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A prova oral como elemento defraudador dos princípios da impessoalidade e da moralidade

A prova oral como elemento defraudador dos princípios da impessoalidade e da moralidade

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SUMÁRIO:Introdução. A Administração Pública e seus princípios. Princípio da Impessoalidade. O concurso público de provas ou de provas e títulos. A prova oral. Abordagem do problema. Conclusões.


INTRODUÇÃO

            A Constituição de 5 de outubro de 1988 trouxe como uma de suas mais importantes determinações a da universalização do concurso público, como forma única de admissão ao serviço do Estado, exceção feita, apenas, aos cargos de provimento em comissão, além, evidentemente, daqueles de provimento vitalício, destinados à composição plenária dos tribunais superiores federais ou similares na órbita estadual.

            Diante da disposição maior, por demais abrangente, todos os cargos e empregos públicos passaram a ser providos somente após prévia aprovação de seus pretendentes em concurso de provas ou de provas e títulos, afastadas, portanto, as chamadas formas derivadas de provimento, tão usadas anteriormente à promulgação da mencionada Carta Política.

            A tão larga abrangência da imposição constitucional alusiva à obrigação de concurso público, para ingresso no serviço ativo do Estado, tentou-se dar interpretação restritiva, ora entendendo-se que a disposição dizia respeito apenas aos cargos efetivos, com exclusão dos cargos celetistas, ora postulando-se que no caso dos empregos estariam fora de seu alcance as admissões em empresas públicas ou sociedades de economia mista destinadas a fins econômicos. Tais interpretações, contudo, foram sendo, paulatinamente, recusadas pelos tribunais, de modo a afastar qualquer tentativa de fuga ao cumprimento irrestrito do postulado constitucional inovador e moralizador.

            Hoje, é pacífico o alcance generalizado da obrigação, ou seja, é compulsória a exigência da prévia aprovação em concurso público para todo e qualquer cargo e emprego, nas administrações direta, indireta e fundacional, dos três poderes, da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, não se admitindo qualquer exceção à regra.

            O concurso público, ainda pelo mesmo preceito constitucional, pode ser de provas, tão somente, ou de provas e títulos, valendo para isso a decisão da administração, consoante as conveniências, possibilidades, exigências e relevância do cargo a ser preenchido.


A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SEUS PRINCÍPIOS

            Antes de abordar o tema principal destas considerações, necessário se torna ressaltar que a administração pública no Brasil se acha sujeita a diversos princípios, expressamente apontados no artigo 37, caput, da CF.

            São eles:

            - Princípio da legalidade

            - Princípio da impessoalidade

            - Princípio da moralidade

            - Princípio da publicidade

            - Princípio da eficiência

            Pelo primeiro deles, princípio da legalidade, o administrador público somente poderá fazer aquilo a que estiver autorizado por lei. No dizer de Celso Antônio Bandeira de Melo, tal princípio é o da completa submissão da Administração às leis. [01]

            O princípio da impessoalidade é o segundo dos princípios constitucionais elencados no citado dispositivo constitucional e a ele dedicaremos adiante maiores considerações.

            Pelo princípio da moralidade, têm os agentes públicos de atuar conforme os postulados éticos. Violá-los, na lição de Celso Antônio Bandeira de Melo significa violar o próprio direito, visto que o princípio em referência assumiu  foros de pauta jurídica. [02]

            O princípio da publicidade manda que todos os procedimentos levados a efeito pela administração sejam de conhecimento de todos os jurisdicionados. A obediência a esse postulado favorece à Administração a plena transparência de seus atos.

            Por último, o princípio da eficiência, que não se inseria na redação original da Carta de 1988, tendo-lhe sido acrescido por intermédio da Emenda Constitucional nº 19/98. Por ele nada mais se faz do que exigir do administrador aquilo que é bastante óbvio dele pretender, ou seja, uma boa administração.

            É claro que a pública administração não está vinculada e jungida somente àqueles preceitos expressamente indicados no artigo 37, caput, da CF. A ela se impõem vários outros, expressos ou implícitos no texto constitucional ou nas teorias que circundam ou alicerçam o direito administrativo, tais como, princípio da supremacia do interesse público sobre o direito privado; princípio da finalidade, princípio da razoabilidade, princípio da proporcionalidade, princípio da motivação, princípio da segurança jurídica, e outros mais, além daquele que é um dos pilares do estado democrático de direito, representado pela clássica fórmula "todos são iguais perante a lei" - princípio da isonomia.


PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE

            Como dito acima, interessa-nos, aqui, tecer apreciação mais latitudinária sobre o PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE, pois a sua análise está intimamente ligada ao objeto das considerações desenvolvidas nestas linhas.

            O princípio em alusão, como ficou explicitado, elenca-se entre os postulados a que expressa e obrigatoriamente se prende o administrador público. Esse princípio pode ser visto por dois prismas que se apresentam como duas faces de uma mesma moeda.

            O primeiro dos aspectos pelos quais pode o princípio da impessoalidade ser abordado, diz respeito ao administrador. Por tal ângulo deve-se compreender que todos os atos praticados pela administração devem ser tidos como da responsabilidade desta e não do administrador. Na precisa lição de José Afonso da Silva, "os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário". [03]

            De outro lado, o mencionado preceito pode ser considerado respeitante ao administrado. Nesse passo, o princípio da impessoalidade impõe, na sábia lição de Celso Antônio Bandeira de Melo, que a Administração trate, a todos os administrados sem "discriminações benéficas ou detrimentosas". [04]

            Os doutrinadores costumam apontar variadas hipóteses de concretude desse princípio. Juarez Freitas, por exemplo, assinala como tais, entre outras, a proibição de se criarem distinções (negativas) entre brasileiros ou preferências entre si; o amplo acesso, sem discriminação, aos cargos, empregos e funções públicas, preenchidos os requisitos estabelecidos em lei; a exigência de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, relativamente à investidura em cargo ou emprego público; a necessidade de fazer-se licitação para contratação de obras, serviços, compras e alienações "tirante as expressas e razoáveis dispensas legais ou inexigibilidade (por inviabilidade de competição)"; a idêntica obrigação posta em relação à concessão e permissão de serviços públicos; a falta de maior significação ou repercussão da vontade do agente público, no âmbito das relações jurídico-administrativas; a observância da estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, realização de obras e prestação de serviços; a vedação expressa para que agentes públicos firmem ou mantenham contratos com pessoas da Administração Pública, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; a exigência de que a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. (Art. 37, § 1º, da C. F.). [05]

            Interessa-nos, aqui, tomar o princípio da impessoalidade no segundo aspecto em que ele é considerado, ou seja, concernente ao administrado, em relação ao qual se entende não ser possível ao administrador praticar diferenciações que prejudiquem ou favoreçam aquele.

            Antes, porém, cabíveis são outras referências ao princípio de que estamos tratando, para um melhor entendimento do que ele seja e determina.

            Primeiramente, cabe menção ao magistério de Juarez Freitas, para quem o Constituinte de 1988 deveria ter denominado a esse princípio de "princípio da imparcialidade". Ainda segundo o mesmo autor, o princípio em referência deve ser entendido como "vedação constitucional de qualquer discriminação ilícita e atentatória à dignidade." Assim pensando, o ilustre administrativista defende a possibilidade de ocorrerem discriminações positivas "que estabeleçam quotas, por exemplo, de modo comedido, inteligente e proporcional". [06]

            Outra observação que merece alusão é a íntima correlação do princípio da impessoalidade com o princípio da igualdade. Quem não acata o princípio da impessoalidade afronta o princípio da isonomia.

            Também com o principio da moralidade, a obediência à impessoalidade está visceralmente ligada, eis que a parcialidade manifestada naquilo que deveria ser impessoal ou imparcial se acha sobrecarregada de vício de jaez antiético que se não deve admitir na ação administrativa.


O CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS OU DE PROVAS E TÍTULOS.

            A exigência e a determinação são constitucionais, expressamente contidas na Constituição Federal, mais precisamente, no artigo 37, II, que se faz acompanhar, para sua maior eficácia, da norma residente no parágrafo segundo do mesmo dispositivo, a qual comina nulidade ao ato violador da obrigação e enseja punição à autoridade responsável.

            Já tivemos oportunidade de, em trabalho intitulado Admissões irregulares de servidores públicos e suas conseqüências jurídicas, [07] deixar patente que a imposição da "prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como requisito indispensável à admissão de qualquer pessoa ao serviço estatal, quer como ocupante de cargo ou emprego", foi entendida pelo constituinte como exigência da moralidade e da impessoalidade, porquanto:

            a) evita o favorecimento de afilhados ou terceiros, o que ocorre sempre em detrimento daqueles que, embora capazes, não tenham aproximação com o administrador e não possam beneficiar-se de seus favores;

            b)privilegia o mérito, apurado de maneira impessoal e comprovado mediante o bom desempenho em certame, no qual se observem as normas comezinhas de correção, decência e transparência;

            c)assegura a lealdade à administração, na medida em que o administrador só convocará os mais capazes, que demonstrem aptidão para o serviço público, rejeitados os que não preencham tais requisitos.

            O certame, aberto a todos os que satisfizerem as qualificações estabelecidas em lei, pode constar de provas, somente, ou de provas e títulos. Da dicção constitucional entende-se que provas haverá, necessariamente, em todo e qualquer concurso público. Já a apresentação e avaliação de títulos ocorrerão, facultativamente, desde que o administrador os entenda ser cabíveis, diante do cargo a ser preenchido. Evidentemente, os títulos não hão de ser exigidos para o preenchimento de cargos subalternos, por motivos óbvios.

            As provas dos concursos são de diferentes tipos, a saber: objetivas, subjetivas, também chamadas discursivas, orais, práticas etc.

            As provas objetivas caracterizam-se por não deixarem margem nenhuma de subjetividade nas respostas dadas às questões formuladas, limitando-se o candidato a assinalar no local próprio a sua preferência pelas opções já colocadas: CERTO ou ERRADO, VERDADEIRO ou FALSO etc.

            Um detalhe a destacar quanto a essas provas é que os editais cercam-nas de cuidados com relação à não identificação dos respectivos candidatos, proibindo que elas contenham o nome do aspirante ou qualquer outro elemento identificador, sob pena de nulidade, o que, em verdade, não tem muita razão de ser, porquanto sendo objetivas, elas valerão pelo que o candidato responder, assinalando nos locais indicados a resposta correta.

            As provas subjetivas, também chamadas discursivas, são chamadas daquele ou deste modo, porque nelas é patente a subjetividade das respostas apresentadas, não estando o candidato preso às limitadas opções (certo ou errado, verdadeiro ou falso), mas, ao contrário, podendo responder consoante o seu entendimento e discorrendo sobre a indagação ou o tema proposto. É claro que o candidato deve demonstrar o acerto ou a verdade de suas conclusões, porém, sem as amarras que lhe são dadas nas provas objetivas. A subjetividade dessas provas não está relacionada com o julgador, que deve proceder a uma avaliação objetiva sobre o que o candidato, subjetivamente, escreveu e que está posto, às claras. Também esta prova, com mais razão, está cercada daqueles cuidados em relação à não identificação do candidato.

            As provas orais, sobre as quais nos deteremos adiante, dão ao candidato a possibilidade de responder a perguntas ou fazer explanação sobre um tema a ele proposto.

            As provas práticas ensejam a realização de atividades que demonstrem possuir o candidato as habilidades necessárias ao exercício de determinado mister. Assim, o desenvolvimento de práticas esportivas ou de práticas musicais seriam exemplo de provas desse tipo nas quais os concorrentes devem demonstrar que são hábeis nestas ou naquelas atividades, conforme o caso. Os métodos de realização e de avaliação são bastante objetivos.

            As provas de títulos, de caráter facultativo, somente se justificam para os cargos de mais elevado nível, quando para seu preenchimento se recrutam candidatos dos quais são exigidos atributos relacionados à experiência e à especialização, verificáveis através da comprovação de exercício de cargos congêneres, cursos de nível superior e de pós-graduação, publicação de trabalhos científicos, divulgados em periódicos especializados, vinculação a entidades científicas etc. A cada um desses atributos são contemplados pontos, de acordo com a sua maior ou menor relevância para o exercício do cargo, de modo a tornar objetiva a nota atribuída ao candidato nesse item.

            Outras modalidades de provas podem ser exigidas, de acordo com a natureza do concurso ou do cargo público para cujo preenchimento se esteja realizando o certame, devendo, porém, todas elas, guardar consonância com os princípios constitucionais aqui referidos. Até mesmo as chamadas provas didáticas para professor, tidas como o único meio pelo qual o candidato ao magistério superior é capaz de comprovar suas habilitações pedagógicas, essenciais para o desempenho da atividade docente, se não podem ser supridas pela demonstração escrita dos conhecimentos relacionados às técnicas de ensino-aprendizagem, devem se cercar de máximas cautelas, visando à obediência dos princípios constitucionais da administração.


A PROVA ORAL.

            De logo, chamaríamos a atenção para o fato de que o exame oral não é obrigatório para nenhuma categoria de concurso público, como ocorre com os exames práticos, indispensáveis para demonstração das habilidades do candidato a determinados cargos, como vimos acima.

            Se o exame oral não é obrigatório e, por outro lado, poucas são as categorias em cujos concursos ele está presente, salta aos olhos a sua desnecessidade. Em outras palavras, a ausência de provas orais em nada prejudica a arregimentação, a escolha, o julgamento que se faz da aptidão ou inaptidão de candidatos a qualquer cargo ou emprego público.

            Tocante a sua operacionalização, segundo os editais de concursos públicos, dados a publicidade em órgãos oficiais e espalhados pela internet, nos sites voltados à divulgação de certames administrativos destinados ao preenchimento de cargos públicos, ressalta observar algumas normas, geralmente acatadas nos regulamentos concursais.

            O primeiro ponto a destacar é ser a prova oral restrita aos que obtêm inscrição definitiva que, por sua vez só é deferida a quem se vê aprovado nas provas objetiva e subjetiva.

            Outro aspecto a frisar é quanto a argüição dos candidatos. Eles são inquiridos sobre tema ou assunto sorteado no momento do exame, não podendo ser o ato assistido pelos demais concorrentes, embora público.

            É relevante ressaltar que as sabatinas têm tempo delimitado quer em relação aos examinadores, individualmente, quer em relação ao grupo de membros da banca. Assim, separadamente, cada examinador dispõe de cerca de dez minutos para sua participação. No total, o tempo varia de trinta a cinqüenta minutos, durante o qual o candidato se submete ao interrogatório dos participantes da mesa inquiridora.

            Diferentemente do que ocorre com as provas escritas, não se permitem recursos em relação à prova oral. Diferencia-se, ainda a prova oral das provas escritas, no tocante a outro aspecto. Como vimos, estas se vêem cercadas de cuidados quanto à identificação dos seus autores. A prova oral, por motivos bastante evidentes, não pode ter essas garantias.

            Por fim, a prova oral, sempre relacionada a cargos de carreiras jurídicas, segundo consta dos editais em que a mesma é prevista, tem por objetivo, avaliar:

            - o domínio do conhecimento jurídico

            - o emprego adequado da língua

            - a articulação do raciocínio

            - a capacidade de argumentação

            - o uso correto do vernáculo

            Uma outra variante do exame oral, a chamada prova de tribuna (!), tem por fim apreciar:

            - a entonação

            - a correção de linguagem

            - o estilo

            - o convencimento

            - o conteúdo lógico e jurídico

            - a segurança

            - a adequação técnica e desenvoltura

            São exigências e requisitos que, como se vê, podem ser plenamente avaliados e comprovados em provas escritas de caráter discursivo.


ABORDAGEM DO PROBLEMA

            . Chegados a este ponto, podemos abordar o tema central destas considerações, ou seja, "a prova oral como elemento defraudador dos princípios da impessoalidade e da moralidade".

            Salta aos olhos a capacidade de a prova oral afrontar o princípio da impessoalidade. Em sua aplicação e uso, tudo se volta para uma utilização que nada tem de imparcial. Quaisquer que sejam os procedimentos adotados, a sua execução assumirá, sempre, feições de natureza pessoal.

            Note-se que se as provas objetiva e discursiva são cercadas de cuidados, relativamente à identificação dos candidatos, na prova oral essa preocupação, por motivos mais que óbvios, inexiste de maneira absoluta. Os candidatos são chamados pelo nome e se apresentam, pessoalmente, com identidade conhecida.

            Por outro lado, mesmo que ocorram cautelas editalícias tocante à sua aplicação, no que diz respeito à formulação das questões postas à consideração do candidato, há sempre uma larga margem de discricionariedade do argüente na apresentação das questões ou dos temas dados para dissertação oral. Note-se que, na maioria dos casos, o ponto não é o mesmo para todos os pleiteantes e, sim, sorteado para cada candidato.

            Além disso, o julgamento é inteiramente subjetivo, a critério exclusivo dos examinadores, diferentemente do que ocorre com as provas objetivas cujos parâmetros estão postos às claras, mediante respostas CERTO ou ERRADO, VERDADEIRO ou FALSO, não se podendo fugir a esses padrões de julgamento. O mesmo ocorre com as provas discursivas, nas quais os candidatos põem no papel suas respostas, as quais, mesmo representando o entendimento pessoal sobre as questões, estão ali colocadas de maneira clara, sem possibilidade, via de regra, de interpretações pessoais por parte dos argüidores.

            Tocante, pois, ao princípio da impessoalidade ou da imparcialidade, a prova oral é, como dito no título destas observações, um elemento defraudador daquele postulado, violando, também, pelas mesmas razões, o princípio da isonomia ou da igualdade.

            Com referência ao princípio da moralidade, os efeitos da prova oral são igualmente, deletérios, isto é, tal modalidade de prova esbulha aquele postulado constitucional. Salta aos olhos essa capacidade de afronta àquele princípio que orienta a administração pública.

            Não se pautando o julgador pela imparcialidade ou impessoalidade, impossível mesma pelas próprias condições do exame, abre-se o caminho para o favorecimento indecoroso de candidatos. À boca pequena essa crítica aos exames orais é feita largamente. Não adianta fazer ressalvas, até porque essa censura ao exame oral é tão divulgada que ninguém a ignora. Mas tudo isso, é óbvio, à boca pequena. Mas nem por isso desprezível.

            Da mesma forma que o caminho está aberto ao favorecimento, está livre, também, para o inverso, ou seja, um comportamento, por parte do examinador, claramente desfavorável a um candidato. Não é difícil ouvir-se queixa de aspirante a cargo público, manifestada em relação a um ou outro dos argüentes.

            Em qualquer das hipóteses, violenta-se o princípio da moralidade e, conseqüentemente, malfere-se a probidade administrativa. O pior é que tais contrafações se apresentam sob o manto do julgamento subjetivo e não são jamais provadas e comprovadas. Em abono dessa assertiva veja-se que alguns editais trazem cláusula proibitiva de recurso contra a prova oral.


CONCLUSÃO.

            De tudo que foi exposto, pode-se concluir, em primeiro lugar, pela desnecessidade do exame oral. Os objetivos que lhe são atribuídos podem, todos eles, ser observados e avaliados em provas escritas, de natureza discursiva: domínio do conhecimento jurídico, emprego adequado da língua, articulação do raciocínio, capacidade de argumentação, uso correto do vernáculo, estilo, convencimento etc.

            Aspectos ligados ao exercício do cargo, para o que se exigiriam algumas particularidades do desempenho oral, tais como, entonação, segurança, desenvoltura e outros, são plenamente alcançados com o tirocínio, a experiência, a atividade diuturna, sendo, pois, inteiramente dispensáveis de se apresentar ou de se comprovar como pré-requisitos para provimento de qualquer cargo.

            Por outro lado, um concurso público que utiliza a prova oral se mancha dos seguintes vícios:

            a)induz ao favorecimento de afilhados ou terceiros, em detrimento daqueles que, embora capazes, não tenham aproximação com o administrador e não possam beneficiar-se de seus favores;

            b)desprivilegia o mérito e a probidade, na medida em que o julgamento dos examinadores, exercitado de modo altamente subjetivo não é dotado da indispensável transparência;

            c)enseja deslealdade à administração, na medida em que o apadrinhamento é sucetível de ocorrer, com a preterição dos mais capacitados e aproveitamento de beneficiários do afilhadismo, violentando a moralidade.

            Como procedimento que favorece a pessoalidade ou a parcialidade, assim como a violação aos princípios da igualdade e da moralidade, a prova oral merece ser alijada da pública administração que, como é sabido, se alicerça em um conjunto de princípios constitucionais, alguns explícitos, outros implícitos, que não podem ser defraudados, violados, transgredidos.

            Pouco importa que tal tipo de prova seja usado mais para o preenchimento de cargos da Magistratura ou do Ministério Público. O Poder Judiciário e os órgãos ministeriais vêm, pouco a pouco, sendo depurados em seus procedimentos e hábitos, por força de disposições emanadas do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, como aconteceu em relação ao nepotismo. Assim também poderão sê-lo, no tocante aos concursos públicos destinados às respectivas carreiras.


Notas

            01 Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 18ª edição, 2005, pág. 92.

            02 Id. Ib., pág. 109.

            03 Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 24ª, 2005, pág. 667.

            04 Ob. cit., pág.104

            05 O Controle dos Atos Administrativos e os princípios fundamentais, Malheiros, 3ª edição, 2004, pág. 50/51.

            06 O Controle dos Atos Administrativos e os princípios fundamentais, Malheiros, 3ª edição, 2004, pág. 49.

            07 Revista de Informação Legislativa, jan/mar 1998, Senado Federal, Brasília, págs. 5/12.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Flávio Sátiro. A prova oral como elemento defraudador dos princípios da impessoalidade e da moralidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1120, 26 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8691. Acesso em: 25 abr. 2024.