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A fragmentariedade da sentença de pronúncia

A fragmentariedade da sentença de pronúncia

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          O caráter fragmentário da sentença de pronúncia foi recentemente consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, em 15 de fevereiro de 2007, o HC n.º 47.902/PB (de relatoria da Min. Laurita Vaz).

          O caso em concreto discutia se era possível ou não a emanda de uma sentença de pronúncia, manifestamente desmotivada quanto às qualificadoras do crime imputado ao paciente.

          O Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, nos autos do acórdão impugnado, reconheceu parcialmente a falta de motivação apresentada pelo julgador, ao exercer o juízo de convicção, pois não foi realizada a explicitação dos indícios suficientes da configuração das qualificadoras descritas na denúncia.

          Concedendo, em parte, a ordem, o Tribunal de Justiça determinou ao juízo processante que emendasse a decisão, residindo, neste ponto, a questão ora examinada.

          Para se admitir ou não a fragmentariedade da sentença de pronúncia, é necessário, compreender a natureza da decisão e dos pedidos formulados pelo órgão acusatório.

          A pronúncia, embora seja, consoante posição doutrinária majoritária, uma decisão interlocutória mista [1] – porquanto põe fim à fase instrutória, sem julgar o mérito da ação penal -, possui formalmente a estrutura de uma sentença, ou seja: deve ter relatório, fundamentação e dispositivo (art. 381, do CPP). Diferencia-se, contudo, particularmente quanto à quaestio juris – qual seja: a plausibilidade de se levar um cidadão ao julgamento popular -, devendo, nesse aspecto, dispor obrigatoriamente sobre a justa causa da acusação (prova da materialidade do crime e indícios de autoria – lastro probatório mínimo) e, quando necessário, sobre os fatos que qualificam o crime.

          Observa-se, assim, que a pronúncia, no caso de crime qualificado, deve examinar a denúncia sob dois enfoques, ponderando o magistrado sobre dois pedidos cumulados: i) a plausibilidade de um juízo de imputação da conduta criminosa; e, ii) o reconhecimento da existência de circunstâncias que qualificam a infração penal.

          A força decisória da decisão judicial deverá, portanto, ser aferida em dois momentos distintos, os quais, à luz do princípio da motivação das decisões judiciais (art. 93, inc. IX, da CF/88), deverão ser, respeitado o seu objeto, igualmente fundamentados.

          A sentença de pronúncia, neste caso, seria uma peça única, enquanto formalmente considerada, todavia, substancialmente, haveria de ser dividida em dois compartimentos distintos. Com efeito, deve existir manifestação judicial tanto sobre o juízo de convicção relativo à autoria, como também, sobre a existência ou não das qualificadoras.

          Frise-se, novamente, que há, portanto, dois momentos distintos de atuação judicial definidos.

          Se o vício da ausência de motivação somente contaminar a parte relativa às qualificadoras imputadas na denúncia, o restante, desde que substancialmente motivado e válido, deve ser mantido irretocado, admitindo-se, assim, o seu caráter fragmentário.

          O argumento lógico também auxilia a construção e alicerçamento deste raciocínio.

          Os Tribunais Superiores, em reiterados julgados, têm admitido a emenda das sentenças meritórias – cuja carga decisória é ainda maior e pujante -, mormente no caso de vício da dosimetria da pena (v.g. HC n.º 46.831/PB, STJ, rel.ª Min.ª Laurita Vaz, DJ de 04/12/2006; HC n.º 63.759/RS, STJ, rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 23/10/2006, dentre outros). Em tais casos, anulou-se apenas a aplicação da pena, mantendo-se, contudo, a condenação do réu. Coube, assim, ao magistrado tão-somente emendar a sua decisão, refazendo o cálculo da pena, sendo desnecessária a prolação de nova sentença.

          Ora, pela lógica, então, quem pode o mais pode o menos.

          Afigura-se, por tais motivos, plenamente possível a fragmentariedade da pronúncia, podendo-se conservar a parte decisória perfeita e apenas determinar o conserto da fração malsinada, conservando, no mais, os seus efeitos jurídicos.

          O caráter fragmentário da sentença de pronúncia, malgrado posicionamento em contrário, restou nestes termos reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do leading-case citado, cujo acórdão ainda não foi publicado, em razão da recenticidade.


Notas

          [1] Para o professor Guilherme de Souza Nucci: "20. Pronúncia: é decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação, remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação de culpa, inaugurando a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento de mérito." - (in ‘Código de processo penal comentado’. 5ª ed. São Paulo: RT, 2006. p. 709).


Referências Bibliográficas

          1. MIRABETE, Julio Frabbrini. Processo Penal – 17.ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2005.

          2. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Fernando Natal. A fragmentariedade da sentença de pronúncia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1335, 26 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9536. Acesso em: 25 abr. 2024.