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Desapropriação e aspectos gerais da intervenção do Estado na propriedade privada

Desapropriação e aspectos gerais da intervenção do Estado na propriedade privada

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Nada mais árduo que o exame do instituto jurídico da desapropriação no âmbito do direito brasileiro e comparado. Quase todos os problemas levantados são munidos de contestações, embates discursivos e muita polêmica entre os aplicadores do Direito.

Sumário: 1. Introdução. 2. Princípios aplicáveis à intervenção do Estado na propriedade privada. 2.1 – Evolução histórica. 2.2 – Propriedade. 2.3 – Intervenção do Estado na propriedade privada. 2.3.1 – Questão funcional. 2.3.2 – Substrato constitucional. 2.4 – Competência. 2.5 – Fundamentação. 2.5.1 – Princípio da Supremacia do Interesse Público. 2.5.2 – Princípio da Função Social da Propriedade. 2.6 – Formas de Intervenção na propriedade. 3. Intervenção supressiva. 3.1 – Conceituação. 3.2 – Expropriação de particulares. 3.3 – Natureza jurídica. 3.4 – Requisitos. 3.5 – Espécies. 3.6 – Sujeitos da relação. 3.7 – Objeto. 3.7.1 – Noções gerais. 3.7.2 – Peculiaridades. 3.7.3 – Bens inexpropriáveis. 3.8 – Procedimento. 3.8.1 – Fase declaratória. 3.8.2 – Fase executória. 3.9 – Indenização. 3.10 – Imissão provisória na posse. 3.11 – Destino dos bens desapropriados. 3.11.1 – Casos em geral. 3.11.2 – Desapropriação por zona. 3.11.3 – Desapropriação urbanística. 3.11.4 – Desapropriação para fins de construção. 3.11.5 – Desapropriação por interesse social. 3.11.6 – Demais casos. 3.12 – Desapropriação indireta. 3.13 – Retrocessão. 3.13.1 – Pontos gerais. 3.13.2 - Tredestinação. 3.13.3 – Prescrição. 3.14 – Desistência. 4. Conclusões. 5. Referências bibliográficas.


1. Introdução

Nada mais árduo que o exame do instituto jurídico da desapropriação no âmbito do direito brasileiro e comparado. Quase todos os problemas levantados são munidos de contestações, embates discursivos e muita polêmica entre os aplicadores do Direito. Além disso, inusitado é o fato de no Brasil — uma nação reconhecidamente afeita a constantes reformas legislativas e emendas constitucionais — vigir um diploma legal tão antigo como o que rege a desapropriação, qual seja, o Dec-lei nº. 3.365/41. Poucas são as leis que não envelhecem com o passar do tempo. O Dec-lei nº. 3.365/41 vive em uma permanência histórica que alcança décadas, e tal como algumas das reduzidas exceções, não envelheceu naquilo que determinou processualmente.

Na história da desapropriação, modalidade interventiva de direito público e uma das garantias constitucionais do direito de propriedade, não compactuam da mesma opinião os doutrinadores quando o objeto sob análise é a existência desta figura jurídica entre os povos mais remotos e até mesmo entre os gregos e os romanos. Deveras, os antigos não tinham conhecimento sobre a expropriação, eis que quando a res se tornava necessária ao uso público, as autoridades administrativas se valiam do confisco. No Oriente, por exemplo, era suficiente que o monarca levantasse a voz para que toda a propriedade fosse confiscada.

Entre os gregos, porém, a esmagadora doutrina majoritária salienta que a desapropriação era conhecida, em razão de que a propriedade privada era respeitada por todos. A maior prova disso foi a descoberta de inscrições na Ilha de Eubréia, onde restou constatado que havia apropriações de terras vizinhas (vitais para a executabilidade de obras do governo), mediante prévio pagamento de valor pecuniário, estabelecido como meio de ressarcir o dono da propriedade.

Entretanto, até os dias de hoje perduram dúvidas quanto à prática deste meio de intervenção estatal entre os romanos. A primeira corrente tutela a teoria de que os romanos não conheciam a expropriação, pois veneravam a imutabilidade do lar. O lar, entre os romanos, era tido como a base de toda a sua organização social. Dada a forte conotação religiosa que o direito de propriedade envolvia, era difícil de imaginar a prática de tal ato administrativo. Na verdade, a importância extremamente significativa que o povo de Roma dava à propriedade, seria o fundamento principal do impedimento do exercício da desapropriação. De outra banda, uma segunda corrente segue o pensamento de que seria impossível os romanos não terem conhecimento a respeito disso, eis que o direito de propriedade para eles jamais foi absoluto e sagrado, quando se cuidava de cultuar os mortos, construir aquedutos ou mesmo estabelecer limites em favor de vizinhos. Sendo prática existente desde a Lei das XII Tábuas, sob regime da propriedade familiar, a desapropriação era utilizada como meio de exigir dos dominus aquelas áreas de terrenos necessárias para que o interesse público fosse atingido. Ademais, não seria coerente que as vastas obras públicas feitas pelos romanos não encontrassem barreiras de parte de algum proprietário que a elas se colocasse em situação de oposição. Competentes para tanto eram o Senado, o Imperador, o Proconsul ou até mesmo as cúrias municipais, sendo efetivado o processo expropriatório de modo mais ou menos despótico, porque, quase sempre, não era pago ao particular qualquer quantia indenizatória. As autoridades usurpavam a propriedade, sem sofrer retaliações.

Em nossa opinião, não há controvérsia no que tange ao conhecimento dos romanos sobre a expropriação (embora esparsamente e de maneira arbitrária), no entanto, como instituto regular de direito resta inequívoco que ela não existia no direito romano.

Na Idade Média, os senhores do feudo tinham poderes absolutos e dispunham dos bens de seus vassalos e até deles próprios de maneira arbitrária e despótica. Vigia no regime feudal a lei do mais forte sobre o mais fraco, não propiciando as garantias mais elementares. Naqueles tempos, as propriedades prediais pertenciam a poucos donos (quase sempre corporações religiosas) e as grandes propriedades territoriais se enfeixavam nas mãos dos senhores feudais.

De outro passo, na Idade Moderna não houve nenhuma mutação no que diz respeito aos parâmetros consagrados pela Idade Média, com exceção do despotismo dos senhores feudais, que foi substituído pelo dos monarcas, que haveriam de dar prosseguimento à disposição compulsória dos bens particulares, quando entendessem ser passíveis de interesse público.

Com a chegada da Revolução Francesa, instaurando uma nova ordem política e social e proclamando o Princípio da Inviolabilidade do direito de propriedade, o fato jurídico da expropriação tomou os contornos que hoje são adotados na legislação dos povos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que a Assembléia Nacional Constituinte proclamou em 20 de agosto de 1789, destacava com afinco o direito inviolável e sagrado que caracterizava a propriedade. Os fatores basilares para a consumação da desapropriação (a necessidade pública e a prévia e justa indenização) foram incluídas no texto da Constituição de setembro de 1791, servindo de paradigma à legislação contemporânea sobre este instituto. Não era bastante que houvesse utilidade pública, era preciso que houvesse a incidência de necessidade pública. Em resumo, a grande contribuição da Revolução Francesa para a expropriação foi configurá-la como destacado instituto jurídico, estabelecendo os pilares para o seu exercício.

No Brasil, antes da primeira Constituição Federal, não existia qualquer alusão legislativa em relação à desapropriação. Antes da Constituição Imperial, vigoravam em terras brasileiras as Ordenações do Reino, ou Ordenações Filipinas, publicadas por Felipe II, da Espanha, e Felipe I, de Portugal, no ano de 1603, nas quais o soberano gozava de plenos poderes (absolutos), já que era concedida a ele a faculdade de se apoderar dos bens de seus súditos. A Constituição do Império de 1824, bem refletindo o espírito predominante na época, seguiu os mesmos princípios garantidores da propriedade, mesmo que excluindo do texto constitucional o caráter de sacralidade da propriedade. Duas fases distintas formavam o processo de desapropriação, quais sejam: a avaliação da necessidade pública que se dava via pedido do Procurador-Geral da Fazenda ao Magistrado do domicílio do proprietário e com a audiência deste. Passada a fase de verificação da utilidade ou necessidade pública (feita via ato legislativo), era preciso que fosse feito o cômputo do ressarcimento pecuniário por arbitramento. Os árbitros eram nomeados pelo Procurador da Fazenda Pública e pelo dono da propriedade.

No ano de 1845, as situações de utilidade pública foram ampliadas após a entrada em vigor do Decreto nº. 353, de 12 de julho, sendo feitas muitas inovações (a instituição do Júri no processo de expropriação, v.g.).

Em 1855, o Governo, com o advento do Decreto nº. 816, de 10 de julho, estabeleceu o processo para a expropriação de prédios e terrenos que fossem necessários para a construção das obras e demais serviços pertencentes à Estrada de Ferro Dom Pedro II e as outras estradas de ferro do Brasil, e a marcar as regras para a indenização dos proprietários. Cumpre referir que o dispositivo supra não revogou o Decreto nº. 353/1845, eis que dispunha especificamente sobre estradas de ferro.

Essas leis vigoraram até 1993, ano em que o Decreto nº. 1.021, de 26 de agosto, mandou aplicar a todas as obras da União e do Distrito Federal, o Decreto nº. 816 e autorizou o Poder Executivo a promover a consolidação da legislação expropriatória. O Decreto nº. 1.021 criou a figura da imissão de posse liminar, o direito de retrocessão (in casu de não ter sido feita a obra), entre outras inovações jurídicas, porém, só tinha vigência para as obras da União e do Distrito Federal, logo, não era aplicável a Estados e a Municípios.

Subseqüentemente, houve a baixa do Regulamento aprovado pelo decreto nº. 4.956 (em 9 de setembro de 1903), o qual consolidou a legislação existente e alterou o processo sobre desapropriações por utilidade ou necessidade pública. Aqueles casos de verificação de necessidade pública eram cabíveis ao Procurador da República perante o Juiz secional do domicílio do dominus.

Até o ano de 1917, nenhuma modificação foi feita na legislação, todavia, o Código Civil que entrou em vigor neste ano, veio dispor sobre expropriação por necessidade ou utilidade pública como meio de perda da propriedade.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1934, houve inovações no tocante ao exercício do direito de propriedade. Este direito não era mais absoluto e a desapropriação só poderia ocorrer em razão de utilidade ou necessidade pública, e mediante prévio e justo pagamento de indenização.

Nova Carta Política foi promulgada quando do golpe político de 1937. Alterações, de fato, quanto ao direito de propriedade, vieram somente em 1942, após a entrada em vigor da Lei Constitucional nº. 5, de 10 de março, a qual modificou o texto do art. 122, acrescentando mais um caso expropriatório: a suspensão da garantia do direito de propriedade de súditos de Estado estrangeiro que por qualquer forma tivesse praticado atos de agressão de que resultasse prejuízo para os bens e direitos do Estado Brasileiro ou bens e direitos de pessoas físicas ou jurídicas brasileiras. Verdade seja dita, mas não se tratava propriamente de uma expropriação, e sim, de um "confisco" de propriedades de súditos estrangeiros, cujo país tivesse praticado qualquer tipo de agressão contra a Nação Brasileira.

Deste modo, o Decreto nº. 3.365, de 21 de julho de 1941, surgiu em meio à vigência da Magna Carta de 1937. Mesmo com algumas modificações que lhe tem sido introduzidas com o passar dos anos, ainda hoje é o estatuto legal que regula a intervenção do Estado na propriedade privada por meio da expropriação no Brasil.


2. Princípios Aplicáveis à Intervenção do Estado na Propriedade Privada

2.1 - Evolução Histórica

Entre tantos campos de ação que a sua autoridade mostra-se intrínseca ao desenvolvimento social, a Administração Pública tem a sua soberania deflagrada ante o direito de propriedade, em especial, no que tange à propriedade de bens imóveis. A prioristicamente, a intervenção da Administração Pública na propriedade civil teria sido conseqüência da evolução dos elementos caracterizadores do Estado no mundo contemporâneo. A atuação do Estado moderno não fica adstrita à mera manutenção da paz interna e da segurança externa, bem ao contrário, vai muito mais além, devendo efetivar as aspirações coletivas, tanto quanto as individuais, até porque, faz parte do exercício de suas prerrogativas. A contribuição do jurista argentino Rafael Bielsa corrobora nesta mesma letra:

La ciencia administrativa, para satisfacer las nuevas exigencias que nuestra época impone a los estudios políticos y sociales, enseña qué es lo que esse potente y vasto organismo debe hacer. Se equivocaría por conseguiente, quien limitara el campo de la administración a la parte interno de ésta. La actividad del Estado se desenvuelve em formas varias y en esferas distintas que no podrían desarrollarse em el restringido círculo de la administración interior. Tan vasta materia compreende toda la acción del Estado, es decir, lo que el Estado debe hacer [01].

Esta preocupação exaltada por Bielsa, não havia no Estado do século XIX. Naquela época, prevalecia o liberalismo, no qual o Estado se fazia representar por meio da invisible hand. Além disso, o Governo não se intrometia em questões atreladas à produção e ao comércio. O vocábulo "imposto" causava extrema repugnância aos conservadores adeptos do livre comércio. Os filósofos acreditavam que a natureza é o melhor guia do homem e que Deus dispôs as coisas de tal forma que, se os homens e as mulheres forem deixados livres para buscar seus próprios e legítimos interesses, eles vão naturalmente agir favorecendo o melhor para a sociedade. Segundo o economista escocês Adam Smith, um dos ícones do Liberalismo:

Todo indivíduo necessariamente trabalha no sentido de fazer com que o rendimento anual da sociedade seja o maior possível. Na verdade, ele geralmente não tem intenção de promover o interesse público, nem sabe o quanto o promove. Ao preferir dar sustento mais à atividade doméstica que à exterior, ele tem em vista apenas sua própria segurança; e, ao dirigir essa atividade de maneira que sua produção seja de maior valor possível, ele tem em vista apenas seu próprio lucro, e neste caso, como em muitos outros, ele é guiado por uma mão invisível a promover um fim que não fazia parte de sua intenção. E o fato de este fim não fazer parte de sua intenção nem sempre é o pior para a sociedade. Ao buscar seu próprio interesse, freqüentemente ele promove o da sociedade de maneira mais eficiente do que quando realmente tem a intenção de promovê-lo [02].

As idéias provenientes da ideologia do laissez-faire constituíam larga liberdade aos cidadãos, sendo os direitos destes tidos como intocáveis. Em contrapartida, tornaram-se evidentes as disparidades entre as classes formadoras da sociedade, culminando em uma série de conflitos gerados pelo aprofundamento dos problemas sociais existentes na época. Nestes termos, chega ser perfunctório aduzir que esse modo de administração não vingou perante as mudanças de cunho social, econômico e político que a modernidade começou a experimentar.

O Estado que sucedeu o Liberalista foi o chamado do Bem-Estar Social (Welfare State). Essa forma de regulação social keynesiana, denominada Estado de Bem-Estar Social ou regulação social fordista, se caracteriza por uma intensa e progressiva intervenção planejada da economia para evitar a desordem produzida pelo mercado. No keynesianismo o Estado desempenha tarefa como financiador e controlador. Financiador das necessidades básicas da população, tais como educação, saúde, transporte, moradia, etc. Controlador de áreas estratégicas como petróleo, energia, minérios e telecomunicações, transformando-se, ele próprio, em um produtor, além de desenvolver um papel de suma importância como estimulador de determinados setores por intermédio de subsídios fornecidos à produção. Em outras palavras, o Welfare State tinha como meta oferecer proteção à população em geral, por meio do fornecimento de condições mínimas de alimentação, saúde, renda, habitação, educação e emprego, ou seja, elementos básicos para uma subsistência digna.

Assim, a figura do Estado mudou de uma conduta pouco participativa que beirava a omissão, para uma de posição ativa, assumindo a responsabilidade de gerar o bem-estar ao cidadão, numa demonstração clara de reaproximação da população com a Administração Pública. O individualismo, o bem singular de cada um, não era mais a ideologia evidente, mas sim, o coletivo, o bem geral da nação. Porém, para que isso saísse da teoria para tornar-se realidade, se fez conditio sine qua non que o Estado interviesse nas relações privadas de modo efetivo.

Não se quer afirmar que o Welfare State é a modalidade administrativa perfeita para se buscar os objetivos que aspira a sociedade, de modo algum. Entretanto, em nossa opinião, é preferível que o Estado falhe na tentativa de solucionar os problemas de seus cidadãos, do que falhar sem se importar com os conflitos que se desenvolvem bem diante dos seus olhos.

Em função disso, a Administração Pública, nesta busca incessante pelo bem-estar social do povo, depara-se com uma situação embaraçosa, na qual são cabíveis duas saídas distintas: agir em prol do interesse público ou do interesse individual? Deveras, trata-se de uma questão de difícil resolução, já que o Estado precisa acomodar os interesses, tentando preencher as necessidades de todos, da melhor maneira possível, sem cometer injustiças. Nos dias de hoje, prevalece o interesse público sobre o interesse individual, isso porque não se deve sacrificar uma maioria, em favor de um único elemento. Cumpre salientar que esta atuação estatal não se constitui via discricionariedade absoluta ou indiscriminada –– até porque isto ensejaria a arbitrariedade — mas sim, de acordo com o regramento constitucional e com as leis federais que disciplinam os meios de intervenção, estabelecendo a forma de sua execução. Este princípio (da Supremacia do Interesse Público) caracteriza um dos sustentáculos do caráter politizado da intervenção estatal na propriedade de particulares, e é nesse sentido que nasce o poder-dever da intervenção na propriedade privada, salvaguardando-se a proporcionalidade e a razoabilidade para que não haja qualquer espécie de abuso por parte dos atos da Administração.

2.2 - Propriedade

A previsão da Constituição Federal de 1988, atual Magna Carta da República Federativa do Brasil, é pouco esclarecedora quanto ao instituto político da propriedade, em seu art. 5°, inciso XXII, ao aduzir apenas que "é garantido o direito de propriedade".

Fazendo uma interpretação literal do dispositivo constitucional supra, chega-se à conclusão de que o direito de propriedade não é absoluto. O Poder Legislativo assegura aos cidadãos este direito, todavia, este deve ser exercido dentro das limitações administrativas impostas pela lei, nunca deixando de estar sujeito à tutela do Judiciário, quando da sua deturpação ou do descumprimento de seus propósitos.

A idéia romana, expressa no Digesto, sintetizada no trinômio jus utendi, fruendi et abutendi, está longe do tempo. A propriedade absoluta é uma abstração, como talvez já o fosse no próprio Direito Romano [03]. Em verdade, essa faculdade de usar, abandonar, destruir ou fazer o que entender o seu bel prazer, atribuída à propriedade, não existe há tempos. O juízo de que a propriedade constitui um direito subjetivo ao seu proprietário, uma exclusividade de quem detém seu registro, nos dias de hoje, só impera no plano do retrocesso, eis que este direito foi suprimido, dando lugar à função social desenvolvida pelo detentor do bem. Nesse mesmo contexto, Rizzardo aduz que não mais vigora o caráter absoluto da propriedade. Seu conteúdo está, nos tempos atuais, virtualmente ilimitado, ao contrário do que preponderava no Direito Romano, e em outros sistemas, onde dominava o caráter absoluto e ilimitado [04].

No entanto, estudiosos da matéria ainda mantêm os caracteres do pensamento romano — hoje rechaçado pela doutrina majoritária — que defende o afastamento do caráter absoluto da propriedade, porém de modo bem mais flexível. De acordo com Harada, o direito de propriedade reúne três atributos essenciais. Primeiramente, ele é absoluto, à medida que oponível erga omnes, e apresenta caráter de plenitude. O proprietário dispõe da coisa como bem lhe aprouver, sujeitando-se, apenas, a determinadas limitações impostas no interesse da coletividade, ou decorrentes da coexistência do direito de propriedade dos demais indivíduos. O segundo atributo desse direito é o da exclusividade, eis que não pode a mesma coisa pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas [05]. Dos dois atributos supracitados, decorre o terceiro: a irrevogabilidade. Assim, uma vez adquirida a propriedade, de regra, não pode ser perdida senão pela vontade do proprietário. A propriedade tem, pois, um sentido perpétuo, subsistindo independentemente de exercício, enquanto não sobrevier causa legal extintiva [06].

Dentro deste diapasão, o Código Civil Brasileiro de 1916 realçava somente os poderes do proprietário de usar, gozar e dispor da res. Porém, com o advento do Novo Código Civil, os pontos polêmicos que havia em relação ao direito de propriedade foram clarificados, destacando-se a ênfase dada quanto ao cunho social que envolve a propriedade, estando de acordo com as normas constitucionais, como se pode auferir no art. 1.228, § 1º, disposto no Estatuto supra referido:

O Direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

É de clareza solar e incontroversa que houve uma mudança radical no comportamento do Poder Legislativo, no que diz respeito ao tratamento dado à propriedade. Há uma nítida preocupação em garantir que o bem seja usado em favor do interesse público, ao passo que impõe ao seu proprietário uma série de requisitos a serem preenchidos, remetendo-lhe, ainda, a cuidados específicos quanto aos fatores conexos à propriedade. Como bem afirma Carvalho Filho, se o proprietário não respeita essa função, nasce para o Estado o poder jurídico de nela intervir e até de suprimi-la, se esta providência se afigurar indispensável para ajustá-la aos fins constitucionais assegurados [07]. Trata-se de um direito individual condicionado ao bem-estar da comunidade. É uma projeção da personalidade humana e seu complemento necessário, mas nem por isso a propriedade privada é intocável [08].

2.3 - Intervenção do Estado na Propriedade Privada

2.3.1 Questão Funcional

Elucida a didática de Meirelles que se entende por intervenção na propriedade privada todo ato do Poder Público que compulsoriamente retira ou restringe direitos dominiais privados ou sujeita o uso de bens particulares a uma destinação de interesse público [09]. Já Gasparini é mais direto ao tratar do assunto em tela, ao aduzir que a intervenção na propriedade pode ser conceituada como sendo toda ação do Estado que, compulsoriamente, restringe ou retira direitos dominiais do proprietário [10]. Necessária se faz a ressalva de que esta intervenção estatal, sendo realizada na propriedade de particulares, ou até mesmo no domínio econômico, não se concretiza de forma injusta, autoritária ou através de pautas de julgamento ou interesses próprios dos agentes públicos. Dar ensejo a esse tipo de ato seria voltar no tempo, retroagir à época do Direito Divino dos Reis, no qual vigia a teoria política do Absolutismo, típica centralização do poder oriunda do Continente Europeu nos séculos XVII e XVIII. Por isso, o procedimento interventivo é regrado por lei e, o que é mais fundamental, previsto na Constituição Federal, a Lei Maior do país, tendo em vista o modo de sua execução. Qualquer tipo de atuação da Administração Pública que sobrepuje estes parâmetros fixados pelo Poder Legislativo torna a intervenção eivada de vícios, conseqüentemente, trata-se de um ato administrativo nulo, pressupondo a responsabilização do agente pela ilegalidade praticada. No que tange a este assunto, Carvalho Filho o explica com todos os pormenores:

De forma sintética, podemos considerar intervenção do estado na propriedade toda e qualquer atividade estatal que, amparada em lei, tenha por fim ajustá-la aos inúmeros fatores exigidos pela função social a que está condicionada. Extrái-se dessa noção que qualquer ataque à propriedade, que não tenha esse objetivo, estará contaminado de irretorquível ilegalidade. Trata-se, pois, de pressuposto constitucional do qual não pode afastar-se a Administração [11].

Os cidadãos devem submeter-se ao poder de império deflagrado pela força jurídica que suporta o ato interventivo, estando este, motivado pela própria soberania estatal. É lição comezinha que o agir dos particulares e do Estado saciam as carências de cunho geral e individual, ao passo que toda vez em que for alargada a ação referente a uma dessas carências, sobre a outra, obrigatoriamente reincidirá o efeito.

2.3.2 Substrato Constitucional

A Lei Maior abrange a intervenção estatal na propriedade em alguns dos seus tantos dispositivos. No caso da propriedade não honrar a sua função social, com arrimo nos arts. 5º, XXII (garantia do Direito de Propriedade) e 5º, XXIII (atendimento à função social), ambos da Constituição Federal do Brasil, o Poder Público adquire o direito de intervir nela, obrigando o proprietário a cumprir essa premissa constitucional, sob pena de sofrer conseqüências mais gravosas quanto ao exercício do seu bem imóvel.

O supedâneo jurídico à intervenção também é proporcionado pelo art.5º, XXV, da Magna Carta Brasileira, como se pode notar a seguir: "no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar da propriedade particular assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano".

O artigo transcrito supra envolve a figura jurídica da requisição, a qual será discorrida detalhadamente no capítulo 3 deste trabalho.

De outra banda, o art. 182, § 2º, da Lei Fundamental, aduz que sempre quando atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, a propriedade urbana estará a cumprir sua função social. No que diz respeito a esta política urbanística adotada, quem diz o Direito é o plano diretor municipal que, ipso facto, haverá de defrontar-se com os interesses relativos aos particulares detentores das propriedades, em possíveis discussões judiciais. Esse confronto é notório, eis que de um lado se tem o interesse privado, representado na pessoa do proprietário, e de outro lado o interesse público, representado na pessoa do Estado, ambos querendo fazer o seu direito prevalecer sobre o direito do outro. Evidentemente, o Estado leva uma larga vantagem nessa disputa, tanto que a Constituição concede ao Município os poderes devidos para realizar a intervenção na propriedade privada, impondo ao dono da propriedade a coação de diligenciar o aproveitamento do solo urbano não utilizado, subutilizado ou não edificado, sempre que infringir os regramentos implícitos no plano diretor. O parcelamento ou a edificação compulsória do solo e, em caso de última instância, a promoção da própria desapropriação, são as medidas administrativas a serem tomadas pelo Município, quando da recalcitrância do particular em não atender o que lhe foi exigido.

Embora não esteja implícito na Lei Fundamental do Brasil, não há como excluir desta discussão, dada a sua extrema relevância, a Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001, mais conhecida no âmbito doutrinário como Estatuto da Cidade.Este estatuto vislumbra a consolidação do Plano Diretor dos Municípios, para cidades com população acima vinte mil pessoas, ao passo que autoriza o Município a estabelecer uma Política de Desenvolvimento Urbanístico mais eficaz e dinâmica e dá origem a institutos jurídicos novos. Para o ínclito professor José Maria Pinheiro Madeira, "um dos aspectos mais consideráveis da nova lei é que com ela se institui de forma mais incisiva a gestão participativa da cidade na administração democrática e justa [12]". O Estatuto da Cidade regra a propriedade urbana objetivando o bem da coletividade, o bem-estar do Município, a segurança e o equilíbrio ambiental. Trata-se de um procedimento legal que pode trazer benefícios consideráveis ao Estado e ao povo, sempre na tentativa de fazer as cidades do Brasil evoluir, dependendo apenas da boa vontade da sociedade e da higidez dos atos provindos de seus governantes.

2.4 - Competência

Um poder condicionado, de caráter político-constitucional, que só pode ser exercido por agente idôneo é o que significa competência, em sentido lato sensu. Este vocábulo é utilizado no mundo jurídico com uma propositura muito bem determinada. Trata-se de um tipo de poder concedido pelo ordenamento jurídico, cuja prática só será considerada legal, caso seja efetuado:

  1. Pelo sujeito indicado na lei;

  2. À vista do acontecimento dos fatos previstos na lei;

  3. Em relação às matérias que a lei prevê;

  4. Sobre o território sob a sua jurisdição;

  5. Para alcançar o fim que levou à outorga deste poder.

Feitas as ressalvas iniciais quanto ao significado da competência, é chegado o momento de adentrar no mérito da questão. Os sujeitos a que compete o exercício da intervenção na propriedade privada estão transcritos claramente na Constituição Federal do Brasil. A Magna Carta, como fonte que é do instituto que dá nome a este subtítulo, distribui em seus artigos a competência entre as pessoas federativas, quais sejam: a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. É mister aclarar que esta distribuição de competência não é feita aleatoriamente, mas sim, baseada em critérios hierárquicos no que tange à importância dos atos administrativos suscitados pela discussão que o uso irregular da propriedade dá ensejo.

Primeiramente, destacando a competência com relação à legislação sobre os condicionamentos ao uso da propriedade e as restrições, cumpre salientar que seu exercício é dividido entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de acordo com a hierarquia estipulada pela Lei Fundamental.

A contrario sensu, sobre desapropriação, requisição e direito de propriedade, a competência para legislar condiz somente à União, nos moldes propostos pelo art. 22, incisos I, II e II, da Constituição Federal. Nesse sentido, o doutrinador Hely Lopes Meirelles ensina que:

Nem por isso fica excluída da competência do estado e do Município a regulamentação adjetiva do uso da propriedade e das atividades econômicas que se realizam em seus territórios, afetando o bem-estar da comunidade regional ou local. Essa regulamentação é tanto mais necessária quanto maior for a implicação do uso da propriedade e do exercício da atividade econômica com a higiene e a saúde públicas, com a segurança e a ordem públicas, e especialmente com o abastecimento da população local [13].

Não obstante a existência dessa competência dita legislativa recém exarada, não se pode olvidar a competência administrativa de que os entes da Federação também dispõem. A competência de caráter administrativo é consolidada por meio do exercício de atos administrativos. Partindo deste pressuposto, é possível afirmar que esta competência está subordinada à legislativa, ao passo que o Princípio da Legalidade obriga toda atividade administrativa a ser tomada com base na lei. Em outras palavras, a pessoa política que tiver competência para legislar sobre uma dada matéria, automaticamente terá também competência para exercer os atos administrativos precisos à execução da lei que publicou. Assim, não consubstancia heresia alguma dizer que a competência administrativa é dependente da legislativa, até porque, é a segunda que dá origem à primeira.

Ademais, segundo Carvalho Filho, esses atos administrativos estampam, como regra, o exercício do poder de polícia da Administração, ou seja, o Poder Público, seguindo os parâmetros legais, concretiza as restrições autorizadas na lei e fiscaliza o seu cumprimento [14]. Em síntese, o ente federativo a que compete legislar sobre tal matéria, em conseqüência desta incumbência, cumpre a ele o exercício de atos típicos de Polícia Administrativa para que seja observada a execução do que foi estabelecido em lei, nos limites de sua competência institucional e territorial.

2.5 - Fundamentação

2.5.1 Princípio da Supremacia do Interesse Público

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado não se encontra expresso no ordenamento jurídico administrativo, porém há em inúmeros princípios manifestações concretas dele implícitas. Este princípio tem como cerne o poder-dever intrínseco ao Estado de impor a prevalência do interesse da coletividade, cominada com o automático sacrifício do interesse dos particulares, posto que em favor do Poder Público, posição esta juridicamente tangível ao predomínio do interesse dado à sua cura. Sempre que houver a necessidade de optar entre um interesse individual ou um interesse público, prevalecerá o interesse público, eis que este atua em prol de um interesse maior, ou seja, o da coletividade.

A afirmação clássica é a de que a supremacia do interesse público é quase um requisito do Direito Público. Giza-se que desta supremacia resultam algumas conseqüências, quais sejam: determinadas prerrogativas — tais como a presunção de veracidade e de validade dos seus atos, ou a auto-executoriedade dos mesmos — e restrições — como a obrigatoriedade das licitações, a exigência do concurso público para contratação de seus funcionários etc. — além da superioridade da administração com relação aos particulares. Destarte, o Poder Público, enquanto encontrar-se na execução da função administrativa, goza de superioridade em relação ao particular.

Depreende-se disso tudo que a supremacia do interesse coletivo sobre o individual constitui um dos fundamentos da intervenção do Estado na propriedade privada, eis que a Administração, no exercício desta prerrogativa que lhe é peculiar, tem a obrigação de fornecer ao cidadão condições de segurança e sobrevivência no seu cotidiano, mesmo que para isso, tenha de intervir no bem imóvel de terceiros para gerar o bem-estar social. Este indicativo encontra guarida nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim doutrina: "a estabilidade da ordem social depende dessa posição privilegiada do Estado e dela depende a ordem e a tranqüilidade das pessoas [15]".

Em síntese, toda a intervenção estatal na propriedade age com arrimo no interesse público, até porque, se esse agir se der em detrimento de um interesse particular, estará o Poder Público praticando atos que fogem a seus fins, como ostentador da supremacia do interesse coletivo que é, logo, presumem-se nulos de pleno direito.

2.5.2 Princípio da Função Social da Propriedade

A maneira correta de se usufruir o direito de propriedade, regulamentada e imposta compulsoriamente pela lei, é o que a doutrina acostumou-se a invocar como função social da propriedade. A função social pode ser conceituada como a sujeição, a obediência do direito de propriedade, pela natureza que se lhe foi dada modernamente, a um interesse da coletividade. O possuidor de uma "riqueza" ganha a denominação de proprietário. Esta dita riqueza tem uma função para com a sociedade a ser honrada por seu respectivo proprietário que, enquanto cumpre essa missão delineada pela lei, tem seus atos de propriedade assegurados, sem correr o risco de possíveis represálias em razão do modo como a utiliza. Marcos Cláudio Acquaviva assim define o termo jurídico função social da propriedade:

Expressão que denomina o princípio pelo qual o interesse público deve ter preferência sobre a propriedade privada, embora sem eliminá-la. O princípio da função social da propriedade é conseqüência do intervencionismo do Estado na esfera individual, a fim de concretizar uma visão social de bem comum [16].

Para o jurista Celso Ribeiro Bastos:

A chamada função social da propriedade nada mais é do que o conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes até com medidas de grande gravidade jurídica, a recolocar a propriedade na sua trilha normal [17].

O referido princípio da função social da propriedade possui enquadramento constitucional de acordo com os arts. 5º, XXIII e 170, III, da Lei Maior do Brasil. Reza o art. 5º, XXIII, da Constituição Federal: "a propriedade atenderá a sua função social".

Para que a propriedade atenda sua função social deve o Estado regulá-la de maneira que produza melhores benefícios para todos e não apenas para seu proprietário [18]. O que se quer alcançar com essa medida é o bem-estar coletivo, e não apenas o individual de quem tem a propriedade do bem. Exige-se que a fruição da propriedade seja condicionada nesse sentido, com o objetivo de evitar o uso indevido do bem, seja por meio de negligência, fraude, ou qualquer ato imbuído de má-fé. O progresso da sociedade depende, inevitavelmente, da evolução do instituto da propriedade. Mesmo que a res não pertença a todos, ela deve gerar o bem do povo em geral. A Magna Carta Brasileira não nega o direito exclusivo do dono sobre sua propriedade, apenas regra sua atuação para que aja em prol do bem comum.

Nas palavras de Zanella Di Pietro, se a propriedade não está atendendo a sua função social, deve o Estado intervir para amoldá-la a essa qualificação. E essa função autoriza não só a determinação de obrigações de fazer, como de deixar de fazer, sempre para impedir o uso egoístico e anti-social da propriedade [19].

Embora a função social da propriedade ainda venha sendo negada por uma parte quase insignificante da doutrina, além de alguns determinados sistemas legislativos, atualmente ela não é mais uma ficção, mas sim uma realidade concreta, um principio tutelado e ad-rogado por doutrinadores de grande expressão no cenário jurídico mundial, que não cansam de exaltar a relevância deste instituto para os proveitos da sociedade.

2.6 - Formas de Intervenção na Propriedade

Os meios executórios que dão suporte à Administração Pública para intervir na propriedade de particulares, sem ter de passar por cima das normais legais previstas, são inúmeros, variando desde os mais flexíveis até os mais enérgicos. No entanto, fazendo o uso devido da classificação adotada por José dos Santos Carvalho Filho, tem-se a apresentação de duas modalidades principais de intervenção na propriedade privada, tendo em vista a natureza e a eficácia desta quanto à propriedade. São elas: a intervenção supressiva e a intervenção restritiva.

A intervenção supressiva é o ato administrativo pelo qual a Administração Pública determina a transmissão da propriedade de terceiro para si, em razão de interesse público detectado naquele bem imóvel. Leva o nome de supressiva porque o Estado suprime a res do dominium do proprietário, apoderando-se coercitivamente, "doa a quem doer". Mais uma vez o interesse da coletividade sobrepõe-se ante o interesse individual. No que diz respeito a seus modais, esta intervenção possui apenas um: a desapropriação.

Diversamente da supressiva, a intervenção restritiva não tem apenas uma modalidade, mas cinco bem distintas: a servidão administrativa, a requisição, a ocupação temporária, as limitações administrativas e o tombamento. Este tipo de intervenção se caracteriza pela imposição de condicionamentos e limitações ao uso da propriedade, por parte do Poder Público, sem subtrair o bem das mãos do seu detentor, mas restringindo o seu uso – por isso da sua nomenclatura. Trata-se de uma intervenção que, visivelmente, não é tão drástica quanto à supressiva. É oportuno clarificar, ainda, que com a perfectibilização da intervenção restritiva, o dono da propriedade não disponibilizará do direito, que antes tinha, de praticar atos deliberadamente, visando somente os seus casos pessoais. A partir da interferência estatal, o proprietário terá de submeter-se ao cumprimento de todas as indicações advindas da Administração, caso queira preservar a sua res.

A seguir, serão explanadas as várias formas de se intervir na propriedade de particulares.


3. Intervenção Supressiva

3.1 Conceituação

Dada a complexidade indiscutível de que é imbuído o ato administrativo de desapropriar, é inegável que trata-se de um assunto sensível, isso porque, reproduz um dos maiores alicerces do embate, que parece não ter fim, entre o Poder Público e o cidadão. Sendo assim, requer muito cuidado a apreciação deste tema, tendo em vista o grau de polêmica que envolve. Partidário desta idéia, a contribuição de Moreira Neto não é diferente, ao aduzir que a desapropriação se faz presente por várias vezes no texto constitucional, suscitando cuidados especiais por ser a modalidade mais drástica de intervenção estatal na propriedade privada [20].

Deveras, o fato é que há uma vastidão doutrinária de conceitos relativos à desapropriação. Existem definições clássicas, em linhas mais gerais, e as mais contemporâneas, com fulcro em codificação constitucional e análises mais profundas dos pontos fundamentais que ensejam o modo interventivo em tela.

Dentro do rol de conceituações lato sensu está a da jurista Odete Medauar, que assim reza: "a desapropriação é a figura jurídica pela qual o poder público, necessitando de um bem para fins de interesse público, retira-o do patrimônio do proprietário, mediante prévia e justa indenização [21]".

No mesmo sentido, o argentino Roberto Dromi, advogado e doutor em Direito, enfatiza que:

Es el instituto de Derecho público mediante el cual el Estado, para el cumplimiento de un fin de utilidad pública, priva coactivamente de la propiedad de un bien a su titular, siguiendo un determinado procedimiento y pagando una indemnización previa, en dinero, integralmente justa y única [22].

De outro canto, trazem-se à baila as definições strictu sensu, das quais se destaca a do Professor da Universidade de São Paulo, Edmir Netto de Araújo:

Podemos conceituar a desapropriação como um procedimento, pelo qual o Poder Público (em sentido amplo, abrangendo pessoas políticas e Administração Indireta) ou seus delegados (envolvendo concessionárias, permissionárias e outras pessoas delegadas), iniciando por prévia declaração de utilidade pública, necessidade pública ou interesse social, impõem ao proprietário (não necessariamente, mas geralmente um particular, podendo ser outro ente público ou sob seu controle) pessoa física ou jurídica, a perda ou retirada de bem de seu patrimônio, substituindo-o pela justa indenização que, em regra, será prévia, e em dinheiro, salvo as exceções previstas na Constituição Federal, bem esse que se incorporará, também, em regra, ao patrimônio do expropriante [23].

Finalmente, tem-se o conceito do Doutor Professor Kyioshi Harada, um dos mais completos da doutrina, ao nosso entender:

Podemos conceituar a desapropriação como um instituto de direito público consistente na retirada da propriedade privada pelo Poder Público ou seu delegado, por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, mediante o pagamento prévio da justa indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV, da CF), por interesse social para fins de reforma agrária (art.184, da CF), por contrariedade ao Plano Diretor da cidade (art. 182, §4º, III, da CF), mediante prévio pagamento do justo preço em títulos da dívida pública, com cláusula de preservação de seu valor real, e por uso nocivo da propriedade, hipótese em que não haverá indenização de qualquer espécie (art. 243, da CF) [24]".

À luz da análise das conceituações retro, salta aos olhos três pontos de convergência entre todas: a perda da propriedade de modo compulsório, a qualidade de direito público (eis que o princípio da supremacia do interesse público fundamenta a desapropriação) e o ressarcimento pecuniário de direito. A supressão do bem imóvel distingue a desapropriação das outras formas de intervenção estatal na propriedade privada (que tem como meta apenas restringir o uso daquela res,e não apossar-se dela). Quanto ao aspecto da qualidade de direito público, é mister frisar que diz respeito à superioridade do interesse público sobre o particular, já repisado em pontos anteriores. Sequencialmente, a questão acerca da indenização justa, como este modo interventivo subtrai do patrimônio do cidadão o seu bem, este é cambiado por um valor em dinheiro condizente, com exceção da desapropriação de gleba nociva, na qual se mostra incabível qualquer tipo de ressarcimento.

Cumpre gizar que não há falar em diferenciação entre os vocábulos expropriação e desapropriação. O doutrinador Moraes Salles discorre sobre o tema, afirmando que são palavras sinônimas, e como tal, são empregadas pela maioria dos autores e pela legislação. Aduz, ainda, que Pontes de Miranda utiliza indiferentemente os dois termos, e que Marcelo Caetano, um dos mais importantes administrativistas portugueses, só utiliza o vocábulo "expropriação [25]". Ademais, é consabido que diversos autores de língua espanhola, quase que em sua totalidade, usufruem apenas do termo jurídico expropiación, ao referir-se ao fato administrativo em questão.

3.2 Expropriação de Particulares

Em que pese a figura jurídica da expropriação ser conhecida desde o seu nascituro por se tratar de um ato típico que diz respeito somente à Administração, o Código Civil Brasileiro que entrou em vigor recentemente inovou ao estabelecer a expropriação de iniciativa dos particulares. Preconizado pela lei, mais precisamente no art. 1.228, §4º, do Código Civil Brasileiro, esse instituto ainda não é muito conhecido por todos. Notar-se-á, quando da leitura do dispositivo supramencionado, que o direito a essa "desapropriação privada" é adquirido a partir do momento em que os três pressupostos intrínsecos deste meio interventivo são preenchidos, quais sejam: que haja obras e serviços de relevante interesse social e econômico – assim entendidos pelo magistrado — realizados por intermédio dos posseiros, que a posse seja de boa-fé por mais de cinco anos e sem interrupções e, por fim, que a posse seja de um número considerável de pessoas. Também chamada de desapropriação social, devido o caráter coletivo que apresenta, essa expropriação ocasiona a perda do imóvel e dá direito à indenização, bem como a desapropriação original, distinguindo-se desta última principalmente por ser de iniciativa privada e não pública, conforme já foi frisado. Não se deve olvidar o fato de que não se confunde este ato administrativo com a usucapião, eis que não se reveste de gratuidade. No entanto, é preciso que se faça uma nova interpretação a respeito do ordenamento jurídico, em face desse dispositivo, eis que a possibilidade de as leis infraconstitucionais determinarem um novo meio de se expropriar (fora dos casos previstos pela Magna Carta), ao passo que nega ao cidadão o direito ao devido processo legal e à prévia e justa indenização, constituem pontos extremamente controversos. Nesse sentido, o Professor Pedro Henrique Poli de Figueiredo ensina que "ao atribuir ao juiz a decisão sobre a realização da desapropriação, está o CC atribuindo ao Judiciário função atípica não estabelecida na CF e, como tal, afrontando um dos pilares fundamentais do sistema constitucional, que é o princípio da separação dos Poderes (...) [26]". Feito este alerta ao Legislador Brasileiro, quanto ao desrespeito do art. 2º, da Constituição Federal, o nobre jurista retro conclui que:

Assim, quer por ofensa ao due proccess of law, quer pela afronta à exigência de prévia indenização, e, principalmente, por afronta aos princípios da separação dos Poderes, são inconstitucionais os §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Código Civil [27]. [grifo nosso]

3.3 Natureza Jurídica

Por ser matéria de grande abrangência, a desapropriação tem a sua natureza jurídica espalhada entre alguns dos ramos fundamentais das Ciências Jurídicas e Sociais. Esse instituto jurídico tem a sua materialidade situada em quatro disciplinas do Direito: Direito Administrativo e Direito Constitucional (ambos conexos ao Direito Público), Direito Processual Civil e Direito Civil (ambos conexos ao Direito Privado).

Segundo Rizzardo, encontra-se inserido no Direito Administrativo porque este completa as normas genéricas da Constituição, além de desenvolvê-lo, discipliná-lo e adequá-lo conforme as condições reais e próprias das necessidades públicas e sociais [28]. Como a Magna Carta prevê os elementos ensejadores da desapropriação, além de enumerar seus modais, nada mais coerente que esta forma interventiva estar implícita no Direito Constitucional.

A razão de estar a expropriação integrada ao Direito Processual Civil se deve, entre outros atos processuais, à análise pericial que é feita em relação ao bem imóvel. Deste modo, a maneira procedimental da desapropriação acompanha o rito ordinário do Processo Civil para a instrução e desde que, vasculhando a fundo o caso, demonstre-se a necessidade dos trâmites legais do ramo jurídico recém citado. Por estar preconizada no Código Civil como um meio de extinguir ou perder a propriedade, a expropriação tem a sua devida inclusão no Direito Civil sob este fundamento.

Em sede final de estudo sobre a natureza jurídica deste fato administrativo, o Professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto sintetiza que:

Entre as várias teorias que procuram explicar a natureza jurídica do instituto, cremos que a que mais satisfaz ao modelo brasileiro é a que descreve a desapropriação como substituição compulsória do objeto da propriedade. Entendemos, assim, que nem há venda forçada, óptica civilista do fenômeno, nem perda da propriedade, que a aproximaria do confisco, mas uma substituição imposta regularmente, pelo Poder Público, do bem expropriando, pelo seu equivalente em dinheiro, operando, simultaneamente, a sua transferência para o domínio público [29].

Havendo a instantânea incorporação da res desapropriada ao domínio do Poder Público, ou ainda, havendo a manutenção temporária da propriedade por parte do particular, porém como patrimônio das pessoas políticas que tiveram concedida a permissão para expropriar, tem-se configurada a dita transferência supra referida.

No entender do insigne Venosa, a expropriação é um modo originário de aquisição da propriedade porque é desprezado o título anterior, ao passo que o título gerado no procedimento administrativo ou no processo expropriatório se faz registrável por força própria, assim, restando dispensada a existência do registro anterior [30]. Nestes termos, tendo em vista o dispositivo preconizado pelo art. 35, do Decreto-lei nº. 3.365/41 [31] — também chamado pela doutrina de Lei das Desapropriações — depreende-se que caso venha a ser desapropriado um terreno baldio de propriedade de uma pessoa X, v.g., e o valor condizente ao bem tenha sido pago a pessoa diversa (o que, a priori, suscitaria nulidade), não há falar em invalidade do ato administrativo, eis que prevalece o Princípio Aquisitivo da Desapropriação, ficando o credor sub-rogado no preço pago pelo Estado. Resta, então, ao proprietário prejudicado no processo expropriatório, entrar com ação autônoma para ver seus direitos satisfeitos.

3.4 Requisitos

Para que a expropriação não esteja fadada ao insucesso, incorrendo em ilegitimidade, é de vital importância que sejam preenchidos os seus requisitos constitucionais. Destarte, no que calha ao art.5º, XXIV, da Constituição Federal do Brasil [32], os pressupostos para que haja uma desapropriação hígida e idônea, a serem honrados pela Administração Pública, são os seguintes: a necessidade pública, a utilidade pública, o interesse social e o pagamento de justa ou prévia indenização.

Primeiramente, no que diz respeito à necessidade pública, esta se faz presente quando, em casos de urgência, o Estado se vê na obrigação de integrar determinado bem, antes pertencente ao particular, ao patrimônio público, para que seja resolvida uma problemática iminente que exige, desde logo, o uso do bem desapropriado.

Quanto à utilidade pública, esta se configura quando da conveniência da transmissão de um dado bem privado ao domínio público, mesmo que seja dispensável. Entretanto, a doutrina é muito dividida, longe de ter uma opinião unânime formada, no tocante à possibilidade do termo utilidade pública abarcar tanto o significado dele próprio como o da necessidade pública e do interesse social. Neste diapasão, discorre o jurista Celso Ribeiro Bastos:

Convém salientar que a distinção que outrora se fazia entre esses dois conceitos já não tem relevância jurídica. É que o Decreto-lei n. 3.365/41 não mais se refere às hipóteses de necessidade pública anteriormente previstas no Código Civil (art. 590, § 1º). Define, no seu art.5º, tanto as hipóteses de utilidade pública, quanto as de necessidade pública previstas na legislação civil acima referida, sob a denominação única de utilidade pública [33]".

Para alguns doutrinadores a tripartição (utilidade pública, necessidade pública e interesse social) elaborada pela Carta Magna é de grande valia, eis que destaca melhor os casos da desapropriação, evitando confusões ou interpretações equivocadas. Em compensação, a outra parte da doutrina estabelece que a utilidade pública unifica, por si só, os três requisitos supra. A verdade é que a polêmica está mantida, até porque é cristalino que não há um consenso entre os diversos juristas que tratam do assunto.

Já o interesse social acontece quando o Poder Público vislumbra a redução das disparidades sociais, normalmente, em questões relativas à função social da propriedade. O Estado visa o melhor aproveitamento da propriedade particular, quando da expropriação da res, em prol do interesse coletivo, ou até mesmo de classes sociais necessitadas. Cumpre salientar que os bens expropriados por interesse social não são transferidos ao patrimônio público, mas aqueles que a lei concede o direito de recebimento e uso destes [34] (isto é, coletividade ou categorias da sociedade que merecem o amparo especial da Administração).

Derradeiramente tem-se a justa e prévia indenização, esta que também pode ser paga na forma de títulos especiais da dívida pública [35] ou da dívida agrária [36]. Este pressuposto expropriatório terá ênfase em tópico específico, mais adiante.

3.5 Espécies

Há diversos modos de se classificar as espécies de desapropriação. Do vasto rol de doutrinadores analisados, cada um com a sua metodologia própria para a elaboração destes tipos interventivos [37], escolheu-se, por questões de didática, aquela projetada por Diógenes Gasparini. O eminente doutrinador retro, estabelece duas espécies básicas de expropriação: uma, consubstanciada no inciso XXIV do art.5° da Constituição da República, chamada de ordinária; outra, fundada nos arts. 182, §4º, III e 184 e parágrafos dessa Constituição, denominada extraordinária [38].

A desapropriação ordinária, clássica ou comum, é aquela espécie geral, contemplada no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, que preenche os requisitos constitucionais de utilidade pública, necessidade pública, interesse social e indenização prévia e justa. Urge aclarar que esta modalidade expropriatória pode incidir sobre quaisquer bens, salvaguardo-se aqueles manifestos em lei, além disso, não se faz presente a figura do ius puniendi, eis que não dá ensejo a qualquer meio de punição. Quanto à competência, aqueles que a detêm são a União, os Estados-Membros, os Municípios, o Distrito Federal e todas aquelas pessoas que a lei permitir.

Por conseguinte, tem-se a desapropriação extraordinária ou especial, a qual se subdivide em urbanística sancionatória, rural e confiscatória [39]. A expropriação urbanística sancionatória tem fulcro no art. 182, §4º, III, da Constituição Federal, sendo aplicada como punição aquele proprietário que não obedecer à obrigação de motivar o conveniente aproveitamento da sua propriedade, segundo o Plano Diretor do Município em que está localizado o bem imóvel. O Poder Público não pode deixar que o particular fique em estado de inércia, por isso, se faz necessária esta medida, para que o desenvolvimento urbano tenha prosseguimento. O Plano Diretor é o artefato administrativo, a idéia de planejamento que estatui as metas a serem alcançadas pelo Município, bem como a normatização do desenvolvimento urbanístico, regras comuns, instruções e pontos afins. No entanto, para se consolidar a eficácia do dispositivo constitucional supracitado, foi fundamental a edição do Estatuto da Cidade, isto é, a Lei Federal nº. 10.257, de 10 de julho de 2001, para que fosse regulamentada e estipulada a forma como se poderia executar a expropriação urbanística sancionatória. Em outras palavras, foi o próprio Estatuto da Cidade que regulamentou esse dispositivo constitucional. O art.8º da referida lei dispõe sobre o tema em discussão. Neste mesmo fito, a pessoa política do Município é delineada como expropriante, e a ele incumbe o encargo de editar a sua específica lei municipal para os locais em que serão realizadas as ações de desenvolvimento urbano.

Em seguida, apresenta-se a desapropriação rural, esta que se encontra prevista no art. 184, da Constituição Federal, tendo sua complementação na Lei nº. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 [40] e na Lei Complementar nº. 76, de 6 de julho de 1993 [41]. Este modal recebe esta nomenclatura pois recai sobre bens imóveis provindos da zona rural com propósito de reforma agrária. Deveras, é possível afirmar que se refere a uma expropriação por interesse social, havendo o intuito da perda da propriedade quando do descumprimento da sua respectiva função social. Partindo-se do pressuposto de que o art. 186, da Lei Fundamental, elenca os pontos hipotéticos quando do cumprimento da função social da propriedade, presume-se que quando manifestar-se além dos casos previstos, a res terá aptidão para ser desapropriada por função social não honrada. Uma peculiaridade deste tipo de expropriação é que a única pessoa política que possui competência para praticá-la é a União Federal. No que alude ao pagamento de indenização, este se perfectibiliza de maneira diversa que na desapropriação ordinária, qual seja, por meio de títulos, tal como a desapropriação urbanística sancionatória, e não em dinheiro como na comum.

A espécie final a ser perfilada é a desapropriação confiscatória, também conhecida pela doutrina como expropriação de glebas de terra em que sejam cultivadas plantas psicotrópicas ou, ainda, expropriação de propriedade nociva. Com guarida no art. 243, da Magna Carta, e disciplina na Lei nº. 8.257, de 26 de novembro de 1991, este tipo expropriatório diverge de todos os outros por ter uma peculiaridade exclusivamente sua, qual seja, a de negar ao dominus da propriedade o justo ressarcimento pecuniário pela desapropriação realizada – motivo pelo qual é igualado ao confisco. Trata-se de uma supressão da propriedade privada sofrida por aqueles que nela cultivam ilicitamente plantas psicotrópicas. Sobre a matéria em comento, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim discursa:

Não é qualquer cultura de plantas psicotrópicas que dá margem a esse tipo de desapropriação, mas apenas aquela que seja ilícita, por não estar autorizada pelo Poder Público e estar incluída em rol elencado pelo Ministério da Saúde. Segundo o § único do art. 2º da Lei nº. 8.257/91, a autorização para a cultura desse tipo de plantas será concedida pelo órgão competente do Ministério Público da Saúde, atendendo exclusivamente as finalidades terapêuticas e científicas [42].

O alvo precípuo da expropriação confiscatória é a doação das terras tomadas a colonos, sob a razão de cultivar produtos medicamentosos e alimentícios.

3.6 Sujeitos da Relação

A relação jurídica expropriatória tem como seus sujeitos necessários o expropriado (sujeito passivo) e o expropriante (sujeito ativo). Não se pode esquecer que, nas questões atinentes à desapropriação de propriedade feita com vistas ao favorecimento de terceiros — como é o caso da desapropriação confiscatória — existe, também, a figura do beneficiário, o qual seria um voluntário ou terceiro interessado na lide.

Aquele que é concedido o direito subjetivo de intervir na propriedade, com o fim de desapropriar, poder este que emana de leis ordinárias e, precipuamente, da Constituição Federal, é dado o nome de sujeito ativo. O administrativista portenho Roberto Dromi define que: "sujeto activo o expropiante es quien ejecuta la declaración de utilidad pública, impulsa el trámite para consumar el desapropio y paga la respectiva indemnización [43]".

Num plano universal, ter idoneidade para exercer o papel de sujeito ativo sugere três estirpes de competência, a saber: competência para legislar sobre a matéria, para promover a desapropriação e para desapropriar. A única pessoa que detém legitimidade para figurar no pólo ativo da lide, no que se refere à competência para legislar sobre a desapropriação, é a União Federal. Esta colocação é respaldada pelo disposto no art. 22, II, da Magna Carta, ao regrar que "compete privativamente à União legislar sobre desapropriação".

Sobre a competência para promover a desapropriação (oportunizada no art. 3º, do Decreto-lei 3.365), Bandeira de Mello aduz ser o mesmo que efetivar a desapropriação, ou seja, praticar os atos concretos para efetuá-la (depois de existente uma declaração de utilidade pública expedida pelos que têm poder para submeter um bem à força expropriatória), além da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, as autarquias, os estabelecimentos de caráter público em geral, ou que exerçam funções delegadas do Poder Público e os concessionários de serviço, quando autorizados por lei ou contrato [44].

Quanto à competência para desapropriar, em outros dizeres, para imitir-se na posse de uma propriedade por meio de força expropriatória, são reconhecidos como aptos à prática da declaração de interesse social ou utilidade pública de um bem imóvel a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal.

Em segundo plano, apresenta-se o sujeito passivo da expropriação. Legítimo para tal é o expropriado, isto é, aquele que pode vir a ter seu bem imóvel retirado do seu patrimônio através de ato administrativo, podendo ser pessoa privada ou pública, jurídica ou física [45].

3.7 Objeto

3.7.1 Noções Gerais

In genere, o objeto passível de desapropriação é tudo aquilo que não tiver previsão legal contrária. Nesse sentido, é imperioso atentar ao que diz Rafael Bielsa:

Todos los bienes que están en el patrimônio en cuanto la utilidad pública lo requiera pueden ser expropiados. Pero también pueden serlo los bienes públicos de una entidad menor; por ejemplo, la Nación puede expropiar los de las províncias y las províncias los de las comunas [46].

Desmistificando o que foi mencionado, em consonância com o art. 2º, do Dec.-lei 3.365/41 [47], todos os bens podem ser objetos da expropriação, sejam eles públicos, privados, semoventes, móveis, imóveis, corpóreos ou incorpóreos, em outras palavras, é expropriável quaisquer bens que sejam objeto da propriedade (salvo aqueles bens juridicamente ou fisicamente inexpropriáveis, tais como a "lua" e a moeda nacional).

3.7.2 Peculiaridades

Como é costumeiro nas Ciências Jurídicas e Sociais, a polêmica volta a dar as cartas, suscitando dúvidas e dividindo opiniões doutrinárias a respeito das questões mais específicas da matéria. Passará a ser discutido nos próximos dois tópicos o que pode e o que não pode ser desapropriado, em sentido mais estrito.

Da leitura do artigo supra, depreende-se que direitos também são objetos de desapropriação, desde que tenham valor econômico (por exemplo, os direitos autorais) [48].

É admitida também a desapropriação do espaço aéreo e do subsolo quando sua utilização, pelo Poder Público ou seus delegados, acarretar prejuízo patrimonial ao proprietário (art. 2º, § 1º, do Dec-lei 3.365/41) [49].

No que tange ao regime expropriatório referente aos bens públicos, estes podem ser expropriados desde que sejam respeitadas algumas condições impostas pelo art.2º, §2º, do Dec-lei 3.365/41. Retomando a segunda parte da citação de Bielsa no preâmbulo do tópico 2.8.1, o procedimento enaltecido pelo professor da Universidade de Buenos Aires requer seja obedecida uma hierarquia vertical, de cima pra baixo, da pessoa política mais importante até a menor (não pode entidade política menor desapropriar de maior). Disso, inferi-se que a União pode desapropriar bens dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, logo, os Estados-membros e o Distrito Federal podem desapropriar bens dos Municípios. Em contrapartida, Estado-membro ou Distrito Federal não pode desapropriar de Estado-membro, o mesmo acontecendo com os Municípios, eis que possuem o mesmo âmbito de interesse público. Como a União Federal pode expropriar os bens de todas as pessoas políticas, é possível afirmar que os bens de caráter federal não são expropriáveis. Como último ponto a ser destacado sobre a matéria em apreço, Maria Sylvia Zanella Di Pietro elucida que:

Em qualquer das hipóteses em que a desapropriação seja possível, deve ser precedida de autorização legislativa: entenda-se que essa autorização legislativa não é emanada da pessoa jurídica cujo patrimônio está sendo afetado, mas da pessoa jurídica expropriante [50].

Ainda são suscetíveis de expropriação arquivos, documentos com valoração histórica, bens que se tornaram inalienáveis por ato jurídico, das missões de diplomacia, pertencentes a entidades religiosas, de concessionárias de serviço público, direitos imateriais e bens móveis localizados no estrangeiro por determinado tempo. Com entendimento resultante da Súmula nº. 476 [51], do Supremo Tribunal Federal, Carvalho Filho ensina que, em razão dessa amplitude de bens expropriáveis, o são também as ações, as cotas ou os direitos relativos ao capital de pessoas jurídicas [52].

Vale tecer algumas considerações em relação à desapropriação de bens das entidades da Administração Indireta. Preliminarmente, no que diz respeito à expressão "entidades de Administração Indireta", esta compreende as sociedades de economia mista, as autarquias, as fundações públicas e as empresas públicas, cada uma delas podendo estar vinculadas ao âmbito federal, estatal ou municipal. Este tipo de bem é considerado expropriável, conforme interpretação do já citado art. 2º, §2º, da Lei Geral das Desapropriações, desde que quem o desaproprie seja uma entidade política maior que a detentora da res. Assim, os Estados-membros têm poderes para desapropriar bens de uma autarquia municipal, a União para desapropriar bens de uma sociedade de economia mista estatal, o Distrito Federal para desapropriar uma empresa pública municipal, entre outros exemplos (o recíproco disso não pode ocorrer). Ainda nesta linha de pensamento, quanto à probabilidade de ser cabível a desapropriação de um bem por parte de uma pessoa da Federação (o Distrito Federal, v.g.), ante uma entidade administrativa indireta maior (sociedade de economia mista com vínculos junto à União Federal, v.g.), esta não se mostra verdadeira ou possível, tendo em vista a doutrina majoritária [53] e os decisuns dos Tribunais Superiores do Brasil (STF e STJ). Atualmente, é o modo mais correto de se submeter o assunto em questão.

3.7.3 Bens Inexpropriáveis

Extremamente reduzido se comparado ao de bens expropriáveis, o rol de bens não suscetíveis de expropriação não abarca muitos casos. Os direitos personalíssimos (o direito à honra, à liberdade, à cidadania, à vida, à imagem, à alimentação e o direito de autor, v.g.) constituem exemplos de bens que não podem ser retirados da propriedade de seus donos em razão de não terem conteúdo patrimonial algum. Também não se encontram entre os bens passíveis de desapropriação a moeda corrente do próprio País (dinheiro) [54] e as pessoas (concessionárias de serviços públicos, fundações e empresas), eis que são desapropriáveis os bens ou certos direitos que estas detêm, e não elas. Exemplificando, não há falar em desapropriação — ou até extinção — de uma empresa, mas sim, em expropriação possível de suas ações.

Outro caso típico de impossibilidade de expropriação é o relativo à desapropriação de propriedade produtiva ou de pequena e média propriedade rural, in casu, respeitando o indicado pela Lei. O supedâneo jurídico vem do descrito no art. 185, da Lei Fundamental, que assim explicita:

São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II – a propriedade produtiva.

Portanto, desapropriada será somente aquela propriedade, localizada na zona rural, que não satisfazer plenamente a sua respectiva função social, salvo nas duas hipóteses do artigo retro, podendo, ainda, receber tratamento especial a res, conquanto sejam honrados os requisitos que competem à função social.

3.8 Procedimento

A legislação dá margem a uma série de atos que precisam ser tomados pela figura do expropriante para que a expropriação não tenha a sua legitimidade prejudicada, ou venha a ser declarada nula. Nos termos da lei, para a propriedade ter condições de integrar o patrimônio público através da desapropriação, é preciso que o Estado aja em conformidade com o procedimento expropriatório previsto, enfrentando, inevitavelmente, as duas fases deste, quais sejam: a fase declaratória e a fase executória. Assevera-se que são duas fases consecutivas (primeiro se passa por uma para depois adentrar na outra) e que não se confundem devido as suas diferenças.

3.8.1 Fase Declaratória

A primeira fase do procedimento de desapropriação, chamada declaratória, tem por finalidade a declaração de interesse público, utilidade pública ou interesse social do bem que o Poder Público deseja retirar do patrimônio do particular. São legitimadas para expedir esta declaração todas as pessoas políticas da Federação (União Federal, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) e, em casos especiais, as entidades da Administração Indireta (quando autorizadas).

A manifestação desta declaração de expropriação deve ser realizada por intermédio do Poder Executivo ou do Poder Legislativo. A declaração via Poder Executivo se perfectibiliza na forma de decreto, tendo o Presidente da República, os governadores dos Estados, os prefeitos e os interventores como aptos à prática deste ato (de acordo com art. 6º, do Dec-lei 3.365/41). A contrario sensu, a declaração feita pelo Legislativo se materializa na forma de lei — o que não afasta a participação do Executivo, eis que deve honrar suas prerrogativas em promover a desapropriação, tomando as medidas adequadas para tanto (art. 8º, do Dec-lei 3.365/41). Existe, ainda, uma terceira modalidade de formalização, na qual a declaração de utilidade pública é feita pelo DNER, podendo ocorrer quando motivada pela pessoa do Ministro dos Transportes (por meio de uma portaria) ou pela pessoa do Diretor-Geral do próprio DNER.

O ato de declaração, para ser considerado hígido, deverá ter descrito no seu âmago os elementos que se seguem: o sujeito passivo da ação expropriatória (o expropriando), a análise do bem a ser expropriado (identificação, medidas, caracteres relevantes, etc.), o rumo que será dado ao bem, (o que será feito com ele, de que forma será utilizado em prol da coletividade), o embasamento legal, os recursos do orçamento que serão direcionados à quitação da despesa e a declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social.

Quanto aos efeitos decorrentes da declaração de desapropriação, no magistério do festejado Miguel Seabra Fagundes, são os seguintes:

  • autorização implícita para que a autoridade administrativa penetre nos imóveis compreendidos na declaração;

  • início do prazo de caducidade da própria declaração;

  • fixação do estado físico da coisa, sobre o qual será calculado o seu valor e arbitrada a indenização;

  • desobrigação do expropriante do pagamento das benfeitorias voluptuárias, que ainda realize o proprietário;

  • desobrigação, para o expropriante, do pagamento das benfeitorias úteis, que o proprietário ainda venha a realizar, salvo se autorizadas por ele próprio [55];

  • impossibilidade de deslocação da coisa exproprianda para a circunscrição territorial diferente daquela em que se deve efetuar o expropriamento [56].

Os efeitos da declaração não afetam o direito do proprietário de utilizar o bem, caracterizando-se apenas como condição para o ajuizamento da ação ou realização do acordo, possibilitando, no entanto, que as autoridades penetrem nos prédios compreendidos na declaração, podendo recorrer, em caso de oposição, ao auxílio de força policial [57]. Isto que dizer que o dono da propriedade mantém o poder de usar, dispor e gozar dela normalmente, podendo, inclusive, aliená-la ou até construir nela [58].

Como último ponto a ser detalhado sobre a fase declaratória da expropriação, tem-se a caducidade. É possível definir caducidade como sendo o desaparecimento de um direito em face da inércia ou da renúncia por parte de seu titular, podendo originar-se de ato, fato, transcurso de prazo ou decisão judicial [59]. Regido no art. 10, da Lei das Desapropriações, o prazo de caducidade para expropriações com fulcro na necessidade pública ou na utilidade pública é fixado em cinco anos, iniciando-se este a partir da expedição do ato declaratório da desapropriação e findo os quais esse caducará. No entanto, em razão da segunda parte do dispositivo supramencionado, a declaração poder vir a ser passível de renovação, contanto que tenha transcorrido doze meses desde que a última declaração caducou, ou seja, não há falar em extinção ou decisão imutável do poder de expropriar.

Já as expropriações motivadas pelo interesse social caducam em dois anos, consoante art. 3º, da lei 2.132/62, não havendo qualquer menção a uma "futura renovação" como ocorre no Dec-lei 3.365/41. Outra distinção entre os dois dispositivos é que a caducidade nas desapropriações por interesse social guarda vínculo tanto com o momento da desapropriação se consumar, como com as medidas levadas a cabo com vistas ao aproveitamento da res desapropriada — enquanto as expropriações por necessidade ou utilidade pública caducam somente quando da efetivação da incorporação do bem ao patrimônio público.

No tocante às desapropriações de glebas de terras em que são cultivadas plantas psicotrópicas e às por não cumprimento da função social da propriedade localizada na zona urbana, as leis silenciam a respeito do prazo de caducidade da declaração (leis nº. 10.257/01 e nº. 8.257/91, respectivamente). Sem esquecer das expropriações com fins de reforma agrária, a declaração expropriatória destas caduca em dois anos, na forma do art. 3º, da Lei Complementar nº. 76/91.

3.8.2 Fase Executória

Concluídos com sucesso os trâmites legais referentes ao primeiro nível do procedimento expropriatório, subseqüentemente apresenta-se a parte final deste, qual seja, a fase executória. Esta segunda fase, que pode desenvolver-se judicial ou extrajudicialmente, é caracterizada pelos atos levados a cabo pela Administração Pública, objetivando a promoção da expropriação por meio da ratificação do que foi firmado na declaração de expropriação (ocorrida na primeira fase). Em síntese, nada mais é que o instante no qual as medidas pertinentes à consumação da incorporação do bem ao patrimônio público são tomadas.

3.8.2.1 Fase Executória com Resolução Extrajudicial

A fase de execução do procedimento expropriatório será conhecida como extrajudicial, voluntária, graciosa ou administrativa, quando, em não havendo interferência do Poder Judiciário, as partes envolvidas no processo (expropriante e expropriando) transigirem com relação ao preço a ser pago pelo Estado ao particular, como forma de indenização pela res expropriada.

Neste caso, existindo acordo entre os sujeitos da relação, tem-se a configuração de uma compra e venda, como se pode notar na ótica de José Cretella Júnior:

Se o expropriado concordar com a proposta do poder público para que desocupe o imóvel em troca do preço, inexiste a figura jurídica da desapropriação. Houve mera compra e venda civil. Formaliza-se em documento escrito o que foi pactuado, o poder público interessado paga o preço e efetiva-se a transição do domínio, pela convergência dos elementos: pagamento, tradição e escrita [60] [não sublinhado no original].

Cumpre gizar, que se o objeto da desapropriação for um bem imóvel, necessitar-se-á da escrituração no Registro de Imóveis para que se dê a traditio. Há vezes em que na fase executória não há a reunião das condições vitais para a resolução de modo extrajudicial. Isto ocorre quando o Estado não encontra o dono da propriedade, fato que não o proíbe de desapropriar aquele bem.

3.8.2.2 Fase Executória com Resolução Judicial

A expropriação tem o seu desfecho, via judicial, a partir do momento em que o Poder Público interpõe ação expropriatória contra o dominus do bem discutido. Deste modo, o expropriante tira o Judiciário da inércia, provocando a sua atuação para que encontre a melhor solução ao caso em tela. Nestes termos, a manifestação judicial poderá ser de dois tipos, conforme Bandeira de Mello: 1) homologatória, quando o proprietário do bem aceita, em juízo, a oferta pelo expropriante; aí, o juiz apenas homologa o acordo judicial; 2) contenciosa, quando o proprietário e o expropriante não acordam em relação ao preço, que terá que ser fixado pelo juiz, após arbitramento [61].

A Lei das Desapropriações é que determina o modo como será celebrado o processo judicial de desapropriação, sendo que, nas questões em que esta lei mostrar-se incompleta, admitir-se-á a aplicação secundária do Código de Processo Civil, mais precisamente em seu art. 42.

Quanto ao foro competente para o ajuizamento da ação expropriatória, o professor Juarez Freitas elucida que:

A ação, quando a União for autora ou tiver interesse, será proposta perante a Justiça Federal (CF, art. 109, I e Decreto-lei 3.365/41, art. 11). Não sendo assim, o foro competente (mesmo na chamada desapropriação indireta) é o da situação do bem [62].

Em resumo, a regra é que competente será a Justiça Estadual (no foro em que se encontra a res), exceto quando o autor da ação for a União Federal ou entidade da Administração Indireta, com vínculos federais, que goze de autorização da lei — in casu, a competência para julgar o processo será da Justiça Federal.

A respeito da forma como a Justiça haverá de julgar o processo judicial de expropriação, nunca olvidando a limitação disposta no art. 9º, do Dec-lei 3.365/41 [63], a que ela está sujeita, pode-se concluir que serão aceitas somente análises sobre algum tipo de vício que possa vir a macular o processo ou sobre o valor do bem. O artigo recém citado deve ser complementado pelo art. 20, da mesma lei [64], do qual se depreende que, caso a parte queira discutir questões atinentes a outros elementos, que não os elencados por esse dispositivo, terá de interpor ação autônoma, ou ação direta (como é chamada pela legislação expropriatória).

Não se quer, com isso, causar prejuízo às partes interessadas, mas sim, garantir a celeridade do processo de desapropriação do bem. Se em meio ao processo fossem aceitos pedidos de magnitude diversa da exposta no art. 20, da Lei das Desapropriações, haveria lentidão processual, uma demora demasiada para a resolução da lide formada. Assim, sem desrespeitar os Princípios da Celeridade Processual e do Devido Processo Legal (Due Proccess of Law) [65], a lei mantém a sua imparcialidade ao permitir que o interessado busque, através de outras vias abertas de justiça, os direitos que entende terem sido suprimidos.

Entretanto, o tratamento não é o mesmo quando o objeto da ação expropriatória é um bem que será retirado do patrimônio do seu titular com intuito de reforma agrária. Aplica-se o art. 4º, da Lei Complementar nº. 76/93 [66] c/c art. 9º, da mesma lei, dos quais se deduz que o "direito de extensão" poderá ser requerido na contestação elaborada pelo particular. Todavia, nesta mesma peça processual não deverá conter qualquer apreciação sobre o interesse social declarado, já que o art. 9º, caput, da Lei Complementar reza que: "a contestação deve ser oferecida no prazo de quinze dias se versar matéria de interesse da defesa, excluída a apreciação quanto ao interesse social declarado".

Ora, o direito de extensão nada mais é que o pedido de que seja estendida a expropriação à totalidade do bem imóvel, requerendo seja alguma parte da propriedade, que não foi aproveitada em separado, incluída. É um meio de proteger o indivíduo expropriado, até porque, a meta da desapropriação não é prejudicá-lo, embora se trate de uma forma compulsória de se tomar um bem. O fato é que o particular tem garantido o direito de receber uma justa indenização pela sua propriedade, que haverá de ser inteiramente vendida, sem perdas para nenhuma das partes, nos moldes propostos pela legislação.

O procedimento de desapropriação de bens imóveis tem a sua finalização quando do pagamento efetivo, por parte do autor, do valor arbitrado pelo magistrado ou, ainda, quando da consignação em pagamento. Assim, segundo o art. 29, da Lei das Desapropriações, "efetuado o pagamento ou a consignação, expedir-se-á, em favor do expropriante, mandado de imissão de posse, valendo a sentença como título hábil para a transcrição no registro de imóveis".

3.9 Indenização

No Direito Público Brasileiro, o pressuposto da indenização não é uma faculdade, bem ao contrário, trata-se de uma imposição para que a desapropriação torne-se hígida ao final de todo o processo que denota. Indenizar é o mesmo que ressarcir pessoa física ou jurídica por danos, prejuízos ou acidentes. Neste mesmo prisma, faz-se curial o parecer da Doutora Débora de Carvalho Baptista:

Indenizar é retribuir com certa quantia em dinheiro pela lesão causada a alguém. É a correlação entre o dinheiro e o dano que reflete o caráter indenizatório da obrigação. É a substituição da coisa na sua inteireza pelo seu equivalente pecuniário. A indenização busca a reposição patrimonial do indivíduo atingido, sendo o equivalente pecuniário da obrigação de ressarcir [67].

Fazendo o uso de outros vocábulos, indenização pode ser definida como uma premissa expropriatória inafastável que cabe ao Estado o dever de honrar, eis que o prejuízo causado ao particular salta aos olhos de maneira cristalina, tendo em vista o descompasso que foi ocasionado ao patrimônio deste, em face da supressão forçada a que foi submetido. Restabelecer o equilíbrio que foi abalado pela intervenção supressiva é o objetivo da indenização.

Consoante o disposto na Magna Carta Brasileira, esta indenização deverá ser justa, prévia e em dinheiro, exceto em três casos peculiares: a expropriação, realizada pela União Federal, de bens imóveis rurais para fins de reforma agrária (art. 184, da Constituição Federal); expropriação de glebas de terra em que sejam cultivadas plantas psicotrópicas (art. 243, da Lei nº. 5.257/91); e expropriação, realizada por Município, de bens urbanos usados de modo indevido (art. 182, §4º, III, da Constituição Federal). Quanto à primeira exceção enumerada, o pagamento poderá ser feito na forma de títulos da dívida agrária, sendo resgatáveis em duas décadas a contar do segundo ano de sua emissão. Ademais, as benfeitorias úteis e necessárias têm de ser ressarcidas em dinheiro. O segundo caso excepcional tem relação com a ausência de qualquer meio indenizatório. "O Legislador empregou mal o termo porque se refere a confisco, que se caracteriza como pena em razão de ato ilícito [68]". O jurista Silvio de Salvo Venosa ainda frisa que não há falar em existência de expropriação sem indenização. Finalmente, no que tange à desapropriação municipal de bens utilizados inadequadamente, a indenização poderá ser paga em títulos da dívida pública, sendo resgatáveis no prazo de uma década.

Nesta conjuntura, a indenização deverá conter o cálculo relativo às seguintes verbas [69] : valor avaliatório do bem, benfeitorias, lucros cessantes e danos emergentes, juros compensatórios, juros moratórios, honorários advocatícios, custas e despesas processuais, correção monetária, desmonte e transporte de maquinismos e fundo de comércio.

Assim, no cálculo referente ao valor avaliatório do bem, deverá incluir, antes da declaração de desapropriação, todas as benfeitorias existentes. Quanto às benfeitorias, as voluptuárias, via de regra, não são passíveis de indenização, até porque, se trata de um mero embelezamento do bem, uma mudança estética, em contrapartida, as necessárias sempre serão pagas e as úteis somente nas vezes em que houver prévia autorização de parte do expropriante.

Em que pese serem indenizados os danos resultantes da expropriação feita sobre o bem (desde que provados), a questão a respeito dos lucros cessantes é rodeada de controvérsias. Só haverá indenização nos casos em que existir dano concreto, quando o bem originava lucros, com prazo determinado ou determinável. No entanto, essa regra não se aplica a danos possíveis, prováveis ou que possam ter ocorrido. O Estado não vai pagar certa quantia em dinheiro com base em uma probabilidade. In casu, poderá o desapropriado buscar esses direitos via ação direta, não sendo colocados no cálculo da indenização esses "lucros problematizados".

Quanto aos juros, Carvalho Baptista aduz que consistem num mecanismo jurídico que dá permissão aos credores de obter a adequada restituição dos créditos, assim, os juros têm servido como uma espécie de "recompensa" para o atraso no adimplemento de obrigações como ganho efetivo pelo emprego do capital correspondente ao crédito [70]. Os juros compensatórios são aqueles que o devedor deve pagar como meio de recompensa pelo uso do capital do credor, enquanto os juros moratórios são devidos em razão da mora, pela falta de pontualidade na devolução do dinheiro.

Nos juros compensatórios, de acordo com a Súmula 164, do Supremo Tribunal Federal [71], a base do seu cômputo é a diferença entre a inicial proposta da Administração Pública e a quantia indenizatória, quando da ocorrência de emissão provisória na posse. A Medida Provisória nº. 2.183-56, de 24 de agosto de 2001, mais precisamente na redação dada ao art. 15-A, da Lei das Desapropriações, reformulou o preconizado pela Súmula 618, do Supremo Tribunal Federal [72], que prevê uma taxa de juros compensatórios de 12% ao ano. A Medida Provisória supramencionada impõe que, in casu de divergência entre o valor da oferta em juízo e o preço da res sentenciado pelo Magistrado, haverá juros compensatórios, se versar sobre questão relativa à imissão prévia na posse. Esses juros serão computados até 6% ao ano em cima da diferença que por ventura foi calculada, sendo defesa em lei a apuração de juros compostos. Na expropriação indireta, começarão a ser contados os juros desde a concreta ocupação do bem imóvel, conforme a Súmula 69, do Superior Tribunal de Justiça [73], ou, ainda, desde a imissão na posse quando não houver imissão provisória, porém, na expropriação direta será a partir da imissão na posse.

Por outro lado, o cálculo dos juros moratórios deve obedecer ao art. 15-B, do Dec-lei 3.365/41, do qual se depreende que a base desse cômputo é a mesma atribuída aos juros compensatórios (até 6% ao ano), a contar do dia 1º de janeiro do exercício seguinte aquele em que o pagamento deveria ser feito, consoante o determinado pela Lei Fundamental em seu art. 100. Com o advento da Medida Provisória 2.183/2001, houve o acréscimo do art. 15-B à Lei das Desapropriações, ipso facto, restou cancelada a Súmula 70, do Superior Tribunal de Justiça [74], que antes fornecia o embasamento legal de como se calcular o valor a ser cobrado do expropriante, em razão da demora no pagamento do preço fixado em sentença pelo bem expropriado.

Não raro, os honorários de advogado da parte expropriada, até 1956 admitidos somente nos casos em que o Estado cometesse ato ilícito e fosse condenado [75], também tem a sua importância na ação de desapropriação. O cômputo dos honorários advocatícios, arrimado nas Súmulas 131 [76] e 141 [77], do Superior Tribunal de Justiça, será fixado sobre a diferença entre o preço da oferta feita pelo expropriante e o preço final da indenização, incidindo juros compensatórios e moratórios e correção monetária em cima do valor apurado. Esse dispositivo é decorrente do princípio do ônus da sucumbência que está regrado no art. 27, §§1º e 3º, do Dec-lei 3.365/41 (com mudanças feitas pela Medida Provisória nº. 2.183-56, de 24 de agosto de 2001). Os honorários serão sentenciados pelo magistrado da causa entre 0,5 e 5% do valor da diferença, respeitando o que dispõe o art. 20, §4º, do Código de Processo Civil, não podendo sobrepujar a cifra de R$151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil reais), a qual será atualizada todo dia 1º de janeiro de cada ano, baseado no Índice Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No caso específico da desistência da ação expropriatória, por parte do Estado, o jurista Sérgio Ferraz enfatiza que os honorários deverão ser cobrados mesmo assim, como se pode perceber pelo comento seguinte: "(...) desistência, no caso, configura sucumbência, à luz do Código de Processo Civil, invocado subsidiariamente, o que legitima, por si só, a atribuição da verba honorária ao expropriado [78]".

De outro canto, tem-se as custas e as despesas processuais, preconizadas no art. 20, §2º, do Código de Processo Civil e no art. 30, da Lei das Desapropriações. Caso haja desistência da ação expropriatória, de acordo com o art. 26, do Código de Processo Civil, será o autor da ação quem pagará as custas e as despesas do processo. Todavia, a regra é que o vencido pague esses valores [79] ou, quando o réu concordar com o preço ofertado pelo autor, pagará este último também, ou, como última possibilidade, proporcionalmente, de acordo com o disposto em lei. Quanto à desapropriação para fins de reforma agrária, nenhum valor é exigido pelo registro de títulos, segundo Medida Provisória 2.183 (com redação dada ao art. 26-A, da Lei nº. 8.629/93).

Com relação à correção monetária, Débora de Carvalho Baptista assim a conceitua:

A correção monetária é constitucionalmente concebida para sobrecarregar o pagamento devido, tornando maior a quantidade de moeda a que faz jus o beneficiário do pagamento, de maneira a agravar quantitativamente uma dada obrigação de pagamento em dinheiro, com a proposta de manutenção dos "valores reais". Trata-se, portanto, da recomposição do poder de compra da moeda, para compensar a inflação com a elevação nominal da prestação devida [80]".

O cômputo da correção monetária é elaborado segundo índices oficias ou sugeridos legalmente pelo Estado, em tempos de inflação (como é comum na economia brasileira e de outros países emergentes) e instabilidade da moeda, partindo da análise feita pelo perito no laudo de avaliação do bem. A renovação do cálculo da indenização é incessante, por isso obrigatória, eis que a correção da moeda recai sobre qualquer pendência pecuniária acarretada pelo decisum do Magistrado (honorários de advogado e custas, v.g.), até o dia da concretização do pagamento (Súmula 561, do Supremo Tribunal Federal) [81].

Sobre o desmonte e o transporte de maquinismos que se encontram instalados no local ou em funcionamento, o juiz deverá arbitrar ressarcimento pecuniário justo. O eminente Netto de Araújo esclarece que a previsão legal referente a esta questão (art. 25, §único, da Lei das Desapropriações) foi editada à época da Constituição de 1937, que não exigia justa indenização como a atual, portanto, o termo "poderá arbitrar quantia módica" implícito no dispositivo retro, está defasado e equivocado (por isso da nova interpretação dada a ele) [82].

Derradeiramente, quanto ao fundo de comércio, há duas possibilidades de este ser acrescido à quantia indenizatória: se o dono do fundo for o expropriado (posição jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal) ou for terceiro (caso em que este terá de postular o devido ressarcimento pecuniário via ação própria, pelo que prega o art. 26, caput, do Dec-lei 3.365/41) [83]. O comerciante pode ter sua atividade (que lhe fornece o sustento próprio e de sua família) afetada ou até mesmo encerrada pela intervenção supressiva do Poder Público, razão pela qual, esse "fundo" adquirido pelo trabalhador do comércio precisa ser indenizado, tendo em vista a privação deflagrada.

Urge aclarar que na expropriação para fins de reforma agrária a indenização será fixada consoante a Lei Complementar nº. 76/93 (com mudanças feitas pela Lei Complementar nº. 88/96 e pela Medida Provisória nº. 2.183/2001) c/c as Leis nº. 8.629/93, fundamentalmente no que se refere ao art. 12 em seu inteiro teor, e nº. 8.177, em seu art. 18, §§3º, 4º e 6º.

3.10. Imissão Provisória na Posse

Imissão provisória na posse é o meio pela qual a Administração Pública, no preâmbulo da lide, tem a integralização antecipada do dominium do bem que deu ensejo à desapropriação ao patrimônio público. Também chamada de "imissão prévia na posse [84]", esse tipo interventivo só terá a concessão judicial caso o expropriante preencha os três requisitos impostos pelo disposto no art. 15, do Dec-lei 3.365/41, a saber: o pagamento do valor prévio, calculado com arrimo nos critérios estabelecidos pela legislação; a alegação de urgência, feita no decorrer do processo contencioso (a qualquer momento) ou, ainda, no ato expropriatório mesmo; e o requerimento da imissão provisória na posse dentro do prazo de quatro meses (120 dias), contados a partir da urgência alegada pelo Poder Público [85]. Oportuna se mostra a contribuição do jurista Juarez Freitas ao explanar esse tema:

Assim, se, e somente se, o expropriante, alegando urgência, previamente depositar a quantia considerada efetivamente como justa — em avaliação judicial provisória —, o julgador mandará imiti-lo, sem definitividade, na posse do bem. Tal imissão, no entanto, não deverá prosseguir sendo feita independentemente da ciência do réu, porquanto não é suficiente qualquer depósito, para este fim, pois há de ser depósito justo. A ciência torna-se imperiosa para que se assegure o contraditório em torno da própria justiça do valor a ser depositado [86] . [grifo nosso]

Prédios residenciais urbanos que sejam habitados pelo próprio dono ou por terceiro, que seja firmatário de promessa de compra e venda devidamente inscrita no Registro de Imóveis, têm o seu tratamento delimitado pelo Dec-lei 1.075/70. Segundo o dispositivo retro, caso o proprietário do bem não concorde com o valor oferecido, terá o direito de impugnar o preço, dentro do prazo de cinco dias, contados a partir da intimação deste. Vale lembrar, que o valor atribuído à res é aquele que, no entender do Poder Público, figura como o mais coerente. No caso de haver a impugnação, o Magistrado indicará um perito (se for preciso) para que seja elaborado um laudo sobre o bem objeto da expropriação, que deverá ser entregue em até cinco dias. Desta sorte, o juiz, em 48h, determinará o preço provisório do bem.

Quando o valor determinado na perícia for maior que o dobro da quantia ofertada, terá o autor da desapropriação de efetuar a complementação do que foi depositado, até alcançar 50% da quantia temporária, não excedendo a 2.300 salários mínimos. É garantido ao proprietário o prosseguimento na lide, mesmo que venha a levantar o valor arbitrado pelo juiz, como a lei lhe faculta.

De outra banda, se o preço apurado no laudo pericial for menor que o dobro do ofertado ou igual, poderá o particular levantar 80% da quantia oferecida pelo Estado ou 50% da quantia determinada no laudo de perícia. O processo continuará sua tramitação legal, computando, ao final, o preço verdadeiro da coisa que constitui o objeto da expropriação.

Ora, é consabido que a Administração Pública quase sempre tem a sua oferta impugnada pelo particular, pois propõe valores irrisórios pelos bens daquele. Também é notório que o perito costuma demorar muito mais que cinco dias para avaliar um bem, até porque, mesmo sendo orientado no sentido de definir um valor prévio — o que, a priori, custaria menos dispêndio de tempo — ele examina o bem com a idéia de atribuir-lhe um preço definitivo.

Destarte, o processo de desapropriação, inclusive na imissão provisória da posse, acaba tornando-se prolixo, ao passo que demora mais tempo do que deveria. Assim, a celeridade processual é severamente prejudicada, acarretando uma resolução tardia quanto à expropriação do bem, ao mesmo tempo que afeta o sistema num todo, devido à morosidade a que as ações de intervenção supressiva estão sujeitas.

Não obstante, tem-se também um tratamento relativo à imissão prévia de posse no caso do restante dos bens imóveis, isto é, aqueles que não se encontram sob a regência do Dec-lei 1.075/70. Essa tomada temporária da posse do bem pretendido na desapropriação é feita por meio do depósito da quantia arbitrada para efeitos fiscais. Em outras palavras, a imissão se faz através do depósito da quantia fixada ao bem, para efeitos de cobrança do imposto territorial ou predial. Nestes termos, se o expropriado demonstrar aquiescência quanto à quantia depositada como meio indenizatório, perfectibilizar-se-á a expropriação, havendo, deste modo, a possibilidade de o particular levantar o valor integral. Entretanto, in casu de não haver concordância a respeito da importância oferecida, nos moldes propostos pelo art. 33, §2º, da Lei das Desapropriações, poderá o proprietário da res levantar 80% do depositado e, mesmo assim, seguir discutindo no processo o preço que julga ser o mais justo como forma de ressarcimento pela retirada compulsória do seu imóvel.

3.11 Destino dos Bens Desapropriados

3.11.1 Casos em Geral

A regra geral na expropriação é a de que, após a consumação da intervenção supressiva, o bem retirado do patrimônio privado passe a integrar o público. Nesta senda, a res é repassada à pessoa que atuou como autora da expropriação, podendo ser ela política federativa (União Federal, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), ou pública ou privada que tenha representado a Administração Pública via serviços públicos delegados (conforme já foi exposto no ponto 2.7 referente aos sujeitos da relação jurídica de expropriação).

Contudo, há casos especiais em que a desapropriação é realizada com o fito de transferir o bem desapropriado a terceiros, logo, não o integrando ao patrimônio público. Nesta linha de raciocínio, Carvalho Filho ensina que é juridicamente inviável a transferência direta do bem ao terceiro, eis que a res deverá ingressar primeiro no patrimônio do expropriante e, somente após, no patrimônio de terceiros, a quem vai incumbir a utilização e o desfrute desta [87]. Conclui-se, então, que aqueles bens endereçados ao patrimônio do expropriante ingressam de modo permanente neste, obtendo o status de bem público. Em contrapartida, os que são endereçados ao patrimônio de terceiros integram de maneira transitória o rol de bens pertencentes ao Estado, para depois, num segundo momento, tornar-se novamente propriedade de particulares (porém sob a administração de um novo dono).

Os casos especiais de desapropriação, destacados no parágrafo supra, são: a desapropriação por zona, para fins de urbanização, para fins de formação de distritos industriais, por interesse social, para assegurar o abastecimento da população e a título punitivo, quando incide sobre terras onde se cultivem plantas psicotrópicas [88]. A seguir serão explanados aqueles que ainda não foram apresentados pelo presente trabalho.

3.11.2 Desapropriação por Zona

Também chamada de "desapropriação extensiva", esta forma interventiva especial é conceituada por Celso Antônio Bandeira de Mello do seguinte modo:

Desapropriação por zona é a desapropriação de uma área maior que a necessária à realização de uma obra ou serviço, por abranger a zona contígua a ela, tendo em vista ou reserva-la para ulterior desenvolvimento da obra ou revende-la, a fim de absorver a valorização extraordinária que receberá em decorrência da própria execução do projeto [89] [não sublinhado no original].

Instituto preconizado no art. 4º, do Dec-lei 3.365/41, a expropriação extensiva, para ser eficaz, no momento da declaração de utilidade precisa detalhar qual a área que será destinada ao serviço ou obra pública, e qual a área que haverá de ser aproveitada com a evolução da obra ou revendida — partindo-se do pressuposto de que terá valorização extraordinária futura. O insigne Seabra Fagundes dá à desapropriação por zona que visa a revenda do bem a nomenclatura de "expropriação de zona extraordinariamente valorizada", elucidando o motivo porque esta se trata de um "substantivo da contribuição de melhoria":

O Estado, ao invés de cobrar do beneficiário um tributo correspondente ao aumento de valor, que a obra pública acarrete aos imóveis adjacentes, chama estes imóveis ao seu patrimônio pelo preço antecedente à realização da obra, e, alienando-os posteriormente, beneficia-se com a diferença entre o preço da aquisição e o de revenda [90].

Como se percebe, é uma posição de considerável comodidade para a Administração Pública que, nas duas espécies de desapropriação por zona, aguarda uma futura valorização do bem, resultante das obras públicas realizadas em cima dele. Assim, o Estado tem a possibilidade de cobrar a contribuição de melhoria ou de expropriar a área contígua que será valorizada para, após o fim das obras, revende-la, gerando lucro através da diferença entre o valor pago a título de indenização e o da revenda (corroborando o que afirma Seabra Fagundes na citação supra). Cumpre salientar que o momento para ser feita esta expropriação é antes da realização da obra.

Em que pese ter a sua constitucionalidade contestada por parte da doutrina [91], sob a alegação de que visa somente o lucro e não a utilidade pública, ou, ainda, porque a Magna Carta Brasileira (art. 145, III) impõe a contribuição de melhoria como meio idôneo de obter valorização à custa de obra pública (e não a desapropriação), esse modo de intervenção estatal na propriedade, mesmo assim, tem tido o aval da jurisprudência em seus decisuns para prosseguir normalmente.

3.11.3 Desapropriação Urbanística

Desapropriação urbanística, reurbanização ou desapropriação para fins urbanísticos é aquela intervenção estatal compulsória que almeja a alteração ou a elaboração de planejamentos voltados para a urbanização de cidades, por meio da inevitável supressão de alguns bens imóveis do patrimônio de seus respectivos proprietários.

Arrimada no art. 5º, "i", da Lei das Desapropriações [92], a expropriação urbanística encontra seu suporte fático na utilidade pública. Na letra de Arnaldo Rizzardo, pela interpretação do dispositivo retro, é possível especificar que:

Engloba a previsão vasta gama de obras, como ruas, vilas, caminhos, estradas de rodagem, estradas de ferro, estações rodoviárias e ferroviárias, vias elevadas, pontes, rios, canais, portos, parques, praças, jardins, bosques, a erradicação de favelas e a implantação de distritos industriais com a venda de lotes após a instalação. Averbe-se que a expressão ‘logradouros públicos’ abrange praças, parques, lagos, jardins e outros locais de diversões, passeios e tráfego, como ruas, estradas, rodovias, avenidas, pontes, calçadas, becos, entradas e caminhos [93] [não sublinhado no original].

A Administração Pública tem a necessidade de agir rapidamente no sentido de determinar, com antecedência, os projetos de urbanização (ou reurbanização) que serão feitos. Isso se deve ao fato de que este tipo expropriatório normalmente abrange grandes extensões territoriais, podendo até retirar a propriedade de um considerável número de pessoas moradoras de um bairro inteiro.

Faz-se mister exaltar que as edificações e as áreas que ultrapassaram o que foi projetado são passíveis de alienabilidade, cabendo a preferência de compra, neste caso, aos donos das áreas que foram urbanizadas (ou reurbanizadas) [94]. Neste mesmo diapasão, Dallari leciona com maestria que:

Não se pode perder de vista que nem todo plano de urbanização implica necessariamente desapropriação. Seria, sem dúvida, bem melhor atingir o resultado final almejado pelo Poder Público sem ter que desapropriar e graças a um comportamento conveniente voluntário dos particulares, simplesmente estimulados ou induzidos pela Administração [95] [não sublinhado no original].

Desmistificando a teoria de Dallari, quer-se afirmar que em determinadas situações concretas, o ato de urbanizar pode até ficar a critério dos donos das propriedades expropriadas, conquanto que desempenhem o proposto no planejamento oficial que deu origem a essa expropriação, tornando efetivas as prescrições como obra ou serviço público de responsabilidade do Estado. Se hipoteticamente os particulares agirem em conformidade com o plano arquitetado, não há razão de existir uma futura intervenção do Poder Público.

3.11.4 Desapropriação para Fins de Construção

A modalidade de expropriação para fins de construção ou ampliação de distritos industriais encontra-se disposta no art. 5º, in fine, do Dec-lei 3.365/41, sob as limitações referidas pelos §§ 1º e 2º do mesmo artigo. O §1º impõe que a ampliação ou construção de distritos industriais deverá incluir o loteamento das áreas necessárias à instalação de indústrias e atividades relacionadas (o mesmo ocorrendo com a locação ou revenda dos lotes para empresas previamente qualificadas). Já o § 2º é mais sucinto, mas não menos impositivo, ao passo que obriga este tipo de desapropriação a ser antecedido de prévia e expressa aprovação do projeto de implantação a que corresponde.

3.11.5 Desapropriação por Interesse Social

No que tange à desapropriação por interesse social, tal como acontece na desapropriação com fins para a reforma agrária [96], a transmissão de propriedade a particulares dá origem ao próprio fim a que a medida se dedica. Assim, aqueles cidadãos que forem favorecidos pela distribuição de bens imóveis, via reforma agrária, receberão este benefício na forma de títulos de concessão de uso ou de domínio (não negociáveis por 10 anos), conforme a previsão do art. 189, da Constituição Federal.

Outro caso que merece menção é o disposto no art. 182, § 4º, da Lei Fundamental [97]. O propósito deste meio de expropriação é garantir o correto aproveitamento do solo urbano por seu parcelamento e edificação. O substrato constitucional é que dá ensejo à possibilidade de transmissão, como no caso expropriatório anterior, estando esta definida no art. 8º, §5º, da Lei 10.257/01 [98]. Os deveres e obrigações provenientes de parcelamento, edificação ou utilização, os quais a pessoa do desapropriado era sujeito, caberão aquele que assumir o dominium do bem imóvel, seja via concessão de uso ou por alienação. Em não havendo o cumprimento das medidas exigidas para o exercício da posse desta propriedade, ficará o "novo dono" sujeito às punições impostas no art. 182, §4º, da Magna Carta, podendo até perder a res por intermédio da expropriação.

A terceira espécie de expropriação por interesse social está inserida no art. 5º, XXIV, da Lei Fundamental [99]. A situação é muito similar a dos dois tipos anteriores. A Lei nº. 4.132/62 reza que os bens objetos da expropriação destinar-se-ão a quem for apto para dar-lhes o caminho social previsto. Isso poderá ser feito por meio de locação ou venda, não se admitindo doações, até porque, estas não se encontram expressas na legislação.

3.11.6 Demais Casos

Os outros casos em que a propriedade particular não é destinada a fazer parte do patrimônio público (logo, não se tornam bens públicos de modo definitivo, apenas provisório) são os que se seguem:

  • As expropriações com intuito de garantir o abastecimento populacional, com arrimo nos art.2º, III, da Lei Delegada nº. 4, de 26 de setembro de 1962 e art. 5º, "e", da Lei das Desapropriações;

  • A expropriação de terras onde se cultivam plantas psicotrópicas — matéria já analisada no ponto 2.6 — as quais serão endereçadas ao assentamento de colonos para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, consoante o art. 243, da Constituição Federal.

Nos termos do art. 15, § único, da Lei 8.257/91, in casu de a terra expropriada não ter o seu destino previsto consolidado em 120 dias, far-se-á a sua reserva através do ingresso desta no patrimônio da União federal, aguardando até que as condições vitais para tanto sejam preenchidas. Seria um tipo de incorporação temporária ao rol de bens da União, visando a satisfação do que foi tratado na ação de expropriação.

3.12 Desapropriação Indireta

Para muitos doutrinadores a desapropriação indireta não constitui um tipo expropriatório [100]. Isto se deve ao caráter ilícito de que este fato jurídico se reveste. Como a expropriação é um instituto do Direito que goza de legalidade, não seria possível enquadrar a expropriação indireta no rol das suas modalidades. Nestes termos, pode-se conceituar a desapropriação indireta, apossamento administrativo ou desapossamento como sendo o ato administrativo pelo qual o Estado, sem o consentimento do proprietário do bem, adquire definitivamente um imóvel particular, com base em interesse público. Cumpre gizar que este apossamento administrativo tem a sua consumação apenas no instante em que a res se incorpora de modo definitivo ao Estado. Consumada a tomada da posse, não há como o particular reverter a situação. Sobre a ilicitude do desapossamento, Bessone leciona que:

Não há lei regulamentando a matéria, nem mesmo para definir-lhe os requisitos essenciais. Tudo cai, assim, no terreno do arbítrio. A combinação dos incisos XXII e XXIV do art. 5º da Constituição Federal evidencia que só a lei pode dispor sobre qualquer forma de desapropriação, sob pena de ofensa à garantia constitucional da propriedade. Se não há lei regulamentando, a chamada ‘desapropriação indireta’ constitui extravagância, ainda que placitada pelos mais altos Tribunais do País [101].

O art. 159, do Código Civil Brasileiro [102], concede ao dominus do bem o direito à ação ordinária de indenização contra a Administração Pública, nos casos relativos ao apossamento administrativo. No entanto, Maluf enfatiza que existem determinados requisitos indispensáveis para o ajuizamento desta ação, sem os quais não é possível postular esse direito: "um deles é que o particular comprove o domínio do imóvel através de uma certidão de filiação expedida pelo Registro de Imóveis; o outro é que ele comprove que vem pagando regularmente seus impostos territoriais urbanos (expedidos pelas prefeituras) ou rurais (expedidos pelo INCRA) [103]".

O prazo para a propositura da ação indenizatória é de quinze anos [104] em face do Poder Público não dispor de justo título e boa-fé no ato de desapropriar, o que caracteriza uma forma de usucapião extraordinário [105].

Assim, além de ter que pagar o valor principal, a Administração Pública terá de arcar com o pagamento de juros moratórios de 6% ao ano a partir do trânsito em julgado, juros compensatórios de 12% ao ano desde a data da ocupação, custas e despesas processuais, honorários advocatícios, salários de peritos, correção monetária, publicação de editais, entre outras questões necessárias que norteiam a ação que objetiva o ressarcimento pecuniário a que o particular faz jus.

3.13 Retrocessão

3.13.1 Pontos Gerais

Retroceder é o mesmo que ir para trás, regredir, recuar, desistir de um intento [106]. Com previsão no art. 519, do Código Civil Brasileiro [107], a figura jurídica da retrocessão tem o seu significado exarado por Bielsa do seguinte modo:

Cuando la cosa no se destina a la utilidad pública, esto es, cuando el supuesto en que funda la expropiación no se cumple, cesa el derecho que la causa expropiadora atribuye al sujeto activo (expropiador), al paso que renace el derecho del sujeto pasivo (expropiado) y éste puede, entonces, incorporar la cosa en su patrimônio devolviendo lo que recibió por ella. Al no destinarse la cosa al objeto que justificó la expropiación, no hay causa, por lo que cesa la razón legal para mantener la propiedad, y cessante causa legis, cessat lex [108].

Assim, o particular readquire o imóvel que lhe havia sido expropriado, havendo a devolução do bem por parte do expropriante e da quantia indenizatória pelo proprietário. O eminente Cretella Júnior estabelece duas modalidades de retrocessão: "retrocessão parcial é a que ocorre quando, executada a obra pública, uma determinada parte do imóvel permanece desaproveitada por não ter recebido a destinação prevista; retrocessão total é a que ocorre quando o imóvel não é utilizado, em toda a sua extensão, em virtude de a obra pública não ter sido executada [109]".

É imperioso explanar que, para ter direito à ação de retrocessão, não basta o bem expropriado não ter a destinação projetada na ação expropriatória, eis que, além disso, não pode ser utilizada para serviços ou obras públicas. O que configura este instituto, além da hipótese recém mencionada, é o desvio de finalidade (também conhecido como tredestinação) ou, ainda, a transferência a terceiros, nos casos em que não há essa possibilidade. A doutrina dá o nome de "tredestinação lícita" quando da mudança legal do fim da desapropriação (de uma finalidade inicial pública para uma finalidade consumativa também pública). Pode, v.g., a Prefeitura do município de Porto Alegre desapropriar um determinado terreno pertencente a Fulano de Tal, inicialmente, com intuito de construir um posto de saúde, e depois modificar para a construção de uma delegacia de polícia, que não estará dando ensejo a uma futura ação de retrocessão. Diz o jurista argentino Roberto Dromi que "tal acción opera como un derecho patrimonial transmisible, que puede ser ejercido tanto por su titular (el expropiado) como por sus sucesores a titulo univeral o singular [110]".

3.13.2 Tredestinação

Tredestinação é destinar o bem expropriado a outra finalidade que não a planejada inicialmente. A tredestinação "ilícita" tem a ver com a retrocessão, se caracterizando por ser uma real desistência da expropriação. Isso ocorre, conforme já foi exposto, nos casos em que o Poder Público pratica desvio de finalidade ou transmite o bem a terceiros (quando não é possível). Nesta senda, a intervenção supressiva acaba se tornando ilegítima, até porque foge ao seu objetivo originário. Giza-se que a demora na utilização do bem não configura tredestinação.

De mais a mais, há também a tredestinação "lícita", na qual a Administração dá uma destinação diversa da projetada na ação expropriatória, tal como na ilícita, porém, com mantença do interesse público. Nesse sentido, Carvalho Filho aclara que "o motivo expropriatório continua revestido de interesse público, tendo-se alterado apenas um aspecto específico situado dentro desse mesmo interesse público [111]". Logo, não há falar em ilicitude, neste caso específico, eis que o fim da expropriação foi desviado, mas não o seu atributo ensejador (o interesse público).

3.13.3 Prescrição

A ação de retrocessão prescreve no prazo de cinco anos, consoante Decreto nº. 20.910/32, o qual consignou a prescrição qüinqüenal a favor da Administração. Segundo dispõe o art. 189, do Código Civil Brasileiro [112], a contagem deste prazo se inicia no momento em que o Estado se definir pela desistência demonstrada na consecução das metas da expropriação do bem — ato este que resulta em violação ao direito do dominus — e não quando do encerramento da desapropriação.

3.14 Desistência

Até o instante da integração da res ao patrimônio público (quando se torna um bem público, de fato), é possível que haja a desistência da expropriação. No caso dos bens móveis a desistência pode se dar até a hora da tradição (a entrega do bem do expropriado para o expropriante), enquanto nos imóveis é até o trânsito em julgado da sentença ou o registro do título resultante do acordo celebrado entre as partes. Se não for manifestada a desistência nestes moldes, mas sim após o momento oportuno para requerer-la, haverá somente a possibilidade de postular ação de retrocessão, eis que a transmissão do dominium esgotou as chances de desistir da expropriação.

A desistência se perfectibiliza pelo retorno do bem desapropriado ao patrimônio do particular (no mesmo estado em que se encontrava quando da intervenção supressiva) e pelo cancelamento da desapropriação. O professor Guilherme Pinho Machado, sobre a possibilidade de o bem não ser entregue ao proprietário nas mesmas condições em que passou às mãos do Estado, ensina que:

O bem só não será devolvido se tiver sido deteriorado, revendido, ou tiver recebido outra finalidade pública. Nesses casos em que se torna impossível a devolução do bem é que pode o expropriado buscar indenização relativa à perda do imóvel por uma finalidade pública que acabou não se consumando. Essa indenização seria calculada pela diferença entre o valor do bem na data em que ele deveria ter sido oferecido e o valor que recebeu o expropriado como indenização [113].

Caso o ato da desistência goze de eficácia jurídica, em existindo alguma ação ajuizada, o processo será extinto ou o acordo será conhecido como nulo.


4. Conclusões

No choque impetuoso entre dois interesses de cunhos diversos, um de natureza pública e outro de natureza particular, o embate se soluciona em favor do interesse "maior", isto é, o de natureza pública, devendo este, se sobrepujar ao segundo em face da relevância que abarca. Notadamente, vigoram os Princípios da Supremacia do Interesse Público (sobre o particular) e da Indisponibilidade do Interesse Público.

A problemática exposta se manifesta com mais força e energia, considerando que a sistemática jurídica brasileira não fornece quaisquer regramentos práticos para a resolução dos conflitos entre interesses públicos que possam vir a surgir. Deste modo, é que emergem maneiras distintas de se interpretar a normatização legal, consoante a ótica e a posição adotada pelo intérprete.

Certo é que o poder de expropriar concedido à Administração, oriundo de sua soberania sobre todas as coisas que se localizam em seu âmbito de atuação, é tipicamente um ato de império (jus imperii), eis que ao dono da propriedade é imposto o seu estrito cumprimento, por meio da coercibilidade. Esse mesmo poder administrativo tem guarida no Princípio Constitucional do Interesse Público, o qual denota ações ágeis e eficientes por parte do administrador público, levando-se em conta as necessidades da coletividade. Disso depreende-se que entre todas as modalidades previstas de intervenção do Estado na propriedade privada, a expropriação é, sem sombra de dúvidas, a mais ríspida, ao passo que se perfectibiliza através da transferência compulsória de um bem do patrimônio privado para o patrimônio público ou até mesmo para outro privado, mediante prévio e justo ressarcimento pecuniário.

Outrossim, a Carta Política de 1988 categoricamente aditou ao nosso ordenamento jurídico uma conceituação nova de atuação do Estado. A Administração Pública abandonou suas características unilaterais e passou a vislumbrar embevecidamente maneiras nitidamente mais solidárias em seu agir. É o que a doutrina consagrou como "passagem do Estado-particular para o Estado-social", cujo seu apogeu vai de encontro ao direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF) e suas correspondentes restrições determinadas pelo próprio estatuto constitucional, como a obrigação em honrar a sua função social (art. 5º, XXIII, da CF) e o poder de desapropriar delegado ao Estado (art. 5º, XXIV, da CF). Neste diapasão, a expropriação toma forma como um verdadeiro corolário da prescrição constitucional em que "a propriedade atenderá a sua função social" (art. 5º, XXIII, da CF). Assim, não há falar em expropriação sem qualquer liame com a conceituação de "função social da propriedade", em que pese se tratar da incidência do art. 243, da Magna Carta Brasileira, no qual o cunho sancionatório submete o bem imóvel direcionado ao cultivo ilícito de plantas psicotrópicas ao "confisco".

Ora, uma desapropriação em que os preceitos legais são respeitados é plenamente aceitável, se formos nos ater à cultura romano-germânica que predomina em solo brasileiro. Exagero é fazer "vistas grossas" a um mal que cada vez mais se mostra evidente e que mina a credibilidade da sistemática jurídica do Brasil, batizado como "desapropriação indireta". A nossa opinião corrobora no mesmo sentido traçado pela doutrina majoritária brasileira. É inadmissível que o Poder Judiciário do Brasil compactue com os abusos patrocinados pela Administração, no que se refere à usurpação de imóveis privados. Não se pode estimular uma atitude administrativa que seja desprovida de qualquer autorização, e que em seu âmago, não tenha preenchidos dois dos requisitos basilares de uma desapropriação comum (declaração e indenização prévia). Afrontar a propriedade particular, ainda mais sem conceder o direito à ampla defesa e ao contraditório, é o mesmo que ignorar a existência da Constituição Federal do Brasil, ou até mesmo rasgá-la.

Não custa recordar que a expropriação indireta, alhures, ocorria em casos excepcionais, entretanto, nos dias de hoje, é um mecanismo usado corriqueiramente pelo Estado. Trata-se de um verdadeiro esbulho possessório, um inovar jurídico eivado de clara e incontroversa inconstitucionalidade, que deflagra, mais uma vez, o predomínio da força do mais forte (Poder Público) sobre o mais fraco (proprietário). O direito à indenização é insuficiente para recompor a moral e a honra do particular prejudicado. É preciso que o Judiciário reformule as suas ideologias imediatamente para dar um fim à série de injustiças que vêm sendo cometidas contra o tão famigerado cidadão comum brasileiro (a maior vítima desta atrocidade).


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Notas

01 BIELSA, Rafael. Derecho administrativo. 6.ed.Buenos Aires: La Ley, 1964. Tomo I. p. 146.

02 SMITH, Adam. A riqueza das nações. 2. ed. São Paulo: Global, 1985. Livro IV. Capítulo 2.

03 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 11. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 275.

04 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas: lei n° 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 191.

05 O art. 527 do Código Civil Brasileiro fornece supedâneo jurídico a esse cunho exclusivo ao prever que "o domínio presume-se exclusivo e ilimitado até prova em contrário".

06 HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 21-2.

07 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 689.

08 BASAVILBASO, Benjamin Villegas. Derecho administrativo, 1956; apudMEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 573.

09 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 575.

10 GASPARINI, Diógenes. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 670.

11 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p. 689.

12 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Estatuto da Cidade. Considerações introdutórias. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/3434/estatuto-da-cidade>. Acesso em: 27 ago. 2005.

13 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 575.

14 CARVALHO FILHO, José dos Santos. op. cit., p.691.

15 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 21.

16 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira. p. 369.

17 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p.316.

18 BUZAID, Alfredo. Ação renovatória. 1958; apud ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 993.

19 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 94.

20 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 11. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 283.

21 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 9. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 408.

22 DROMI, Roberto. Derecho administrativo. 10. ed. Buenos Aires - Madrid: Ciudad Argentina, 2004. p. 951.

23 ARAÚJO, Edmir Netto de. op. cit., p. 1007-8.

24 HARADA, Kyioshi. Desapropriação: doutrina e prática. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 35.

25 SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 60.

26 FIGUEIREDO, Pedro Henrique Poli de. Da Inconstitucionalidade dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do Novo Código Civil. In: GERMANO, Luiz Paulo Rozek(Org.); GIORGIS, José Carlos Teixeira(Org.). et tal. Lições de Direito Administrativo: Estudos em Homenagem a Octavio Germano. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 93.

27 Idem, ibidem.

28 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas: lei n° 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 398.

29 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. op. cit., p.283.

30 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. Vol. 5. p. 278.

31 "Art.35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos".

32 "Art.5º. A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade, ou por interesse social. Mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição."

33 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 319.

34 A lei 4.132/62 justifica essa desapropriação via interesse social, além de outras previsões legais esparsas.

35 Questão preconizada no art. 182, § 4º, III, da CF, acerca da desapropriação com vistas ao Plano Diretor do Município.

36 Caso com fulcro no art. 184, da CF, com relação à expropriação para fins de Reforma Agrária.

37 Exemplificando, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 152-7) fala em hipóteses de desapropriação e modalidades de desapropriação sancionatória; em contrapartida, Celso Ribeiro Bastos (op. cit., p.320) divide em desapropriação clássica e especial; mas José Cretella Júnior (Tratado de direito administrativo.1.ed.Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 132-5. Vol. 9.) classifica em desapropriação direta, indireta e condicional.

38 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 625.

39 Subdivisão esta sugerida por José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 12. ed. ver. ampl.atual. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2005. p. 735-6).

40 Legisla sobre diversos sentidos da desapropriação rural, tais como a diferenciação entre benfeitorias com propósito de indenizar e o solo, e a distribuição dos bens imóveis localizados na zona rural (a MP nº. 2.183-56, de 24/08/2001 e a Lei nº. 10.279, de 12/09/2001 modificaram este diploma legal em alguns pontos).

41 Dispositivo que estabelece as diretrizes do procedimento contraditório especial, do rito sumário, no caso desta espécie expropriatória (a LC nº. 88, de 21/12/1996 mudou alguns parâmetros desta lei).

42 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 156.

43 DROMI, Roberto. Derecho administrativo. 10. ed. Buenos Aires - Madrid: Ciudad Argentina, 2004. p. 956.

44 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 802.

45 O asseverado no art. 2º, § 2º, do Dl nº. 3.365/41, deve ser respeitado caso o sujeito passivo da relação jurídica expropriatória seja pessoa jurídica de direito público.

46 BIELSA, Rafael. Derecho administrativo. 6.ed. Buenos Aires: La Ley, 1964. Tomo IV. p. 472.

47 "Art. 2º. Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados, pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios".

48 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. São Paulo : Celso Bastos, 2002. p. 339.

49 MEDAUAR, Odete Medauar. Direito administrativo moderno. 9. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 415.

50 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p. 165.

51 "Súm.146. Desapropriadas as ações de uma sociedade, o poder desapropriante, imitido na posse, pode exercer, desde logo, todos os direitos inerentes aos respectivos títulos".

52 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 12. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2005. p. 737.

53 Idem, p. 739; MELLO, Celso Antônio Bandeira. op. cit., p. 377; MEDAUAR, Odete Medauar. op. cit., p.165 (apenas para ilustrar alguns exemplos).

54 Celso Antônio Bandeira de Mello (op. cit., p. 803) esclarece que não há possibilidade da moeda corrente do País ser expropriável por se tratar do próprio meio de pagamento do bem expropriado, mas que, todavia, dinheiro estrangeiro ou moedas raras podem ser desapropriados.

55 Segundo o art. 26, § 1º, do Dl 3.365/41.

56 FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949. p. 67.

57 MACHADO, Guilherme Pinho. Responsabilidade civil do estado e intervenção no direito de propriedade. Porto Alegre: Ed. Nova Prova, 2004. p. 90.

58 A Administração Pública não se encontra na obrigatoriedade de arcar com despesas futuras que o dominus venha a contrair com a construção feita após a declaração de expropriação ou com qualquer tipo de ressarcimento pecuniário referente. Nesta mesma senda, a Súmula 23, do STF impõe que: "Verificados os pressupostos legais para o licenciamento da obra, não o impede a declaração de utilidade pública para desapropriação do imóvel, mas o valor da obra não se incluirá na indenização, quando a desapropriação for efetivada".

59 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. 2.ed.rev.ampl. e atual. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2001. p. 146.

60 CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de direito administrativo. 1.ed.Rio de Janeiro: Forense, 1994. Vol.9. p. 237.

61 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 804-5.

62 FREITAS, Juarez Freitas. Estudos de direito administrativo. 2.ed. São Paulo: Malheiros Editores,1997. p. 96.

63 "Art. 9º. Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública".

64 "Art. 20. A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta".

65 A doutrina entende que este princípio seria infringido se a legislação não desse a chance da parte legítima suscitar dúvidas quanto a outras questões (tais como o desvio de finalidade por parte do Estado, ou até mesmo a não incidência de interesse social, necessidade pública ou interesse público). Seria o mesmo que negar o direito à ampla defesa e ao contraditório, eis que o particular teria a obrigação de aceitar a ação nos moldes em que foi proposta pela Administração Pública, sem ter a faculdade de dizer o contrário ou defender-se.

66 "Art. 4º. Intentada a desapropriação parcial, o proprietário poderá requerer, na contestação, a desapropriação de todo o imóvel, quando a área remanescente ficar:

I – reduzida a superfície inferior à da pequena propriedade rural;

II – prejudicada substancialmente em suas condições de exploração econômica, caso seja o seu valor inferior ao da parte desapropriada".

67 BAPTISTA, Débora de Carvalho; PELEGRINI, Márcia. Precatórios Judiciais Decorrentes de Expropriação - Conteúdo e Extensão do Princípio da Justa Indenização. Revista Interesse Público, São Paulo, vol. 5, n. 17, p. 80, jan/fev 2003.

68 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005. Vol. 5. p. 287.

69 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 1026-9;

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 167-9;

SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 4.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p.528 e ss; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30. ed.atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p.592 e ss.

70 BAPTISTA, Débora de Carvalho; PELEGRINI, Márcia. op. cit., p. 85.

71 "Súm. 164. No processo de desapropriação, são devidos juros compensatórios desde a antecipada imissão na posse, ordenada pelo juiz, por motivo de urgência".

72 "Súm. 618. Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% ao ano".

73 "Súm. 69. Na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel".

74 "Súm. 70. Os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em julgado da sentença".

75 Todas as dúvidas pendentes quanto ao pagamento de honorários de advogado e seus cálculos para tanto, foram sanadas quando da publicação da Lei 2.786, de 21 de maio de 1956, que inseriu um §1º ao art. 27, da Lei das Desapropriações.

76 "Súm.131. Nas ações de desapropriação, incluem-se no cálculo da verba advocatícia as parcelas relativas aos juros compensatórios e moratórios, devidamente corrigidas".

77 "Súm.141. Os honorários de advogado em desapropriação direta são calculados sobre a diferença entre a indenização e a oferta, corrigidas monetariamente".

78 FERRAZ, Sérgio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1978. p. 66-7.

79 Quase sempre quem paga essa quantia é o expropriante, eis que dificilmente a condenação será igual ao valor oferecido pelo bem. Como bem alerta José dos Santos Carvalho Filho (Manual de direito administrativo, 12. ed.rev.ampl.atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 778), com a mudança notoriamente desajustada relativa à porcentagem dos honorários de advogado (o CPC fixa os limites de 10% a 20%, enquanto o Dl 3.365/41 limita de 0,5% a 5%) e a instantânea desvalorização do trabalho profissional da classe, evidencia-se o estímulo à Administração Pública em ofertar valores bem abaixo da expectativa, tendo em vista, entre outros fatores, o percentual irrisório condizente aos valores a serem recebidos pelo procurador do réu.

80 BAPTISTA, Débora de Carvalho; PELEGRINI, Márcia. op. cit., p.88.

81 "Súm. 561. Em desapropriação é devida a correção monetária até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez".

82 ARAÚJO, Edmir Netto de. op. Cit., p. 1028.

83 "Art. 26. No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado".

84 Ela é prévia porque não é definitiva, embora possa vir a ser definitiva no futuro, ensina José Carlos de Moraes Salles (op. cit., p. 342). Apenas para constar, a imissão de posse permanente é tratada no art. 29, da Lei das Desapropriações.

85 De acordo com o art. 15, §§ 2º e 3º, da Lei das desapropriações, essa urgência não pode ser alegada novamente após o término do prazo de 120 dias, eis que o direito não terá mais como ser exercido, em face da caducidade provocada.

86 FREITAS, Juarez Freitas. Estudos de direito administrativo. 2.ed. São Paulo: Malheiros Editores,1997. p. 97.

87 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 12. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 745.

88 Foi adotada a classificação elaborada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 174-7), também utilizada por José dos Santos Carvalho Filho (op. cit., p. 746-8), por questões de didática.

89 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18. ed. rev. atual. São Paulo : Malheiros, 2005. p. 815.

90 FAGUNDES, M. Seabra. A desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1949. p.100.

91 Os doutrinadores Guilherme Pinho Machado (Responsabilidade civil do estado e intervenção no direito de propriedade. Porto Alegre: Ed. Nova Prova, 2004. p. 104-5), Celso Antônio Bandeira de Mello (op. cit., p. 816) e Kiyoshi Harada (Desapropriação: doutrina e prática. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002. p.89-91) são alguns exemplos que justificam esta teoria.

92 "Art. 5º. Consideram-se casos de utilidade pública:

(...)

i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização, o loteamento de terrenos edificados ou não para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais".

93 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas: lei n° 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 417.

94 O art. 44, da Lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que trata do parcelamento do solo urbano, prega que: "O Município, o Distrito Federal e o Estado poderão expropriar áreas urbanas ou de expansão urbana para reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação, ressalvada a preferência dos expropriados para a aquisição de novas unidades".

95 DALLARI, Adilson Abreu. Desapropriações para fins urbanísticos. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 60-1.

96 A meta da desapropriação com fins de reforma agrária é realizar a distribuição dos bens imóveis para que sejam cumpridas as suas respectivas funções sociais, de acordo com o art. 186, da CF.

97 "Art. 182, § 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I-parcelamento ou edificação compulsórios;

II-imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III-desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais".

98 "Art. 8º. Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

§5º. O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório".

99 "Art. 5º, XXIV. A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição".

100 HARADA, Kiyoshi (Desapropriação: doutrina e prática. p. 171), por exemplo, diz que "não chega a ser um instituto de direito por se tratar de um mero instrumento processual para forçar o Poder Público a indenizar o ato ilícito, representado pelo desapossamento da propriedade particular, sem o devido processo legal, que é a desapropriação".

101 BESSONE, Darcy. Direitos reais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 227.

102 "Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".

103 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Teoria e prática da desapropriação. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999. p. 269.

104 A prescrição era regida não pelo Dl nº. 20.910, de 6 de janeiro de 1932, no qual vigia o prazo de 5 anos para as ações contra a Fazenda Pública, mas o disposto no Código Civil de 1916 que previa para o usucapião extraordinário o prazo de 20 anos. Todavia, a MP nº. 2.183/01 mudou a redação do art. 10, do Dl nº. 3.365/41, propondo o prazo de 5 anos para as ações de desapossamento. Acontece que a ADIn nº. 2.260/DF foi acolhida, e como ela objetava sobre a MP nº. 2.183/01, esta foi derrogada. Fato é que o Código Civil Brasileiro de 2002 trocou o prazo para as ações de usucapião extraordinário de 20 para 15 anos.

105 "Art. 1238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis".

106 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, MiniAurélio: o dicionário da língua portuguesa. 6. ed. Curitiba: Positivo, 2004. p. 629.

107 "Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa".

108 BIELSA, Rafael. Derecho administrativo. 6.ed. Buenos Aires: La Ley, 1964. Tomo IV. p. 483.

109 CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de direito administrativo. 1.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 153.

110 DROMI, Roberto. Derecho administrativo, 10. ed. Buenos Aires-Madrid: Ciudad Argentina, 2004. p. 970.

111 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 799.

112 "Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206".

113 MACHADO, Guilherme Pinho. Responsabilidade civil do estado e intervenção no direito de propriedade. Porto Alegre: Ed. Nova Prova, 2004. p. 107.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZERBES, Marcelo Inda. Desapropriação e aspectos gerais da intervenção do Estado na propriedade privada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1294, 16 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9394. Acesso em: 24 abr. 2024.