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Pronunciamento "ex officio" da prescrição.

Indeferimento "in limine" da peça inicial e garantia do contraditório e da ampla defesa

Pronunciamento "ex officio" da prescrição. Indeferimento "in limine" da peça inicial e garantia do contraditório e da ampla defesa

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            A franca liberdade agora conferida, quanto ao pronunciamento de ofício da prescrição (CPC, artigo 219, § 5º - Lei n. 11.280/2006), resgatou a eficácia jurídica do artigo 295, inciso IV, do CPC, que sempre autorizou o magistrado indeferir a petição inicial "quando verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição".

            Essa hipótese, aliás, em tese, já era de compatibilidade reconhecida nos sítios do processo do trabalho, mercê da Súmula 263 do TST [01].

            A espécie, aqui, portanto, é aquela em que o juiz extingue o feito initio litis, aplicando a prescrição sem travar qualquer diálogo com as partes [02].

            Reconheço, dessarte, que, na legislação atual, pode o magistrado extinguir o feito já em seu início, sem dar satisfação a quem quer que seja, haja vista a prescrição constituir, atualmente, genuína matéria de ordem pública, de cognoscibilidade ex officio, pois.

            É verdade: pode fazer – mas, penso, não deve fazer [03].

            Isso porque o tema comporta sérias indagações acerca de possível violação, nessa prática, da garantia do contraditório e da ampla defesa, à vista da existência de diversas causas interruptivas, suspensivas e impeditivas do fluir do lapso prescricional [04].

            Também há a possibilidade – remota que seja – de o próprio devedor renunciar, tácita ou expressamente, a prescrição que lhe é favorável (CC, artigo 191) [05].

            Diante dessa panorama, envolvendo possível afronta a uma garantia de ordem constitucional (artigo 5º, inciso LV) [06], penso que recai sobre o magistrado o dever de atuação cuidadosa, evitando, assim, o indeferimento de pronto da exordial, mormente no processo do trabalho, onde ainda vigora o jus postulandi [07].

            Repito: muito embora reconheça essa possibilidade, juridicamente falando, creio que não seja essa, talvez, a saída mais adequada.

            É que tal atitude, realizada sem a necessária cautela, pode perpetrar injustiças, pois, de regra, quando na inicial se vê manifestamente prescrita a pretensão do reclamante, geralmente se descobre, em audiência, ter ocorrido reclamação trabalhista anterior entre as mesmas partes [08] – que, sabe-se, é fator interruptivo da prescrição, quanto aos pedidos idênticos (Súmula 268 do TST [09]).

            Desse modo, por entender que o acordo firmado entre as partes ainda é a melhor forma de solucionar a demanda (CLT, artigo 764 [10]), encontrando-se diante da hipótese ora ventilada – manifesta prescrição da pretensão do autor -, deverá o magistrado trabalhista, ad cautelam, aguardar a audiência agendada pela secretaria (CLT, artigo 841, caput ) [11], ocasião em que desfrutará da oportunidade de:

            (1) travar diálogo com o demandante [12], instando-o acerca da possível existência de circunstâncias que proporcionam interrupção, suspensão e/ou impedimento do fluir do prazo de prescrição [13];

            (2) travar diálogo com o demandado, investigando possível renúnica - tácita ou expressa - com respeito à prescrição (CC, artigo 191 [14]).

            A conversa, pois, deve atingir a ambas as partes.

            Não descobrindo qualquer dessas hipóteses, que influenciam o trato prescricional, aí sim o juiz poderá, com segurança e sem intentar qualquer afronta à ordem constitucional, indeferir a petição inicial, na própria audiência mesmo, pelo vislumbre evidente da prescrição da pretensão do autor, com fincas no artigo 295, inciso IV, do CPC [15].

            Esse diálogo, por sinal, fulcrado até então em mero senso de justiça, pode, em verdade, ser viabilizado mesmo até com espeque em lei.

            Com efeito, dispõe o artigo 40, § 4º, da Lei n. 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais - LEF) [16], in verbis:

            "Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decratá-la de imediato".

            Tal aplicação normativa foi visualizada por GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA, como segue:

            "Essa cautela, aliás, encontra-se expressamente prevista no mencionado art. 40, § 4º, da Lei 6.830/80, acrescentado pela Lei 11.051/2004, o qual pode ser interpretado, extensivamente, para outras modalidades de ação. Assim ocorrendo, possibilita-se que o autor se manifeste a respeito da prescrição, demonstrando, por exemplo, a sua interrupção, tornando a pretensão ainda exigível" [17].

            Em suma: é recomendável que esse indeferimento da inicial, caso inteiramente pertinente e verdadeiramente necessário, ocorra, no âmbito juslaboral, precedido de um bom e saudável diálogo entre o juiz e as partes [18], em audiência [19], fazendo cumprir, assim, com zelo e esmero, a verdadeira finalidade do direito: realizar justiça [20].


Notas

            01 Súmula 263 do TST: "Petição Inicial. Indeferimento. Instrução Obrigatória Deficiente. Salvo nas hipóteses do art. 295 do CPC, o indeferimento da petição inicial, por encontrar-se desacompanhada de documento indispensável à propositura da ação ou não preencher outro requisito legal, somente é cabível se, após intimada para suprir a irregularidade em 10 (dez) dias, a parte não o fizer".

            02 Evidentemente que se está falando aqui de prescrição na modalidade total (bienal ou qüinqüenal), única apta a, nesse quadro gizado, ocasionar o fim da demanda, já no seu próprio nascedouro.

            03 Destaco que minha intenção, aqui, não é tratar do tormentoso tema da compatibilidade da aplicação da prescrição de ofício no âmbito do processo do trabalho - o que constitui estudo outro, ainda a ser publicado -. Em verdade, proponho-me, neste passo, a tão-só lançar singela reflexão quanto ao momento de pronunciar essa prescrição, dentro da marcha processual - já partindo, portanto, da premissa de que tal aplicação, nos domínios da processualística laboral, configura conduta inteiramente pertinente.

            04 Conforme artigos 197 a 204 do Código Civil. Na seara trabalhista, destacam-se ainda os artigos 440 e 625-G, ambos da CLT, bem como o teor da Súmula 268 do TST, assim vazada: "Prescrição. Interrupção. Ação Trabalhista Arquivada. A ação trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição somente em relação aos pedidos idênticos".

            05 CC, artigo 191: "A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição."

            06 CF, artigo 5º, inciso LV: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

            07 CLT, artigo 791: "Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final".

            08 De fato, reafirmo o testemunho de que essa tem sido uma experiência comum na minha atividade judicante.

            09 Súmula 268 do TST: "Prescrição. Interrupção. Ação Trabalhista Arquivada. A ação trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição somente em relação aos pedidos idênticos".

            10 CLT, artigo 764: "Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação. § 1º - Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos. § 2º - Não havendo acordo, o juízo conciliatório converter-se-á obrigatoriamente em arbitral, proferindo decisão na forma prescrita neste Título. § 3º - É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório."

            11 CLT, artigo 841, caput: "Recebida e protocolada a reclamação, o escrivão ou secretário, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, remeterá a segunda via da petição, ou do termo, ao reclamado, notificando-o ao mesmo tempo, para comparecer à audiência do julgamento, que será a primeira desimpedida, depois de 5 (cinco) dias."

            12 As novas disposições legais que alteram o CPC recrudesceram a possibilidade de um contraditório entre magistrado e acionante, muitas das vezes travado sem qualquer necessidade de diálogo para com o próprio acionado. Veja-se os casos da pronúncia ex officio da prescrição (CPC, artigo 219, § 5º [Lei n. 11.280/2006]) e julgamento de pronto quanto a causas repetidas (CPC, artigo 285-A [Lei n. 11.277/2006]). A propósito, reza o novo artigo 285-A do CPC: "Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. § 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso." Essa nuança foi bem percebida pelo arguto Mauro Schiavi (SCHIAVI, Mauro. O art. 285-A do CPC com a redação dada pela Lei n. 11.277/2006 e o processo do trabalho. LTr, Suplemento Trabalhista n. 137/06, São Paulo, p. 574).

            13 "Como existem diversos casos que inpedem, suspendem e interrompem a prescrição, conforme os arts. 197 a 204 do CC em vigor, é mais justo e adequado que o juiz, em tese, em vez de decretar liminarmente a prescrição (o que poria fim ao processo logo em seu nascedouro), antes de tomar esta decisão, proceda à oitiva do autor sobre a matéria". GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Terceira Fase da Reforma do Código de Processo Civil. Vol. 02, São Paulo : Método, 2006, p. 64 (grifos no original).

            14 CC, artigo 191: "A renúncia da prescrição pode ser tácita ou expressa, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição".

            15 CPC, artigo 295, inciso IV: "A petição inicial será indeferida: IV – quando o juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição (art. 219, § 5º)." Note-se que, nesse caso, o indeferimento da peça vestibular, excepcionalmente, ocasionará a extinção do feito com análise de fundo (CPC, artigo 269, inciso IV), sem possibilidade, pois, de renovação da demanda, por parte do autor.

            16 O referido dispositivo veio ao mundo jurídico através da Lei n. 11.051/2004.

            17 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Terceira Fase da Reforma do Código de Processo Civil. Vol. 02, São Paulo : Método, 2006, p. 64.

            18 Esse diálogo, em audiência, talvez seja até mais que recomendável nos casos de exercício do jus postulandi. Não se esqueça, porém, que, atualmente, aceite-se ou não, a lei autoriza a decretação ex officio da prescrição, cabendo ao juiz, dentro de seu senso de justiça, decidir qual o momento em que vai aplicar tal poder resolutório. Essa a razão pela qual, inobstante a recomendação aqui registrada, penso que, agora, havendo causídico habilitado, seria de todo modo pertinente – para o bem do próprio interesse do patrono e de seu cliente – que qualquer informação a respeito da interrupção, suspensão e/ou impedimento do lapso prescricional já venha nas primeiras linhas da exordial, para destaque ao magistrado. Há que se dar conta, na advocacia, desse importantíssimo detalhe processual que agora deva a inicial observar, a saber, a menção expressa a qualquer daquelas hipóteses excetivas destacadas, que influenciam de alguma forma o transcurso do prazo prescricional. É que, hodiernamente, como já iterei, o juiz trabalhista pode proclamar a prescrição initio litis, de ofício, antes da audiência mesmo. O ideal, em suma, seria que as petições vestibulares, de fato, já trouxessem em seu bojo tais informações, precavendo-se de possíveis surpresas na fria aplicação da lei, por parte do magistrado.

            19 Por certo que, dependendo da região em que atue, o magistrado poderá optar que esse contraditório se estabeleça não de forma pessoal (por diálogo), através da audiência, mas sim de forma impessoal (por despacho), através de notificação, como na razoável hipótese em que a data agendada para a sessão ainda esteja demasiadamente distante. De qualquer sorte, a decisão, por qualquer caminho que se enverede, tem inteiro respaldo jurídico, haja vista o teor do artigo 765 da CLT: "Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas."

            20 Medida desse jaez certamente tem lastro no saudável princípio da razoabilidade, vetor esse que tem fundamento inclusive bíblico, como se constata, entre outros, do texto de Eclesiastes 7.16: "Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio: por que te destruirias a ti mesmo?".


Autor

  • Ney Maranhão

    Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (Graduação e Pós-graduação). Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo - Largo São Francisco, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma/La Sapienza (Itália). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Ex-bolsista CAPES. Professor convidado do IPOG, do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA) (Pós-graduação). Professor convidado das Escolas Judiciais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª (SP), 4ª (RS), 7ª (CE), 8ª (PA/AP), 10ª (DF/TO), 11ª (AM/RR), 12ª (SC), 14ª (RO/AC), 15ª (Campinas/SP), 18ª (GO), 19ª (AL), 21ª (RN), 22ª (PI), 23ª (MT) e 24 ª (MS) Regiões. Membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA). Membro fundador do Conselho de Jovens Juristas/Instituto Silvio Meira (Titular da Cadeira de nº 11). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Trabalho – RDT (São Paulo, Editora Revista dos Tribunais). Ex-Membro da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista (TST/CSJT). Membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro (TST/CSJT). Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá/AP (TRT da 8ª Região/PA-AP). Autor de diversos artigos em periódicos especializados. Autor, coautor e coordenador de diversas obras jurídicas. Subscritor de capítulos de livros publicados no Brasil, Espanha e Itália. Palestrante em eventos jurídicos. Tem experiência nas seguintes áreas: Teoria Geral do Direito do Trabalho, Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Ambiental do Trabalho e Direito Internacional do Trabalho. Facebook: Ney Maranhão / Ney Maranhão II. Email: [email protected]

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARANHÃO, Ney. Pronunciamento "ex officio" da prescrição. Indeferimento "in limine" da peça inicial e garantia do contraditório e da ampla defesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1350, 13 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9592. Acesso em: 24 abr. 2024.