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Uniões poliafetivas e seu possível reconhecimento como entidade familiar no Brasil

Uniões poliafetivas e seu possível reconhecimento como entidade familiar no Brasil

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Este artigo teve como questão central se as relações poliafetivas pautadas na afetividade e no livre exercício da autonomia privada são entidades familiares que merecem reconhecimento jurídico e tutela estatal.

RESUMO: Este artigo versa sobre as uniões poliafetivas e seu possível reconhecimento legal no Brasil como entidade familiar, teve como questão central se as relações poliafetivas pautadas na afetividade e no livre exercício da autonomia privada são entidades familiares que merecem reconhecimento jurídico e tutela estatal. O objetivo geral do trabalho é demonstrar que as uniões poliafetivas, com base na afetividade e no livre exercício da autonomia privada, devem ser juridicamente reconhecidas como entidade familiar, para que os envolvidos tenham seus direitos fundamentais resguardados. Utilizou-se o método dedutivo. O resultado da pesquisa demonstra que a lacuna legislativa quanto a problemática é suprida pelos princípios constitucionais fundamentais que também embasaram o reconhecimento das uniões homoafetiva o que sedimenta o reconhecimento das uniões poliafetivas. Assim, conclui-se, portanto, que por intermédio dos princípios constitucionais há possiblidade do reconhecimento das relações poliafetivas.

Palavras-chave: Poliafetividade; Constitucionalidade; Reconhecimento.


1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre as uniões poliafetivas e seu possível reconhecimento legal no Brasil como entidade familiar.

O questionamento precípuo que se pretende responder no decorrer da pesquisa é se as relações poliafetivas pautadas na afetividade e no livre exercício da autonomia privada são entidades familiares que merecem reconhecimento jurídico e tutela estatal.

A pesquisa se justifica no meio acadêmico pelo fato de que a sociedade se encontra em um constante processo de mutação, em todos os aspectos, em especial às satisfações dos anseios emocionais e afetivos, para tanto é essencial que o arcabouço legislativo acompanhe tal evolução de modo que evite lacunas na legislação para fins de atender os jurisdicionados e manter a ordem.

A discussão de um projeto de lei advém da existência de um desejo que lhe contrapõe, tal desejo se faz abundante levando em consideração o grande número de casais buscando o matrimônio que ao menos por ora não foi reconhecido.

Tendo em vista que linhas teóricas giram em torno de que as morfologias familiares atuais não se encontram mais vinculadas ao casamento formal e solene de tempos remotos, no dizer de Dias (2010, p. 1): As pessoas passaram a viver em uma sociedade mais tolerante e, por se sentirem mais livres, buscam a realização do sonho pessoal sem se sentirem premidas a ficar dentro de estruturas pré-estabelecidas e engessadoras.

Com o surgimento do Estado Democrático de Direito, bem como da promulgação da Constituição Federal (CF/88), elencados no princípio da dignidade da pessoa humana, a estrutura familiar passou a conter maior tutela estatal, mormente, ampliando o conceito de família, por sua vez reconhecendo famílias diversas das tradicionais, deixando claro que não são caracterizadas somente na linhagem biológica, como também na afetiva. A respeito, Madaleno (2015 p. 36), comenta quanto os conceitos tradicionais de família:

A família matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica, institucional vista como unidade de produção cedeu lugar para uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumenta.

Como cediço, a família tradicional traz sua essência voltada na procriação, contudo, em dias atuais essa essência torna-se recessiva, assim entende Baptista (2014, p. 30): A base da família deixou de ser procriação, a geração de filhos, para se concentrar na troca de afeto, de amor, é natural que mudanças ocorressem na composição dessas famílias.

Com essa perspectiva de família moderna ergue uma estrutura familiar chamada poliafetiva, tendo como alicerce a afetividade, o amor e o respeito recíproco entre os integrantes, ou seja, esse vínculo conjugal múltiplo e simultâneo de três ou mais pessoas unindo-se em sentimentos mútuos.

Neste aspecto, Dias (2010, p. 1), assevera sobre a evolução do reconhecimento da entidade familiar: [...] Ocorreu uma verdadeira democratização dos sentimentos, na qual o respeito mútuo e a liberdade individual foram preservados [...].

Dessa forma, ao se referir às uniões poliafetivas imediatamente torna-se consubstanciado o processo de reconhecimento das uniões homoafetivas julgado procedente por unanimidade em 2011 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), embora seja uma natureza de família não pluralista, não foge do preconceito social, o qual foi superado pelos princípios constitucionais da autonomia privada e da dignidade humana.

Assim como as uniões homoafetivas tiveram seu reconhecimento, as uniões poliafetivas também tem seu merecimento, e sobrevindo tal reconhecimento as decisões agregarão volumosamente o direito em geral, mas principalmente o familiar, fazendo com que seja revista as regulamentações legais, as quais são voltadas apenas para os relacionamentos monogâmicos.

Embora que ainda não reconhecida a união poliafetiva, nada impede que os integrantes tenham seus relacionamentos informalmente, neste giro, vendar os olhos para a aparição desses vínculos, não fará com que deixem de existir, por isso é evidente a tamanha importância deste respaldo aos envolvidos direto ou indiretamente.

O objetivo geral do trabalho é demonstrar que as uniões poliafetivas, com base na afetividade e no livre exercício da autonomia privada, devem ser juridicamente reconhecidas como entidade familiar, para que os envolvidos tenham seus direitos fundamentais resguardados.

Os objetivos específicos são: a) compreender com base na doutrina que o conceito de família evolui e se transmuta constantemente; b) averiguar se por meio dos princípios da dignidade humana, autonomia privada e pluralismo familiar, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça da união estável poliafetiva com entidade familiar; c) analisar o posicionamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) voltado às escrituras públicas de união civil poliafetivas.

Assim, o primeiro capítulo do presente trabalho será voltado para as estruturas e princípios familiares, o segundo capítulo cuidará do conceito poliafetivo, pluralismo familiar, da semelhança do julgado homoafetivo e os posicionamentos jurisdicionais sobre o reconhecimento da família paralela e seus fundamentos.

Para alcançar os objetivos propostos, a presente pesquisa utiliza-se a metodologia do trabalho jurídico que segundo Bittar (2015, p. 53) é voltada ás instruções práticas para a formatação e a compreensão da engrenagem de técnicas de organização do trabalho jurídico científico. Quanto ao método utilizou-se o dedutivo que corresponde a extração discursiva do conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a hipóteses concretas. (BITTAR, 2015, p. 34), que procedem do geral para o particular, com a técnica exploratória bibliográfica.

O resultado apresentado vislumbra que a lacuna legislativa quanto a problemática é suprida pelos princípios constitucionais fundamentais que por coincidência foram os mesmos embasador no reconhecimento da união homoafetiva o que sedimenta o reconhecimento das uniões poliafetivas.


2 FAMILIA

A origem familiar, de modo direto, está atrelada à cronologia da civilização, visto que se ergueu como um fenômeno naturalista, efeito da carência dos integrantes da sociedade em constituir relações afetivas de maneira estável.

Nesta concepção é importante salientar que a família brasileira primitiva tem como alicerce na sistemática formulada tanto pelo direito romano quanto pelo direito canônico (WALD, 2004, p. 9).

A formação da família romana era constituída por um conjunto de pessoas e bens, os quais eram submissos a um líder, denominando assim o pater famílias, portanto, a comunidade primitiva foi nomeada como família patriarcal onde os membros reuniam-se para cultos religiosos com o intuito políticos e econômicos.

Sobre o assunto, discorre Pereira (1991, p. 23):

Sob a auctoritas do pater familias, que, como anota Rui Barbosa, era o sacerdote, o senhor e o magistrado, estavam, portanto, os membros da primitiva família romana (esposa, filhos, escravos) sobre os quais o pater exercia os poderes espiritual e temporal, à época unificados. No exercício do poder temporal, o pater julgava os próprios membros da família, sobre os quais tinha poder de vida e de morte (jus vitae et necis), agindo, em tais ocasiões, como verdadeiro magistrado. Como sacerdote, submetia o pater os membros da família à religião que elegia.

Gonçalves (2017, p.31), corrobora:

O pater exercia a sua autoridade sobre todos os seus descendentes não emancipados, sobre a sua esposa e as mulheres casadas com manus com os seus descendentes. A família era, então, simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional.

Pelos princípios regimentais, o direito romano teve aptidão de estruturar a família, tendo em vista que até aquele momento a família era estruturada através dos costumes, sem regimento jurídico, dessa forma o alicerce da família evoluiu ao casamento já que só existira família se acontecesse o casamento (LEITE, 1991, p. 57).

A Igreja Católica, por meio do avanço do Cristianismo, passou a disciplinar o casamento reconhecendo-o como um sacramento (CAVALCANTI, 2004, p. 31), dessa forma, incumbiu ao Direito Canônico regular o casamento o qual é o meio exclusivo do advento da família.

Na época imperial só havia reconhecimento do casamento católico (in facie Ecclesiae), em face de que essa era a religião principal no país, sendo assim as partes aptas ao casamento somente seria aquelas que seguiam o catolicismo, primordialmente essa exigência não causou inconveniência em razão de que as pessoas, em sua maior parte, eram católicas. O cenário foi tomando rumo diverso com o desenvolvimento populacional consequente da imigração, o que ensejou o aumento da população não católica. Pessoas que acreditavam em outro entendimento religioso não atendia o requisito para contraírem o casamento, ficando assim impedidas (CAVALCANTI, 2004, p. 31).

Partindo dessa premissa, a igreja possuía domínio absoluto dos regimentos concernentes ao matrimônio, sendo ela única competente para estabelecer regras e condições, tal regimento parte o exposto do Concílio de Trento de 1523 e das Constituição do Arcebispo da Bahia (RIZZARDO, 1994, p. 29).

A partir de então o Estado passou a intervir diretamente fundando o casamento misto e que por meio dele seria possível unir pessoas ligadas a seitas contraditórias, à vista disso no período colônia e imperial brasileiro tinham três maneiras diferentes de casamento: o casamento misto, o casamento católico e o casamento entre pretendentes de seitas divergentes (PEREIRA, 1997, p. 40).

Com a aparição dos colonizadores, na época colônia, ficou comum às relações amorosas oriundo do convívio entre europeus e indígenas, o que ainda não se considerava família tendo em vista que os europeus se fundavam nas normativas ditas pela igreja católica, por sua vez, tal conduta infringia os preceitos religiosos e morais (PEREIRA, 1997).

Em tempos de escravidão, os indígenas por sua resistência fizeram com que os portugueses trouxessem mão de obra africana, com isso, ao se instalarem em território brasileiro principiou uma forte miscigenação proveniente dos costumes, crença e comportamento, que aos olhos do catolicismo era condenável. Após do meio século XVIII com a promulgação da Lei do Marquês / o matrimônio entre pagãos e brancos foi concedido, graças a abolição da escravidão indígena (CHIAVENATO, 1999).

Portanto detecta-se que tanto o Direito Canônico através do regimento de caráter moral elaborado e compulsório pelo catolicismo, no tocante ao outro regimento definido pelos portugueses, mantiveram toda as famílias fiscalizadas e vigiadas (CHIAVENATO, 1999).

O desenvolvimento da família brasileira é decorrência da fusão de culturas e raças quando tentado uma manipulação acentuada e repressiva imposta pela igreja católica, essa apuração é importante para entendimento do avanço da família.

Pelo exposto, tem-se que a família brasileira antes da Constituição Federal de 1988 era protegida por direitos, ainda, conhecida como família patriarcal com destaque na figura paterna onde a mulher era submissa, matrimonialista e patrimonialista, induzida pelo Direito Romano e Canônico.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, as estruturas familiares foram reiteradas e não mais baseada aos núcleos idealizados sob o casamento, havendo uma revolução no direito de famílias onde passou a ser tutelada outras uniões, as quais não fossem ligadas tão somente ao casamento e sim à afetividade.

Com isso foi tutelada como famílias as monoparentais e as uniões estáveis, isto porque houve a concepção de que a realidade social não era mais as mesmas, estando em constante transformação, autorizando a aceitação de outros vínculos informais de famílias.

A afetividade tornou-se parâmetro para a estruturação das novas famílias, tendo em vista que não limitou as relações sendo monogâmicas, sobre a pauta afetiva Barros (2010, não paginado), leciona:

O direito ao afeto é a liberdade de afeiçoar-se um indivíduo a outro. O afeto ou afeição constitui, pois, um direito individual: uma liberdade, que o Estado deve assegurar a cada indivíduo, sem discriminações, senão as mínimas necessárias ao bem comum de todos.

Desse modo, interpreta-se que os motivos que levou a constituir a família desde os primórdios, nos quais os vínculos pautados no matrimônio religioso e na cobiça econômica, a ponto de alcançar à família contemporânea que superou todos os fatores por intermédio da afetividade, sentimento e o amor como meio de junção familiar.

2.1 CONCEITO DE FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

Pelo exposto, o conceito de família fugiu dos padrões e vem se reinventado gradualmente conforme a evolução social, as características da família contemporânea é fruto da modernização dos seus núcleos oriundo da proliferação, modernismos e desenvoltura dos avanços sociais.

Dessa forma com o pluralismo de pressupostos do novo conceito da instituição família vai além da fixação dos padrões uniformes, de imediato compreende-se a carência relevante a cada ciclo de vida visto que os núcleos familiares expressão sua identidade individual o que elevando o aspecto afetivo.

Diniz (2008, p. 9), discerne a família em sentido extensivo:

A ligação dos indivíduos consolidada através de laços consanguíneos ou do afeto. Já a acepção lato sensu do vocábulo refere-se aquela formada além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro).

Em dias de hoje o núcleo familiar conceitua-se envolvendo a disseminação da personalidade de cada integrante e consequentemente aborda novo posicionamento pautado na afetividade, ética e solidariedade.

Tepedino (2004, p. 372), dispõe que:

As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por muito complexas que se apresentem, nutrem-se todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar: afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido a arte e a virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência de dar e receber amor.

Pela explanação exposta absorve-se que o novo conceito de família deve ser entendido como um agrupamento social fundados basicamente do vínculo afetivo.

Sob esse entendimento, Pereira (2002, p. 226-227), cita que A partir do momento em que a família deixou de ser um núcleo econômico e de reprodução, para ser o espaço do afeto e do amor, surgiram novas e várias representações sociais para ela.

Como sustentado, o afeto, agora é referência norteadora do núcleo familiar ademais esse sentimento é critério primordial que constitui laços entre os envolvidos.

2.2 TIPOS DE FAMÍLIA NO BRASIL E AS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 NO ÂMBITO FAMILIAR

No século XX a estruturação familiar era regida tão somente pelo casamento marcado pelo pater families que no decorrer de seu enredo sofreu grandes mudanças ensejada pelos novos critérios impostos das relações pessoais (GONÇALVES, 2017).

O cenário ainda se encontra evolutivo, porém de forma lenta, mas visível com o surgimento do conceito contemporâneo e a nova metodologia de regulamentar uma união familiar, voltado a um processo de recognação e adaptação social.

No Brasil, a família atravessou tais alterações e a cada novo momento é motivo para que novas estruturas se reinventem perante novos dados (GONÇALVES, 2017).

Desde os primórdios constata-se diversos meios onde as pessoas procuram vínculo familiar com intuito de construir suas ligações afetivas, cuidando disso a redação da Constituição Federal de 1998 no artigo 226 esclareceu os tipos de famílias, que tanto o casamento religioso quanto o cível, assim como as uniões estáveis e as monoparentais (BRASIL, [2021a]).

Sobre os tipos de família, segue os subtópicos.

2.2.1 Constitucional

Considerando as mudanças constantes do conceito social, acolheram os preceitos modernos ao passo que enfatizou a dignidade da pessoa humana na construção das estruturas familiares, expondo outros princípios orientadores que resultam em constituir essas uniões e dessa forma reconhecer o pluralismo familiar reconfigurando assim a base da família tendo em vista a afetividade.

Com a normativa do artigo 226 da constituição federal de 1988 muda a compreensão da família pelo que dispõe a entidade familiar é plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição, (GONÇALVES, 2012, p. 33) vindo a reconhecer três tipos de família: a monoparental, a união estável e a matrimonial.

Pereira (2012, p. 30-31), diz:

O Estado não pode mais controlar as formas deconstituição das famílias, pois comporta várias espécies, como o casamento, as uniões estáveis e a comunidade dos pais e seus descendentes (art. 226 da CF). Essas e outras representações sociais da família exprimem a liberdade dos sujeitos de constituírem seu núcleo familiar da forma que melhor lhes convier, e deve sempre ser o espaço de sua liberdade.

A família matrimonial originária do casamento é presenciada desde os primórdios, sob tutela estatal como um meio de alicerçar uma união familiar e ainda à óptica do cristianismo sob a cerimônia religiosa.

O casamento é conceituado por dois aspectos doutrinários, primeiro há os que defendem como um contrato, pela exigência do consentimento e vontade mútua, lado outro, estão os que argumentam como instituição pela incumbência de direitos e deveres.

No dizer de Lisboa (2013, p. 69), casamento é a união solene entre sujeitos de sexos diversos entre si, para a constituição de uma família e a satisfação dos seus interesses personalíssimos, bem como de sua eventual prole.

O pós-modernismo e a estrutura do casamento vêm se sustentando nas divergências doutrinarias, contudo em aspecto amplo o casamento é um contrato formal composto de deveres e direitos bilaterais, decorrência da vontade buscando a igualdade entre os cônjuges.

Marcado pela estrutura monogâmica e imposição religiosa a fidelidade tornou-se um quesito e dever outorgado aos cônjuges em mutualidade, ligada diretamente às relações sexuais, em momentos atuais o casamento está associado ao afeto e à autonomia privada (LISBOA, 2013).

O ordenamento jurídico brasileiro reconhece os casamentos religiosos, civil e religiosos com efeitos civis, por sua vez o casamento civil é aquele celebrado no Cartório de Registro Civil (CRC) na presença de um juiz e das testemunhas, ato oficializado pelo documento chamado de certidão de casamento.

De outro lado, tem-se o casamento religioso, este é sujeito à variação devido a crença e costumes, realizado perante chefe religioso nos termos de cada doutrina, por si só não são formalmente legalizados necessitando de um registro civil (LISBOA, 2013).

De acordo com o artigo 1.515 e 1.516 do Código Civil o casamento religioso com efeitos civis é sediado por chefe religioso e não sendo obrigatoriamente no cartório, no ato é disponibilizado aos nubentes o termo de casamento o que substitui a certidão, contudo, é necessário o registro em cartório no prazo de até noventa dias (BRASIL, [2021b]).

O Código Civil Brasileiro trouxe a matéria regulamentada para formalizar o casamento, partindo das espécies, pressupostos de sua formalização e seus efeitos.

Corrobora Dias (2015, p.143), com o Código Civil ao dizer que o casamento é baseado em requisitos direitos e deveres dos cônjuges e disciplinas diversos regimes de bens. Também regulamenta o seu fim, ou seja, as questões patrimoniais, que decorre da dissolução do vínculo conjugal, o casamento tanto o seu conceito quanto sua caracterização evoluíram no direito de famílias, chega o caso do divórcio.

Nas constituições antecessoras à de 1988, o casamento detinha a ideologia indissolúvel, e ainda a fidelidade inerente da monogamia imposto pela religião repudiava a violação da obrigação matrimonial e se caso houvesse levaria ao divórcio previsto no artigo 1.567 do Código Civil (DIAS, 2015).

Com essa perspectiva, as mulheres deixaram de ser submissas por estares sendo mais independentes, gradualmente os princípios religiosos e os monogâmicos deixaram de ser elementos norteadores da instituição da família, tornando o afeto um pilar essencial da constituição familiar atualmente.

Embora em épocas pretéritas a união estável se faz presente, porém não reconhecida, a Constituição Federal de 1988 reconheceu tal estrutura afim de que fosse resguardados os direitos dos envolvidos.

Não é novidade que o afeto estabelece união, assim como os tipos de casamentos já mencionados desde o princípio das relações somente atualmente tem sido reconhecido juridicamente como pilar estrutural da família.

E por último a família monoparental a qual tem-se o afeto como pressuposto crucial para se estruturar, resultou do divórcio com a autonomia privada em gerar sua prole sem ligamento com o casamento.

Modelo familiar que parte da figura um chefe de família, o pai ou a mãe, e sua prole, o que se constata gradualmente presente quando declinado a independência da mulher e o pratriarcalismo. Madaleno (2017, p. 5), entende que as Famílias monoparentais são usualmente aquelas em que um progenitor convive e é exclusivamente responsável por seus filhos biológicos ou adotivos.

Assim como a união estável a monoparentalidade desde a antiguidade teve existência e passou por mudanças, naquela época a formação dessa entidade familiar era formada compulsoriamente pela morte de um dos cônjuges, hoje vista com outros olhos perante a autonomia privada e a afetividade.

A família monoparental, a matrimonial e a união estável são os três tipos de entidades familiares reconhecidas pela Constituição Federal de 1988 o que evidencia e explora as dimensões criadas pela afetividade quando o intuito é fundar uma família.

Denota-se que a cada época o conceito e definição de família foram tendo transformação conforme a realidade de cada capítulo, hoje o afeto é um composto crucial e norteador da instituição família.

2.2.2 Civil

Com o modernismo e o advento do afeto o que se faz estruturador da família e vínculos pessoais resultou em vários modelos de família no decorrer da metamorfose humana e o Direito de Família.

Esse surgimento dos modelos civis está atrelado com o direito de família sedimentado na autonomia privada e com a proteção da dignidade da pessoa humana, ao passo que o Estado procura tutelar direitos e aparo estatal aos envolvidos, a normatização do direito vigente é voltada tão somente aos modelos expressos na Constituição formalizados pelo vínculo conjugal, o momento social atual consente o reconhecimento das famílias parentais embasadas na ligação biológica ou socioafetiva (DIAS, 2015).

O princípio da dignidade da pessoa humana permitiu que o princípio do pluralismo familiar se instalasse, e as estruturas de famílias tal como as famílias poliafetivas e homoafetivas tem-se infiltrado e estalado gradativamente diante o judiciário.

Sobre o pluralismo Dias (2015, p. 133):

É necessário ter uma visão pluralista da família, que abrigue os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar o elemento que permite enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação.

Dias (2015), assevera que as entidades familiares vão além das elencadas na Constituição Federal e no Código Civil e traz outros tipos de família como a unipessoal, a mosaica, a anaparental, a paralela e homoafetiva.

Família unipessoal, definida por ser composta de apenas um indivíduo, reconhecer esse molde familiar visa em primeiro plano o resguardo do bem de família àqueles que estão desacompanhados (DIAS, 2015).

Família mosaica, estrutura familiar que também é denominada de reestabelecida, aquela integrada a começar de uma pluralidade das uniões parentais, fruto do divórcio e do novo matrimônio, no qual integrante de famílias diferentes se juntam dando origem a uma nova família (DIAS, 2015).

Família parental, também chamada de anaparental, base familiar estruturada sem a figura dos genitores, instituída apenas pelos irmãos, constata-se ainda ralações entre pessoas que não são parentes, mas que convivem em um mesmo lar, exemplo disso são as amigas que residem juntas (DIAS, 2015).

Família paralelas, descrita por ser aquela que há vínculo entre duas uniões ao mesmo tempo, possuindo vario meios de configuração, ter um casamento e ter uma união estável fora dele simultaneamente, ou ainda, duas uniões estáveis (DIAS, 2015).

Família homoafetiva, núcleo de família onde é voltado à união de pessoas do mesmo sexo tem seus efeitos semelhantes ao da união estável, recentemente reconhecida no âmbito jurídico, é vista como tabu oriundo do preconceito social (DIAS, 2015).

Família poliafetivas, uniões estruturadas entre três ou mais integrantes, núcleo fundado na vontade e no consentimento das partes. Mesmo contrariando os princípios monogâmicos tem sido pauta do âmbito jurídico voltado ao seu reconhecimento.

A família contemporânea não está sedimentada apenas na estruturação de genitores e prole, o afeto atualmente é pressuposto volitivo, norteador e integrador para a preito familiar. Esse modelo familiar apesar de informal, já foi formalizada por contrato em lei, levado em consideração o manifesto do princípio constitucional da autonomia privada e da vontade entre os nubentes em formar família.

Sobre o afeto leciona Pereira (2016, p. 217-218):

O principal sustento de uma relação conjugal está no afeto. E foi assim que a família perdeu sua preponderância como instituição. Sua importância está em ser o núcleo formador e estruturador do sujeito. O afeto tornou-se um valor jurídico, e na esteira da evolução do pensamento jurídico ganhou status de princípio jurídico. Sem afeto, não se pode dizer que há família. Ou, se falta o afeto, a família é uma desordem ou uma desestrutura.

Pelo aludido, a validação dos núcleos de famílias contemporâneas ocorreu pela normativa afetiva validada pelo desejo dos nubentes, tal elemento é hoje considerado fundamento do princípio da dignidade da pessoa humana centro da subsistência familiar.

2.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PLURALISMO FAMILIAR

Com a promulgação da constituição federal de 1988 a família conseguiu ser reconhecida em novas estruturas, as quais na Constituição antecessora eram despercebidas, ou seja, apenas um modelo de família era protegido pelo estado.

Desde que o casamento deixou de ser norteador da família e o único modelo familiar reconhecido, outros modelos de famílias surgiram e buscam reconhecimento, aos olhos de Maria Berenice o pluralismo dos núcleos familiares foi instituído para confrontar o Estado e impor o reconhecimento das diferentes formas de estruturar a família (DIAS, 2015, p. 49).

O pluralismo familiar é equiparado às teses das estruturações de família, dando ao ser humano o poder da escolha facultativa desatrelando assim o matrimonio como único meio de formar a família.

Os novos arranjos de famílias são peculiares e por isso o processo de reconhecimento não está acontecendo da melhor maneira, tendo em vista que a quebra de paradigmas da sociedade não está sendo fácil e os direitos envolvidos são maiores.

Sobre o assunto Pereira (2012, p. 29-30), assinala que:

O Estado não pôde mais controlar as formas de constituição das famílias, pois comporta várias espécies, como o casamento, as uniões estáveis e a comunidade dos pais e seus descendentes (art. 226 da CF). Essas e outras representações sociais da família exprimem a liberdade dos sujeitos de constituírem seu núcleo familiar da forma que melhor lhes convier, e deve sempre ser o espaço de sua liberdade.

Sob a óptica do pluralismo familiar, Dias (2015, p. 133), ressalta que as novas estruturas são construídas pelo afeto, pela busca da felicidade e da diversidade, dando novo entendimento ao Direito das famílias.

Matos (2000, p. 104-105), preceitua:

Deve o Direito Civil, cumprir seu verdadeiro papel: regular as relações relevantes das pessoas humanas colocar o homem no centro das relações civilísticas. [] Uma das consequências práticas de repersonalização vem a ser a nova concepção da família, espelhando a ideia básica da família eudemonista, ou seja, da família direcionada à realização dos indivíduos que a compõe.

Desse modo, é notório que com a revolução das características da família e ainda a implantação do afeto pela constituição, surge novas situações à respeito do pluralismo de famílias, fazendo com que o judiciário seja coagido para o reconhecimento e amparo dos novos modelos de família.

2.4 PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O DIREITO DE FAMÍLIA

O Direito de família, elemento de grande relevância para o ser humano e ao avanço da sociedade, requer amparo, desta forma esse amparo é através de princípios, os quais criados para a garantia e eficiência da proteção. Será exposto os princípios com mais repercussão na jurisprudência e na doutrina.

2.4.1 Princípio da dignidade humana

Previsto no artigo 5°, inciso III da Constituição Federal de 1988, objetiva eliminar injustiças sociais e tencionar liberdade à pessoa humana sendo respeitado e resguardado pela jurisdição apesar de suas escolhas, portanto, voltado ao Direito de Famílias esse princípio procura o equilíbrio familiar perante a sociedade, harmonizar e respeitar a escolha pessoal quanto ao gênero de família optada (BRASIL, [2021a]).

Percebe-se que esse princípio é o alicerce para a construção de uma base para cada indivíduo, dessa forma a partir desse entendimento outros princípios são originados para efetivar os direitos regidos na atual constituição.

As novas estruturas familiares em companhia desse princípio efetiva o conceito moderno de família, sendo referência de novos princípios e buscando a sensibilização social ao reconhecimento da facultatividade de cada indivíduo.

2.4.2 Princípio da liberdade

Este princípio tenciona que cada indivíduo faça suas escolhas sem que haja intervenção estatal ou eventual descriminação social, nesse sentido Lôbo (2008, p. 46), considera o princípio da liberdade da seguinte forma:

O princípio da liberdade diz respeito ao livre poder de escolha ou autonomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre aquisição e administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeitadas suas dignidades como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no respeito à integridade física, mental e moral.

O indivíduo detentor da facultatividade, sem submissão ao padrão, se faz importante vez que torna fácil o rompimento de conceitos pretéritos voltados à família, auxiliando da dissolução dos paradigmas.

2.4.3 Princípio da igualdade

Estabelecido para abolir as diferenças de tratamento entre os cidadãos, no que tange às classes, religiões, etnias e culturas.

Um exemplo próximo de igualdade de tratamento no Direito de família, é quantos aos filhos que embora biológicos ou adotivos, idade, cor, sexo, devem ter o mesmos direitos e tratamento, a Constituição vigente em seu artigo 227, parágrafo 6º, expõem que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, [2021a], não paginado).

Subsidiariamente tem-se o tratamento aos cônjuges, onde ambos construíram igualmente, havendo os direitos e deveres igualitários para erguer a sociedade conjugal.

A família patriarcal, único modelo de família que era admissível, vem se desmanchando pela sociedade, tendo em vista que a figura do homem como chefe de família vem perdendo lugar, quebrando padrões e erguendo novas relações de igualdade de cada modelo familiar.

2.4.4 Princípio da afetividade

No judiciário brasileiro, os laços afetivos são vinculados diretamente aos sentimentos, às emoções e ao amor oriundo das relações familiares, assim é taxado pelos doutrinadores e pela jurisprudência.

Dias (2015, p. 52), comenta sobre a afetividade:

Mesmo que a palavra afeto não esteja no texto constitucional, a Constituição enlaçou o afeto no âmbito de sua proteção. Calha um exemplo. Reconhecida a união estável como entidade familiar, merecedora da tutela jurídica, como ela se constitui sem o selo do casamento, isso significa que a afetividade, que une e enlaça duas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico.

O afeto e a afetividade não podem ser confundidos pelos seus conceitos, uma vez que o afeto está relacionado às emoções derivadas dos casos vividos, considerado ainda como fator psicológico, noutro giro, a afetividade de acordo com o direito brasileiro, é a autonomia da vontade no vínculo de família, em outros termos, é a liberdade de estruturar uma família e a submissão dos seus efeitos (VIEIRA, 2012 apud SILVA, 2015).

Atualmente, o princípio da afetividade tem valor jurídico expressivo, o qual foi norteador na concretização dos direitos das relações homoafetivas e ainda na admissão de novos núcleos familiares.

2.4.5 Princípio da solidariedade familiar

A solidariedade está ligada ao companheirismo, proteção e o compromisso entre os integrantes da união familiar, evidenciando o enaltecimento do afeto, o que é relevante ao Direito de Família.

Conforme o disposto pela Constituição no inciso I do art. 3º vigorante, este princípio é imposição a toda sociedade, sem priorização ou exceção, visando uma essência coletiva fugindo do individualismo (BRASIL, [2021a]).

Insta mencionar que tal princípio foi introduzido apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

2.4.6 Princípio do pluralismo da união familiar

Nos dias atuais a instituição família está atrelada à autonomia dos integrantes, partindo da vontade de que quem e com quem constituir vínculo, impulsionando a liberdade para dar origem a um núcleo familiar, assim sendo, graças às inovações das metodologias de condução dos arranjos familiares, aparecem outros modelos de famílias a quais carecem de proteção do Estado, contudo isso só pode acontecer por intermédio do reconhecimento (DIAS, 2015, p. 49).

Através deste princípio, adquiriu-se direitos, em especial o reconhecimento das relações homossexuais e seus direitos em adotar e outros relevantes no contexto familiar e à evolução na vida social do indivíduo, o reconhecimento dessas modalidades de famílias pelo Estado enaltece os valores da família individual, quebrando assim paradigmas.


3 UNIÕES POLIAFETIVAS

3.1 Conceito e características

Refere-se a uma estrutura familiar que ergueu se das mudanças do pensamento humano voltado à afetividade e à união, vez que foi socialmente caracterizada no decorrer da concepção humana da necessidade de se relacionar tanto no aspecto sentimental quanto sexual partindo da liberdade de cada indivíduo (ENGELS, 1984).

Define-se a poliafetividade, conforme sua etimologia, pela união de vários integrantes pela afetividade mútua, ainda, tem-se que pela evolução humana, também pode ser dita pelo relacionamento consensual dos integrantes (ENGELS, 1984).

Madaleno (2017, p. 25), conceitua a poliafetividade:

Esta é a família poliafetiva, integrada por mais de duas pessoas que convivem em interação afetiva dispensada da exigência cultural de uma relação de exclusividade apenas entre um homem e uma mulher, ou somente entre duas pessoas do mesmo sexo, vivendo um para o outro, mas sim de mais pessoas vivendo todos sem as correntes de uma vida conjugal convencional.

Em seu entender, a poliafetividade é diferente tanto da família paralela quanto da poligamia, ainda um modelo longe da monogamia e do casamento, onde se valoriza o afeto como pilar essencial da sua estruturação o que se desprende dos antigos núcleos familiares, segundo Madaleno (2017, p. 26):

O triângulo poliafetivo inspirou certamente seu contrato nos valores supremos da dignidade humana e no afeto, princípios constitucionais presentes na construção dos vínculos familiares, e quando a Carta Federal tutela a pluralidade familiar, justifica sua função a partir da promoção da pessoa humana, literalmente desencarnada do seu precedente biológico e do seu viés econômico, para fincar os elos psicológicos do afeto e sua comunhão contígua e solidária, os quais se sobrepõem aos valores materiais e hereditários valorizados no passado.

Pela interpretação de Gagliano (2008), no que tange a mútua afetividade, a poliafetividade vai além da pluralidade de pessoas o que evidencia o afeto como fato gerador dessa união, reflexo da autonomia de escolha de cada integrante, o mesmo autor ainda continua o pensamento afirmando que:

O poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta. (GAGLIANO, 2008, não paginado).

A família poliafetiva pode ser confundida com a família paralela, pelo envolvimento de várias uniões que na família paralela é admitida, contudo em lares distintos, o diferencial da poliafetividade está na convivência dessas uniões no mesmo teto (DIAS, 2015).

Configura como relação poliafetiva a união entre três ou mais indivíduos no mesmo lar, buscando evidenciar uma relação homogênea e não uma relação monogâmica com a participação de terceiro, de conformidade com Madaleno (2017, p. 25):

Trata-se de um triângulo amoroso, constituído pela relação afetiva de mais de duas pessoas, vivendo todos sob o mesmo teto, em convivência consentida e que no passado era veementemente reprimida e socialmente maculada como uma abjeta, ilegítima e antissocial poligamia. Tem sido o afeto a nota frequente que identifica a constituição e o reconhecimento oficial de uma entidade familiar, e faz pouco tempo que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e a ADI n. 4.277/DF conferiu ao artigo 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição Federal, para excluir do dispositivo legal todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

O consentimento é o pressuposto fundamental pelo fato de que elimina a tese de adultério bem como da bigamia que é exigência da fidelidade na monogamia.

Outrossim, como as demais estruturas de família, a poliafetividade tem o afeto como elemento gerador, uma vez que essa união é envolta da liberdade dos sentimentos, elemento este que deu surgimento a novos arranjos de família como este (MADALENO, 2017, p. 94).

3.2 A união poliafetiva e sua Diferença da poligamia

A poligamia é definida com a figura de um casamento do cônjuge varão com duas ou mais cônjuges varoas (poliginia) ou ao verso (poliandria), no Brasil a poligamia é equiparada à bigamia, considerada ato ilícito previsto no artigo 235 Código Penal o que enseja a nulidade do casamento (art. 1548, II e art. 1521, VI, do Código Civil de 2002) (DIAS, 2015).

A palavra concubinato de origem latina, que em um sentido literal, visa a união de indivíduos com intuito de ter relações sexuais, no ordenamento jurídico brasileiro não se passa de uma união paralela ao casamento, o artigo 1.727 do Código Civil de 2002 diz sobre o concubinato As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. (BRASIL, [2021b], não paginado).

Portanto, o concubinato é conceituado como uma união clandestina, aquela que é omissa do outro cônjuge, refletindo assim a má-fé violando a conduta ética da transparência.

Em contrapartida, o poliamor de origem grega e latina, significa muitos amores, o dicionário Michaelis traz o seguinte conceito:

Tipo de relação ou atração afetiva em que cada pessoa tem a liberdade de manter vários relacionamentos simultaneamente, negando a monogamia como modelo de fidelidade, sem promover a promiscuidade. Caracteriza-se pelo amor a diversas pessoas, que vai além da simples relação sexual e pela anuência em relação à ausência de ciúme de todos os envolvidos nessa relação. O propósito do poliamor é amar e ser amado por várias pessoas ao mesmo tempo. (POLIAMOR, 2018, não paginado).

O poliamor é caracterizado pela aceitação do relacionamento amoroso, aberto e simultâneo, efeito do consentimento e conhecimento de todos os integrantes, não existindo resquícios de ciúmes, posse e exclusividade, o que exclui a traição, como visto na estrutura monogâmica. Infere-se que o poliamor são vínculos afetivos onde haverá lealdade entre si, os autores Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 339), diz que:

A lealdade, qualidade de caráter, implica um comprometimento mais profundo, não apenas físico, mas também moral e espiritual entre os parceiros, na busca da preservação da verdade intersubjetiva; ao passo que a fidelidade, por sua vez, possui dimensão restrita à exclusividade da relação afetiva e sexual.

Contudo o Código Civil impede apenas o matrimônio de pessoas já casadas, que não é caso das uniões poliafetivas.

3.3 A problemática sobre o reconhecimento da união poliafetiva

Os integrantes dessa modalidade de família se preocupam com a garantia do futuro e com os reflexos jurídicos que poderão recair sobre o patrimônio em comum, com essa convicção, buscaram solucionar por meio diverso em face da ausência legislativa.

Meio este adotado foi as escrituras públicas em cartórios, registrando os detalhes que abarcam as regras regimentais da união, indicando os direitos patrimoniais da relação para fins de publicidade, segurança jurídica e legitimidade.

Em meados de 2012, foi lavrado a primeira escritura em Tupã, a partir de então ergue manifestações opostas e questionamento quanto a constitucionalidade dessa união, a tabeliã na época documentou uma vivência de lealdade e companheirismo compilada a anos, formalizando o direito de família (G1, 2012).

A tese defendida pela tabeliã, primeiramente foi pela vontade evidente, além do mais justificou pelo conceito de família ser brando, ponto de vista que não excluiu o direito de escrituração, ainda complementou que essa união não lesa o direito de terceiros e que apenas foi um ato normal de formalização de união estável (PUFF, 2012).

Daí por diante houve novos casos escriturados e diante da lacuna legislativa os argumentos eram os princípios constitucionais da liberdade e do pluralismo família, fatos esses que a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) ingressou junto ao Conselho Nacional De Justiça (CNJ) com intuito de declarar as escrituras já lavradas inconstitucionais.

O plenário do Conselho Nacional De Justiça (CNJ) proferiu em junho de 2018 decisão que proibiu os cartórios a registrarem tal união, fundados neste documento de fé pública que implica o reconhecimento das garantias da união voltados aos direitos sucessórios e previdenciários (BRASIL, 2018).

3.4 A união poliafetiva à luz dos princípios constitucionais

Dentre tantos posicionamentos opostos é necessário um olhar minucioso aos fundamentos legais que corroboram seu reconhecimento.

Em primeiro plano tem-se o Princípio da Legalidade no direito privado dita que aquilo que não é proibido é permitido, ou seja, aquilo que a lei expressamente proíbe é permitido naturalmente, em vista disso a legislação brasileira não impede outras estruturas de união (BRASIL 2011).

Que segundo Dias (2015), o princípio monogâmico não se encontra expresso na Constituição Federal de 1988, não passando de apenas uma tendência cultural.

O princípio da dignidade da pessoa humana foi vital, tendo em vista da garantia das limitações da intervenção estatal na autonomia privada, visando a proteção à pessoa quanto a sua vontade, a procura da felicidade e a realização pessoal.

O princípio que impede a intervenção estatal nas relações pessoais e diretamente aos demais assuntos que implica a autonomia privada, o Estado tem sido reprimido nas imposições da relação de família com a promulgação da Constituição Federal de 1988 em face da importância dada à autonomia e dignidade humana.

Tendo a afetividade como núcleo da estruturação familiar, inovou o conceito de família originando assim novos núcleos que se desdobraram sem a intervenção do Estado, contudo em alguns casos o Estado é invocado a interferir para reconhecimento daquela unidade familiar, como é o caso das uniões homoafetivas.

Entretanto, não são todos os casos em que o Estado respalda as ambições da sociedade, apesar da autonomia, pluralismo, dignidade, solidariedade e não intervenção do Estado na família, ainda há que o legislador intervir na forma da família. O que se entende é que a família não carece da intervenção estatal e sim de tutela no instante em que é concedida a autonomia à pessoa, proporcionando a escolha aberta da organização de sua família instantaneamente posterga a assistência do Estado.

A não intervenção estatal encontrada da redação do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 onde rege sobre o planejamento de família, pluralidade de família, paternidade responsável e reconhecimento do filho socioafetivo, ademais há Emenda Constitucional n. 66/2010 no qual o Estado declarou a adoção da intervenção mínima nas relações de família (BRASIL, 2010).

Pereira (2014), entende que a normativa do Direito de família cabe ao Direito privado por estar ligado diretamente aos interesses individuais, dessa forma, esse individualismo não deve ter intervenção estatal cabendo apenas o Estado a pronuncia da tutela.

E por fim, tem-se o princípio do pluralismo familiar, o que abandonou os modelos convencionais do matrimônio para integrar as mais variadas estruturas de família fundadas na ética e no afeto.

3.5 Implicações da união polifetiva no ordenamento jurídico brasileiro

Para Rosa e Oliveira (2017), o vão da regulamentação sobre a relação poliafetiva originou várias contradições, levando em consideração o envolvimento dos direitos sucessórios, previdenciários, de família e de terceiro, perante a vasta abrangência o caso merece maior atenção.

No meio jurídico os efeitos incidem significativamente no direito sucessório devido o Código Civil ser voltado apenas aos modelos monogâmicos, entretanto, apesar da omissão quanto ao assunto, é viável estender os discernimentos monogâmicos as relações poliafetivas, segundo Martinez (2016), o prisma da poliafetividade não gerou muita relevância aos doutrinários do Direito sucessório e previdenciário tendo a ínfima repercussão dos registros deles.

Contudo, é fato que o direito sucessório recai consideravelmente tendo em vistas que o antônimo de vida é a morte, o parecer do Supremo Tribunal Federal por intermédio do Recurso Extraordinário n.º 878.694 julgou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil estendendo assim a aplicação do direito sucessório do casamento civil às uniões estáveis. Indireta (VIEGAS, 2017).

Entretanto a extensão desse direito às uniões poliafetivas ainda se encontra em um futuro distante aos olhos de Vigo (2015, não paginado):

Se a união estável, que já é reconhecida e regulamentada pelo ordenamento pátrio, sofre diversos preconceitos do próprio direito, [...], a união poliafetiva, constante de 3 ou mais pessoas, carece totalmente de reconhecimento e proteção legal para seus membros.

E artigo 1.829 do Código Civil

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais. (BRASIL, [2021b], não paginado).

Observa-se que não está nos conformes da decisão de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal quanto a distinção os companheiros e cônjuges perante o direito sucessório.

A redação do artigo 1830 do Código Civil dita quanto aos cônjuges sobrevivente e os companheiros (união estável) sobreviventes que não poderão participar da sucessão, o mesmo poderia recair aos companheiros da relação poliafetiva (BRASIL, [2021b]).

É relevante frisar sobre o artigo 1.831 do Código Civil que independente do regime adotado à união é garantido aos companheiros e cônjuges sobrevivente o direito real de habilitação da residência familiar, sendo o único bem à inventariar, voltado à poliafetividade deteriam resguardados a ocupação simultânea do imóvel (BRASIL, [2021b]).

Falando em partilhas entre os companheiros, nos casos em que não houver ascendentes ou descendentes do de cujus (art. 1.829, III do Código Civil), seria somente partir em igualdade a herança aos companheiros herdeiros (BRASIL, [2021b]).

Sobrevindo a situação do regime de comunhão parcial onde um dos companheiros concorrem com descendentes aos bens comuns, é preciso primeiro passar por meação separando assim a parte dos cônjuges em 50% e os demais 50% aos descendentes.

Noutro giro, sobrevindo bens comuns e particulares, haverá a meação dos bens comuns entre companheiros e descendentes e quanto aos bens particulares herdarão companheiros em concorrência aos descendentes.

Deduz-se que as normatizações do direito sucessório aplicado às relações monogâmicas é o mesmo aplicado ás uniões poliafetivas, se explorar as situações do direito sucessório rege conclui-se que não existiria diferença na aplicação da uniões poliafetivas.

A eventualidade dos problemas que pode surgir no trâmite sucessório é equiparado aos das relações monogâmicas que envolve partilhas de bens, análise do regime adotado, herança e meação, contudo o que se distingue é pelo número em que a divisão será realizada entre os companheiros.

3.6 O julgamento da adpf 132/adi 4277 e sua relação com o reconhecimento da união estável poliafetiva

Vecchiatti (2016, p. 2-30), diz que a jurisprudência brasileira não cuidou das relações poliafetivas apesar de já ter alcançado o caso da família paralela. Contudo, não impede a apreciação do Supremo Tribunal Federal quanto o direito das famílias.

Por intermédio da Ação Direta De Inconstitucionalidade em maio de 2011, por unanimidade foi reconhecida a as uniões homoafetivas equiparando se às uniões estáveis ente homem e mulher, definindo como estrutura familiar comum (HAIDAR, 2011).

Apesar da distinção das relações homoafetivas e das relações poliafetivas, o processo de reconhecimento apontou argumentos que fortalecem a tese em apresso onde trataram da autonomia dos integrantes em gozar da própria sexualidade, da pluralidade familiar e do conceito monogâmico (BRASIL, 2011).

Sobre a autonomia dos integrantes o Ministro rel. Ayres Britto fundou-se na teoria kelseniana de que tudo aquilo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido, (BRASIL 2011, não paginado), para assim afastar a descriminação da sexualidade, assevera ainda sobre a liberdade: Essa liberdade para dispor da própria sexualidade insere-se no rol dos direitos fundamentais do indivíduo, expressão que é de autonomia de vontade, direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana e até mesmo cláusula pétrea. (BRASIL 2011, não paginado).

Aplicando-se as uniões poliafativas, Leitão (2012), expõe que é admissível seja qual for o grupo constituir união estável desde que atendido os requisitos do artigo 1.723 do Código Civil e não expor os impedimentos do artigo 1.521 da mesma compilação contempla ainda que não há impedimentos e que deve ser reconhecida como núcleo familiar tendo em vista que os fundamentos são os mesmo que ensejou a ADI 4.277.

Vecchiatti (2016), corrobora com o Ministro Ayres Britto, mencionando o artigo 3º, IV da Constituição Federal alegando que deverá ter isonomia entre relações poliafetivas como nas relações monogâmicas devido a inexistência de justificativa de discriminação pelo Estado.

Em arremate, Tizzo e Bertolini (2013) ligando o julgamento da ADI 4.722 se a pouco discutia-se a questão da homoafetividade, levantando valores como o afeto, a dignidade da pessoa humana, a igualdade formal, autonomia da vontade, por que não estendê-los à análise das Uniões Poliafetivas.

Partindo à família protegida pelo dispositivo do caput do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, avista de Ayres Britto:

[...] invariável diretriz do não atrelamento da formação da família a casais heteroafetivos nem a qualquer formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa; vale dizer, em todos esses preceitos a Constituição limita o seu discurso ao reconhecimento da família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. (BRASIL, 2011, p. 645).

No dizer do ministro [...] a família é, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se, no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada. (BRASIL, 2011, p. 646).

A pluralidade familiar foi um assunto erguido pela doutrina em amparo do reconhecimento das relações poliafetivas e que segundo Marcos Alves depois do julgamento seria possível taxar do que poderia ou não formar família (BRASIL, 2011).

Outrossim, na esfera ontológica constitucional de família corrobora com o ministro Luiz Fux vez que as relações poliafetivas merece reconhecimento e proteção (BRASIL, 2011; VECCHIATTI, 2016).

Para o Ministro Ricardo Lewandowsky o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 embora apontando a união entre sexo oposto não quer dizer que as relações homoafetivas respeitando o previsto do 1.723 do Código Civil não possa se tornar um núcleo de família protegida pelo Estado (BRASIL, 2011).

Termina-se com a colocação de Fernanda de Freitas Leitão que leciona os princípios e os critérios adotados pelo Supremo Tribunal Federal para julgamento e reconhecimento da ADI 4.277:

proibição da discriminação (homem/mulher, orientação sexual); b) direitos fundamentais do indivíduo, autonomia de vontade; c) proibição do preconceito; d) silêncio normativo norma geral negativa segundo a qual, o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido; e) princípio da dignidade da pessoa humana (direito à busca da felicidade e direito à liberdade sexual); f) interpretação não reducionista ou ortodoxa do conceito de família; g) interpretação do art. 1.723, do Código Civil, conforme a Constituição da República. (LEITÃO, 2015, não paginado).

Portanto chega-se à conclusão que se há pressupostos para o reconhecimento das uniões poliafetivas como modelo de família são requisitos jurídicos que pelo exposto mostra todos os imprescindíveis requisitos do artigo 1.723 do Código Civil e não expor os impedimentos do artigo 1.521 da mesma compilação (LEITÃO, 2015).


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como sedimentado, a sociedade desde os primórdios encontra-se em constante transformação, por esse motivo reflete diretamente à família que é a sua base bem como a do estado, com isso novos núcleos de família vem se erguendo e buscando amparo do Estado.

É notório que o núcleo familiar não está mais atrelado aos conceitos primordiais, é tanto que após a promulgação da Constituição Federal de 1988 deu origem a vários princípios que norteiam a estrutura da família, pautada na autonomia privada, no pluralismo familiar e no afeto, exemplo disso foi o reconhecimento das uniões estáveis.

Por intermédio desse entendimento os novos arranjos de família buscaram seu reconhecimento como foi o caso das uniões homossexuais que embora nada impedisse constitucionalmente e civilmente carecia do amparo e proteção do estado, pelo interesse da vida em comum, para a quebra do paradigma religioso e cultural.



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