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A modernidade perdeu a razão

para uma sociologia do Estado de Exceção

A modernidade perdeu a razão: para uma sociologia do Estado de Exceção

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Nosso objetivo no texto é suscitar a análise de que a modernidade construiu as bases da razão que trouxe as luzes da liberdade e da emancipação, para depois (des)construí-la sob a forma do Estado de Exceção.

Soberano é quem decide sobre o estado de exceção

Carl Schmitt


Nosso objetivo no texto [01] é suscitar a análise de que a modernidade construiu as bases da razão que trouxe as luzes da liberdade e da emancipação, para depois (des)construí-la sob a forma do Estado de Exceção. Portanto, quando a modernidade perdeu a razão, acabou criando sua própria desrazão. É isto o que vai configurar a "crise da razão política", a partir da perspectiva da formação do Estado Moderno e, especialmente, com a consagração desta chamada Razão de Estado [02] que desembocou no Estado de Exceção (em certos momentos aplica-se o "terrorismo de Estado"). O tema é associado à obra de Walter Benjamin (1987), Schmitt (2006), Agamben (2004), além do contexto da "revolução legal" de Hitler e, mais contemporaneamente, a um estado de emergência econômica. Porém, tentaremos um outro tipo de abordagem, mais baseado na sociologia e na reflexão sobre o cotidiano da negação e que se convenceu chamar (desde Marx) de Estado de Sítio Político.

Esta crise da razão, no entanto, é algo diverso do "desencantamento". Pois, este é muito mais amplo e seria discutir os limites a que teria chegado o "desencantamento do mundo" (Weber) ou o próprio processo de hominização (Marx). Não é este o sentido abordado na tese, pois o curso da afirmação da "natureza humana", a razão como guia-mestre, é da própria espécie e do seu entorno, e não se trata simplesmente de um projeto intelectual ou de poder. Em suma, a crise da razão política será entendida como a transmutação da Razão de Estado em Estado de Exceção; uma vez que o objetivo da tese é mostrar como a modernidade perdeu a razão, ou seja, em que bases a Razão de Estado se converteu em Estado de Exceção. Porém, é preciso recordar que a Razão de Estado é base da formação do Estado Moderno e, desse modo, religamos o Estado de Exceção aos primórdios do Estado Moderno (entre Maquiavel e Hobbes).

Por Razão de Estado se entenda uma teoria do poder em que a força das idéias sucumbe ante a idéia da força. Mais próximo à modernidade, chegou-se a formular uma tese mais sofisticada para justificar que os conflitos sociais feudais se converteram em luta de classes e que foi necessário ajustar um poder soberano que as contivesse: portanto, também se confunde com a justificação do capitalismo. Erigida em torno do Estado Moderno, a fim de manter o monopólio do uso da força, a tese admite o uso de todos os meios e ardis: trapaça, engodo, violência, normatização ou tudo isso combinado [03]. Já nos momentos de crise aguda, instaura-se o Estado de Sítio Político (exceção). Nestes casos, não é incomum confundir-se o interesse partidário com a Razão de Estado – daí o golpe de Estado: "Nestas situações se verifica, com efeito, que a classe política que governa, em face dos graves ataques ao monopólio da força, tende, em geral, a sair da legalidade, a colocar a segurança interna do Estado acima do respeito às normas legais, éticas e políticas, tidas como imperativas em condições normais [04]" (Bobbio, 2000b, p. 1068). Do ponto de vista institucional, hegemônico ("suprapartidário") assim se opera a transformação da Razão de Estado na legalidade do Estado de Exceção. Por isso, diferentemente do golpe de Estado, oEstado de Sítio Político não é uma ilegalidade, uma vez que tem previsão legal. Não chega a ser uma contradição dos termos (insolúvel) uma mesma Constituição definir os crimes contra a democracia [05], ao mesmo tempo em que se define a excepcionalidade do Estado de Sítio Político [06]: nada disto é inusitado desde o Estado Moderno. A partir da primeira modernidade, com a formulação da Razão de Estado, sempre se falará de uma "política de potências", com a subordinação de todos os valores à segurança da soberania — o Estado de Exceção seria meio e fim deste projeto.

Do mesmo modo, trata-se do desenvolvimento de um "racionalismo político": cálculo rigoroso dos meios mais adequados ao fim escolhido, ou seja, racionalizar o comportamento político para manter o poder. Desta associação do cálculo à política, também decorre a associaçãoda razão ao Estado e, portanto, nestas circunstâncias, a violência não é tida como atitude irracional — na guerra da sobrevivência, todos os meios são válidos. Mesmo concepções tipológicas (como ideais) do bem comum não escapam à lógica da Razão de Estado, pois a solidariedade social necessária continua sendo garantida pelo Estado: esta seria a ideologia do bem comum relativa à Razão de Estado.


A exceção à regra

Exceção vem do latim excipio (tomar, apanhar); indica algo que foi apanhado, extraído de seu lugar de origem e/ou de referência, da mesma forma como alienar, quando se retira, perde-se algo que lhe é próprio (a perda de si, do controle sobre...). Em suma, temos aqui uma clara restrição. No aspecto político, trata-se de uma medida político-administrativa que rompe com a normalidade — surpreendentemente, rompe-se com a normalidade do Estado sem abalar esse mesmo Estado [07]. No caso específico do Estado de Exceção (substantivo e adjetivo), ainda se trata de evidente suspensão de direitos. Protege-se o Estado suspendendo as garantias individuais e institucionais que subsidiavam a democracia e a soberania popular. Neste sentido, é uma medida do poder público que se volta contra a guerra civil ou revolução social — age-se contra a liberdade quando a normalidade institucional e a ordem do Estado estão sob forte ameaça [08]. Sob a forma clássica do Estado de Sítio Político, a previsão temporária coercitiva que visa sanar a anormalidade pode se perpetuar, desde que o próprio Estado julgue que as causas que lhe deram origem ainda permaneçam — aí o estado de alerta não seria desligado [09]. Esta definição de luta do Estado contra a guerra civil tem origem na Revolução Francesa: état de siége. De acordo com a Teoria Política Clássica seria como a descrição do Estado lutando contra a sociedade — um contra-senso porque o contrato social não fora programado para isso.

Contemporaneamente, trata-se de uma luta do Estado contra setores significativos da sociedade e também implica que a luta de classes, de grupos ou de movimentos populares, não se converteu em luta de idéias (em luta ideológica) ou porque houve um retrocesso. A idéia de guerra também se traduz por comoção, abalo, perturbação, "revolta popular". Comoção que vem de emoção: émouvoir. Quer dizer que se submete o poder público e a sociedade a um movimento perturbador, capaz de abalar o sentido prévio de coletividade — utilizando-se a auto-conservação como resposta. Assim, uma parte da sociedade se revolta (volta-se contra o Estado) e outra, em represália, volta-se contra esta, em nome do todo. Historicamente, vê-se o golpe de Estado contra a revolta popular.

O com da comoção indica uma forte emoção conjunta, o desespero e o apelo dos que se encontram unidos diante do desgosto, da ameaça, do medo, ou da dor [...] Mas o estar-junto não é suspenso apenas em sua versão física, reunião, mas também em sua versão escrita, virtual, comunicativa: suspensão do sigilo de correspondência, da liberdade de imprensa, da liberdade de informação [...] O Estado faz uso, ele se apropria das forças recônditas individualizadas no momento de comoção — aquele lapso fugaz, extraordinário, que rompe com as cadeias discursivas, jurídicas e temporais (Ghetti, 2006, p. 293).

Por isso, significa a suspensão da realização do direito em nome das regras de direito (sacrifica-se o legítimo ao formal). Significa, igualmente, a suspensão da realização do direito (Justiça) às regras do poder (soberania). Privilegia-se o chamamento ao império das leis em detrimento da Justiça. Trata-se de um poder muito mais instrumentalizado (poderoso), intenso, ao mesmo tempo em que se revela flexível, aclimatável, amalgamável às circunstâncias e excepcionalidades que circunscrevem a este mesmo poder e à organização social. Sob efeito dessa adaptabilidade, têm-se nesses casos uma ausência racional da efetividade do direito (uma defenestração jurídica proposital), em virtude, especialmente, da soberania das próprias regras do direito (eficácia) e do poder. O Estado de Exceção, em resumo, é a excepcionalidade do uso/abusivo da força física realçada à condição de regra geral, é a imposição de particularidades no Estado de Direito Oficial:

A tradição dos oprimidos nos ensina que o "estado de exceção" em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade. Nesse momento, percebemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção; com isso, nossa posição ficará mais forte na luta contra o fascismo. Este se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam em nome do progresso, considerado como uma norma histórica [10] (Benjamin, 1987, p. 226).

Portanto, chamaremos de Estado de Exceção (de não-Direito) especialmente o aparelho estatal que se utiliza da força e do ordenamento jurídico como meio de negação do próprio Estado Jurídico. É o típico fenômeno da concentração de poderes, quando o Executivo esvazia de significado o Legislativo e o Judiciário:

Isso significa que o princípio democrático da divisão dos poderes hoje está caduco e que o poder executivo absorveu de fato, ao menos em parte, o poder legislativo. O Parlamento não é mais o órgão soberano a quem compete o poder exclusivo de obrigar os cidadãos pela lei: ele se limita a ratificar os decretos emanados do poder executivo. Em sentido técnico, a República não é mais parlamentar e, sim, governamental (Agamben, 2004, pp. 32-33).

Esta é a leitura mais usual, já consagrada no discurso jurídico, porém, queremos aventar a hipótese de que é possível um debate no mesmo nível, mas de ocorrência sociológica, especialmente em Marx e em Weber.


Notas em Weber

Como é sabido, para Weber, o Estado congrega o monopólio do uso legítimo da força física. Portanto, não é demasiado supor que, se a ordem constitucional consagrou guarida legal ao Estado de Sítio Político, então, de acordo com a lei posta, seu uso será legítimo. Aliás, neste sentido, o pensamento político de Weber está plenamente alinhado à Razão de Estado – logo, sua conversão em Estado de Exceção não seria abrupta:

Para explicar este aspecto da Razão de Estado, é preciso partir da identificação dos momentos cruciais da história do Estado Moderno na Europa. Surge no final da Idade Média e primeiros séculos da Idade Moderna, com a progressiva concentração do poder — ou seja, com a tendência ao monopólio da força física (Max Weber) —, na autoridade suprema do Estado, que o subtrai às autoridades feudais, nobreza e livres comuns (Bobbio, 2000b, 1067).

Nestas circunstâncias, de defesa intransigente da soberania das instituições do Estado (sobretudo quando em luta contra a sociedade, em guerra civil), é que se impõe o Estado de Sítio Político, a fim de manter o monopólio do uso da força física – em tese, não admitiria subtrair o monopólio estatal nem mesmo ante forças sociais mais legítimas e é isto o que explica a legislação especial do Estado de Exceção:

Busca-se fundamentalmente dar ao Estado instrumentos tais que ele possa, em situações de grave perigo para a sua segurança interna, enfrentá-las e superá-las, sem precisar sair da legalidade, ou seja, com leis talvez excepcionais, válidas só para essa situação específica, mas sempre legitimamente válidas. Em conseqüência, não haveria qualquer justificação para recorrer à Razão de Estado, que abre inevitavelmente a porta às instrumentalizações (Bobbio, 2000b, p. 1068).

Em outra passagem [11], mais preocupado em apresentar rastros substanciais da racionalização de certas formas religiosas, Weber diz que o Estado de Sítio Político, no passado, acabou por gerar uma religião de apelo coletivo ou uma racionalidade de comunidade (ética) e não apenas como religião individual.

Entre povos sob pressão política, como os israelitas, o título de "salvador" (Moshuach) era dado originalmente aos salvadores das dificuldades políticas, tal como o mostram as sagas de heróis (Gideão, Jefté). As promessas "messiânicas" foram determinadas por essas sagas. Com esse povo, e de modo tão claro somente entre ele e sob outras condições muito particulares, o sofrimento de uma comunidade, e não o sofrimento de um indivíduo, torna-se o objeto de esperança da salvação religiosa (Weber, 1979, p. 316).

Mas, no exemplo dado, percebe-se claramente que Weber se refere ao povo oprimido pelo Estado de Sítio Político e, com o exemplo, mais parece destacar uma ação de superação, mesmo que sob a chancela da opressão. Em outro momento se refere à formação da autoridade legal, coatora, como condição do Estado Moderno:

A "autoridade" é o detentor do poder de mandar; jamais o exerce por direito próprio; conserva-o como um depositário da "instituição compulsória" e impessoal. Essa instituição é constituída de padrões específicos de vida de uma pluralidade de homens, definidos ou indefinidos, e, não obstante, especificados segundo regras. Seu padrão de vida conjunto é governado normativamente pelos regulamentos estatutários (Weber, 1979, p. 339).

Vimos que a legitimidade repousa nos regulamentos estatutários e, assim, de certo modo, a ética jurídica não se responsabiliza por discutir a qualidade ou o conteúdo de tais dispositivos — se versariam sobre a exceção ou sobre a regra. Esta certa indiferença quanto ao conteúdo normativo (quer fosse a regra, quer fosse a exceção) se justifica pelo surgimento do Estado, como parte essencial do processo contínuo de racionalização das sociedades e da sua política. O Estado, em si, é parte desse curso inexaurível que é a razão. Portanto, Weber perceberia tal processo como um homem da modernidade:

Sempre que a ordem externa da comunidade social se transformou na cultura da comunidade do Estado, evidentemente ela só podia ser mantida pela força bruta, que só se interessava pela justiça nominal e ocasionalmente, e, de qualquer modo, apenas na medida em que as razões de Estado permitiram. Essa força alimentou, inevitavelmente, novos atos de violência contra os inimigos externos e internos; além disso, fomentou pretextos desonestos para tais atos. Daí ter significado uma ausência de amor clara ou, o que é pior, farisaicamente disfarçada (Weber, 1979, p. 405).

O Estado de Exceção (ou a Razão de Estado) pode perfeitamente motivar pretextos desonestos para o uso da força bruta. De qualquer forma, neste curso da história da razão, o Estado é a regra e pouco importam as exceções, mesmo as mais exageradas: a principal condição está na regra que afirma a razão. A regra, como vemos nas rejeições religiosas do mundo, é a racionalidade e o desencantamento, inclusive ou especialmente, da política. A partir desta racionalidade, o ato de conquista será um ato projetado e nisto estará a virtú. Depois, no âmbito do Estado Moderno, predecessor do Estado de Exceção — aliás, de onde partiu a defesa intransigente da soberania e da centralização do poder, é que (em nome do poder, da Razão de Estado) —, tornou-se possível qualquer exceção, se bem justificada: o poder de mandar da instituição compulsória. Então, é fácil notar que o que é compulsório, não se regateia — como quer o Poder Extroverso.

Sob a matriz de uma racionalidade crescente do poder (a liberdade seguida de perto pelo controle social da liberdade), o Estado de Exceção apresentou uma outra característica: não ser parte de uma psicologia individual, mas sim de uma ética coletiva, resignada, como uma religião contemplativa. Neste sentido, o Estado de Exceção (mesmo como produto racional), não seria derivado de algum ascetismo, uma vez que, no regime de exceção, o que não faltam são salvadores e heróis. O Estado de Exceção é sem dúvida um produto racional da modernidade, mas que precisa da mística, do ritual, das tradições e, é claro, dos heróis e dos salvadores. Um produto racional, mas que sobrevive apenas quando está em curso com as tradições e com o carisma: "A legitimidade do domínio carismático baseia-se, assim, na crença nos poderes mágicos, revelações e culto do herói" (Weber, 1979, p. 340). E não foi isso o que mais se viu na figura vultosa e magistralmente glorificada de Hitler? De acordo com a crítica de Marx, a dominação racional-legal seria apenas uma das tantas formas de cominação do Estado Burguês — de certo modo, como o fora o próprio Estado de Exceção nazista.


Um derivado do Estado Burguês

A partir da obra de Marx, A Guerra Civil na França, é possível analisar o Estado de Exceção como defesa intransigente do capital. O Estado de Exceção pode ser entendido como um derivado direto do Estado Burguês, em que se aplica toda a máquina estatal (política, jurídica, administrativa) para submeter e oprimir o proletariado – como se viu claramente com a Comuna de Paris (1871). O Estado de Exceção surgiu, então, como reação burguesa contra o proletariado, usando toda a força contra a organização operária.

O Estado de Exceção, portanto, é a sessão preliminar, a mais remota, do terrorismo de Estado, em que o aparelho estatal repressor aplica toda a sua força, a lógica e a chamada Razão de Estado (mas do seu Estado de Direito) contra a democracia popular. Uma diferença essencial em relação a outras formas epidérmicas de Estado, é que o Estado de Exceção, obrigatoriamente, vem acompanhado de uma estrutura jurídica que lhe confere legitimidade (e mesmo que só haja consenso na cúpula do próprio sistema repressor).

No Estado de Exceção são equivalentes o Estado de Sítio Político e o Estado de Defesa (em virtude da ação intempestiva da natureza). A diferença é que o primeiro ainda pode ser garantido por meio de um golpe de Estado (militar ou institucional) e que, após a tomada de poder, impõe a ditadura como última instância ou recurso a favor do capital: a última razão dos reis é a lei que adota a extrema força física e a negação da regra — a última razão dos reis é o próprio Estado de Exceção. Assim é que, em nome da racionalidade capitalista, produz-se uma desrazão jurídico-política. Por isso, logo após a Revolução Francesa, como vimos com Agamben (2004), o chamado Estado Legal francês [12] foi tão rapidamente suplantado pelo próprio Estado de Direito que serviria às formas excepcionais do exercício do poder. Desse modo, desde 1789 tornou-se necessário desarmar o proletariado, da mesma forma como a democracia popular acabaria como dado excepcional. Se observarmos mais atentamente a história política, veremos que o uso da força nunca é realmente excepcional, mas sim configura a própria conduta regular que se aplica como disciplina controlativa dos trabalhadores. A França tem exemplos aos borbotões: 1848, 1871, 1968, 2005.

Como indicavam Marx e Engels, a insurreição de 1848 foi usada como expiação, para que o Estado de Exceção pudesse ser utilizado contra a proletarização do poder. Mas, antes do Estado de Sítio viria Comuna de Paris (a reforma proletária do Estado Moderno): "Mas a classe operária não pode limitar-se simplesmente a se apossar da máquina do Estado tal como se apresenta e servir-se dela para seus próprios fins" (Marx, 1986, p. 69). Desse modo, como resposta aos insubmissos, vemos que o Estado de Exceção revela-se ideológico e contra-revolucionário, mas também brutal e sanguinário. Sob a forma do Estado de Sítio Político, adquire a força do garrote que sufoca e mata por asfixia: "Esta é a lição de toda a história. Verifica-se tanto com as nações, como com os indivíduos. Para retirar os seus meios de ataque é necessário privá-los também dos meios de defesa. Não basta garrotear, é preciso assassinar" (Marx, 1986, p. 44).

No geral, no Estado de Exceção (como veremos em Kafka e Camus), há um sentimento de opressão fossilizada que se imiscui por entre o interesse pessoal e a mediocridade generalizada. No entanto, no caso da Comuna de Paris, o Estado de Sítio Político revelou-se estertor de um governo classista. E como era de se esperar, abateu-se sobre aquela Paris o Estado de Sítio Político garroteador: "Decretou-se então em Paris o Estado de Sítio. Dufaure fez com que a Assembléia aprovasse a toda pressa novas leis de repressão. Novas detenções, novos desterros; iniciava-se nova era de terror" (Marx, 1986, p. 66). De maneira ampla, o Estado de Exceção revela-se portador de uma dinâmica constante, regular e reguladora dos anseios populares, como se o próprio Estado de Exceção tivesse uma lógica, uma regra que se definiu na passagem ao Estado Moderno:

À medida que os progressos da moderna indústria desenvolviam, ampliavam e aprofundavam o antagonismo de classe entre o capital e o trabalho, o poder do Estado foi adquirindo cada vez mais o caráter de poder nacional do capital sobre o trabalho, de força pública organizada para a escravização social, de máquina do despotismo de classe. Depois de cada revolução, que assinala um passo adiante na luta de classes, revela-se com traços cada vez mais nítidos o caráter puramente repressivo do poder do Estado (Marx, 1986, p. 70).

Mas não deixa de ser interessante notar que mesmo podendo dispor de toda a violência necessária, o Estado de Exceção ainda assim procura recobrir-se ou resguardar-se sob o manto de um Estado de Direito:

Dufaure, velho advogado orleanista, fora o poder judiciário supremo de todos os estados de sítio, tanto agora, em 1871, sob Thiers, como em 1839, sob Luís Filipe, e em 1849, sob a presidência de Luís Bonaparte. No período em que esteve fora do ministério, reunira uma fortuna defendendo os pleitos dos capitalistas de Paris e acumulara capital político demandando contra leis por ele mesmo elaboradas. Agora, não contente em fazer com que a Assembléia Nacional votasse a toda pressa uma série de leis repressivas que, depois da queda de Paris, haveriam de servir para extirpar os últimos vestígios das liberdades republicanas na França, traçou de antemão o destino que Paris teria de percorrer, ao abreviar as tramitações dos tribunais de guerra, que ainda lhe pareciam demasiado lentas e ao apresentar uma nova lei draconiana de deportação (Marx, 1986, p. 87).

Porém, o Estado de Exceção terá mais efeito se houver uma combinação de fatores de dominação/repressão, quando o Estado se mostra assentado sob o manejo de muitos meios/instrumentos de opressão política: "Não há senão uma diferença: os romanos não dispunham de mitrailleuses [13]para despachar em massa os proscritos e não agiam ‘com a lei na mão’ nem com o brado de ‘civilização’ nos lábios" (Marx, 1986, p. 91). A combinação que vimos anteriormente, no epicentro do Estado de Exceção procurou aliar e variar o emprego da ideologia, das forças repressivas e da violência física, bem como o ordenamento jurídico excepcionalmente regulado e voltado à injustiça popular. Outro recurso do Estado de Exceção que abateve e sufocou até a morte a Comuna de Paris, foi sua capacidade de internacionalização:

E essa violação sem precedentes do direito das nações, inclusive na interpretação dos juristas do velho mundo, em vez de levantar os governos "civilizados" da Europa para declarar fora da lei internacional o vil governo prussiano, simples instrumento do governo de São Petesburgo, leva-os unicamente a perguntar se as poucas vítimas que conseguiram escapar do duplo cordão formado em torno de Paris não deverão ser entregues também ao governo de Versalhes (Marx, 1986, p. 96).

O Estado de Exceção mostra-se, enfim, como regozijo do poderio internacional, um expediente do capital globalizado. Desde o início, o Estado de Exceção revelou-se a face mais burguesa da própria Revolução Francesa. Ao analisar o período de 1848 (insurreições populares infrutíferas) a 1851 (com o golpe de Estado de Luís Bonaparte [14]), no livro 18 Brumário, Marx faz outro raio x desse tipo de Estado: a excepcionalidade cria o princípio da totalização. Para o soberano nada pode estar fora e, por isso, não há sentido na democracia ou na República (são slogans de fachada ou retórica política – nada de substancial):

Enquanto os republicanos burgueses se entretinham, na Assembléia, em criar, discutir e votar essa Constituição, fora da Assembléia Cavaignac [15] mantinha o Estado de Sítio em Paris.O Estado de Sítio foi a parteira da Assembléia Constituinte em seus trabalhos de criação republicana. Se a Constituição foi subseqüentemente liquidada por meio de baionetas, é preciso não esquecer que foi também por baionetas, e estas voltadas contra o povo, que teve de ser protegida no ventre materno e trazida ao mundo. Os precursores dos "respeitáveis republicanos" haviam mandado seu símbolo, a bandeira tricolor, em uma excursão pela Europa. Eles próprios, por sua vez, produziram um invento que percorreu todo o Continente mas que retornava à França com amor sempre renovado [16], até que agora adquirira carta de cidadania na metade de seus departamentos — o Estado de Sítio. Um invento esplêndido, empregado periodicamente em todas as crises ocorridas durante a Revolução Francesa (Marx, 1978, p. 34 – grifos nossos).

Assim, o Estado Moderno que se erigira com a Revolução Francesa, nada mais seria do que uma somatória nefasta entre golpe de Estado e Estado de Exceção: em alternância. Porém, se a excepcionalidade cria o princípio da totalização, este se fortalece com o ajuizamento de uma legislação igualmente restritiva, excludente, uniformizadora. Mas, o principal da lógica é que — ao contrário do que se supunha — para cada direito corresponde uma exceção, e um dever ou uma garantia:

O inevitável estado-maior das liberdades de 1848, a liberdade pessoal, as liberdades de imprensa, de palavra, de associação, de reunião, de educação, de religião, etc., receberam um uniforme constitucional que as fez invulneráveis. Com efeito, cada uma dessas liberdades é proclamada como direito absoluto do cidadão francês, mas sempre acompanhada da restrição à margem, no sentido de que é ilimitada desde que não seja limitada pelos "direitos iguais dos outros e pela segurança pública" ou por "leis" destinadas a restabelecer precisamente essa harmonia das liberdades individuais entre si e com a segurança pública [17]. Por exemplo: "Os cidadãos gozam do direito de associação, de reunir-se pacificamente e desarmados, de formular petições e de expressar suas opiniões, quer pela imprensa ou por qualquer outro modo". "O gozo desses direitos não sofre qualquer restrição, salvo as impostas pelos direitos iguais dos outros e pela segurança pública" [...] "O ensino é livre. A liberdade de ensino será exercida dentro das condições estabelecidas pela lei e sob o supremo controle do Estado" [...] "O domicílio de todos os cidadãos é inviolável, exceto nas condições prescritas na lei" [...] A Constituição, por conseguinte, refere-se constantemente a futuras leis orgânicas que deverão por em prática aquelas restrições e regular o gozo dessas liberdades irrestritas de maneira que não colidam nem entre si nem com a segurança pública (Marx, 1978, pp. 30-31).

Tanto a constituição encerra sua antítese, quanto a excepcionalidade cria o princípio da totalização, ou seja, se a modernidade se fortalecesse com o advento da subjetividade (Hegel, Weber e Durkheim), o Estado de Exceção, no entanto, trata de paralisá-la no momento seguinte: engessando-a na forma da Razão de Estado. O Estado de Exceção encerra uma dominação racional-legal em que não há culpa, exatamente porque há um apelo à totalização e o arrependimento gera dissidência. Ao contrário do que queria Benjamin, no Estado de Exceção não há redenção:

A força libertadora da rememoração não deve servir aqui, como desde Hegel até Freud, para dissipar o poder do passado sobre o presente, mas para dissipar a culpa do presente para com o passado [...] Não mais apenas as gerações futuras, mas também as passadas podem reivindicar a débil força messiânica da geração presente. A reparação anamnésica de uma injustiça, que de fato não pode ser desfeita, mas ao menos reconciliada virtualmente pela reminiscência, integra o presente no contexto comunicativo de uma solidariedade histórica universal (Habermas, 2002, pp. 23-24).

No Estado de Exceção, o tempo é o do presente-transitório: há futuro, como progresso, mas não há utopia. Não há culpa na dominação racional-legal do Estado de Exceção, tanto quanto não há na barbárie. Não há reparação de injustiças, porque não há registros e nem consciência: efemeridade e transitoriedade ou relativização de toda regra possível servem de escudo à totalização do poder. A modernidade se fez sem se preocupar em dissipar a culpa e o Estado de Exceção é a melhor prova disso. Como lembra Engels, na Introdução à Luta de Classes na França, de Marx, a imposição de regras de exceção realmente parece ser uma constante se analisarmos a história política com destaque para os grupos ou classes dominantes. Engels, então, compara o cristianismo primitivo ao socialismo revolucionário:

Há quase 1600 anos precisamente atuava também no Império Romano um perigoso partido revolucionário. Ele minava a religião e todos os alicerces do Estado [...] Esse partido revolucionário [...] estava também fortemente representado no exército [...] Vendo como se derrocavam a ordem, a obediência e a disciplina em seu Exército, o imperador Diocleciano não pode conservar por muito tempo a calma [...] Promulgou uma lei contra os socialistas, quero dizer, contra os cristãos. As reuniões dos revolucionários foram proibidas, suas sedes fechadas ou mesmo demolidas, as insígnias cristãs — cruzes etc. — interditadas, tal como na Saxônia os lenços vermelhos [...] proibiu-se pura e simplesmente que os cristãos recorressem aos tribunais [...] Essa lei de exceção não teve efeito [...] dezessete anos depois [...] Constantino, que os curas cognominavam o Grande, proclamou o cristianismo religião de Estado (Engels, 1986b, pp. 47-48).

Agora, de qualquer maneira, do passado mais recente ao período da Revolução Francesa ou ainda aos nossos dias, a regra ou lógica que estrutura a excepcionalidade é a mesma: há um movimento de forças que sempre privilegia a minoria. Mesmo que a maioria percorra o caminho de uma revolução, esta revolução acabará sendo conduzida por uma minoria, ou seja, sempre há uma minoria vitoriosa e uma maioria conduzida. Vamos chamar a este movimento de excepcionalidade de guerra de minoria [18]:

Todavia, se abstrairmos o conteúdo concreto de cada caso, a característica comum de todas essas revoluções era a de serem revoluções de minorias. Mesmo quando a maioria prestava sua colaboração, fazia-o — consciente ou inconscientemente — a serviço de uma minoria; mas esta, seja por isso, seja pela atitude passiva e não resistente da maioria, aparentava representar todo o povo [...] Após o primeiro grande êxito, a minoria vitoriosa costumava cindir-se: uma das metades estava satisfeita com os resultados obtidos; a outra desejava ir adiante, apresentava novas reivindicações que, ao menos em parte, correspondiam ao interesse real ou aparente da grande massa popular. Essas reivindicações mais radicais também se impunham em certos casos, mas frequentemente, apenas por um instante; o partido mais moderado tornava a obter a supremacia e as últimas conquistas eram outra vez perdidas no todo ou em parte; os vencidos gritavam então que houvera traição ou atribuíam ao acaso a responsabilidade da derrota. Realmente, entretanto, quase sempre os fatos se passavam assim: as conquistas da primeira vitória só eram asseguradas pela segunda vitória do partido mais radical; uma vez obtido isso e, portanto, alcançado o que era necessário no momento, os elementos radicais abandonavam a cena e seus êxitos os seguiam (Engels, 1986b, p. 34).

Em resumo, esta é a lógica que tanto se apodera da Revolução guiada por uma vanguarda quanto é a regra que se aplica ao Estado de Exceção – a força que subverte a República e a democracia no mais acabado faz de conta. Em suma, para Engels, o Estado de Exceção pode ser resumido em uma frase cheia de características primárias do poder arbitrário: "Violação da constituição, ditadura, volta ao absolutismo, regis voluntas suprema lex! [19]". Para Marx, no texto Luta de Classes na França (1848-1850), o Estado de Exceção também se apresenta sob a forma do terrorismo de Estado, já a partir da revolução proletária fracassada de 1848, na França:

Ao transformar a sua sepultura em berço da república burguesa o proletariado obrigara esta, ao mesmo tempo, a manifestar-se na sua forma pura, como o Estado cujo fim confessado é eternizar a dominação do capital e a escravidão do trabalho. Tendo constantemente diante de si o seu inimigo, cheio de cicatrizes, irreconciliável e invencível — invencível porque a sua existência é a condição da própria vida da burguesia — a dominação burguesa livre de todas as peias, tinha que converter-se imediatamente em terrorismo burguês (Marx, 1986b, p. 74).

Agora, o que é o terrorismo de Estado senão a forma mais politizada da luta de classes? Em Marx, o Estado de Exceção é visto dentro da lógica do capital, como parte essencial da luta de classes no cotidiano do cenário político. O Estado de Exceção fora formulado para responder politicamente e juridicamente às crises do próprio capital industrial: "Um motim permitiria, a pretexto de salut public, dissolver a Constituinte, violar a Constituição no interesse da própria Constituição" (Marx, 1986b, p. 97). Com isto, percebemos que o que aqui chamamos de Estado de Exceção não é um tema simplesmente marginal na obra política de Marx. Também vemos que o Estado de Exceção é uma arma do Estado Burguês usada sempre que as aspirações proletárias de Justiça Social ameaçam a estrutura de poder. Esse ideal que, em termos de estrutura e organização do Estado, advém de um período imediatamente após a Revolução Francesa, apelidado de Estado Legal (o legal, aqui, como ideal de Justiça Social).

Em Durkheim, talvez fosse necessário realizar um inventário mais minucioso de sua obra política, como indica Giddens (1998). Contudo, sempre é oportuno pensar em sua fórmula acerca da coerção e da força que move o próprio direito. A coerção seria responsável por manter vibrante a ação da força centrípeta, de coesão e tão essencial ao poder soberano do Estado Moderno: "É fato social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter" (Durkheim, 1988, p. 52). Desse modo, a coerção, se vista sob o sentido do uso cotidiano da excepcionalidade da força, igualmente fornecer-lhe-ia legitimidade. Seguindo Durkheim, uma legitimidade cotidiana, exterior (anterior), universal, geral. Mas, qual é o lastro do cotidiano?


Cotidiano e Literatura

A excepcionalidade tornada regra é que dá a sensação de non sense, de sentido inconcluso, imerso no que o cotidiano chamaria de desrazão, Agora, só será desrazão se por isto entendemos que se trata de uma dominação racional-legal legitimidade pelo poder, independentemente da Justiça. Então, é uma desrazão bem específica, pensada, arquitetada, não-involuntária. No cotidiano, a excepcionalidade se revela como experiência Proto-Fascista (ou Ur-Fascista, na expressão de Umberto Eco):

1. A primeira característica de um Ur-Fascismo é o culto da tradição. Todas as mensagens originais contêm um germe de sabedoria e verdade primitiva. Como conseqüência, não pode existir avanço do saber.

2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. O iluminismo, a Idade da Razão eram vistos como o início da depravação moderna. Nesse sentido, o Ur-Fascismo pode ser definido como irracionalismo.

3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si e, portanto, deve ser realizada sem nenhuma reflexão.

4. Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. Para o Ur-Fascismo, a crítica e o desacordo são traições.

5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade cultural. O Ur-Fascismo é, portanto, racista por definição.

6. Uma das características típicas dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas.

7. Na raiz da psicologia Ur-Fascista está a obsessão do complô. Os seguidores têm que se sentir sitiados e o modo mais fácil de fazer emergir um complô é fazer apelo à xenofobia.

8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo. Os adeptos devem, contudo, estar convencidos de que podem derrotar o inimigo – com isso, porém, revelam-se incapazes de avaliar a força do inimigo.

9. Não há luta pela vida, mas antes vida para a luta. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente.

10. Há um elitismo popular, populista, que faz as massas sonharem com o poder.

11. Nessa perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Esse culto do heroísmo está estreitamente ligado ao culto da morte, não é por acaso que o mote dos falangistas era: "Viva la muerte". (Eco, 1998, p 43 e ss. – grifos nossos) [20].

Novas fantasmagorias foram e são criadas cotidianamente, mas a essência se manteve — talvez com a observação (exceção da exceção) de que a excepcionalidade hoje em dia tanto pode ser vista no Estado de Direito Oficial, quanto nas estruturas autocráticas desse protofascismo, a exemplo do crime organizado. Como na realidade essas condições habitam tanto o Estado de Direito quanto as lacunas deixadas pelo aparato de dominação e de repressão, denominamos este fenômeno de Estado de (não)Direito, pois atua tanto dentro quanto fora das estruturas de dominação racional-legal.


Estado de (não)Direito

Há muita similitude entre o Estado de não-Direito e o Estado de Direito Oficial omisso, mas destaquemos apenas algumas, especialmente quanto a(os):

  • Atos genéricos do Estado Oficial que desestabilizem, não promovam ou não incentivem os preceitos da República.

  • Omissões propositais que desestimulem o interesse público.

  • Ações ou omissões causadas ou causadoras de todas e quaisquer formas de corrupção político-administrativa.

  • Proposição de políticas públicas que agravem a miséria social.

  • Remoção de políticas públicas, medidas administrativas ou quaisquer diretrizes, metas, princípios ou objetivos de Estado que visem inibir a miséria social, sem a reposição de outro ato de governo que lhe seja equivalente em termos de alcance, profundidade e abrangência dos serviços, recursos, ou instrumentos utilizados contra essa mesma miséria social.

  • Desinteresse por medidas governamentais que desagravem a pobreza ou a miséria social.

  • Improbidade administrativa que viole os princípios ou os objetivos do Estado de Direito.

  • Incompetência administrativa que provoque ações ou omissões geradoras de outras formas de desinteresse social.

  • Toda e qualquer situação provinda da administração pública que privilegie o interesse privado ao invés do interesse público.

  • Toda situação promovida pela Administração Pública que acentue situações de classe, partidos, grupos ou indivíduos em detrimento do benefício público.

  • Promoção de leis injustas, privilégios, particularismos ou benefícios privados que levem a ações, situações ou relações baseadas na desigualdade social.

  • Desenvolvimento e funcionamento das estruturas públicas para satisfação de interesses, negócios ou necessidades estritamente pessoais, e que, ao agir assim, inibam a preservação da coisa pública. É evidente que a distribuição da Justiça individual não é exemplo de manipulação do aparelho judicial do Estado, mas é evidente que beneficiar a distribuição da Justiça individual de forma contrária à promoção da Justiça Social é exemplo suficiente.

  • Diretrizes ou finalidades do Estado que, por futilidade de interesse ou derivada de corrupção das intenções públicas, não promova ou, então, prejudique a interação e a solidariedade social.

  • Políticas Públicas, diretrizes do Estado, diretivas administrativas que obstaculizem a plena realização da felicidade popular, por meio da negação da igualdade, da liberdade ou da solidariedade social.

  • Desmantelamento do aparato público – material ou legal – que esteja a serviço da proteção dos bens públicos.

  • Deixar de desmantelar aparato público que esteja exclusivamente a serviço de interesses classistas ou individuais.

Em resumo: quando há privatização do interesse e/ou patrimônio público [21].


Fim do romantismo

Se a modernidade se proclamou pelo romantismo, como gênero literário, o Estado de Exceção fez sucumbir a ambos.

Um outro exemplo desse aparato, tornado legal, pelo Estado de total Exceção, e que se volta contra a legitimidade, é dado também por Balzac em Ilusões Perdidas (aliás, uma das ilusões perdidas é quanto à liberdade de imprensa):

Você não compreendeu a situação política atual [...] — O governo, a corte e o rei estão empenhados em acabar com a imprensa. A criação do Despertar [22] e de mais dois jornais monarquistasdestina-se a responder às calúnias publicadas nos jornais liberais. O que vai acontecer, então? A briga entre os jornais será violenta, o que dará pretexto a leis de restrição à imprensa e à censura (Balzac, 2002, p. 186).

As mesmas leis de exceção já haviam sido denunciadas por Marx. Neste diálogo é claro como a liberdade deve ser protegida dela mesma, por ações de exceção. Logo, as mesmas regras da exceção vistas em Balzac para a França, também poderiam ser alegadas para a Alemanha. Historicamente, o Estado de total Exceção na Alemanha representou um desprezo pela Constituição de Weimar. Este mesmo sentimento de desprezo pela lei foi retratado por Thomas Mann, no romance Carlota em Weimar — como se vê no diálogo inicial entre o porteiro de um hotel e a personagem principal (Carlota), quando de seu registro: "Por todos os santos, temos de pedir-lhe que escreva uma linhas. Não é exigência nossa, mas da Santa Irmandade. Não se pode sair da rotina. Leis e decretos são herdados, podemos dizer, como uma eterna enfermidade" (Mann, 2000, p 11). Este poderia não ser o espírito do escritor, mas certamente era o de seus leitores alemães, quando da publicação do livro (1939). Deferentemente de Balzac, em Thomas Mann temos agora duas peculiaridades: 1) a cultura alemã é ou foi, de certa forma, predisposta a isto; 2) a afirmação é feita por meio de uma parábola.

Primeiro, quanto à cultura, há algo de muito especial: "Meus queridos alemães’ — disse —, "eu os conheço muito bem. Primeiro se calam, depois criticam, depois separam a coisa, depois a roubam, e imediatamente se calam" (Mann, 2000, p.66). Depois, refere-se ao Fausto, de Goethe, para indicar o necessário princípio da dignidade da pessoa humana, perdido na Alemanha após 1933: "No Fausto, nessa preciosa conversa do jardim, Margarida fala ao amante, a propósito da irmãzinha, esse pobre verme, que a mãe não pode alimentar e que então só se nutre ‘de leite e água" (Mann, 2000, pp. 66-67). Por fim, refere-se a um certo processo de obstáculo: "Não sei que vertigem e pânico acontecem então. De qualquer modo, eu o chamaria processo de obstáculo: quando se coloca uma garrafa cheia com a abertura para baixo, o líquido não sai, permanece na garrafa, apesar de ter o caminho livre" (Mann, 2000, p. 67). Assim, com este claro obstáculo à liberdade, não estará tratando da liberdade perdida, cedida ao Estado de Exceção nazista? Este encontro entre razão e desrazão, entre modernidade e Estado de Exceção, é este misto ou lusco-fusco entre a afirmação da razão libertadora e a razão de que se ocupa o poder de dominação. Mann chamaria isto, utilizando outra metáfora, de benção-maldição — uma metáfora que pode ser sintetizada da seguinte maneira:

Como Deus é tudo, também compreende em Si o diabo, e não é possível aproximar-se do divino, evidentemente, sem aproximar-se do diabólico, sendo que assim é que, dizendo desse modo, com um olho se contempla o céu e o amor, e com o outro, o inferno da mais gélida negação e da neutralidade mais destruidora. Mas dois olhos, cara senhora, estejam ou não perto um do outro, constituem um olhar, e agora lhe pergunto eu: que espécie de olhar é esse no qual desaparece a contradição aterradora dos olhos? (Mann, 2000, p. 75).

Vamos entender Deus como um valor absoluto, tal qual a razão na modernidade — insuspeita em sua grandeza. Esta confluência, à base de uma contradição nos termos, não se confunde com o maniqueísmo, uma vez que os dois pólos coexistem e podem/devem gerar uma outra forma, uma forma diferente de relação com o poder. Neste sentido, trata-se de uma dialética entre a moderna razão e a sua própria exclusão (o princípio da exceção). Trata-se, então, de uma contradição (com elementos contrários, opostos e antagônicos) e não de uma mera oposição de valores e de sentidos. Portanto, também revela o sentimento vivido por todos que experimentam a imposição claustrofóbica do Estado de Sítio Político. Visto metaforicamente em Camus, a busca do consentimento é inerente [23]:

O HOMEM [24] (Ao governador)

Faço questão de obter seu consentimento. Eu não queria fazer nada sem sua permissão porque estaria contrariando meus princípios. Minha assistente vai executar tantas radiações quantas forem necessárias a fim de obter do senhor a livre aprovação para a pequena reforma que estou propondo. Pronta, querida amiga? (Camus, 2002, p. 65).

Esta força da radiação é a própria força do garrote do Estado de Sítio — daí que não cabe nenhuma alternativa, além da total resignação. Em Kafka, no entanto, há um sentimento de opressão, como claustrofobia que sufoca e inibe qualquer tentativa de desopilar o medo, a angústia.

A constante preocupação com preparativos de defesa determina que meus pontos de vista sobre o emprego da construção para esses fins se alterem ou evoluam, embora dentro de limites estreitos. Parece-me então muitas vezes perigoso basear a defesa inteiramente na praça do castelo, pois a multiplicidade da construção me oferece múltiplas possibilidades e soa mais conforme à prudência distribuir um pouco as provisões e abastecer com elas também certos lugares menores; assim, por exemplo, transformo cada terceiro recinto em local de provisão ou todo quarto lugar em reserva principal e todo segundo em reserva subsidiária e coisas do gênero (Kafka, 1998, p. 68).

O opressor que colonizou o oprimido, transportou direto para seu psiquismo a compulsão pela segurança e pela soberania — efeitos de poder que, certamente, só interessam a quem domina. Afinal, quem está inseguro com a dominação? Quem é que precisa fortificar o Estado de Sítio Político? Daí o sentimento de que se está sempre aloprado, verticalizado em si mesmo, ensimesmado:

Pior é quando, geralmente ao acordar assustado, me parece às vezes que a atual distribuição é completamente falha, que ela pode provocar grandes perigos e precisa ser corrigida o mais rápido possível, sem consideração por sonolência e cansaço; aí eu me apresso, vôo, não tenho tempo para cálculos; porque quero executar um plano novo e exato, agarro arbitrariamente o que vem aos dentes, arrasto, puxo, suspiro, gemo, tropeço, e qualquer mudança de estado presente, que eu julgo supersticioso, me satisfaz (Kafka, 1998, p. 69).

Todo Estado de Exceção é um Estado de execução, mas além disso, o Estado de Exceção provoca distúrbios de alucinação. Na Construção de Kafka, as saídas possíveis não permitem que o indivíduo se torne sujeito, porque se enraizou nele a negação de si e tudo que tenha sentido para além do poder que o controla. A similitude com Durkheim, neste sentido, é que a coerção opera o constrangimento necessário ao enraizamento, entranhamento das normas de opressão. Talvez Weber dissesse de um desejo de ser dominado. De todo modo, como vimos em Camus (2002), a fantasmagoria, o surreal apresentado no Estado de Sítio Político, relembra perfeitamente essa condição do poder opressivo e fossilizado. Esse Estado de Sítio Político que vimos propalar-se na França (e que ameaçava incorrer por toda a Europa) pode ser considerado como o estertor do Estado de Exceção, como Estado-Força, que tenta se abrigar na alcunha de Estado Democrático e brandir o manto legal de um pretenso Estado Juiz. É um pesadelo, uma fantasmagoria, um contra-senso que se manifesta pelo poder, pela força empregada — ou, talvez, o poder seja só isso mesmo: ameaça e pressão [25].

Camus estará revelando o sentido de que o Poder (por mais maléfico que seja) sempre precisa se escorar, amparar no consentimento (popular), nas próprias instituições e tradições que o mantiveram até aquela determinada fase – na tentativa de ancorar-se na legalidade e assim obter legitimidade. Mas, no fundo, é apenas o esconderijo mal montado de um aparato autoritário, e venha ele ou não sob a rubrica da democracia,como indicaria também metaforicamente Oscar Wilde:

O Imperador e o Rei podem abaixar-se para apanhar do chão um pincel e devolvê-lo a um pintor, mas quando a democracia se abaixa, é apenas para atirar lama, embora nunca tenha se abaixado a exemplo do Imperador. Na verdade, quando quer jogar lama, não é preciso que fique mais agachada do que está. Mas não há necessidade alguma de separar o monarca da plebe: toda autoridade é igualmente má [...] Há três espécies de déspota. Há o que tiraniza o corpo. Há o que tiraniza a alma. Há o que tiraniza o corpo e a alma. O primeiro chama-se Príncipe. O segundo chama-se Papa. O terceiro chama-se Povo (Wilde,2003, p. 72).

Nesta leitura socialista radical (ou anarquista) a questão da democracia liberal não é tocada como forma de governo do povo, dada a limitação óbvia da representação parlamentar, mas sim como forma de governo dos medíocres. Esta forma de governo seria gerida pelos indivíduos medianos da política, destes que são portadores dos chamados valores comuns ou apenas senso comum. Infelizmente, os que melhor servem às formas de poder excepcionais.


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Notas

  1. O texto sintetiza a pesquisa de doutorado que está em curso junto ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, da UNESP/Marília.

  2. Razão de Estado é uma teoria ou ideologia do poder soberano que se iniciou com Maquiavel e, em suma, implica na ultima ratio, na "última razão dos reis" do Estado Soberano. Aplica-se um tipo de razão política à sobrevivência institucional da soberania estatal. Portanto, esta razão política,no sentido de aplicar a moderna racionalidade técnica às estruturas do poder, no futuro (modernidade), tornou-se tecnocracia.

  3. Não é à toa que uma simples pesquisa no Google, com o título "leis marciais", é capaz de gerar de 187.000 possibilidades de acesso, mas sempre relacionando o tema às "artes marciais" (02/11/2006).

  4. Neste caso, não se trata de manter a soberania do poder, mas sim de manter o seu poder.

  5. Art. 5º, XLIV – "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático" (CF/88).

  6. Art. 137 a art. 141 (CF/88).

  7. Assim se incute a brecha para discutir uma diferenciação entre normaliade (política) e normatividade (jurídica).

  8. Se fosse o caso, a medida de exceção poderia ser adotada para combater o crime organizado. Quando se trata da funcionalidade do Estado, servidores públicos (especialmente de "setores essenciais") podem ser enquadrados como amotinados.

  9. Esta foi a argumentação jurídica que balizou tanto o fascismo quanto o nazismo, na 2ª Guerra.

  10. Também em Agamben (2004, p. 18).

  11. Em A psicologia social das religiões modernas.

  12. Quando o Estado de Direito ainda preservava alguma inclinação popular, movido pela pressão das massas.

  13. Metralhadoras.

  14. Portanto, bem antes da Comuna de Paris.

  15. Quantos desses já passaram pela história política e constitucional?

  16. Mais uma lembrança de que o Estado de Sítio Político é uma das criações da Revolução Francesa.

  17. Também pode-se dizer dessa divergência entre dinâmica e mobilidade social e a segurança jurídica, como entrave de poder estabelecido.

  18. Ironicamente a idéia de vanguarda que se cria a partir da ditadura democrática do proletariado segue o mesmo raciocínio.

  19. A vontade do rei é a lei suprema.

  20. A citação das análises de Umberto Eco (1998) não é literal, mas o leitor encontra sua posição descrita completamente às páginas 43 e seguintes do referido livro.

  21. Esta perspectiva foi aprofundada em uma Dissertação de Mestrado (Martinez, 2005).

  22. Um jornal monarquista.

  23. O que talvez mascare sua situação real de Estado Ditatorial.

  24. Este HOMEM que nos remete à figura do novo ditador, e que quase faz uma súplica (ainda que em tom ameaçador).

  25. Ou coerção, como queria Durkheim e tanto faz que fosse na França de 1848 ou em 2005.


Autor

  • Vinício Carrilho Martinez

    Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. A modernidade perdeu a razão: para uma sociologia do Estado de Exceção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1270, 23 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9313. Acesso em: 14 maio 2024.