observou-se, que até os dias atuais, mesmo tendo passado por várias reformas, ainda existe muito espaço para reformas no sistema tributário nacional.

Palavras-chave: Constituições; Tributação; Reforma.


INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo demonstrar a evolução do sistema tributário nacional e alertar acerca de uma futura reforma tributária dentre outras anunciadas para o setor público, à luz da experiência vivida no Brasil desde a Primeira Constituição Republicana até a Constituição de 1988. Para melhor compreensão do estudo realizado, analisaremos esse quase século de história em quatro partes, levando em consideração o comportamento da tributação brasileira de acordo com as linhas estabelecidas em cada Carta Constitucional vigente à época e nas políticas governamentais estabelecidas.

A primeira parte considera a tributação no Brasil no período compreendido entre 1891 a 1965, a segunda, procura demonstrar a Reforma da década de 60 e a evolução do sistema tributário até 1988, tomando como ponto de partida a década de 50, a terceira, que  trata da Reforma Tributária de 1988 e seus ajustes posteriores e, por fim, a quarta parte, onde serão apresentadas algumas anotações e reflexões para futuras reformas. Como se verá nos capítulos que se seguem é a partir desse modelo estabelecido que se tentará apresentar algumas possibilidades novas para a tributação no Brasil.  

Foram utilizados na elaboração do presente artigo, como referência, os documentos legislativos especialmente as Cartas Constitucionais vigentes, livros de doutrina e artigos escritos acerca da evolução da tributação no Brasil. Em conclusão, observou-se que, até os dias atuais, mesmo tendo passado por várias reformas, ainda existe muito espaço para novas formatações e aperfeiçoamento do sistema tributário nacional.


1. A TRIBUTAÇÃO BRASILEIRA NO PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE 1891 A 1960

1.1 - Do fim do Estado Unitário ao surgimento da   República Federativa do Brasil.

A queda da Monarquia, em 1889, com a proclamação da República, significou para o Brasil o fim do modelo unitário de Estado e a instituição da República Federativa. A Constituição de 1891 foi o seu primeiro marco institucional e iniciou uma nova era de fiscalidade no Brasil datando daí os primeiros estudos sobre direito financeiro e destacando Rui Barbosa como o grande financista pátrio da época. Entretanto, essa constituição, inspirada  no modelo norte americano e ainda sob forte influência portuguesa, adotou um sistema rígido de tributação com superposições tributárias entre as esferas de governo locais e central, implicando, por vezes, em bitributação e deixando de fora do modelo tributário os municípios, notadamente, no que diz respeito à discriminação de rendas, embora deitem aí as primeiras raízes do federalismo brasileiro.

No Brasil, boa parte da estrutura tributária do Império vigorou até a década de 30. Naquela época, a base econômica nacional era, sobretudo, agrícola, e a principal fonte de receitas públicas era a tributação do comércio exterior, particularmente, o imposto de importação, que chegava a corresponder a 2/3 (dois terços) da receita pública. Por volta de 1889, ano de proclamação da República no nosso País, o imposto de Importação já respondia por quase metade da receita pública. A grande contribuição da Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891, foi estabelecer o regime de separação das fontes tributárias, identificando competências exclusivas para a União e para os Estados. As competências foram distribuídas da seguinte forma: para a União, coube, privativamente, instituir o imposto de importação, os direitos de entrada, saída e estadia de navios, taxas de selo e taxas de correios e telégrafos federais; para os Estados, foi concedida a competência exclusiva para instituir impostos sobre a exportação, sobre imóveis rurais e urbanos, sobre a transmissão de propriedades e sobre indústrias e profissões, além de taxas de selo e contribuições concernentes a seus correios e telégrafos. Os tributos residuais competiam à União e aos Estados.

Importa registrar que, naquela época, já existia a cobrança de imposto sobre os vencimentos pagos pelos cofres públicos e sobre os benefícios distribuídos por sociedades anônimas, embora, somente em 1924, o governo tenha instituído um imposto de renda geral, assim como foi estabelecida, em 1892, a cobrança de um imposto sobre o fumo considerando os fluxos internos de produtos de onde surgiu a ideia do imposto sobre o consumo. No exercício de 1922, foi criado o imposto sobre vendas mercantis, mais tarde denominado imposto de vendas e consignações e transferido para a esfera estadual.

1.2 A sistematização do direito tributário com a Constituição de 16 de julho de 1934 e seguintes.

Foi essa Carta que preparou o sistema para algumas inovações, no que diz respeito aos impostos sobre produtos, mas trouxe poucas novidades. Os Estados foram dotados de competência privativa para decretar o imposto de vendas e consignações, proibia-se a cobrança do imposto de exportações em transações interestaduais e limitava-se a alíquota deste imposto a um máximo de 10%. Ao contrário da Constituição anterior, essa dotou os Municípios de competência privativa para decretar alguns tributos dentre eles o imposto de licenças, imposto predial e territorial urbanos, imposto sobre diversões públicas e imposto cedular sobre a renda de imóveis rurais, além de taxas sobre serviços municipais. Também foi nessa Constituição que se iniciou o procedimento de repartição da receita de impostos entre as esferas de governo, pois, verificava-se uma grande concentração de recita em poder da União em detrimento dos Estados e Municípios.

No final da década de 30, de acordo com os orçamentos públicos, a arrecadação tributária e a efetiva participação de cada Ente federativo no volume total de receitas auferidas era a seguinte: cabia à União uma parcela de 52,81% da arrecadação; aos Estados, 29,25%; aos Municípios, de 10,81%; e ao Distrito Federal, de 7,13%. A Constituição de 10 de novembro de 1937 pouco modificou o sistema tributário estabelecido pela Constituição anterior, cuja vigência foi bastante reduzida. Retirou a competência privativa dos Estados para tributar o consumo de combustíveis de motor de explosão e a competência dos Municípios para tributar a renda das propriedades rurais. Por outro lado, a competência residual passou a pertencer somente aos Estados, sem qualquer repartição da União na arrecadação das receitas.

Três anos depois, em 1940, a Lei Constitucional nº 3 vedou aos Estados o lançamento de tributos sobre o carvão mineral nacional e sobre combustíveis e lubrificantes líquidos e  a Lei nº 4 incluiu na competência privativa da União o imposto único sobre a produção, o comércio, a distribuição, o consumo, a importação e a exportação de carvão mineral e dos combustíveis e lubrificantes líquidos de qualquer origem. No começo da década de 40, o imposto de vendas e consignações respondia por cerca de 45% da receita tributária dos Estados, alcançando 60% em 1946, enquanto a participação do imposto de exportação caía para pouco mais que 10%, inferior às dos impostos de transmissão inter vivos e de indústrias e profissões. Nos Municípios, o imposto sobre indústrias e profissões e o imposto predial permaneceram como os mais importantes, correspondendo a pouco menos que 40 e 30% da receita tributária, respectivamente.

A Constituição de 18 de setembro de 1946 trouxe poucas modificações ao rol de tributos instituídos no país. Trouxe para os Municípios competência para instituir dois novos impostos: o imposto do selo municipal, que era um imposto sobre atos de sua economia ou assuntos de sua competência, e o imposto de indústrias e profissões, este embora pertencente aos Estados, já era arrecadado em parte pelos municípios. Modificou profundamente a discriminação de rendas entre as esferas do governo institucionalizando um sistema de transferências de impostos que, mais tarde, já no início da década de 60, foi reforçado pela Emenda Constitucional nº 5, que atribuiu aos Municípios 10% da arrecadação do imposto de consumo e aumentou de 10 para 15% a participação dos mesmos no Imposto de Renda.

Esta Emenda também transferiu, dos Estados para os Municípios, os impostos sobre a transmissão de propriedades inter vivos e sobre a propriedade territorial rural, sendo esta competência transferida para União pela EC nº 10, cabendo-lhe, entretanto, entregar o produto da arrecadação ao Município de localização do imóvel tributado. Durante o período 1946/66, cresce a importância relativa dos impostos internos sobre produtos. Às vésperas da reforma tributária, o imposto de consumo é responsável por mais de 45% da receita tributária da União, o imposto de vendas e consignações corresponde a quase 90% da receita tributária estadual, e o imposto de indústrias e profissões, que se tornara, na prática, uma versão municipal do imposto de vendas e consignações, gera quase 45% da receita tributária dos municípios. Em conjunto, eles perfazem 65% da receita tributária total do país, mesmo assim, não são suficientes para cobrir as necessidades de dispêndio dos três níveis de governo e a reforma tributária, reclamada por muitos desde o final da década de 40, é preparada e posta em prática.


2. A REFORMA DA DÉCADA DE 60 E A EVOLUÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO ATÉ 1988

A década de 50, que antecedeu a década em análise, foi marcada pelo esforço do governo em promover o desenvolvimento industrial: foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1952, a SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, em 1959, e muito se fez para atrair capital estrangeiro para o país. De 1956 a 1961, no Governo do Presidente Juscelino Kubitscheck, com o seu programa desenvolvimentista 50 anos em 5, foram oferecidos favores financeiros e cambiais e o imposto de importação que já não tinha uma participação forte no financiamento dos gastos públicos foi transformado em instrumento de proteção à indústria doméstica. A despesa do Tesouro Nacional, que girava em torno de 8% do PIB no final da década de 40, elevou-se para 11% a partir de 1957 e, no início dos anos 60, atingiu a marca dos 13%. Um novo sistema tributário foi paulatinamente implantado entre 1964 e 1966,  concedendo-se prioridade para as medidas que contribuíssem de imediato para a reabilitação das finanças federais e, simultaneamente, atendessem às reclamações de alívio tributário dos setores empresariais, que constituíam a base política de sustentação do regime; nesse ínterim a administração fazendária federal foi reorganizada, o Imposto de Renda  recebeu revisões que resultaram em vigoroso crescimento de sua arrecadação e o imposto de consumo foi reformulado dando origem ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

O grande mérito dessa reformulação foi a incorporação da Emenda Constitucional nº 18/65 ao texto da Constituição de 30 de janeiro de 1967, que, juntamente com Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) constituíram os documentos legais que marcam o fim dos trabalhos desta reforma. Com isso, o sistema tributário brasileiro ganhou a eliminação dos impostos cumulativos e a adoção do imposto sobre o valor agregado, a limitação do poder concedido aos Estados para legislar sobre o ICM, os recursos transferidos passaram a ter seus gastos vinculados e compatíveis com os objetivos fixados pelo Poder Central, além de terem sido limitadas suas competências tributárias. O Ato Complementar nº 40/68 reduziu, de 10 para 5%, os percentuais do produto da arrecadação do IR e do IPI destinados aos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios (FPE e FPM), respectivamente. Em contrapartida, criou o Fundo Especial (FE), cuja distribuição e utilização dos recursos eram inteiramente decididas pelo Poder Central, destinando a ele 2% do produto da arrecadação daqueles tributos.

A autonomia fiscal dos Estados e Municípios foi reduzida ao seu nível mínimo, aí permanecendo até 1975. O esforço para atrair investimento à custa da concessão de fortes incentivos fiscais até a década de 60, corroía, excessivamente, a receita, e, para reforçar suas fontes de financiamento, o governo federal criou o PIS - contribuição para o Programa de Integração Social que marca o ressurgimento no país da cumulatividade na tributação. Ao encerrar-se a fase do "milagre brasileiro" – 1968/1973, o sistema tributário já começava a mostrar os primeiros sinais de exaustão. Foram feitos ajustes na legislação do IR, em 1974, com o intuito de mitigar o efeito regressivo da tributação. Os Estados e Municípios começavam a esboçar reação ao baixo grau de autonomia, o que suspendeu o processo de crescente centralização das decisões no Poder Central, até que a Emenda Constitucional nº 5/75 elevou os percentuais de destinação de recursos ao FPE e ao FPM a partir de 1976.

No período 1979/83, a carga tributária oscilava entre 24,5 e 27% do PIB. As Emendas Constitucionais nº 5/75 e nº 17/80, elevaram progressivamente os percentuais do produto da arrecadação do IR e do IPI destinados ao FPE e ao FPM que, de 5% em 1975, atingiram 10,5% em 1982 e 1983. O total das transferências tributárias da União para Estados e Municípios manteve-se, desde 1976 até 1983, ano a ano, na faixa de 8,5 a 9,5%. Entre 1984 e 1988, a arrecadação foi ligeiramente inferior ao observado até 1983, oscilando entre 23,4 e 24,3%, com exceção de 1986, ano do Plano Cruzado, em que atingiu 26,5% surgindo a necessidade da criação de um novo tributo cumulativo, o FINSOCIAL - contribuição para o Fundo de Financiamento Social   e a  transformação  do IPI e ICM em tributos pouco semelhantes ao que se concebe ser um imposto sobre o valor agregado.  

A Emenda Constitucional nº 23/83 elevou os percentuais do FPE e do FPM para 12,5 e 13,5%, respectivamente, em 1984, e para 14 e 16%, de 1985 em diante, e fechou as possibilidades  de a União reduzir as bases sobre as quais incidiam os percentuais destas e de outras participações dos Estados e Municípios na receita tributária. As transferências da União cresceram até atingir o máximo de 16% de sua receita tributária em 1988. A participação da União no total da receita tributária disponível teve uma queda de quase 10 pontos percentuais entre 1983 e 1988, enquanto sua participação na arrecadação dos três níveis de governo caiu cerca de cinco pontos percentuais no mesmo período.


3. A REFORMA TRIBUTÁRIA DE 1988 E OS AJUSTES POSTERIORES

O sistema tributário estatuído pela Constituição de 1988, ao contrário do que foi trazido pela reforma da década de 60 e elaborado por uma equipe técnica em gabinetes, foi fruto de um processo participativo em que os principais atores eram políticos. Esse sistema, dentre outras inovações, trouxe: a ampliação do grau de autonomia fiscal dos Estados e Municípios; a atribuição de competência a cada um dos Estados para fixar, autonomamente, as alíquotas do seu principal imposto, o ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação), sucessor do ICM; extinguiu a faculdade atribuída pela Constituição anterior à União de conceder isenções de impostos estaduais e municipais e, por último, vedou a imposição de condições ou restrições à entrega e ao emprego de recursos distribuídos àquelas unidades.

Os fundos de participação dos Estados e Municípios na arrecadação das receitas foram mantidos e os percentuais do produto da arrecadação de IR e IPI destinados a eles foram, outra vez, progressivamente ampliados chegando, a partir de 1993, a 21,5 e 22,5%, respectivamente. O montante transferido pelos Estados para os Municípios também cresceu consideravelmente, tanto pelo alargamento da base do principal imposto estadual como pelo aumento do percentual de sua arrecadação destinado àquelas unidades, que passou de 20 para 25%. Houve também uma partilha do IPI cabendo aos Estados 10% da arrecadação do imposto, repartido em proporção à exportação de produtos manufaturados. Desse montante, 25% são entregues pelos Estados a seus respectivos Municípios. O Fundo Especial foi extinto, mas o seu montante (3% da arrecadação do IR e do IPI, ao invés dos 2% que o compunham) é destinado a programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através das instituições financeiras federais de caráter regional.

A partir de 1989, ano em que além da natural dificuldade de transição para um novo sistema tributário, a arrecadação foi prejudicada pela vigorosa aceleração da inflação, a carga tributária tem superado os níveis alcançados nas décadas anteriores. Não restam dúvidas de que a Constituição de 1988 reduziu os recursos disponíveis para a União, via aumento das transferências tributárias e limitação de suas bases impositivas, mas, ficou claro, também, que as dificuldades financeiras da União, decorrentes da perda de recursos, já vinha ocorrendo desde 1984 e outros fatores que explicam tais dificuldades são a estagnação econômica, que já se arrastava por 14 anos quase ininterruptos, a aceleração da inflação, e o estado deplorável a que se deixou chegar a administração fazendária.

No período pós-Constituição, o governo federal, para enfrentar o seu desequilíbrio fiscal e financeiro crônico, adotou sucessivas medidas para compensar suas perdas com a criação de novos tributos e elevação das alíquotas dos já existentes, em particular, daqueles não sujeitos à partilha com Estados e Municípios. Alguns exemplos são a criação da contribuição incidente sobre o lucro líquido das empresas (1989), o aumento da alíquota da COFINS de 0,5% para 2%, e, também, das do imposto sobre operações financeiras (1990), e a criação do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), mais um tributo cumulativo (1993). A arrecadação dos impostos e contribuições federais sujeitos à repartição com os governos subnacionais, que representava 51% do total da receita tributária em 1988, caiu para 42% em 1991 não computadas as contribuições ao FGTS e ao PIS/PASEP.

O Plano Real, posto em prática em julho de 1994, conseguiu conter a inflação em níveis baixos para padrões brasileiros e, consequentemente, na área fiscal a inflação baixa e o crescimento ascendente contribuíram para elevar a receita. A carga tributária de 1994, 28,5% do PIB, só é inferior à registrada em 1990. Do outro lado da conta fiscal, a execução financeira do Tesouro Nacional em 1995, até outubro, mostrava um crescimento real da receita da ordem de 11% e da despesa fiscal na casa dos 14% e a situação financeira dos estados ficou ainda mais preocupante. Em vários deles, a receita tributária já era insuficiente para fazer face à folha de salários. A estimativa das necessidades de financiamento do setor público para o período janeiro a setembro apresentava déficit operacional de 4,4% do PIB.


4.  ANOTAÇÕES E REFLEXÕES PARA FUTURAS REFORMAS

4.1. A Evolução e as Reformas

O processo de evolução do sistema tributário ao longo de um século contém um grande número de ensinamentos a serem utilizados em futuras reformas. Sabe-se que, pela própria dinâmica dos fatos e para aprimoramento do sistema, os erros e acertos do passado podem e devem ser considerados no presente. Nas sessões anteriores, com pequenas referências a algumas Leis ou Emendas Constitucionais, foram tratadas as grandes linhas do sistema tributário brasileiro, posto que, além dos textos constitucionais existem outros instrumentos normativos que compõem a legislação tributária, entretanto, não são objeto desse estudo.

O sistema tributário que se tem hoje se adequa às linhas gerais das teorias tradicionalmente encontradas na literatura econômica. No Império e nos primeiros anos da República, os impostos sobre comércio exterior predominavam em relação aos impostos sobre imóveis e ao conjunto de outros tributos incidentes sobre bens, rendimentos e serviços. No final do século passado foi criado um imposto de consumo que, modificando-se ao longo do tempo, transformou-se no IPI. O ICMS tem origem no imposto sobre vendas mercantis criado em 1922 e, somente em 1924, os impostos sobre rendimentos que foram sendo criados ao longo do tempo foram agrupados, formando o Imposto de Renda, que foi semi cedular durante 40 anos, até tomar forma semelhante à que tem hoje.

A predominância dos impostos sobre o comércio exterior em relação aos impostos internos como fonte de receita perdurou até o início da década de 40. A partir daí foram necessários mais 25 anos até que se tratasse o sistema tributário como instrumento econômico. Um dos maiores problemas que se tem no Brasil de 1988 para os dias atuais é obter uma compatibilização adequada e razoável entre a Evolução do Sistema Tributário e o Federalismo Fiscal. O federalismo fiscal exige um grau razoável de autonomia financeira e política aos diferentes níveis de governo o que só pode ocorrer atrvés de instrumentos fiscais adequados em cada uma das esferas nacionais.

A experiência brasileira tem sido especialmente marcada pela dificuldade em se atingir uma compatibilização destes dois objetivos: autonomia financeira e política fiscal, registrando ciclos de menor ou maior centralização de poder tributário, que, por sua vez, acompanham, estreitamente, a evolução histórica de regimes políticos mais democráticos ou de poder mais centralizado. Pensar uma reforma tributária para o Brasil requer a observância de limites claros para a redução ou expansão da carga tributária. Todos os setores sociais precisam ser observados de forma que, se a manutenção do governo passa pela arrecadação das receitas tributárias, passa, também, pela possibilidade e disposição da sociedade em pagar os tributos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado precisa de receitas para custeio e funcionamento da máquina e uma das mais fortes fontes de receitas ainda é a tributária. De longa data vem-se tentando chegar a um ponto de equilíbrio entre o poder de tributar e a capacidade da sociedade suportar o pagamento de tais tributos. Entretanto, a compreensão popular para o pagamento de tributo é condizente com a contrapartida oferecida pelo Estado aos contribuintes em serviços públicos, tais como educação, saúde e segurança. Fora disso, a carga tributária constitui uma odiosa forma de usurpação de renda dos cidadãos.  

Desde a Antiguidade, procurava-se encontrar fontes de recursos para custear os gastos dos Estados e, por vezes, tais recursos eram obtidos através de hostilidades e guerras, em que se exigiam reparações patrimoniais dos perdedores em consequência das despesas havidas com os combates. Mais recentemente, as cobranças mantiveram-se atreladas essencialmente ao poder tirano dos governantes, exigidas sobre uma parcela da produção de seus súditos.

Atualmente, é por meio de tributos que os Estados modernos exigem do seu povo os recursos necessários para fazer face aos gastos com serviços públicos e melhorias sociais. Também é comum se associar a ideia de tributação à de Justiça social. Desde o pensamento de São Tomás de Aquino, em que tudo que existe, existe em razão de um fim, é necessário que seja adequado o recurso obtido ao fim a que se destina e, em seus ensinamentos, o fim da lei é o bem comum.

No Brasil, pós Constituição de 1988, os tributos têm apresentado diversas facetas, dentre as quais a principal é servir como fonte de receita para o poder público. Entrementes, aparece como forma de regulação da atividade econômica e, até mesmo, para dar suporte à função social da propriedade.

Até aqui, as reclamações ganham eco, pois, em 2017 a carga tributária bruta nacional alcançou 32,43% em relação ao PIB (soma de todas as riquezas produzidas no Brasil), de acordo com o Relatório da Receita Federal do mês de novembro do corrente ano, e é considerada alta com relação a outros países de igual ou superior grau de desenvolvimento. Em outro cenário, o imposto sobre grandes fortunas instituído há 30 anos, até hoje, não saiu do papel, transformando-se em causa de discórdia sempre que se pensa em promover uma nova reforma tributária que atenda as necessidades da máquina estatal. 


REFERÊNCIAS

A Paradiplomacia financeira no Brasil da República Velha, 1890–1930 – Revista Brasileira de Política Internacional - Rev. bras. polít. int. vol.55 no.1 Brasília 2012 http://dx.doi.org/10.1590/S0034-73292012000100007 - Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292012000100007 Acesso em 07/12/2018

As distorções de uma carga tributária regressiva. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=3233. Acesso em 06/11/2018.

Carga tributária no Brasil 2017: Análise por Tributos e Bases de incidências. Ministério da Fazenda. Receita Federal – CETAD: Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria-2017. Acesso em 14/12/2018.

Implicações econômicas da reforma tributária: análise com um modelo CGE  Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71402010000300006. Acesso em 06/11/2018

MACHADO, Carlos Henrique, BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. A Reforma Tributária como Instrumento de Efetivação da Justiça Distributiva: uma abordagem histórica. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S2177-70552017000300221&script=sci...tlng... Acesso em 14/12/2018

Reforma tributária, efeitos alocativos e impactos de bem-estar. Revista Brasileira de Economia,53(2):133–66.Disponívelem:  http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000313&pid=S0034-7140201000030000600003, Acesso em 06/11/2018

STF ainda julga Ações do FINSOCIAL. Disponível em: https://www.sindifisconacional.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2538:Finsocial%20&catid=45&Itemid=73 Acesso em 06/11/2018

VARSANO, Ricardo. A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século: anotações e reflexões para futuras reformas. Texto para discussão nº 405. IPEA. Rio de Janeiro, 1996.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Eva; NEIDE, Ana Neide. A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século: anotações e reflexões para futuras reformas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6306, 6 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85813. Acesso em: 16 abr. 2024.