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O direito de arrependimento do consumidor

exceções à regra e necessidade de evolução legislativa no Brasil

O direito de arrependimento do consumidor: exceções à regra e necessidade de evolução legislativa no Brasil

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Na maioria das vezes, a aplicação do direito de arrependimento se baseia em uma exegese simplista e imediatista, realizada à luz do mecanismo gramatical, sem observância de outros recursos de interpretação normativa.

"A lei não é uma antigüidade para ser trazida, admirada e posta de volta à prateleira. É um instrumento dinâmico elaborado pela sociedade com o objetivo de eliminar os atritos e conflitos e, a menos que assegure justiça social ao povo, ela não irá atingir seu objetivo e, algum dia, o povo vai deixá-la de lado."

Bhagwati, 2002

Resumo

A partir da Revolução Industrial, surgiu um novo agente econômico que foi paulatinamente reconhecido como um dos atores principais das relações comerciais e, assim, das economias nacionais: o consumidor. A seu turno, a produção em larga escala veio modificar as relações econômicas e sociais, influindo diretamente na debilitação da soberania do Estado em face do poder econômico ascendente. Dessa forma, os consumidores foram posicionados em uma situação de flagrante desequilíbrio, ficando à mercê dos interesses das indústrias e das corporações comerciais face à total omissão estatal. No entanto, a partir da Segunda Guerra Mundial, uma Europa em busca de reconstrução e de remodelação das relações econômicas e sociais trouxe à discussão as graves conseqüências da ausência de proteção estatal em relação aos direitos e deveres do consumidor e do comerciante, sobretudo diante de um novo contexto de desenvolvimento acelerado de tecnologias de produção e de modernas formas de comercialização. A expansão dos serviços postais e a subseqüente evolução dos meios de comunicação à distância permitiram, por um lado, a expansão de novas oportunidades comerciais e de mercados de consumo, mas, por outro lado, agravaram a situação de vulnerabilidade do consumidor que sofria diante da lentidão na implementação de um sistema de proteção normativa. Em vista disso, foram implementados novos institutos de proteção ao consumidor especialmente nas negociações realizadas à distância. Assim surgiu o direito de arrependimento na Europa, posteriormente incorporado pelos países americanos, inclusive pelo Brasil, que o consignou no artigo 49 da Lei nº 8.078, de 1990 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Inicialmente, nos negócios realizados através de serviços postais; posteriormente, nas vendas porta-em-porta. A partir de então, nas demais relações comerciais que evoluíram para a realização de negócios por telefone e, mais recentemente, negócios eletrônicos através sobretudo da internet, massificando ainda mais as transações comerciais, até atingir um volume financeiro considerável. No entanto, o legislador nacional não modificou o sistema legislativo atual para compatibilizá-lo à nova realidade econômica e social do comércio eletrônico, tampouco considerou a necessidade de criar exceções normativas expressas à aplicabilidade do artigo 49. Agora, empresas ficam à mercê de interpretações normativas, que podem ou não serem realizadas à luz de acurados métodos de exegese jurídica. O que se tem observado, contudo, é que a literalidade da norma brasileira tem-se sobreposto à sua própria sistemática constitucional, promovendo uma injusta aplicação da norma abstrata ao caso concreto e, assim, gerando prejuízos consideráveis a empresas modernas. Esse quadro reclama evolução legislativa imediata, para contemplar, enfim, exceções à regra do prazo de reflexão, resgatando o equilíbrio das relações comerciais também em relação ao empresário, sobretudo à luz do princípio constitucional da isonomia e do princípio da boa-fé objetiva nos contratos.

Palavras-chave: arrependimento, Câmara, comércio, comunidade, Congresso, constituição, consumidor, consumo, deputado, desenvolvimento, direito, eqüidade, evolução, exceção, executivo, exegese, gramatical, hermenêutica, hipossuficiência.igualdade, internacional, interpretação, isonomia, judiciário, justiça, legislativo, lei, legislação, necessidade, negócio, norma, organizações, prejuízo, psicologia, regra, relação, rescisão, resilição, retratação, Senado, senador, sistemático, sociedade, sociologia, técnicas, vulnerabilidade.

Sumário:1.Introdução; 2.A evoluçãodas relações econômicas e surgimento da relação de consumo;3. A mens legis do direito de arrependimento brasileiro face à occasio legis;4.recepção na doutrina brasileira dos anseios internacionais de proteção do consumidor nos contratos formalizados fora do estabelecimento comercial;5.reforma legislativa na lei nº8.078/90; 6.Direito comparado;7. a necessidade de interpretação legislativa complexa para a adequação do fato social à norma abstrata; 8.enfrentamentos da questão no direito brasileiro;9.fundamento constitucional para não-aplicação do direito de arrependimento conforme o objeto do negócio jurídico;10.necessidade de evolução legislativa no brasil;11.proposições legislativas em tramitação no congresso nacional; 12. conclusão;13. Bibliografia


1. Introdução

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O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, completou dezesseis anos de existência neste ano de 2006.

A principiologia amplamente baseada na Constituição de 1988, as inovadoras idéias e a facilidade de assimilação contribuíram significativamente para a popularização desse diploma legal, provocando uma revolução econômica, jurídica e cultural no Brasil.

Em tão pouco tempo de vigência, o Código conseguiu promover uma conscientização nacional tanto em consumidores como em comerciantes quanto aos direitos e deveres de cada lado. E não é só. Os reflexos vão além da área social, atingindo o próprio setor produtivo: desde sua edição, empresas de todo o País buscaram adequar produção e atendimento às exigências de qualidade e eficiência nas técnicas de comercialização, de industrialização de produtos e de prestação de serviços.

Essa conquista, porém, não foi fácil.

A dificuldade em sistematizar a proteção do consumidor sempre foi tópico muito controvertido entre legisladores, magistrados e doutrinadores. A própria exposição de motivos do nosso CDC, com muita propriedade, realça essa questão:

"[...] não há um direito específico do consumidor, como, ao contrário, há um direito civil, mercantil, cambial, familiar, com natureza própria e compartida no cosmo jurídico.

Há, sim, [...] regras que, à medida da coexistência humana, impõem atenção mais acurada, soluções mais imediatas, policiamento mais prestante, na busca do equilíbrio social, uma vez que todos somos relacionados uns com os outros e exigimos, neste sentido, um mínimo de proteção.

[...] Também Eduardo Pólo [...] aponta o caráter interdisciplinar do chamado "direito dos consumidores" e, por conseguinte, de difícil sistematização, asseverando que ´a defesa e proteção do consumidor constitui-se hoje em dia num dos temas mais extraordinariamente amplos e que afeta e se refere a casos de todos os setores do ordenamento jurídico", visto que "a variedade das normas que tutelam ou deveriam tutelar o consumidor, pertencem não somente ao direito civil e comercial, como também ao direito penal e ao processual, ao direito administrativo e, inclusive, ao constitucional [...]."

Apesar dessa dificuldade, o Brasil concluiu um sistema sólido de tutela a esse importante segmento social, conseguindo posicionar-se entre os mais avançados países na proteção jurídica do consumidor, graças aos alicerces estampados na Constituição Federal e, em especial, graças à edição da Lei nº 8.078/90.

O País tornou-se um dos poucos na comunidade internacional a aprovar uma legislação exclusivamente consumerista e de grande abrangência, sendo, inclusive, referência mundial, especialmente para os países sul-americanos, onde reina imbatível no tema.

Isso revela o avançado estágio do ordenamento jurídico pátrio, conforme atesta Luiz Carlos Pavan (1997, p. 8-9) em estudo voltado ao público argentino:

"En principio se observa que la legislación brasileña ofrece un marco de protección de mayor alcance para los consumidores que en el resto de las normativas estudiadas.

En el primer caso, el contexto político en el que tuvo lugar la sanción del código de defensa del consumidor potenció las demandas ciudadanas en torno a una mayor protección de los intereses de los consumidores y neutralizó la ofensiva encarada por el sector empresarial.

A diferencia, en Argentina y a raíz de la presión ejercida por el lobby empresarial, la reglamentación de la ley 24.240 limitó el marco de cobertura propuesto originalmente, aunque en términos generales el texto presenta menores vacíos que en el caso de Chile.

La Ley de Defensa del Consumidor Chileno exceptúa muchos servicios de su ámbito, pero tiene la ventaja de haber creado un sistema administrativo de atención en todo el país, el Servicio Nacional del Consumidor (SERNAC), que además de otras funciones tiene la incumbencia legal para actuar como mediador.

Complementariamente, el consumidor tiene la posibilidad de reclamar ante el Juez de Policía local (una especie de justicia de menor cuantía) sin necesidad de abogado.

[...] En el ámbito del Mercosur, los dos otros socios en la integración todavía no poseen forma organizada para la defensa de este sector. Según DROMI, EKMEKDJIAN y RIVERA (1995: 362), en la República Oriental del Uruguay hay algunos proyectos en el Parlamento, mientras que en Paraguay una ley sancionada fue vetada por el Poder Ejecutivo." (grifo nosso)

Como se pode observar, o Brasil é de fato referência no tema. E ao encontro disso segue outro fator: o fortalecimento dos laços econômicos e políticos em torno da criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul).

O surgimento de um bloco econômico supranacional, em que os membros são os próprios Estados-nações, requer a convergência de interesses não somente financeiros e comerciais, mas também jurídicos e legais. Nesse contexto, a harmonia legislativa deve partir do ordenamento jurídico nacional para projetar-se à seara internacional – daí a necessidade de adaptação mútua dos diversos sistemas legislativos.

O mestre Leonir Batista (1998, p. 18) adverte que fica enfraquecido "[...] o propósito integracionista se os Estados-Partes mantiverem distâncias consideráveis de tratamento legal das matérias [...]" e prossegue: "[...] tratamentos legais diversos caracterizam uma barreira à circulação dos produtos, o que contraria a própria finalidade principal do sistema de mercados comuns [...]."

Assim, tendo em vista as recentes transformações sociais, econômicas e políticas na comunidade internacional, o Brasil tem arregimentado apoio de doutrinadores das mais diversas nacionalidades, tornando-se, assim, referência mundial na produção legislativa de proteção ao consumidor.

Todavia, por mais merecedor que seja de elogios, o nosso CDC ainda é uma lei no sentido estrito e, como tal, necessita compatibilizar-se com o contexto social em que vigora. A norma jurídica necessita estar apta a regulamentar o mundo real, respeitando a fluência de sistemas legais anteriores e até posteriores, sob pena de quedar-se inepta ou de promover injustiças sociais quando aplicada ao caso concreto.

Com base nesse entendimento, o trabalho a seguir apresentado vem abordar precisamente a necessidade de adequação legislativa sobre um dispositivo específico da lei consumerista: o direito de arrependimento, insculpido no art. 49, que dispõe:

"Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados."

A partir de um estudo de direito comparado, concluiremos que o CDC necessita passar por mais uma pequena – mas significativa – modificação, a fim de, primeiramente, habilitar-se à realidade sócio-econômica não somente brasileira, mas mundial.

Em um segundo plano, enquanto a evolução legislativa não ocorre, a aplicação do direito de arrependimento contido no art. 49 deve compatibilizar-se com a nossa Constituição Federal vigente de forma que sua aplicação deve ser realizada analisando-se as peculiaridades dos negócios jurídicos sobre os quais poderá ou não incidir, segundo as mais complexas técnicas de exegese jurídica, sob pena de promover injustiça social e, até mesmo, converter o direito em prejuízo econômico para ambos os lados da relação de consumo.

Dessa forma, estará o intérprete agindo em conformidade com o entendimento adotado por boa parte das nações do mundo, cujas legislações domésticas há muito adequaram os direitos do consumidor segundo uma ótica de proteção eqüânime, bilateral, entre consumidores e fornecedores.


2. A evolução das relações econômicas e surgimento da relação de consumo.

A História revela um progresso nas relações econômicas e sociais que parte da queda do sistema feudal e subseqüente ascensão da classe burguesa, atravessa a Revolução Industrial e atinge o ápice no moderno sistema capitalista e na política econômica neoliberalista, em que a participação do Estado nas economias nacionais tem sido rediscutida, sobretudo sob o prisma de proteção à novel classe econômica de consumidores.

De fato, nas últimas décadas, a comunidade internacional tem levantado calorosas discussões sobre a importância dos consumidores para o atual sistema econômico mundial e a necessidade de sua proteção, sobretudo diante do enfraquecimento do poder estatal face ao poderio econômico das grandes empresas e industria.

Esse fenômeno resulta de um processo que se iniciou com a explosão demográfica em meados do século XVIII, a partir da qual houve simultaneamente um crescimento na demanda por bens comercializados, o que, somado ao advento da Revolução Industrial, provocou intensa aceleração no processo de globalização, permitindo um extraordinário avanço tecnológico nos meios de produção e de transporte e o crescimento da produção em escala mundial, com reflexo até mesmo nas relações culturais e sociais dos Estados.

Paralelamente, a informática e as telecomunicações desenvolveram-se de forma a transformar a antiga sociedade industrial na moderna sociedade informacional, através da redução dos custos de transmissão de dados e do aumento progressivo na velocidade de processamento, superando ou mesmo eliminando as barreiras geográficas.

Essas mudanças resultaram em uma integração sistêmica da economia em nível supranacional, fortalecida pelo crescimento das redes empresariais, comerciais e financeiras no plano mundial. Esse processo, contudo, independe de controle político ou jurídico ao nível nacional, tendo superado as fronteiras do Estado-nação subordinando-o a políticas econômicas mundiais.

As nações soberanas mostraram-se ineficientes na condução e no controle de suas respectivas economias, o que enfraqueceu sua influência política. Segundo Habermas (1995, p. 89-99), "a administração e a legislação nacionais não têm mais um impacto efetivo sobre os atores transnacionais, que tomam suas decisões de investimentos à luz da comparação, em escala global, das condições relevantes de produção."

Assim, com o crescimento do poder econômico face à debilidade político-jurídica do Estado, as empresas passaram a dar vigência plena à lex mercatoria em detrimento do próprio ordenamento jurídico nacional, tornando a ponta da cadeia produtiva, ou seja, os consumidores, totalmente desamparada.

De fato, o investimento em estudos de comportamento humano, atrelando desde elementos tradicionais da psicologia moderna até mesmo aspectos de sociologia, permitiram um célere desenvolvimento sobretudo na área de publicidade comercial, dinamizando o fluxo de produção e de negociação.

Dessa forma, o consumidor ficou à mercê dos fornecedores, em situação de fragilidade negocial e econômica, pois passou a lidar com especialistas na arte de negociar, equipados com sedutoras técnicas de convencimento e com modernos recursos para a facilitação do negócio.

Diante disso, uma vez reconhecida a vulnerabilidade do consumidor na relação econômico e sua importância como agente econômico básico em qualquer economia, a comunidade internacional, capitaneada pelos países europeus – berço, não por acaso, do capitalismo liberal que primeiro fomentou a produção em larga escala –, convenceu-se da necessidade de proteção desse segmento, passando a discutir formas de o Estado intervir na relação comercial e tutelar o consumidor nas relações comerciais.

E esse fenômeno contaminou o espírito difusor e harmonizador das Organização das Nações Unidas (ONU), à qual o Brasil é filiado, influindo, assim, na edição da Lei nº 8.078/90.


3. A mens legis do direito de arrependimento brasileiro face à occasio legis.

Para uma melhor compreensão dos diversos aspectos jurídicos, sociais e econômicos que o direito de arrependimento irradia, faz-se imprescindível analisar a mens legis da norma brasileira, sobretudo a intentio legislatoris, bem assim o contexto histórico-social do País à época de sua edição.

Note-se que não se pretende exercer a hermenêutica jurídica ao arrepio das advertências de Chaïm Perelman e Carlos Maximiliano, para quem o hermeneuta não pode jamais partir de um só recurso de interpretação normativa para alcançar o significado e a extensão das palavras da lei.

Portanto, partiremos do encontro da intenção do legislador com o espírito da lei, utilizando-se posteriormente outros recursos, para, enfim, chegar à conclusão deste estudo.

O primeiro ponto a se observar foram os trabalhos legislativos influenciados pela mudança na consciência coletiva mundial, em especial, da ONU, de cujo tratado instituidor o Brasil é signatário, levando o legislador nacional a editar na lei consumerista brasileira o dispositivo merecedor de nossa atenção: art. 49 do CDC.

O dispositivo em referência consignou o direito de rescisão contratual imotivada por iniciativa exclusiva do consumidor, sem que lhe sejam imputados quaisquer ônus, bastando o preenchimento dos seguintes requisitos:

a)Contratação de produtos e serviços (relação de consumo);

b)Negócio jurídico concluído fora do estabelecimento comercial (à distância ou no domicílio do consumidor).

Os direitos albergados resumem-se a:

a)Prazo decadencial hebdomadário, contato a partir da assinatura do contrato ou do recebimento do produto ou do serviço (prazo de reflexão);

b)Resilição contratual (rescisão imotivada) mediante denúncia (notificação);

c)Devolução imediata do valor adiantado a qualquer título, corrigido monetariamente.

Conforme dissemos, esse dispositivo, assim como o diploma legal como um todo, vieram atender a uma demanda internacional de proteção ao consumidor, tendo o legislador nacional perfilhado a sugestão de organismos supranacionais, em especial a orientação da ONU, conforme consta da própria exposição de motivos do CDC:

"[...] A nível supra-estatal, a Organização das Nações Unidas, em sua resolução nº 39/248, aprovou, em sessão plenária de 9 de abril de 1988 de uma política de proteção ao consumidor, destinada aos estados filiados, tendo em conta os interesses e necessidades dos consumidores de todos os países e particularmente dos em desenvolvimento, reconhecendo que os mesmos consumidores enfrentam amiúde desequilíbrio em face da capacidade econômica, nível de educação e poder de negociação. Reconhece ainda que todos os consumidores devem ter o direito de acesso a produtos que não sejam perigosos, assim como o de promover um desenvolvimento econômico e social justo, eqüitativo e seguro. [...]"

E o fez com bastante propriedade, pois o Brasil, à época da edição da lei consumerista, já estava envolvido com os debates internacionais sobre o tema, vindo concretizar uma vontade não só doméstica, mas mundial, ainda que com meia década de demora.

Ainda assim, editou-se a lei nº 8.078, de 1990: um verdadeiro estatuto protecionista daquele segmento hoje reconhecido como um elemento básico de qualquer economia nacional.

A partir de então, diversos estudos foram realizados a respeito do novo direito do consumidor. No entanto, em relação ao ora estudado direito de arrependimento, nenhum considera a atual realidade sócio-econômica nem o princípio constitucional da isonomia como parâmetros para sua aplicação.


4. Recepção na doutrina brasileira dos anseios internacionais de proteção do consumidor nos contratos formalizados fora do estabelecimento comercial.

A Exposição de Motivos do anteprojeto de lei que deu origem ao CDC certamente representa um importante elemento para a interpretação dessa norma jurídica. No entanto, não é a única a revelar a psicologia da norma consumerista.

Por isso, sobre a intentio legislatoris acerca do art. 49 do CDC, não há melhor fonte a analisar senão a interpretação doutrinária que nos é apresentada pelos próprios autores do anteprojeto de lei que deu origem ao CDC.

Destacamos Ada Pellegrini GRINOVER et al. (2004, p. 550):

"Dentro do estabelecimento comercial [o consumidor] pode efetivar a esperada compra e venda, de acordo com suas previsões. Entretanto, o fornecedor pode oferecer-lhe outras alternativas, de modo a ampliar o rol de possibilidade de fechamento do contrato de consumo.

De todo modo, o consumidor está sujeito às variações naturais decorrentes de sua vontade de contratar, não se podendo falar que terá sido surpreendido pelo oferecimento das alternativas pelo fornecedor.

Quando o espírito do consumidor não está preparado para uma abordagem mais agressiva, derivada de práticas e técnicas de vendas mais incisivas, não terá discernimento suficiente para contratar ou deixar de contratar, dependendo do poder de convencimento empregado nessas práticas mais agressivas. Para essa situação é que o Código prevê o direito de arrependimento.

Além da sujeição do consumidor a essas práticas comerciais agressivas, fica ele vulnerável também ao desconhecimento do produto ou serviço, quando a venda é feita por catálogo, por exemplo. Não tem oportunidade de examinar o produto ou serviço, verificando suas qualidades e defeitos etc." (grifo nosso)

Mas não é só: a doutrina remansosa interpreta o art. 49 da mesma maneira. Entre os muitos expoentes, citamos Arruda Alvim (1995, p. 243), que, a seu turno, ensina:

"Trata-se de um prazo de reflexão, justificável em virtude da circunstância de que o consumidor que contrata fora do estabelecimento comercial tem, evidentemente, menos condições de avaliação do que estava contratando, sobretudo, se tratar-se de venda por telefone ou na casa do consumidor, pois, em casos que tais, a impotência do consumidor para avaliar o contrato e suas possíveis implicações é ainda maior. A venda feita fora do estabelecimento comercial é nitidamente mais agressiva, e imprime, à relação de consumo, um caráter acentuado de desequilíbrio." (grifo nosso)

Na mesma direção acena Eduardo Gabriel Saad (2002, p. 416):

"O Código de Defesa do Consumidor vem dificultar sobremaneira a prática já bastante difundida de vendas por telefone, via postal ou a domicílio, notadamente nos grandes centros urbanos. [...] Há métodos agressivos de vendas que induzem o consumidor a adquirir um produto que não o faria se estivesse em outro local e em circunstâncias diferentes."

Junta-se a esses doutrinadores Josué de Oliveira Rios (2001, p. 63-64):

"[...] este prazo de sete dias, estipulado para o consumidor desistir de contratos firmados fora dos estabelecimentos comerciais é chamado ´prazo de arrependimento´. Isso beneficia o consumidor principalmente em dois tipos de situação, nas quais as lesões são muito freqüentes. A primeira está nas práticas agressivas de vendas porta a porta, em que o consumidor, mesmo não estando predisposto a comprar, acaba caindo na ´hábil´ conversa de vendedores bem treinados, que o levam a comprar até terreno em alto-mar! Na segunda situação, o consumidor é induzido por publicidade a comprar produtos vendidos pelo sistema de reembolso postal, telemarketing ou até mesmo pela internet. Nessas condições, ele não tem contato direto com o produto, e acaba se surpreendendo negativamente quando este chega à sua casa." (grifo nosso)

Por fim, trazemos a lição de Inajara Silva Assis (2004, p. 154), que, com muita objetividade, preleciona:

"No direito de arrependimento, presume-se que o consumidor por celebrar o contrato sem examinar o produto ou serviço, ou pelas circunstâncias, não esteja preparado para a aquisição, sua vulnerabilidade sendo ainda maior que a do consumidor comum, e portanto é conferido a ele desistir do contrato."

Não há dúvida, portanto, de que a intenção do legislador e o espírito da lei ao conferir tal faculdade ao consumidor eram a de protegê-lo das práticas comerciais agressivas que lhe tolhessem ou diminuíssem a ampla capacidade de decidir sobre o negócio jurídico ou, ao menos, de lhe assegurar a plena correspondência entre sua expectativa sobre o bem ou serviço e a respectiva utilização ou execução.

Entretanto, os estudos, análises e comentários já elaborados acerca do direito de arrependimento e as decisões judiciais dos tribunais brasileiros não abordam o tema à luz das transformações sociais, políticas e até mesmo tecnológicas da atualidade, decorridos 16 anos da edição do Código de Defesa do Consumidor.

O que se observa é, em sua maioria, a aplicação do direito de arrependimento em uma exegese simplista e imediatista, realizada à luz do mecanismo gramatical, sem a necessária observância de outros recursos engenhosos de interpretação normativa.

O desprezo às demais modalidades de exegese jurídica, em especial a teleológica e a sistemática, têm gerado verdadeiros prejuízos financeiros, em primeiro lugar, aos comerciantes e prestadores de serviços e, em segundo lugar, aos próprios consumidores, que vêem os custos daqueles produtos ou serviços serem majorados por envolverem o fator risco na composição do seu preço. Mas essa será, também, uma outra análise mais aprofundada que faremos adiante.

Essas constantes privações de técnicas exegéticas, em grande parte, são causadas pela absoluta simplicidade gramatical do art. 49 do CDC e de seu parágrafo único, os quais, por outro lado, revelam uma complexa situação jurídica em torno da relativização da autonomia da vontade nos contratos de consumo e de potencialmente nefastos resultados econômicos, seja em relação ao consumidor seja em relação ao empresário.

Muito embora concluiremos pela necessidade de evolução legislativa desse dispositivo, a verdade é que a norma brasileira de proteção ao consumidor já sofreu uma meia dezena de modificações, em nada comparadas ao que se ora propõe, como veremos a seguir.


5. Reformas legislativas na Lei nº 8.078/90.

Com aproximadamente uma década e meia de existência no mundo jurídico, a lei consumerista brasileira ainda é atual e moderna, servindo inclusive de inspiração para outras reformas normativas nacionais, como a atualização da principal norma jurídica que rege os direitos civis – a Lei nº 10.406, de 2002 (Novo Código Civil) – mantendo-se praticamente incólume desde sua edição.

De fato, no decorrer de sua vigência, a lei sofreu algumas poucas modificações legislativas, a saber:

a)Lei nº 8.656, de 21 de maio de 1993, que "altera dispositivo da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que ´dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências´." Essa lei veio modificar o art. 57 do CDC, inserido na Seção que trata de sanções administrativas, dispondo acerca da aplicação da pena de multa em caso de descumprimento das normas consignadas no Código, sua gradação e destinação dos valores arrecadados, revogando o parágrafo único que dispunha dos valores mínimo e máximo para fixação da multa pecuniária, utilizando como indexador o BTN. A nova redação melhorou o texto, simplificando-o. Também foi estipulado prazo de 45 dias para que o Poder Executivo regulamentasse o procedimento de aplicação das sanções administrativas e, ao final, foi determinada obrigação ao Governo de atualizar os valores da pena de multa, respeitando os parâmetros vigentes à época da promulgação do CDC.

b)Medida Provisória n° 333, de 6 de julho de 1993, convertida na Lei nº 8.703, de 6 de setembro de 1993, que "acrescenta parágrafo único ao art. 57 da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor, e revoga o art. 3° da Lei n° 8.656, de 21 de maio de 1993." Como a própria ementa explicita, foi acrescentado novamente parágrafo único ao dispositivo, desta feita alterando o indexador para Ufir e adequando os limites mínimo e máximo da multa. Revogou-se, ainda, o dispositivo da primeira lei reformadora, que impunha ao Poder Executivo a atualização dos valores.

c)Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, que "transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências." Esse diploma legal alterou o caput do art. 39 do CDC, acrescentando ainda dois incisos, redefinindo o escopo de vedações a práticas abusivas praticadas por fornecedores de produtos ou serviços.

d)Lei nº 9.008, de 21 de março de 1995, que "cria, na estrutura organizacional do Ministério da Justiça, o Conselho Federal de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, altera os arts. 4º, 39, 82, 91 e 98 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e dá outras providências." Como a própria ementa traduz, a lei reformadora veio alterar os artigos mencionados, que dispõem sobre a proteção do consumidor. As alterações alcançam a redefinição da Política Nacional das Relações de Consumo e a promoção de ações coletivas na tutela de defesa do consumidor.

e)Lei nº 9.298, de 1° de agosto de 1996, que "altera a redação do § 1° do art. 52 da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, que ‘dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências’." Esse parágrafo estipulava o teto de 10% sobre o valor da prestação a título de multa moratória. Com a nova redação, o limite foi diminuído para 2%.

f)Medida provisória nº 1.890-67, de 22 de outubro de 1999, convertida na Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999, que "dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras providências." Essa norma jurídica apenas acrescentou o inciso XIII ao artigo 39 do CDC, vedando ao fornecedor de produto ou serviço aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.

Da análise das alterações normativas, conclui-se que o projeto de lei aprovado pelo Congresso mantém-se, na essência, inalterado, tendo apenas passado por uma evolução sistemático-legislativa em alguns pontos.

Dado o dinamismo das relações comerciais face ao desenvolvimento do sistema capitalista mundial, podemos afirmar que o Brasil não inovou substancialmente nas pequenas e pontuais reformas legislativas do CDC ao longo desses 16 anos de vigência, preservando o texto do diploma legal à luz da realidade social e econômica da época de sua edição, muito embora com grandes reflexos contemporâneos.

Nesse contexto, partindo-se do estudo de diversas normas consumeristas internacionais, observaremos que o Brasil tem muito a ensinar, como também tem a aprender com as propostas estrangeiras. Para tanto, focando o objeto do nosso estudo no direito de arrependimento, faz-se necessário um breve exercício de hermenêutica jurídica compreendendo tanto a norma brasileira como as legislações alienígenas.


6. Direito comparado.

6.1 Resolução A/39/248, de 16 de abril de 1985.

A Resolução nº 39/248 editada pela Assembléia Geral da ONU é considerada como a verdadeira origem dos direitos básicos do consumidor. Sua menção neste estudo não se relaciona especificamente ao direito de arrependimento, mas aos alicerces da proteção consumerista no âmbito internacional, que serviu, inclusive, de reconhecida inspiração ao legislador brasileiro quando da edição do CDC.

A bem da verdade, a Resolução não é o primeiro esforço internacional em prol dos consumidores, pois sua concepção foi precedida de outros dois momentos, segundo cronologia traçada por Newton de Lucca (1995 apud ALLEMAR, 2002): a iniciativa de criação de uma política específica dos consumidores no âmbito da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE) em 1969 e, posteriormente, já no âmbito da ONU, o reconhecimento pela Comissão das Nações Unidas sobre Direitos do Homem de que todo consumidor tem direitos básicos a serem respeitados, como, por exemplo, ser suficientemente informado sobre produtos e serviços, condições de negociação, direito de escolher livremente produtos semelhantes em um ambiente saudável de concorrência etc.

Assim, destacamos os trechos da citada norma, que certamente inspiraram os autores do anteprojeto de lei do CDC:

"I. OBJETIVOS

1. Considerando-se os interesses e necessidades de consumidores em todos os países, particularmente aqueles nos países em desenvolvimento; reconhecendo que aqueles consumidores freqüentemente enfrentam desequilíbrios em termos econômicos, níveis educacionais e jogo de forças; e tendo em mente que consumidores devem ter o direito de acesso a produtos seguros, assim como direito de promover o justo, eqüitativo e sustentável desenvolvimento econômico e social, estas diretrizes para a proteção do consumidor têm os seguintes objetivos:

[...]

(c) Encorajar níveis altos de conduta ética para aqueles encarregados da produção e distribuição de mercadorias e serviços para os conumidores;

[...]

III. diretrizes

[...]

B. Promoção e proteção dos interesses econômicos do consumidor

[...]

14. [...] Os governos devem intensificar seus esforços para prevenir práticas danosas para os interesses econômicos dos consumidores assegurando que os fabricantes, distribuidores e outros envolvidos na distribuição de mercadorias e serviços observem as leis estabelecidas e padrões obrigatórios. Organizações de consumidores devem ser encorajadas para monitorar práticas adversas, tais como a adulteração de alimentos, propagandas falsas ou enganosas, e as fraudes no comércio e na prestação de serviços.

[...]

20. O marketing promocional e as práticas de vendas devem ser guiadas pelo princípio de tratamento justo dos consumidores e devem encontrar respaldo legal. Este requer a provisão do necessário de informações que habilite os consumidores a tomarem decisões informadas e independentes, bem como medidas que assegurem que a informação fornecida é a correta. [...]" (grifo nosso)

Analisando o teor da referida Resolução 39/248 a que o legislador referiu-se, vemos as orientações básicas que ensejaram a reprodução do direito de arrependimento no ordenamento jurídico nacional, a saber:

a)O reconhecimento de uma situação de desequilíbrio econômico, educacional e negocial do consumidor;

b)O reconhecimento da necessidade de comercialização de bens e serviços com base em informações precisas e adequadas sobre todo o negócio jurídico;

c)A implementação de medidas que assegurem correspondência entre as informações fornecidas e os produtos ou serviços comercializados; e

d)A boa-fé na relação comercial.

Com base nesses elementos, o legislador internacional orientou os Estados-partes a adotarem medidas de proteção ao consumidor, especialmente quanto à equivalência da expectativa na aquisição do produto ou do serviço com a publicidade promovida pelo comerciante.

Por tais razões, o Brasil reproduziu no direito doméstico as diretrizes contidas na norma internacional, conferindo status normativo privilegiado à proteção do consumidor quando recepcionou o compromisso internacional em direitos protegidos na Constituição.

6.2 A legislação comunitária européia.

Quase que simultaneamente à mobilização internacional das Nações Unidas, outro importante grupo econômico supranacional, entre cujos membros estavam alguns signatários da Carta das Nações Unidas, reuniu-se em esforços concentrados visando orientar seus membros na adoção de normas protetivas dos consumidores.

Trata-se da a Comunidade Econômica Européia (CEE), posteriormente denominada União Européia (UE) – uma entidade jurídica, política, econômica e socialmente organizada na Europa e um dos maiores fenômenos havidos no mundo contemporâneo.

Sua principal existência fundou-se no desejo intracontinental de diversas nações em, por assim dizer, criar um bloco regional europeu face a um mercado internacional cada vez mais competitivo e instável, integrando mais de 25 países em torno de objetivos comuns, como, por exemplo, a formação de uma unidade política e econômica na Europa.

Entre as principais aspirações da nova entidade, destacam-se o mercado único europeu (união aduaneira), a moeda única (euro) e políticas comuns de pescas, agrícola, comercial e de transportes. Das instituições criadas para administrar a UE, destacam-se a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu, cada qual com suas atribuições próprias. E foi a partir da deliberação desses órgãos que diversas normas comunitárias foram editadas enfocando a regulação do comércio eletrônico e a necessidade de proteção do consumidor nesse ambiente tecnológico.

Isso se deveu, em grande parte, à pressão das organizações de consumidores, que foram surgindo após a Segunda Guerra Mundial, conforme leciona o professor Atanair Nasser Ribeiro Lopes (2002):

"A evolução histórica da proteção do consumidor europeu iniciou em 1950, quando surgiram na Europa as primeiras organizações de proteção. Logo em 1962, a Comissão da Comunidade Européia criava o Comitê de Contato dos Consumidores19 , que em setembro de 1973 passou a se chamar Comitê Consultivo dos Consumidores, e em 1990 passou a Conselho de Consumidores. Funcionava na época também o Instituto Europeu Inter-regional do Consumo. Em 1968, criou-se o Serviço de Representação dos Interesses dos Consumidores na Direção-Geral da Concorrência da Comunidade.

Em 1975, conforme leciona MAURO FINATTI, foi votado o ‘Primeiro Programa’ da Comunidade para uma ‘Política de Proteção e de Informação do Consumidor’, vindo a estabelecer um plano de ação comunitária e um carta contendo os cinco direitos fundamentais do consumidor: ‘(1) proteção da saúde e da segurança; (2) proteção dos interesses econômicos [...]; (3) ações de indenização para rápida reparação do prejuízo sofrido; (4) aconselhamento e informação [...]; (5) representação e participação[...]para exprimir seu parecer sobre projetos de lei [...].’

Em 1981 foi lançado o Segundo Programa, que permaneceu até 1985, quando foi lançado o Terceiro Programa. A partir de reuniões especiais dos Ministros dos Estados-membros foi adotado em 1985 o ‘Livro Branco’, com a finalidade de eliminar os entraves ao comércio além fronteira dos países, que se resumiam em barreiras físicas por meio de controles de fronteira; as normas e regulamentos nacionais que obstaculizavam o regime comunitário; e as barreiras fiscais através de taxas e regimes diferenciados no âmbito nacional.

Os três Programas de Proteção do Consumidor deram origem, em seguida, ao Plano de Ação Trienal de 1990 , que durou até 1992, e o Plano de Ação Trienal de 1993. Assim sucessivamente.

Por fim, é de se ressaltar um dos resultados dessa proteção, consistente na criação de uma rede européia de informação sobre os direitos dos consumidores, denominada, segundo MAURO FINATTI, de COLINE."

Essas mobilizações internacionais foram cruciais para a concretização e pela difusão das atuais normas de proteção do consumidor. E foi precisamente a Europa o berço das principais instituições jurídicas, como veremos a seguir.

6.2.1 Diretiva 85/577/CEE, de 20 de dezembro de 1985.

Editada pelo Conselho da então denominada Comunidade Econômica Européia (CEE), a Diretiva aborda a proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais, especificamente os negócios door-to-door, que foram rapidamente disseminados tantos nos Estados Unidos, e, em especial, na Europa, segundo nos informa a professora CLÁUDIA LIMA MARQUES (2004, p. 704-705):

"Na década de 70, calculava-se que 35% das vendas ao consumidor nos Estados Unidos tratavam-se de vendas door-to-door. Na Europa, igualmente, o volume de contratos originados por esta técnica, chamada agressiva, de vendas era grande, o que levou a doutrina a defender a necessidade de uma disciplina específica para este tipo de vendas, tendo em conta suas peculiaridades."

Dessa forma, após constatar o abuso nessa nova modalidade de promoção de vendas, podemos observar na motivação dessa norma comunitária os seguintes aspectos:

"Considerando que o programa preliminar da Comunidade Econômica Européia para uma política de proteção e de informação dos consumidores prevê, nomeadamente nos nºs 24 e 25, que é necessário proteger os consumidores através de medidas apropriadas contra práticas comerciais abusivas no domínio das vendas de porta a porta; que o segundo programa da Comunidade Econômica Européia para uma política de proteção e de informação dos consumidores confirmou que as ações e prioridades do programa preliminar deviam ser prosseguidas;

Considerando que os contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais do comerciante se caracterizam pelo fato de a iniciativa das negociações provir normalmente do comerciante e que o consumidor não está, de forma nenhuma, preparado para tais negociações e que foi apanhado desprevenido; que, muitas vezes, o consumidor nem mesmo pode comparar a qualidade e o preço da oferta com outras ofertas; que este elemento surpresa é tomado em linha de conta, não apenas nos contratos celebrados por venda ao domicilio mas também noutras formas de contrato em que o comerciante toma a iniciativa de vender fora dos estabelecimentos comerciais;

Considerando que é necessário conceder ao consumidor um direito de resolução por um período de pelo menos sete dias, a fim de lhe ser dada a possibilidade de avaliar as obrigações que decorrem do contrato;

Considerando que devem ser tomadas medidas apropriadas de forma a assegurar que o consumidor seja informado, por escrito, deste prazo de reflexão;" (tradução nossa)

O legislador comunitário, ao tecer tais considerações como forma de justificar a edição da Diretiva, na verdade partiu de um elemento constante do processo de criação das normas: a regulação posterior de fato social anterior.

Constatou-se, assim, o seguinte: as práticas comerciais door-to-door eram realizadas de forma abusiva, revelando prejuízo ao consumidor; a iniciativa das atividades comerciais, nesse tipo de negócio, eram principalmente dos próprios comerciantes; o consumidor que os recebe em sua residência encontra-se desprevenido, não preparado para avaliar com sabedoria e independência a necessidade de adquirir aquele produto ou as vantagens daquele negócio em relação ao mercado; e, em vista disso, a necessidade de conceder ao consumidor abordado nesse tipo de comercialização um prazo de reflexão que importe na retratação do negócio.

A título de ilustração, MARQUES (2004, p. 705), citando ORIANA, explica o porquê dos abusos cometidos nas vendas em domicílio:

"[...] o fornecedor que utiliza essa técnica vai ao encontro do cliente, que sem poder comparar os preços e a qualidade do produto apresentado e, por vezes, tento tentado livrar-se do importuno vendedor, decide-se pelo produto oferecido. Igualmente, dos vendedores a domicílio não é exigido um nível profissional maior, pois não existe vínculo empregatício entre ele e o fornecedor do produtos, sua remuneração se dera por prêmios ou porcentagens. Tudo acaba por incentivar que o vendedor utilize de qualquer artifício, inclusive o de mascarar ou omitir informações importantes para o consumidor sobre o preço, a qualidade e os riscos do produto, para vender mais e alcançar uma retribuição adequada."

E prossegue:

"De outro lado, o consumidor perturbado em sua casa ou no local de trabalho não tem o necessário tempo para refletir se deseja realmente obrigar-se, se as condições oferecidas lhe são realmente favoráveis; não tem o consumidor a chance de comparar o produto e a oferta com outras do mercado, nem de examinar com cuidado o bem que está adquirindo."

Assim, a partir desse contexto, a Diretiva prescreveu as normas orientadoras que serviriam de base para o desenvolvimento do direito de arrependimento na UE, vindo influenciar, ainda, outras nações ocidentais.

No comando normativo, as primeiras hipóteses de aplicação do direito de arrependimento fundamentaram-se em contratos celebrados conforme dispunha o art. 1º da Diretiva, que buscou definir as situações fáticas de contratação fora do estabelecimento comercial:

"Artigo 1º

1. A presente diretiva é aplicável aos contratos celebrados entre um comerciante que forneça bens ou serviços e um consumidor:

- durante uma excursão organizada pelo comerciante fora dos seus estabelecimentos comerciais, ou

- durante uma visita do comerciante:

i) à casa do consumidor ou à casa de outro consumidor;

ii) ao local de trabalho do consumidor, quando a visita não se efetua a pedido expresso do consumidor.

2. A presente diretiva é igualmente aplicável aos contratos concernentes ao fornecimento de outro bem ou serviço que não o bem ou serviço a propósito do qual o consumidor tenha pedido a visita do comerciante, desde que o consumidor, ao solicitar a visita, não tenha tido conhecimento ou não tenha podido razoavelmente saber que o fornecimento desse outro bem ou serviço fazia parte das atividades comerciais ou profissionais do comerciante.

3. A presente diretiva é igualmente aplicável aos contratos relativamente aos quais tenha sido feita uma oferta pelo consumidor em condições semelhantes às descritas nos nº 1 e nº 2, embora o consumidor não tenha ficado vinculado por essa oferta antes da aceitação desta pelo comerciante.

4. A presente diretiva é igualmente aplicável às ofertas contratuais feitas pelo consumidor em condições semelhantes às descritas nos nº 1 ou no nº 2 quando o consumidor fica vinculado pela sua oferta." (tradução nossa)

Logo nesse primeiro dispositivo, a Diretiva alcançou tacitamente a primeira exceção à aplicação do direito de arrependimento: na hipótese de o consumidor convocar o comerciante à sua residência, fica ele desguarnecido da retratação imotivada, salvo se pretendia adquirir um produto e adquiriu outro antes não solicitado.

Mais adiante, no art. 3º, a Diretiva excepcionou claramente a sua aplicabilidade normativa a determinados tipos de contrato, a saber:

"Artigo 3º

[...]

2. A presente diretiva não se aplica:

a) Aos contratos relativos à construção, venda e aluguel de bens imóveis, nem aos contratos respeitantes a outros direitos relativos a bens imóveis. Os contratos relativos ao fornecimento de bens e à sua incorporação nos bens imóveis ou os contratos relativos à reparação de bens imóveis são abrangidos pela presente diretiva;

b) Aos contratos relativos ao fornecimento de gêneros alimentícios ou de bebidas, ou de outros bens de consumo doméstico corrente entregues pelos distribuidores que efetuam visitas freqüentes e regulares;

c) Aos contratos relativos ao fornecimento de bens ou serviços, desde que se encontrem preenchidas as três condições seguintes:

i) que o contrato seja celebrado com base no catálogo de um comerciante que o consumidor teve oportunidade de consultar na ausência do representante do comerciante,

ii) que seja prevista uma continuidade de contato entre o representante do comerciante e o consumidor no que se refere a essa transação ou a qualquer transação posterior,

iii) que o catálogo e o contrato mencionem claramente ao consumidor o seu direito de devolver os bens ao fornecedor no prazo de pelo menos sete dias a contar da data da recepção, ou de rescindir o contrato no decurso desse período sem qualquer outra obrigação, exceto cuidar razoavelmente dos bens;

d) Aos contratos de seguro;

e) Aos contratos relativos a valores móveis." (tradução nossa)

Como se pode observar, afastou-se a eficácia da norma comunitária dos contratos imobiliários – salvo quando o objeto negócio forem os bens pertencentes ou incorporados ao imóvel –, de contratos de fornecimento continuado de bens domésticos, de contratos de fornecimento de bens e serviços que, simultaneamente, tenham sido celebrados a partir da oferta em catálogos fora do estabelecimento comercial, para a qual se preveja um tratamento continuado após a sua execução, desde que haja expressa menção ao direito de rescisão (sic) e de devolução dos bens no prazo de sete dias, devendo o consumidor zelar pelo produto em sua posse. Também se excepcionaram os contratos de seguro e relativos a valores mobiliários.

Muito embora esse dispositivo não trate especificamente do direito de arrependimento, já traz as bases para sua aplicação ao caso concreto assim como para as suas exceções.

Mais adiante, no art. 5º, consta a previsão do direito de arrependimento:

"Artigo 5º

1. O consumidor tem o direito de renunciar aos efeitos do compromisso que assumiu desde que envie uma notificação, no prazo de pelo menos sete dias a contar da data em que recebeu a informação referida no artigo 4º, em conformidade com as modalidades e condições prescritas pela legislação nacional. Relativamente ao cumprimento do prazo, é suficiente que a notificação seja enviada antes do seu termo.

2. A notificação feita desvincula o consumidor de qualquer obrigação decorrente do contrato rescindido" (tradução nossa)

Eis, portanto, o embrião do direito de arrependimento instituído na lei consumerista brasileira. As semelhanças são evidentes: possibilidade de resilição contratual no prazo de 7 dias – muito embora, nesse ponto, conte-se o prazo a partir de quando o comerciante comunicou o consumidor do seu direito de arrepender-se.

Exige-se ainda a notificação ao fornecedor para o exercício do direito, ficando o consumidor desobrigado a qualquer título em relação à rescisão contratual, e, uma vez exercido esse direito, os efeitos jurídicos decorrentes dessa retratação serão, conforme dispõe o seguinte art. 7º, regulados pela legislação nacional.

Impõe-se destacar, ainda, uma peculiaridade da Diretiva por meio da qual também se afasta a sua incidência: o parágrafo 1 do artigo 3º, que somente torna obrigatória a aplicação da norma comunitária em contratos nos quais a prestação a cargo do consumidor exceda 60 unidades de contas européias (UCE), uma unidade monetária antecessora do euro.

Além disso, a norma aplica-se exclusivamente aos contratos celebrados por iniciativa do comerciante, e não do consumidor, em razão da forma como se realizavam essa modalidade de negócios fora do estabelecimento comercial. Até então, a tecnologia não havia ainda permitido a ampla difusão de contratos formalizados à distância e a prática comercial mais difundida era a venda porta-em-porta, apesar de já haver relatos de comércio por serviços postais – nada, porém, significativos.

Acreditamos, enfim, que a expressão "fora do estabelecimento comercial" que fora incorporada pelo legislador brasileiro tenha encontrado nessa norma a sua original projeção, vindo a ser reutilizada e atualizada posteriormente às novas modalidades de comércio.

6.2.2 Recomendação da Comissão 92/295/CEE, de 7 de abril de 1992.

Posteriormente, a então denominada Comunidade Econômica Européia editou a Recomendação 92/295/CEE relativa a códigos de conduta para proteção dos consumidores em matéria de contratos negociados à distância.

No seu preâmbulo, a Recomendação apresenta a motivação que levou a CEE a editá-la, a saber:

"A Comissão das Comunidades Européias,

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Econômica Européia,

[...]

Considerando que foi decidido apresentar, sob forma de diretiva, uma plataforma de regras mínimas de proteção do consumidor com caráter necessário para o bom funcionamento deste mercado; que esta iniciativa foi também inspirada pela preocupação de evitar a fragmentação das legislações nacionais;

[...]

Considerando que as empresas que efetuam transações por meio de contratos à distância utilizam determinadas técnicas de promoção de vendas; que estas técnicas de promoção podem apresentar características específicas por via das técnicas de comunicação utilizadas; que se torna, portanto, especialmente necessário velar para que o consumidor seja suficientemente informado a este respeito;" (tradução nossa)

Fixam-se nessa manifestação orientadora os alicerces para a moderna concepção do direito de arrependimento, pois, então, já havia uma consciência coletiva da evolução tecnológica e negocial na publicidade empresarial e na realização dos contratos de consumo, os quais se revelavam cada vez mais freqüentemente concluídos fora do estabelecimento comercial.

E mais: o tratamento legislativo sobre a espécie de negócio jurídico passou de "fora do estabelecimento comercial" – tipicamente vinculada às vendas door-to-door – para "à distância" – mais propriamente afetas a negócios formalizados através de diferentes meios de comunicação.

A Recomendação, porém, tinha objeto mais específico, focado na preocupação em estimular a adesão de organizações profissionais aos códigos de conduta comercial. Por isso, concluía:

"1. Que as organizações profissionais de fornecedores se dotem de códigos de conduta, tendo designadamente por objeto especificar, consoante os sectores afetados ou as técnicas utilizadas, as regras mínimas constantes da diretiva relativa aos ‘contratos negociados à distância’;

2. Que as organizações profissionais de fornecedores insiram nestes códigos disposições respeitantes sobretudo aos pontos enunciados em anexo;" (tradução nossa)

No anexo referido, os seguintes pontos foram descritos:

"- promoção das vendas: disposições relativas às técnicas de promoção das vendas (descontos, prêmios, brindes, rifas e concursos), com o objetivo de respeitar os princípios de uma concorrência saudável e leal e, em particular, a informação inequívoca do consumidor,

[...]

- direito de resolução: no caso de utilização do direito de resolução pelo consumidor, prazo de reembolso de pagamentos adiantados," (tradução nossa)

Eis aí mais um elo da evolução do direito de retratação, onde a CEE já reconhecia a necessidade de se criar um ambiente legislativo em todos os Estados-membros que propiciasse garantias mínimas de proteção ao consumidor do negócio à distância. Trata-se, na verdade, do precedente normativo de uma Diretiva de enorme importância para o objeto do presente estudo, conforme passaremos a expor a seguir.

6.2.3 Diretiva 97/7/CE, de 20 de maio de 1997.

Tendo em vista ainda a necessidade de promoção de diretrizes jurídico-legais para concretização dos objetivos da agora denominada UE, os seus Parlamento europeu e o Conselho têm atuado no sentido de indicar aos países-membros o norte de sua atuação comunitária, sobretudo jurídica e legislativa, visando ao bem comum.

Em vista disso, foi editada a Diretiva 97/7/CE, relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos à distância, que regula os contratos formalizados em domicílio e similares, as vendas automatizadas e as vendas especiais esporádicas, estabelecendo modalidades proibidas de vendas de bens ou de prestação de serviços.

Trata-se de importante norma do sistema legislativo comunitário que privilegia, sobretudo, o princípio da lealdade e da isonomia nas transações comerciais. Através dela, os países-membros têm promovido adaptações normativas aos seus respectivos ordenamentos jurídicos, seja instituindo novos direitos, seja adequando direitos preexistentes, com o intuito de viabilizar os negócios à distância com garantias mínimas de proteção aos consumidores.

Em seu preâmbulo, a Diretiva ostenta algumas considerações interessantes que merecem ser aqui reproduzidas, de forma a evidenciar a mens legis comunitária:

"(2) Considerando que a livre circulação de bens e serviços diz respeito não só aos profissionais do comércio, mas também aos particulares; que implica, para os consumidores, a possibilidade de acederem aos bens e serviços de um outro Estado-membro nas mesmas condições que a população desse Estado;

(3) Considerando que as vendas transfronteiriças à distância podem constituir, para os consumidores, uma das principais manifestações concretas da realização do mercado interno, conforme observado, notadamente, na comunicação da Comissão ao Conselho intitulada "Para um Mercado Único da Distribuição"; que é indispensável ao bom funcionamento do mercado interno que os consumidores se possam dirigir a uma empresa fora do seu país, ainda que esta tenha uma filial no país de residência do consumidor;

(4) Considerando que a introdução de novas tecnologias implica a multiplicação dos meios postos à disposição dos consumidores para conhecerem as ofertas apresentadas em toda a Comunidade e fazerem as suas encomendas; que alguns Estados-membros já tomaram disposições diferentes ou divergentes de projeção dos consumidores em matéria de vendas à distância, com incidências negativas na concorrência entre as empresas que operam no mercado interno; que, por conseguinte, é necessário adotar um mínimo de regras comuns a nível comunitário neste domínio;

(5) Considerando que nos pontos 18 e 19 do anexo da Resolução do Conselho de 14 de Abril de 1975, relativa a um programa preliminar da Comunidade Econômica Européia para uma política de projeção e informação dos consumidores (4), se salienta a premência de proteger os compradores de bens ou serviços contra o pedido de pagamento de mercadorias não encomendadas e métodos de venda agressivos;

[...]

(14) Considerando que o consumidor não tem, em concreto, possibilidade de ver o produto ou de tomar conhecimento das características do serviço antes da celebração do contrato; que importa prever, salvo disposição em contrário da presente diretiva, um direito de rescisão; que é necessário limitar quaisquer custos suportados pelo consumidor para o exercício do direito de rescisão aos custos diretos de devolução do bem, dado que, caso contrário, este seria um direito meramente formal; que este direito de rescisão não prejudica os direitos do consumidor previstos na legislação nacional, nomeadamente em matéria de recepção de produtos e serviços deteriorados ou de produtos e serviços que não correspondem à descrição desses produtos ou serviços; que compete aos Estados-membros determinarem as outras condições e modalidades que resultem do exercício do direito de rescisão;" (grifo e tradução nossos)

Adiante, já no corpo normativo da Diretiva, temos o seguinte dispositivo:

"Artigo 2º - Definições

Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

1. Contrato à distância, qualquer contrato relativo a bens ou serviços, celebrado entre um fornecedor e um consumidor, que se integre num sistema de venda ou prestação de serviços à distância organizado pelo fornecedor, que, para esse contrato, utilize exclusivamente uma ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração." (tradução nossa)

Logo de início, no artigo 2º, a norma comunitária busca homogeneizar a espécie jurídica "contrato à distância", o que foi adotado literalmente em muitos países signatários, definindo-o com fundamento especial na maneira como se dá a formalização do contrato, ou seja, através de técnicas de comunicação à distância, desde as negociação prévias até a celebração do negócio.

A Diretiva utiliza-se da expressão "à distância", tendo já incorporado a definição anterior da Recomendação da Comissão 92/295/CEE, evitando, assim, controvérsias como as que se instauraram no Direito brasileiro, em que o conceito de estabelecimento comercial gerou dúvidas sobre o significado jurídico dessa expressão.

Mais à frente, no artigo 3º, a Diretiva apresenta a sensibilidade jurídica que embasa nosso estudo, quando dispõe das exceções regulamentares entre os diversos tipos de contratos:

"Artigo 3º - Exclusões

1. A presente diretiva não se aplica a contratos:

- relativos a serviços financeiros, cuja lista não exaustiva consta do anexo II,

- celebrados através de distribuidores automáticos ou de estabelecimentos comerciais automatizados,

- celebrados com operadores de telecomunicações pela utilização de cabinas telefônicas públicas,

- celebrados para a construção e venda de bens imóveis ou relativos a outros direitos respeitantes a bens imóveis, exceto a locação,

- celebrados em leilões." (tradução nossa)

Passemos a uma análise seccional dessas hipótese de afastamento da Diretiva européia, uma vez que essas orientações são perfilhadas, em muitos casos literalmente, pelas legislações nacionais dos diversos países-membros, sofrendo pequenas modificações redacionais ou adequações aos respectivos ordenamentos jurídicos.

Serviços financeiros: existe uma preocupação real e justa do legislador europeu em afastar a incidências de normas que envolvam negócios comerciais daquelas referentes a negócios bancários ou financeiros – o que não chega a ser uma exclusividade internacional, pois, no Brasil, em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade nº 2591, em que se pretendia, resumidamente, afastar a exegese do CDC dos negócios financeiros.

Isso porque, sendo o modelo estatal atual derivado de uma evolução político-social na Idade Média (decadência do sistema feudal em favor da burguesia e da monarquia absolutista, Constituição pactuada etc.), o impacto econômico-financeiro na vida social é de tal forma significativo que afeta a própria soberania do Estado, reclamando, assim, legislações específicas que disciplinem esse setor conforme suas peculiaridades macro-sociais.

Vending Machines e estabelecimentos automatizados (ou self-service): posteriormente, quando o legislador comunitário excepciona bens e serviços negociados em vending machines (distribuidores automáticos), buscou adaptar ao mundo jurídico um comodismo de consumo que não se enquadra perfeitamente ao conceito de contrato à distância.

Afinal, pairava um resquício do conceito histórico de negócio realizado fora do estabelecimento comercial, o que poderia conduzir ao entendimento de que, às compras feitas através dessas máquinas, aplicar-se-ia o direito de arrependimento por estarem localizadas fora do estabelecimento comercial.

Entretanto, deve-se entender essa exceção a partir da Consideração nº 14, por meio da qual devem os Estados-partes proteger o consumidor que "não tem, em concreto, possibilidade de ver o produto ou de tomar conhecimento das características do serviço antes da celebração do contrato".

Isso não ocorre também nas vendas de produtos ou na prestação de serviços automatizados em que o consumidor tem pleno acesso às informações sobre o bem comercializado, inclusive visualmente.

A título de ilustração, podemos citar as máquinas de distribuição de refrigerantes em lata. Apesar de não ter acesso táctil ao produto, o consumidor dispõe de mostruário gráfico (imagens publicitárias) ou concreto (exposição do produto que lhe será entregue), além de todas as informações sobre o bem.

Outro exemplo são as lavanderias self-service, nas quais o consumidor prescinde de um atendente para usufruir do serviço de lavagem e secagem de roupas. Com a simples inserção de valores em moedas, notas ou até cartões de crédito, o consumidor tem pleno acesso às funcionalidades da máquina que irá lhe prestar o serviço, a partir da manipulação de botões. Nesse caso, o consumidor tem total acesso à extensão do serviço que lhe será prestado, de tal forma que se dispensa até mesmo a presença e a orientação de uma pessoa humana respondendo pelo estabelecimento comercial. De fato, é o próprio consumidor o prestador de serviço, pois apenas utiliza o maquinário alheio através de contraprestação monetária.

Cumpre observar ainda que, em ambas as situações, é do próprio consumidor a iniciativa da contratação, o que por algum tempo foi considerado um relevante fator para excepcionar a aplicabilidade do direito de arrependimento.

Operadores de telecomunicações em cabines públicas: outro ponto interessante é a exceção incidente sobre negócios eventualmente formalizados através de operadores de telecomunicação em cabines públicas. Os tipos de contratação realizados através desses operadores são restritos e normalmente voltados à prestação de serviços de telecomunicação, como a intermediação de ligações de longa distância, a aquisição de créditos para telefones pré-pagos etc. Daí a razão de não se aplicar o conceito de contrato à distância nesses negócios, pois, em sua essência, são atividades-meio e não atividades-fim.

Além disso, o serviço é exauriente e prescinde de maiores detalhamentos sobre sua execução. Não é um serviço muito comum no Brasil, mas é bastante difundido nos países desenvolvidos.

Contratos imobiliários: a seu turno, os negócios imobiliários remetem às normas protetoras do direito à propriedade, outro legado do pacto político-econômico do final do séc. XV. Sendo a proteção à propriedade privada a base de toda a sociedade moderna, nada mais lógico do que relegar os contratos imobiliários às leis imobiliárias. Afora isso, é princípio recorrente do Direito que a excepcionalidade afasta a generalidade, resguardadas as hierarquias e a natureza das normas conforme cada Estado.

Leilões particulares: no caso dos leilões, também não encontram guarida os direitos que regulamentam os contratos à distância. A peculiaridade desse negócio requer, como pressuposto, a plena consciência do arrematante quando manifesta o lance, ou seja, sua declaração de vontade em adquirir determinado bem sob determinado preço.

Assim, não tem respaldo a Consideração nº 14 que acabamos de observar. O consumidor que adquire um bem em leilão o faz de livre e espontânea vontade, com a pressuposição de consciência absoluta e voluntária sobre o negócio jurídico, sobretudo sobre o bem leiloado.

Além disso, é da própria essência do contrato de leilão sua forma de negociação, incluindo a irreversibilidade da decisão, ressalvados os casos de ilegalidade ou de abuso de direito.

A esse respeito, entendemos ser aplicável a Diretiva 97/7 ao leilão em sentido estrito, ou seja, ao negócio jurídico realizado através de lances que representam valores sobrepondo-se uns aos outros, entre diferentes interessados na aquisição do produto leiloado, este culminando com a concretização do negócio pelo maior lance.

No Brasil, sites especializados em leilão virtual desfiguraram essa forma de negócio, com o que passaram a denominar "leilão instantâneo", "compra instantânea", "compra imediata" etc. Não há ali um consórcio de interessados, nem a disputa em lances. Literalmente, é um contrato de compra e venda comum, do tipo "pagou, levou".

Mais adiante, no artigo 6º, cujos parágrafos comentaremos individualmente, a Diretiva européia dá início à previsão do direito de arrependimento, que denomina right of withdrawal em sua versão inglesa, diritto di recesso em italiano, droit de rétractation em francês, derecho de resolución ou desistimiento em espanhol:

"Artigo 6º - Direito de rescisão.

1. Em qualquer contrato à distância, o consumidor disporá de um prazo de, pelo menos, sete dias úteis para rescindir o contrato sem pagamento de indenização e sem indicação do motivo. As únicas despesas eventualmente a seu cargo decorrentes do exercício do seu direito de rescisão serão as despesas diretas da devolução do bem.

Para o exercício deste direito, o prazo é contado:

- em relação a bens, a partir do dia da sua recepção pelo consumidor sempre que tenham sido cumpridas as obrigações referidas no artigo 5º,

- em relação a serviços, a partir do dia da celebração do contrato ou a partir do dia em que tenham sido cumpridas as obrigações referidas no artigo 5º, se tal suceder após a celebração do contrato, desde que o prazo não exceda o prazo de três meses indicado no parágrafo seguinte.

Se o fornecedor não tiver cumprido as obrigações referidas no artigo 5º, o prazo é de três meses. O prazo é contado:

- em relação a bens, a partir do dia da sua recepção pelo consumidor,

- em relação a serviços, a partir do dia da celebração do contrato.

Se as informações referidas no artigo 5º forem fornecidas dentro do prazo de três meses, o consumidor dispõe, a partir desse momento, do prazo de sete dias úteis indicado no primeiro parágrafo." (tradução nossa)

O parágrafo 1º desse dispositivo traz as orientações sobre o conceito e o exercício do direito de arrependimento. Segundo a Diretiva, trata-se de direito para rescindir o contrato de consumo (de bens ou de serviços) desmotivadamente e sem qualquer ônus, exceto o custeio da remessa do bem de volta ao fornecedor e, ainda assim, "eventualmente", pois, não raro, muitas empresas suportam esse custo como técnica de marketing, visando ganhar a simpatia do consumidor diante de seu produto.

O prazo é semelhante ao previsto no CDC. Contudo, trata-se de dias úteis, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde o prazo flui em dias corridos. Parece-nos, nesse caso, que a utilização de dias úteis para efeito de contagem de prazo é mais condizente com a necessidade e a finalidade desse direito. Na prática, equivale a uma diferença de dois dias corridos em relação ao prazo hebdomadário brasileiro.

Ocorre que a sua contagem recebe uma distinção que não tem paralelo na legislação brasileira: o termo inicial varia de acordo com o objeto do negócio. Tratando-se de produto, conta-se a partir da recepção do bem. Sendo serviço, a partir da contratação. A norma brasileira permite ambas as formas de contagem, mas não faz distinção quanto à espécie do objeto contratual.

Outra diferença interessante é que a contagem do prazo depende do cumprimento de obrigações como o fornecimento de informações por escrito sobre o endereço para o qual o produto será devolvido, além de outras previstas no art. 5º. Uma vez descumprido o disposto nesse artigo, a norma comunitária previu uma prorrogação do prazo para exercício do direito de arrependimento em até três meses. Entretanto, caso o disposto no art. 5º seja cumprido dentro desse período, a partir de então tem início a fluência do prazo de sete dias úteis.

Adiante, o parágrafo 2º prevê a forma e o prazo para ressarcimento e os ônus com que deverá o consumidor arcar:

"[...] 2. Quando o direito de rescisão tiver sido exercido pelo consumidor, nos termos do presente artigo, o fornecedor fica obrigado a reembolsar os montantes pagos pelo consumidor sem despesas para este. As únicas despesas eventualmente a cargo do consumidor decorrentes do exercício do seu direito de rescisão serão as despesas diretas da devolução do bem. O reembolso deverá ser efetuado o mais rapidamente possível, e sempre no prazo de trinta dias." (tradução nossa)

O parágrafo 3º trata, enfim, do cerne dos nossos estudos. Excepciona os tipos contratuais que não comportam, em regra, o direito de arrependimento:

"[...] 3. Salvo acordo em contrário entre as partes, o consumidor não pode exercer o direito de rescisão previsto no nº 1 nos contratos:

- de prestação de serviços cuja execução tenha tido início, com a anuência do consumidor, antes do termo do prazo de sete dias úteis previsto no nº 1,

- de fornecimento de bens ou de prestação de serviços cujo preço dependa de flutuações de taxas do mercado financeiro que o fornecedor não possa controlar,

- de fornecimento de bens confeccionados de acordo com especificações do consumidor ou manifestamente personalizados ou que, pela sua natureza, não possam ser reenviados ou sejam susceptíveis de se deteriorarem ou perecerem rapidamente,

- de fornecimento de arquivos digitais de áudio e de vídeo ou de aplicativos informatizados dos quais que o consumidor tenha retirado o lacre,

- de fornecimento de jornais e revistas,

- de serviços de apostas e loterias." (tradução nossa)

Como se pode observar, a legislação comunitária está bastante atualizada em relação às evoluções tecnológicas e seus reflexos no mundo comercial. As exceções retratam com bastante amplitude a harmonia entre proteção ao consumidor e proteção ao fornecedor, no verdadeiro espírito do princípio da isonomia.

A fim de melhor compreendermos essas exceções, passa-se à análise seccional do quanto disposto no parágrafo 3º.

Acordo em sentido contrário: logo no início do parágrafo 3º está consignada que o direito de arrependimento e as exceções de que trata esse dispositivo podem ser aplicados se consumidor e fornecedor assim dispuserem claramente, mediante acordo, o que se revela uma boa solução dadas as peculiaridades de cada negócio e de cada negociação.

Anuência expressa do consumidor: reside no primeiro inciso do parágrafo 3º uma valorização da autonomia e da declaração de vontade do consumidor que, muito embora tenha a seu favor o gozo do direito de arrependimento, ainda assim determina ao fornecedor que dê início à execução do seu serviço antes de findado o intervalo legal. Agindo dessa forma, perde o direito à retratação. Trata-se, na verdade, de renúncia tácita ao direito de arrependimento, através da prática de ato incompatível com a proteção legal.

Flutuação do preço alheia à vontade do fornecedor: também se objetivou resguardar a "situação do negócio" no decurso do tempo. Se o preço para execução do serviço está de alguma forma vinculado à flutuação do mercado financeiro (gastos, risco negocial, captação de recursos, taxas, impostos específicos etc.), não importando se para mais ou para menos, não pode o consumidor usufruir desse direito, sob pena de ganhar vantagem indevida em detrimento de prejuízo do comerciante.

Produtos personalizados ou altamente perecíveis: o legislador protegeu ainda a negociação de bens feitos sob encomenda, ou seja, personalizados, cujo nível de especificação na fabricação ou no acabamento seja de tal forma atrelado ao pedido do consumidor que o bem somente poderá ser comercializado àquele indivíduo, não tendo qualquer valor de negócio perante terceiros.

Também se enquadram nesse parágrafo os bens que, de alguma forma, somente possam ser aproveitados por aquele consumidor contratante ou, ainda, que sejam perecíveis ou de fácil deterioração.

As idéias nucleares aqui são: resguardar o negócio personalizado, que, por motivos óbvios, uma vez feito não pode ser desfeito ao bel prazer de uma das partes e, ainda, o negócio que tenha por objeto bens rapidamente deterioráveis, de forma que o prazo de 7 dias úteis implica relevantes modificações em seu valor ou em sua utilidade, acarretando prejuízo ao comerciante.

Arquivos digitais e softwares: a exceção prevista em seguida, além de muito atual, tem chamado a atenção de todo o mundo moderno e está diretamente relacionada ao boom de negócios eletrônicos ou cibernegócios, em que se adquirem bens imateriais (ou virtuais), como são os casos das músicas em formato digital (MP3, WMA etc.) e os videoclipes digitais.

Ora, a internet é um fenômeno que provocou surpreendentes modificações na história da Humanidade, notadamente em todas as formas de relacionamento, inclusive comercial. Nesse contexto, uma das principais fontes de negócios virtuais é a comercialização de arquivos digitais que contêm informação proprietária nos diversos níveis de comunicação: áudio, vídeo, texto, imagens etc.

A própria facilidade de reprodução dessas informações, o que, em parte, viabiliza sua negociação, também pode facilitar pequenos atos delituosos, como a reprodução desautorizada e ilegal, ou seja, a pirataria.

Por isso, ao baixar dados, por exemplo, de um arquivo de música em formato MP3, a legislação comunitária impede que o consumidor possa posteriormente "desfazer" esse negócio, pois, de outra forma, haveria uma verdadeira promiscuidade negocial amparada no direito de arrependimento – o que, futuramente, iria desestimular esse setor e impedir a evolução natural do negócio e da própria tecnologia.

Jornais e revistas: de forma similar, revistas, periódicos e jornais, muito embora sejam principalmente materializados em papel impresso, na verdade têm por objeto a comercialização da informação neles estampada – que nada mais é do que outro elemento virtual e imaterial. Muito embora a mídia seja, em regra, papel impresso, o objeto é o mesmo que se comercializa em um sítio da internet. Por essa razão, uma vez adquirido o jornal e lida a informação que nele se encontra, não pode o consumidor desistir do negócio.

A razão é um pouco mais peculiar que a do caso dos arquivos em MP3: o objeto do negócio, uma vez executado o contrato pelo fornecedor, é exauriente, ou seja, não caberia o "retorno da informação" ao veículo que já a propagou.

Serviços de apostas e lotéricas: no caso das apostas e lotéricas, as razões também são óbvias. Cada dia de apostas revela um peso diferente para aquelas remanescentes, que afetam o quadro geral e os preços. Por isso, tal como ocorre no mercado financeiro, a manutenção da declaração de vontade é elemento essencial para a execução do serviço, sob pena de afetar o resultado final de forma prejudicial aos demais apostadores ou à própria empresa promotora.

Logo, não há de se utilizar o direito de arrependimento em lotéricas, pois, se assim fosse, o consumidor que não lograsse êxito poderia "arrepender-se" e requerer o ressarcimento pelas apostas frustradas, uma vez dentro do prazo legal para o "arrependimento". Isso também afetaria o prêmio, o que não pode prevalecer.

Em suma, podemos observar que o legislador comunitário atentou às especificidades de tipos distintos de contratos, segundo a repercussão econômica que o direito de arrependimento poderia causar às partes contratantes, com vistas, inclusive, a impedir o desestímulo e a extinção de determinados negócios jurídicos, bastante sensíveis à intervenção estatal.

Em vista disso, naqueles contratos em que o desfazimento imotivado iria nitidamente acarretar prejuízos unilaterais ao fornecedor e, assim, ao setor comercial envolvido, a orientação contida na Diretiva tratou de excepcioná-los, preservando o equilíbrio das relações comerciais entre fornecedores e consumidores.

6.2.4 Resolução C/23/01, de 19 de janeiro de 1999.

Em 1999, o Conselho da União Européia editou a Resolução nº 23/01, dispondo sobre "aspectos relativos ao consumidor na sociedade da informação". Essa também não é uma norma internacional que trata especificamente do direito de arrependimento, mas, assim como a Resolução da ONU A/39/248, contém elementos que merecem destaque neste estudo.

Por isso, analisando mais esse ato normativo comunitário, observamos que a Resolução veio estabelecer normas regulamentares aos Estados-membros no âmbito do comércio eletrônico, considerando a evolução tecnológica atual e seus reflexos nas transações comerciais.

Inicialmente, as considerações que antecedem o texto normativo delineiam com precisão o contexto econômico-social da sociedade informacional de hoje, a saber:

"(1) Considerando que o desenvolvimento contínuo de novas tecnologias de transmissão e armazenagem de informação está a conduzir a inovações a nível organizativo, comercial, técnico e jurídico com profundo impacto na sociedade em geral;

(2) Considerando que as novas tecnologias das comunicações terão um impacto substancial na vida quotidiana de todos os cidadãos, independentemente do caráter ativo ou passivo da sua atitude em relação a essa evolução;

(3) Considerando que as novas tecnologias da informação e das comunicações bem como o desenvolvimento paralelo da sociedade da informação oferecem inúmeras vantagens potenciais para os consumidores, mas também criam novos contextos comerciais com que estes estão pouco familiarizados e que podem pôr em perigo os seus interesses;

[...]

(5) Considerando que a confiança dos consumidores constitui uma condição indispensável para que estes aceitem a sociedade da informação e nela participem;

(6) Considerando que, para instaurar essa confiança, é necessário facultar, relativamente às novas tecnologias, um nível de proteção equivalente ao existente nas transações tradicionais, através da aplicação dos princípios existentes da política dos consumidores aos novos produtos e serviços disponíveis na sociedade da informação, nomeadamente:

[...]

c) A proteção dos consumidores contra práticas comerciais não solicitadas, enganosas e desleais, inclusive publicitárias, e o apoio à criação de meios fiáveis que lhes permitam filtrar o conteúdo dos sistemas de comunicação;

[...]

II. ACORDA O SEGUINTE:

[...]

2. Reexaminar periodicamente a evolução do papel dos consumidores e dos riscos e oportunidades com que deparam na sociedade da informação." (tradução nossa)

O objetivo dessa Resolução era o de convidar os Países-membros a analisar a legislação então editada pela Comunidade Européia e voltada à proteção dos consumidores no contexto da sociedade da informação, identificando lacunas e apontando melhorias.

Referida norma ao final estabeleceu com muita propriedade um dos pontos do nosso estudo: a necessidade reiterada de rever a situação fática dos consumidores e dos fornecedores com determinada periodicidade, implicando evolução jurídico-legal da matéria para sua adaptação no âmbito da sociedade informacional.

Como veremos na conclusão desse estudo, o CDC necessita passar por essa revisão, especificamente quanto ao direito de arrependimento retratado no art. 49.

6.3 A legislação francesa: Code de la Consommation.

Na França, o Código do Consumo foi consolidado pela lei nº 93-949, de 16 de julho de 1993 (parte legislativa). Posteriormente, foi regulamentado pelo decreto nº 97-298, de 27 de março de 1997 (parte reguladora). Sofreu diversas modificações em seus artigos, em grande parte através das Ordonnances, que são uma espécie de decreto expedido pelo Poder Executivo, bastante utilizado para modificar disposições legais em cumprimento às diretivas da Comunidade Européia.

A norma consumerista francesa, apesar de antiga, já previa a retratação do contrato desmotivadamente para os negócios realizados em domicílio (door-to-door), chamado droit de rétractation (a doutrina francesa também o intitula droit de repentir). Entretanto, era tal qual a brasileira, irrestrita e plenamente aplicável:

"Art. L.311-28.

Em caso de venda ou entrega em domicílio, o período de retratação é de sete dias qualquer que seja a data de fornecimento ou fornecimento do bem ou da prestação de serviços. Nenhum pagamento à vista pode ser exigível antes da expiração deste prazo." (tradução nossa)

Após a Diretiva comunitária, o legislador francês adequou o sistema doméstico à nova realidade jurídica internacional. A lei francesa foi modificada, destinando toda a seção 2 do capítulo primeiro do título II – voltado às práticas comerciais – a ventes de biens et fournitures de prestations de services à distance, ou, em tradução livre, venda de bens e fornecimento de serviços à distância (artigos L121-16 a L121-20-16).

Interessa-nos, particularmente, a atual subseção 1. Já no caput do artigo L121-16, o legislador francês prescreveu:

"Artigo L. 121-16.

As disposições da presente subseção aplicam-se a toda venda de bem ou fornecimento de serviço concluído sem a presença física simultânea dos contratantes, entre um consumidor e um profissional que, pela conclusão desse contrato, utiliza exclusivamente uma ou mais técnicas de comunicação à distância. Todavia, as disposições não se aplicam aos contratos relativos a serviços financeiros." (tradução nossa)

No artigo seguinte, são apresentadas as exceções, em correspondência muito semelhante à Diretiva 97/7/EC:

"Artigo L. 121-17.

Não se submetem às disposições da presente seção os contratos:

1º celebrados com operadores de telecomunicações pela utilização de cabinas telefônicas públicas;

2º celebrados para a construção e venda de bens imóveis ou relativos a outros direitos concernentes a bens imóveis, exceto locação;

3º celebrados envolvendo recursos públicos." (tradução nossa)

Passemos agora ao artigo que mais importa ao nosso estudo, ou seja, àquele que prevê o direito de arrependimento. Esse direito foi modificado pela Ordonnance nº 2001-741, de 23 de agosto de 2001, publicado no Journal Officiel de 25 de agosto de 2001: Artigo L121-20-2. Este dispositivo também reproduz boa parte da Diretiva da 97/7/EC:

"Artigo L. 121-20.

O consumidor dispõe de um prazo de sete dias úteis para exercer o seu direito de retratação sem ter de justificar motivos nem pagar penalidades, exceto, se for o caso, as despesas de devolução. O consumidor pode não observar esse prazo no caso não poder deslocar-se e quando simultaneamente tiver necessidade de recorrer à uma prestação imediata e necessária às suas condições de existência. Neste caso, ele continuará a exercer o seu direito de retratação sem ter de justificar motivos nem pagar penalidades.

O prazo mencionado no parágrafo anterior correrá a partir da recepção dos bens ou da aceitação da oferta para as prestações dos serviços.

Quando as informações previstas no artigo L. 121-19 não foram fornecidas, o prazo para o exercício do direito de retratação será prorrogado a três meses. No entanto, quando o fornecimento destas informações ocorrer no intervalo dos três meses a contar da recepção dos bens ou a aceitação da oferta, ficará deflagrado o curso do prazo de sete dias mencionado no primeiro parágrafo.

Quando o prazo de sete dias expira em um sábado, em um domingo ou em um feriado ou dia não-útil, ficará prorrogado até ao primeiro dia útil seguinte." (tradução nossa)

Adiante, temos as exceções ao exercício do direito de retratação, praticamente idêntica à da Diretiva 97/7/CE:

"Artigo L. 121-20-2.

O direito de retratação não pode ser exercido, exceto se as partes convencionarem diferentemente, para os contratos:

1º de fornecimento de serviços cuja execução começou com a anuência do consumidor, antes do fim do prazo de sete dias úteis;

2º de fornecimento de bens ou de serviços dos quais o preço é fixado em função de flutuações das taxas do mercado financeiro;

3º de fornecimento de bens confeccionados de acordo com as especificações do consumidor ou claramente personalizados ou que, devido à sua natureza, não podem ser reaproveitados comercialmente ou são suscetíveis de deteriorar-se ou de perimir-se rapidamente;

4º de fornecimento de arquivos digitais de áudio e de vídeo ou de aplicativos informatizados dos quais que o consumidor tenha retirado o selo;

5º de fornecimento de jornais, de periódicos ou de revistas;

6º de serviço de apostas ou de lotéricas autorizadas." (tradução nossa)

Observa-se, assim, que a legislação francesa adotou integralmente a Diretiva, com pequenas modificações redacionais, ratificando a necessidade de excepcionar a aplicação do direito de arrependimento conforme o objeto do negócio jurídico entabulado na relação de consumo.

Uma peculiaridade sobre a norma francesa reside na forma como esse legislador tratou do vínculo contratual entre consumidor e fornecedor durante o prazo de reflexão. CLAUDIA LIMA MARQUES (2004, p. 708), citando CALAIS-AULOY, afirma que, dentro do intervalo de sete dias, o contrato não se conclui de imediato nem deve ser executado instantaneamente. Se, contudo, o produto for entregue ao consumidor, este atuará como seu depositário (ORIANA apud MARQUES, idem).

6.4 A legislação alemã: Bürgerliches Gesetzbuch – BGB.

No direito alemão, o comércio à distância, ou comércio em domicílio, é regido pelas disposições presentes no Código Civil de 1900 – Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) – precisamente nos art. 312 e 312a, segundo os quais o consumidor goza do direito de retratação limitado no tempo (art. 312, 355).

Os dispositivos encontram-se no Livro 2 (Buch 2), destinado a regulamentar o direito das obrigações (Recht der Schuldverhältnisse). Situam-se no campo normativo da Seção 3 (Abschnitt 3), voltada para as obrigações nos contratos (Schuldverhältnisse aus Verträgen), Título 1 (Titel 1), relativo à justificação, conteúdo e realização (Begründung, Inhalt und Beendigung), Subtítulo 2 (Untertitel 2), que trata das formas especiais de publicidade (Besondere Vertriebsformen).

Ali está consignado o direito de arrependimento, definido pelo legislador alemão como direito de retratação nas vendas em domicílio ou door-to-door (Widerrufsrecht bei Haustürgeschäften):

"§ 312 - Direito de retratação nas vendas em domicílio.

(1) quando um consumidor for levado a concluir um contrato a título oneroso com um empresário,

1. em decorrência de negociações verbais em seu local de trabalho ou domicílio particular,

2. na ocasião de um evento de lazer promovido pelo empresário ou por terceiro agindo em seu interesse, ou

3. subseqüentemente a uma abordagem inadvertida em um meio de transporte ou em espaço público aberto.

Tornando-se determinado (o negócio à distância), o consumidor terá direito de retratar-se de acordo com o art. 355a. Ao invés do direito de retratação, o consumidor poderá ter garantido o direito de retorno conforme o art. 356, se entre o consumidor e o empresário for mantida um vínculo constante relativo a esse ou a um negócio posterior.

(2) a notificação necessária sobre o direito de revogação ou o direito de retorno deve obedecer aos efeitos legais previstos no art. 357, parágrafos 1 e 3.

(3) Sem prejuízo de outras regulamentações, não existe direito de retratação ou de retorno no caso de contratos de seguro ou se:

1. no caso do parágrafo 1, nº 1, as negociações verbais em que a conclusão do contrato se baseia forem conduzidas de ordem do consumidor, ou

2. a execução é paga para e realizada imediatamente à conclusão do contrato e o pagamento feito para tal não exceda 40 euros, ou

3. a declaração de vontade do consumidor tiver sido registrada em cartório." (tradução nossa)

Segundo conceitua a norma, o comércio à distância consiste nas transações pelas quais o cliente (consumidor) é levado a concluir um contrato em seu domicílio particular, em seu local de trabalho, na ocasião da promoção de um evento de lazer – por exemplo, uma excursão ou uma festa promocional –; ou após ter sido abordado sem prévio aviso em um meio de transporte ou em uma via pública.

A lei alemã dispõe sobre os contratos de prestação a título oneroso (art. 312, par. (1), do BGB). Não há venda a domicílio quando um trabalhador autônomo, por exemplo, recebe a visita de um representante no âmbito da sua atividade profissional em seu domicílio, no seu escritório ou em sua loja. Fala-se ainda de venda ao domicílio apenas quando a outra parte age no âmbito da sua atividade profissional. Assim, o direito de arrependimento alemão não se aplica, segundo esse dispositivo, às seguintes situações:

1.Quando o cliente convidar o vendedor ou qualquer prestador de serviço para realizar as negociações em seu lugar de trabalho ou em seu domicílio;

2.Quando a prestação for executada imediatamente após a conclusão da concretização mediante contraprestação que não exceda 40 euros; e

3.Quando o contrato for autenticado por tabelião.

Em seguida, o BGB trata de aspectos variados sobre os negócios formalizados fora do estabelecimento comercial. O art. 312b, por exemplo, disciplina exclusivamente dos contratos à distância, que não se encaixam no conceito de venda porta-em-porta:

"§ 312b Contratos à distância.

(1) Contratos à distância são contratos de fornecimento de bem ou de prestação de serviços concluídos entre um empresário e um consumidor exclusivamente através de meios de comunicação à distância, salvo se a conclusão do contrato realizar-se de outra forma que não a de uma estrutura de vendas ou a de um esquema de prestação de serviços à distância.

(2) Meios de comunicação à distância são meios de comunicação que podem ser usados com vistas a concluir um contrato entre um consumidor e um empresário sem a presença simultânea das partes contratantes, em particular, através de cartas, catálogos, ligações telefônicas, telefax, emails e serviços de rádio, televisão e multimídia.

(3) As provisões em contratos a distância não se aplicam a contratos:

1. relativos à educação à distância (§ 1 da Lei de Proteção à Educação à Distância)

2. relativos ao sistema multiproprietário de tempo compartilhado de imóveis (§ 481),

3. relativos a serviços financeiros, em particular serviços de investimento financeiro, e contratos de seguro e seus arranjos, exceto empréstimos,

4. relativos à transferência de bens imóveis ou outros direitos imobiliários, criação, à transferência e anulação de direitos reais e à construção de edificações,

5. relativos ao fornecimento de artigos alimentícios e de bebidas para consumo diário no domicílio particular ou profissional do consumidor, feito por entregadores,

6. relativos à provisão de acomodação, transporte, fornecimento ou serviços de lazer, nos quais o empresário compromete-se, quando o contrato for concluído, a fornecer esses serviços em uma data específica ou em um período determinado, ou

7. concluídos:

a) por meio de máquinas de distribuição automática ou pontos comerciais automatizados, ou

b) perante operadores de telecomunicações através do uso de telefones públicos." (tradução nossa)

Existem algumas inovações normativas nesse dispositivo, além de coincidências com a Diretiva da UE que analisamos anteriormente, entre elas, a inaplicabilidade das regulações cíveis do negócio à distância do BGB quanto aos contratos de educação à distância, conforme enquadramento do tipo em lei especial. Outra disposição inovadora está no afastamento da espécie negocial à distância nos contratos de multipropriedade, também conhecidos como time-sharing.

MARQUES (2004, p. 716-724) dedica atenção especial em sua obra para tratar dos contratos de multipropriedade, concluindo pela necessidade de regulação especial para essa modalidade de negócio jurídico, a que acrescenta a denominação "vendas emocionais de time-sharing". Nesse sentido, portanto, a norma alemã anteviu a necessidade de disciplinar esse tipo de negócio, o que faz inclusive em outros trechos do BGB (art. 481 e seguintes).

Dando continuidade à regulação dos contratos à distância, o BGB trata, em seu art. 312d, do direito de retratação e do direito de retorno:

"§ 312d Direito de retratação e de retorno em contratos à distância.

(1) No caso de um contrato à distância, o consumidor tem direito à retratação conforme o § 355. No caso de contratos de fornecimento de bens, o consumidor tem garantido o direito de retorno previsto no § 356 ao invés do direito de revogação.

(2) Na hipótese de incidência do previsto no § 355 (2), sentença 1, o prazo de retratação não terá início antes de cumpridas as obrigações de fornecimento de informação conforme dispõe o § 312c (1) e (2); não se aplica o § 355 (2), sentença 2, no caso do fornecimento de mercadoria, não antes do dia em que alcançam o destinatário; no caso de entregas recorrentes de mercadoria da mesma espécie, não antes do dia em que a primeira prestação alcança o destinatário; e, no caso de serviços, não antes do dia em que o contrato é concluído.

(3) No caso de um serviço, o direito de retratação também se extingue se o empresário tiver iniciado a execução do serviço com o consentimento expresso do consumidor antes do término do prazo de retratação ou se o próprio consumidor tiver provocado essa situação.

(4) Salvo se houver acordo em sentido contrário, não há direito de retratação no caso de contratos à distância:

1. para o fornecimento de bens fabricados conforme as especificações do consumidor ou claramente personalizados ou que, pela sua própria natureza, não puderem ser reaproveitados ou estejam sujeitos à deterioração ou ao desgaste imediato ou quando o período recomendado para seu consumo tiver-se exaurido,

2. para o fornecimento de gravações de áudio ou vídeo ou de aplicativos de informática cujo lacre tiver sido removido pelo consumidor,

3. para o fornecimento de jornais, periódicos e revistas,

4. para serviços de lotérica e jogos, ou

5. concluídos por meio de leilões particulares (§ 156)." (tradução nossa)

Pode-se observar alguns pontos comuns do BGB com a Diretiva 87/7, como o parágrafo (3), que veda o direito de retratação quando o consumidor expressamente anui com a execução do serviço contratado à distância antes de encerrado o prazo de reflexão. A mesma similaridade ocorre com o parágrafo (4), que excepciona o citado direito dos negócios cujos objetos tenham sejam personalizados ou tenham sido encomendados conforme especificações fornecidas pelo consumidor. Além disso, também não se aplica o direito de retratação aos produtos rapidamente deterioráveis ou altamente perecíveis.

Além disso, o legislador alemão também excluiu da abrangência da norma protética ao arrependimento as gravações de áudio ou vídeo e os softwares. Curiosamente, não os restringiu aos arquivos digitais, o que, a princípio, parece-nos uma melhor solução que à oferecida pela Diretiva. Afinal, a facilidade à pirataria persiste não somente para os arquivos digitais, mas para qualquer mídia em que o conteúdo em áudio, vídeo ou texto tenha sido gravado.

Mesma inaplicabilidade estende-se a jornais, revistas, periódicos, serviços de loto e de leilões particulares. Uma inovação, contudo, está nos serviços de jogos (ou gaming), não contemplados pela Diretiva e que tem sua pertinência, eis que abrange inclusive os jogos de azar, amplamente promovidos pela internet hoje em dia.

Enfim, passamos a reproduzir os dispositivos que mais importam para nosso estudo.

O art. 355 inaugura o subtítulo 2, que trata especificamente do direito de retratação e do direito de retorno nos contratos de consumo. Referido dispositivo dispõe o seguinte:

"§ 355 Direito de retratação em contratos de consumo

(1) Se a um consumidor é concedido o direito de retratação conforme o disposto neste artigo, ele não mais fica vinculado através de sua declaração de intenção a concluir o contrato se houver retratado em tempo hábil. A retratação não necessita conter nenhuma fundamentação e deve ser declarada ao empresário em forma textual ou quando da devolução do produto dentro de duas semanas; o despacho tempestivo basta para satisfazer o prazo.

(2) O prazo tem início quando o consumidor tiver sido informado textualmente através de uma notificação claramente formulada acerca do seu direito de retratação, que lhe esclareça sobre seus direitos de acordo com os requisitos do meio de comunicação usado, a qual deve conter o nome e o endereço da pessoa a quem a retratação deverá ser destinada e que deve referir-se ao início do prazo e às regras conforme o parágrafo (1), sentença 2 acima. Salvo no caso de contratos autenticados por tabelião, a notificação deve ser assinada isoladamente pelo consumidor ou fornecida por ele mediante uma assinatura eletronicamente certificada. Se o contrato deve ser feito por escrito, o prazo não começa até que ao consumidor seja também fornecido com um original do contrato, sua aplicação escrita ou uma cópia do original do contrato ou da aplicação. Se o início do prazo for objeto de controvérsia, o empresário arcará com o ônus da prova.

(3) O exercício do direito de retratação cessará ao final de seis meses após a conclusão do contrato. No caso de fornecimento de bens, o prazo não terá início antes do dia em que alcançarem o destinatário." (tradução nossa)

Observa-se do disposto acima que o direito de retratação alemão assemelha-se ao direito de arrependimento brasileiro nos seguintes pontos: relativização da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda, retratação imotivada e necessidade de declaração ao empresário da intenção de exercício do direito. No entanto, difere bastante quanto aos detalhes do exercício desse direito, desde o início do prazo, até em relação às obrigações de informação do fornecedor. Outra grande diferença é a extensão do prazo, que, na norma alemã, é de 14 dias.

Um detalhe interessante, e que observamos presente em outras normas internacionais, é a obrigação do empresário em promover o negócio à distância com a devida informação ao consumidor do seu direito de arrependimento. Certamente essa medida foi legalizada, pois, a permitir-se que os fornecedores fizessem-na voluntariamente, pouco caso fariam – como, aliás, ocorre no Brasil. Afinal, o fornecedor ainda conta com a desinformação social a esse respeito, o que, aliás, facilmente constataríamos em qualquer singela pesquisa verbal entre pessoas próximas.

Mais adiante, nos art. 356 e seguintes, constatamos que, se o contrato já tiver sido executado, cada parte deverá restituir ao outro as prestações que lhe foram fornecidas; em outros termos, o consumidor restitui a mercadoria e o comerciante reembolsa o montante cobrado, por exemplo. Se o cliente não estiver em condições de restituir o produto recebido por motivo de perda ou de deterioração, o direito de arrependimento ainda assim poderá ser exercido se for comprovado que o consumidor não agiu intencionalmente e se nem se fizer prova de negligência. No entanto, se o cliente utilizar o produto recebido até sua restituição, deve compensar a perda de valor devida a essa utilização.

Para assegurar o respeito do direito de arrependimento, a norma alemã prevê uma proibição geral de violação desse direito bem como o seu caráter irrevogável. Isso significa, primeiramente, que as regras protetoras enunciadas na lei são aplicáveis ainda que as suas disposições sejam contrárias ao direito previsto e, em segundo lugar, ainda que os acordos tenham sido concluídos às expensas do consumidor, tornando os contratos sem efeito. Algo semelhante ao que ocorre no Brasil, onde as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito.

Em relação ao vínculo contratual ao longo do prazo de reflexão, o direito alemão assevera que o contrato fica suspenso e a aceitação do consumidor somente se perfaz após decorrido o prazo. Em outras palavras, a oferta e a concordância inicial do consumidor não formam um contrato, porquanto submetidas a uma condição suspensiva (MARQUES, 2004, p. 707-708).

6.5 A legislação belga: Wet betreffende de ambulante activiteiten en de organisatie van de openbare markten. Wet betreffende de handelspraktijken en de voorlichting en bescherming van de consument.

Existem duas normas na Bélgica regulando os negócios door-to-door ou, mais genericamente, negócios realizados fora do estabelecimento comercial.

A primeira foi editada em 25 de junho de 1993 e é conhecida como a Lei de Negócios Itinerantes e Organização de Mercados Públicos (Wet betreffende de ambulante activiteiten en de organisatie van de openbare markten), cujo objeto principal era contrabalancear a vantagem competitiva que vendedores de porta em porta gozam sobre outros comerciantes. Para revogar este equilíbrio, a venda door-to-door só podia ser executada com a aprovação prévia do Ministério de Pequenos e Médios Negócios.

A legislação, porém, excepcionou certas atividades negociais, tal como vendas não comerciais com propósitos de caridade ou não lucrativos; vendas ocasionais de mercadoria que de propriedade do vendedor; leilões públicos; vendas como parte de negócios e feiras agrícolas e de exposições; e eventos esporádicos organizados por comerciantes locais (i.e., feiras de rua) devidamente autorizadas pelas autoridades locais.

Nas mesmas exceções também estão o fornecimento regular de alimentos, jornais e revistas por comerciantes e as vendas e os serviços especificamente solicitados adiantadamente pelo consumidor.

A segunda norma legal sobre o assunto é a Lei de Proteção e Informação do Consumidor e de Práticas Comerciais (Wet betreffende de handelspraktijken en de voorlichting en bescherming van de consument) de 14 de julho de 1991 (Capítulo V, Seção 11).

O objeto normativo dessa lei é a proteção das relações de consumo contra práticas comerciais abusivas, especialmente quando resultantes de negócios formalizados mediante o chamado "elemento surpresa" contido nas modernas técnicas de marketing promocional.

Segundo definição legal, consumidores são "qualquer pessoa jurídica ou física que adquire ou utiliza produtos e serviços disponíveis no mercado para fins não-profissionais."

Também dispõe que os negócios realizados com fins não-profissionais são aqueles concluídos na residência do consumidor ou no seu domicílio profissional, ou aqueles realizados na ocasião da promoção de um evento externo, como uma excursão, organizada pelo comerciante ou a seu pedido, e em show, feiras ou exibições cujo pagamento não seja em espécie e cujo preço exceda €213,20.

As exceções da aplicação da lei estão nos bens imóveis, nas vendas de produtos alimentícios, bebidas e artigos para manutenção da casa, vendas organizadas para eventos não-comerciais, sem fins lucrativos, exclusivamente para eventos filantrópicos, leilões públicos, contratos de seguro e contratos de crédito.

O direito de arrependimento tem vez na norma belga, com uma peculiaridade: o pagamento relativo ao fornecimento do produto ou à prestação do serviço deve se realizar após o decurso do prazo de 7 dias úteis, durante o qual poderá o consumidor refletir sobre o contrato realizado à distância, podendo, assim, retratar-se sem qualquer custo, exceto as despesas de correio. Basta, para tanto, notificar o comerciante.

No caso da prestação dos serviços, esta somente deverá ocorrer após o decurso desse prazo.

6.6 A legislação espanhola: Ley de Ordenación del Comercio Minorista (Ventas a Distancia).

A monarquia espanhola, sob a regência de Don Juan Carlos I, sancionou, em 15 de janeiro de 1996, a Lei de Regulamentação do Comércio Varejista. A Exposição de Motivos dessa norma merece nosso destaque, sobretudo pela consciência legislativa espanhola quanto à necessidade de revisão do arcabouço legal então vigente sobre os mercados:

"Los profundos cambios que ha experimentado la distribución comercial minorista en España, la incorporación de nuevas tecnologías y formas de venta y el reto que ha supuesto la Unión Europea, así como la dispersión de la normativa vigente obligan a un esfuerzo legislativo de sistematización, modernización y adecuación a la realidad de los mercados.

[...]

Por otra parte, y debido a la evolución experimentada en los últimos años, coexisten en España dos sistemas de distribución complementarios entre sí: el primero constituido por empresas y tecnologías modernas, y el segundo integrado por las formas tradicionales de comercio que siguen prestando importantes servicios a la sociedad española y juegan un papel trascendental en la estabilidad de la población activa, pero que deben emprender una actualización y tecnificación que les permita afrontar el marco de la libre competencia.

La relación de complementariedad entre los dos sistemas mencionados debe también ser tenida, especialmente, en cuenta por el Legislador."

É esse espírito que serve de base do nosso estudo: a necessidade de evolução legislativa da norma protetiva do consumidor no Brasil, especificamente quanto ao direito de arrependimento, uma vez que se trata de um dispositivo que, hoje, não encontra explícitas restrições legislativas, abrindo margem à sua aplicação abusiva, imprecisa e incorreta pela magistratura nacional em favor exclusivamente do consumidor, com o que não pactuamos, sem a necessária ponderação do equilíbrio negocial e legal.

A lei espanhola apresenta um título exclusivo para o tratamento daquilo que denomina vendas especiais. Trata-se do Título III, em que se destina o segundo capítulo para disciplinar as vendas à distância, onde se reúnem os arts. 38 a 48. Mas essa não é única previsão legislativa sobre as vendas à distância: assim como outras normas internacionais, existe uma clara distinção entre vendas ambulantes (door-to-door), vendas automáticas e vendas à distância. Por isso, a norma espanhola destina, nesse mesmo título, o Capítulo III (arts. 49 a 52) para as vendas automáticas e o Capítulo IV (arts. 53 a 55) para as vendas ambulantes.

Assim, constatamos que o direito de arrependimento, denominado derecho de desistimiento, está consignado no art. 44 e suas exceções, no art. 45, que dispõem:

"Artículo 44. Derecho de desistimiento. [Redação conforme a Lei 47, de 19 de dezembro de 2002].

1. El comprador dispondrá de un plazo mínimo de siete días hábiles para desistir del contrato sin penalización alguna y sin indicación de los motivos. Será la ley del lugar donde se ha entregado el bien la que determine qué días han de tenerse por hábiles.

2. El ejercicio del derecho de desistimiento no estará sujeto a formalidad alguna, bastando que se acredite en cualquier forma admitida en derecho.

3. El derecho de desistimiento no puede implicar la imposición de penalidad alguna, si bien podrá exigirse al comprador que se haga cargo del coste directo de devolución del producto al vendedor.

No obstante lo anterior, en los supuestos en que el vendedor pueda suministrar un producto de calidad y precio equivalentes, en sustitución del solicitado por el consumidor, los costes directos de devolución, si se ejerce el derecho de desistimiento, serán por cuenta del vendedor que habrá debido informar de ello al consumidor.

Serán nulas de pleno derecho las cláusulas que impongan al consumidor una penalización por el ejercicio de su derecho de desistimiento o la renuncia al mismo.

4. A efectos del ejercicio del derecho de desistimiento, el plazo se calculará a partir del día de recepción del bien, siempre que se haya cumplido el deber de información que impone el artículo 47.

5. En el caso de que el vendedor no haya cumplido con tal deber de información, el comprador podrá resolver el contrato en el plazo de tres meses a contar desde aquel en que se entregó el bien. Si la información a que se refiere el artículo 47 se facilita durante el citado plazo de tres meses, el período de siete días hábiles para el desistimiento empezará a correr desde ese momento. Cuando el comprador ejerza su derecho a resolver el contrato por incumplimiento del deber de información que incumbe al vendedor, no podrá éste exigir que aquel se haga cargo de los gastos de devolución del producto.

6. Cuando el comprador haya ejercido el derecho de desistimiento o el de resolución conforme a lo establecido en el presente artículo, el vendedor estará obligado a devolver las sumas abonadas por el comprador sin retención de gastos. La devolución de estas sumas deberá efectuarse lo antes posible y, en cualquier caso, en un plazo máximo de treinta días desde el desistimiento o la resolución. Corresponde al vendedor la carga de la prueba sobre el cumplimiento del plazo. Transcurrido el mismo sin que el comprador haya recuperado la suma adeudada, tendrá derecho a reclamarla duplicada, sin perjuicio de que además se le indemnicen los daños y perjuicios que se le hayan causado en lo que excedan de dicha cantidad.

7. En caso de que el precio haya sido total o parcialmente financiado mediante un crédito concedido al comprador por parte del vendedor o por parte de un tercero previo acuerdo de éste con el vendedor, el ejercicio del derecho de desistimiento o de resolución contemplados en este artículo implicará al tiempo la resolución del crédito sin penalización alguna para el comprador.

8. El transcurso del plazo del derecho de desistimiento sin ejecutarlo no será obstáculo para el posterior ejercicio de las acciones de nulidad o resolución del contrato cuando procedan conforme a derecho.

Artículo 45. Excepciones al derecho de desistimiento. Redacción según Ley 47/2002, de 19 de diciembre.

Salvo pacto en contrario, lo dispuesto en el artículo anterior no será aplicable a los siguientes contratos:

1. Contratos de suministro de bienes cuyo precio esté sujeto a fluctuaciones de coeficientes del mercado financiero que el vendedor no pueda controlar.

2. Contratos de suministro de bienes confeccionados conforme a las especificaciones del consumidor o claramente personalizados, o que, por su naturaleza, no puedan ser devueltos o puedan deteriorarse o caducar con rapidez.

3. Contratos de suministro de grabaciones sonoras o de vídeo, de discos y de programas informáticos que hubiesen sido desprecintados por el consumidor, así como de ficheros informáticos, suministrados por vía electrónica, susceptibles de ser descargados o reproducidos con carácter inmediato para su uso permanente.

4. Contratos de suministro de prensa diaria, publicaciones periódicas y revistas."

Como se pode observar, há também semelhanças e diferenças em relação ao direito de arrependimento brasileiro: o prazo decadencial é de 7 dias, embora sejam úteis (conforme dispuser a lei local); a retratação pode ser imotivada; não há ônus ao consumidor e as cláusulas que dispuserem em contrário são explicitamente tidas por nulas de pleno direito; a norma espanhola também não prescreve forma para o exercício do direito, admitindo claramente qualquer uma reconhecida pelo Direito; ao contrário da norma brasileira, essa lei explicitamente impõe ao consumidor apenas os ônus de envio do produto ao fornecedor – o que, no Brasil, admite-se sistemicamente, sob controvérsias –, salvo se o vendedor tiver interesse em encaminhar ao consumidor um produto de qualidade e preço equivalentes ao objeto devolvido; em relação às demais normas internacionais estudadas, a lei espanhola a elas se assemelha quanto ao início do prazo do direito de arrependimento: se e somente a partir de prestadas as informações correspondentes pelo fornecedor.

Há, porém, uma interessante inovação em relação às demais normas: tal qual as demais prescrevem, a devolução do valor adiantado pelo consumidor é medida que se impõe integralmente, sem retenção de qualquer custo ou compensação. Todavia, o fornecedor dispõe de um prazo de 30 dias, sob pena de devolver o valor em dobro, sem prejuízo de outras indenizações decorrentes da demora. Além disso, assim como ocorre com a norma alemã, uma vez exercido o direito de arrependimento, essa lei determina o cancelamento das obrigações acessórias de financiamento de crédito, sem qualquer ônus ao consumidor.

Mas reside no art. 45 o centro de nossas atenções: as exceções ao direito de arrependimento. Resumidamente, são elas:

1.Contratos de fornecimento de bens cujos preços estejam sujeitos a flutuações de taxas do mercado financeiro que o fornecedor não possa controlar;

2.Contratos de fornecimento de bens produzidos conforme as especificações do consumidor ou claramente personalizados, ou que, por sua natureza, não possam ser reaproveitados ou possam deteriorar-se ou desgastar-se rapidamente;

3.Contratos de fornecimento de gravações sonoras ou de vídeo, de discos ou de programas informatizados cujo lacre tenha sido violado pelo consumidor, assim como de arquivos informatizados, fornecidos por via eletrônica, suscetíveis de serem descarregados ou reproduzidos com caráter imediato para uso permanente; e

4.Contratos de fornecimento de conteúdo diário de imprensa, publicações periódicas e revistas.

Tais exceções foram orientadas pela Comunidade Européia, através da Ley 47/2002, de 19 de diciembre, de reforma de la Ley 7/1996, de 15 de enero, de Ordenación del Comercio Minorista, para la transposición al ordenamiento jurídico español de la Directiva 97/7/CE, en materia de contratos a distancia, y para la adaptación de la Ley a diversas Directivas comunitarias.

Por isso, há também expressa "exceção da exceção" consignada no caput do art. 45, quando o legislador abriu a possibilidade de prevalência do direito de arrependimento sobre as hipóteses de exceção se houver disposição expressa nesse sentido, firmada entre fornecedor e consumidor.

Devemos destacar, ainda, que essa previsão sobre o direito de arrependimento veio revogar o quanto disposto na Ley 26/1991 relativa a la protección de los consumidores en el caso de contratos celebrados fuera de los establecimientos mercantiles. Esta norma tinha o propósito de incorporar ao direito espanhol o teor da Diretiva 85/577/CEE, cujos termos já analisamos no presente estudo e que dispensam comentários.

6.7 Outras normas internacionais.

Detectamos a presença do direito de arrependimento em diversas outras normas internacionais, tais como:

1Legislação dinamarquesa: Dørsalgsloven;

2.Legislação estônia: Võlaõigusseadus;

3.Legislação finlandesa: Kuluttajansuojalaki 38/1978; Asetus koti-ja postimyynnistä, 1601/1993; Laki kuluttajaneuvonnan järjestämisestä kunnassa, 72/1992; Laki kuluttajavalituslautakunnasta, 42/1978;

4.Legislação italiana: Decreto legislativo 15 gennaio 1992, n. 50;

5.Legislação neozelandesa: Colportagewet;

6.Legislação portuguesa: Decreto Legislativo nº 143/2001;

7.Legislação britânica: The Doorstep Selling Regulations;

8.Legislação tcheca: Ob?anský zákoník;

9.Legislação sueca: Hemförsäljningslagen;

10.Legislação austríaca: Konsumentenschutzgesetz; etc.

De um modo geral, as definições legais desses países são muito semelhantes, inclusive no tratamento da relação de consumo e do direito de arrependimento. Variações estão por conta do prazo do período de reflexão, entre 7 e 14 dias, por vezes úteis, em outras normas, dias corridos, e do momento de conclusão do contrato (algumas normas somente admitem o início do contrato após o decurso do prazo de arrependimento).

As exceções de aplicação dessas normas estão também nos contratos de seguro, negócios financeiros, leilões públicos, contratos imobiliários etc. E aquelas relativas ao direito de arrependimento, quando presentes, perfilham em sua maioria as diretrizes das normas comunitárias já analisadas.

A conclusão a que chegamos é simples: o direito de arrependimento comporta exceções, tendo o legislador alienígena enxergado isso há décadas e já promovido a devida adequação normativa doméstica à realidade social contemporânea.


7. A necessidade de interpretação legislativa complexa para adequação do fato social à norma abstrata.

Em que pese a modernidade e atualidade do CDC, reiteramos que algumas modificações devem ser promovidas no texto legal em decorrência do desenvolvimento da sociedade mundial, em particular da brasileira, tal qual já ocorre com diversas normas internacionais, inclusive com as legislações pesquisadas.

Como é sabido, o Direito em si está em constante evolução – corolário da própria mutabilidade das relações humanas. Com efeito, a sociedade surge a partir das relações recíprocas dos indivíduos, sendo essa a aplicação do aforismo ubi societas ibi jus (i.e. onde há sociedade há o direito).

De fato, o Brasil tem uma economia aberta, sobretudo aos métodos de negociação estrangeiros, em razão de fatores históricos, sociais e culturais.

Todavia, a exegese que hoje se promove a respeito do tema e a subseqüente aplicação da norma jurídica ao fato concreto resulta de unicidade valorativa entre a ratio legis e a occasio legis. Essa é, aliás, a concepção de Francesco Ferrara (2002), segundo a qual a razão (fundamento racional) que ensejou a elaboração da lei pode ser encontrada observando-se a ocasião de sua edição (circunstância histórica).

Vale dizer, o direito de arrependimento é hoje aplicado segundo a mesma razão da norma jurídica quando de sua criação, ou seja, protegendo o consumidor de práticas comerciais abusivas no trato à distância. Ocorre que, a par dessa "boa intenção" da magistratura nacional, reside também a ausência de análise mais aprofundada sobre determinados tipos de negócios jurídicos formalizados fora do estabelecimento comercial, cujos objetos de contratação não necessitam de prévio exame do consumidor ou simplesmente não são "retornáveis", sem que isso lhe importe prejuízo pela não aplicação do art. 49.

Nesse sentido, aliás, já há vozes minoritárias voltando-se contra a aplicação incontinenti desse dispositivo, mediante uma aprofundada e anterior análise conjuntural, considerando mecanismos de hermenêutica jurídica mais apropriados à questão, como a interpretação teleológica, segundo os métodos sistemático e histórico.

Esses exercícios de interpretação da norma jurídica levam em consideração o fato de que a ratio legis é mutável conforme o tempo, mas jamais deve se desprender por completo daquele lampejo de vontade política que a criou.

Conforme já afirmara Carlos Maximiliano (2003, p. 37):

"Em toda escola teórica há um fundo de verdade. Procurar o pensamento do autor de um dispositivo constitui um meio de esclarecer o sentido deste; o erro consiste em generalizar o processo, fazer do que simplesmente um dentre muitos recursos da Hermenêutica – o objetivo único, o alvo geral; confundir o meio com o fim. Da vontade primitiva, aparentemente criadora da norma, se deduziria, quando muito o sentido desta, e não o respectivo alcance, jamais preestabelecido e difícil de prever."

Essa advertência baseia-se no fato de que a lei não antecipa o futuro. Ela decorre de uma vontade social de regular comportamentos futuros, com base em experiência passadas, antes não reguladas ou antes previstas de forma diversa. Ocorre que não pode a lei prever as mudanças sociais, ou seja, a própria evolução da sociedade, ainda que os fatos escapem-lhe à regulação. Sequer é possível albergar todas as manifestações humanas no seu contexto legal. Daí ser necessário o uso de mecanismos de exegese jurídica, inclusive a analogia, permitida expressamente como tal pelo nosso ordenamento jurídico (LICC, art. 4º).

Nesse sentido, Ferrara (2002, p. 31) já admitira, com propriedade:

"Por muito previsora e vigilante que seja a obra legislativa, é impossível que todas as relações encontrem regulamentação jurídica especial e que a plenitude da vida prática se deixe prender nas apertadas malhas dos artigos de um Código."

Por essas razões, não cabe aplicar o direito de arrependimento segundo a simples literalidade da norma (método gramatical), nem mesmo tomando como norte somente a intentio legislatoris, como diz em uníssono a doutrina nacional. Se assim for, estará o magistrado a promover injustiça social, pois, também, se fere a constituição e seu princípio isonômico.

Conforme já demonstrado, existem certos tipos de negócio, contra cuja distinção não participou o CDC, em que a retratação contratual desmotivada, ainda que dentro do prazo de reflexão, poderá ensejar prejuízos concretos e em larga escala ao fornecedor de serviço ou de produto, inviabilizando o próprio negócio e, pior, o desenvolvimento do respectivo setor.

Esse, aliás, foi o pensamento motriz do legislador estrangeiro, quando editou as normas coercitivas ou orientadoras conferindo exceções à aplicação do direito de arrependimento.

A solução imediata para essas distorções – face à frieza gramatical da norma consumerista contida no art. 49 – é a aplicação cautelosa do direito de arrependimento, segundo minuciosa análise da situação de fato, à luz do princípio constitucional da isonomia.

No entanto, conforme apresentaremos, melhor seria uma adequação normativa em face da evolução sócio-econômica, sempre fundamentada na própria Constituição Federal de 1988, através de um reforma legislativa pontual, com base também nas diversas legislações internacionais que tratam da temática.


8. Enfrentamentos da questão no direito brasileiro.

8.1 Argumentos inócuos para não-aplicação do direito de arrependimento: a tese superada do "estabelecimento comercial virtual".

Desde a edição do CDC, os fornecedores e comerciantes têm enfrentado as mais diversas querelas judiciais em tribunais de todo o País, contando com poucos sucessos, sobretudo na construção de teses flexíveis para a aplicação dos direitos do consumidor. Isso, em parte, tem uma razão de ser: a própria principiologia de defesa do consumidor estampada na Constituição e, mais arraigadamente, na lei infraconstitucional.

A começar pela sua natureza jurídica: trata-se de norma "de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias." (CDC, art. 1º).

Assim, no que diz respeito ao art. 49, a doutrina e a jurisprudência nacionais já enfrentaram teses, há muito superadas, que se basearam em terminologias contidas no referido dispositivo.

Ao estabelecer que "o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio" (grifamos), o legislador não deixou margem de manobra a interpretações literais, pois o texto é de clareza singular.

Aqui muito se aplicou, por tempos, o outrora imperioso aforismo in claris cessat interpretatio, ou seja, à evidência de cristalina literalidade, não se deve interpretar. Assim, preenchendo-se a equação abaixo, aplicar-se-ia incontinenti o direito de arrependimento:

+ Relação de consumo

+ Formalização do negócio jurídico

+ Realização fora do estabelecimento comercial

--------------------------------------------

= Direito de arrependimento (prazo de 7 dias)

A doutrina moderna, contudo, afastou a aplicação desse brocardo. Mesmo Ulpiano (apud PAMPLONA FILHO, 2001), muito antes, prelucidou: "Quamvis sit manifestissimum edictum proetoris, attamen non est negligenda interpretatio ejus" (i.e., embora claríssimo o edito do pretor, contudo não se deve descurar da interpretação respectiva). Carlos Maximiliano (2003, p. 35) também advertira:

"[...] os domínios da Hermenêutica não se estendem só aos textos defeituosos; jamais se limitam ao invólucro verbal: o objetivo daquela disciplina é desdobrar o conteúdo da norma, o sentido e o alcance das expressões do Direito. Obscuras ou claras, deficientes ou perfeitas, ambíguas ou isentas de controvérsia, todas as frases jurídicas aparecem aos modernos como suscetíveis de interpretação".

Por isso, cabendo à norma sempre interpretação e sabendo-se condenável e repudiosa a adoção singular do método gramatical de exegese jurídica, as empresas e fornecedores buscaram, nos tribunais, tentar conferir uma interpretação peculiar sobre o que se deve entender por "estabelecimento comercial", quando inserido o conceito em um negócio realizado à distância.

A primeira vertente construída pela doutrina pró-comerciante foi a seguinte: o endereço eletrônico do fornecedor representa uma extensão do seu estabelecimento comercial físico. Assim, ao acessar o seu website, o consumidor está, na verdade, acessando o serviço perante aquele mesmo comerciante e no seu próprio estabelecimento comercial (virtual). Afinal, o website tem registro próprio (DNS), adquirido através da pessoa jurídica empresarial (com o necessário CNPJ), sendo-lhe único e exclusivo, cuja finalidade é servir de extensão dos pontos de negócios daquela empresa. Um dos maiores expoentes dessa tese é Fábio Ulhôa Coelho (2000, p. 34), para quem o elemento principal desse raciocínio está na acessibilidade do negócio jurídico:

"[...] o comércio eletrônico não torna obsoleto o conceito de estabelecimento: também o empresário que deseja operar exclusivamente no ambiente virtual reúne bens tangíveis e intangíveis indispensáveis à exploração econômica. A livraria eletrônica deve ter livros em estoque, equipamentos próprios à transmissão e recepção de dados e imagens, marca, know-how, etc. A imaterialidade ínsita ao estabelecimento virtual não se refere aos bens componentes (que são materiais ou não, como em qualquer estabelecimento), mas à acessibilidade."

A segunda vertente amplamente difundida diz respeito às empresas online ou virtuais, que não têm um ponto comercial físico acessível ao público, muito embora tenham um endereço físico para efeito de formalidades jurídicas e comerciais perante, sobretudo, o poder público. Nesse caso, argumentou-se que o estabelecimento virtual é o próprio (e único) estabelecimento comercial da empresa, inclusive à luz do novo Código Civil brasileiro (art. 1.142). Assim, alegaram alguns estudiosos que todo e qualquer negócio jurídico realizável através do website da empresa era sempre concluído dentro do estabelecimento comercial (virtual).

A terceira vertente suaviza a importância do estabelecimento comercial físico para efeito de aplicação do direito de arrependimento, estabelecendo seu emprego somente quando a compra ocorrer por intermédio do estabelecimento virtual mediante o uso de marketing agressivo. Nesse caso, a publicidade promocional do produto ou do serviço é que dá o norte para aplicação do art. 49 do CDC. Comungando desse entendimento, temos novamente Fábio Ulhôa Coelho (2000, p. 49).

No entanto, em que pese a criatividade da doutrina nacional, o Poder Judiciário não tem acolhido essas teses, apesar de demonstrar sensibilidade com a frágil situação jurídica dos contratos eletrônicos. Nesse sentido, inclusive, o então ministro Ruy Rosado de Aguiar (2000 apud Reinaldo Filho, 2001), um precursor no estudo dos contratos eletrônicos, já alertou:

"O site da empresa ofertante não pode ser considerado dependência do estabelecimento. O consumidor está em casa, conectado ao computador, realizando um negócio à distância e pode estar recebendo influências externas para fazer a compra."

Certo é que a o espírito da lei – aqui interseccionado à vontade do legislador – era proteger o consumidor das técnicas de marketing agressivas, que o induzissem a uma compra inadvertida, sem reflexão e, sobretudo, frustrante quanto à correspondência das informações publicitárias do produto e sua real situação.

Todavia, o principal problema daquelas teses expostas reside no desprezo à voluntas legislatoris no CDC: quando se tratou do comércio realizável "fora do estabelecimento comercial", o legislador referiu-se aos contratos concluídos tanto à distância como porta-em-porta, muito embora aquele primeiro conceito não fosse tão difundido no sistema sócio-econômico brasileiro da época, apesar de já bastante utilizado em outros países.

Portanto, qualquer interpretação teleológica elucida a questão.

O fato de o estabelecimento comercial ser físico ou virtual não é – nem deveria ser – questionado judicialmente. Afinal, os mesmos raciocínios aplicados na defesa dessas teses em relação ao estabelecimento virtual podem o ser quanto aos pontos de negócio de telemarketing, por exemplo, ou de mídia impressa (e.g. catálogos de anúncios de produtos). Isso porque uma empresa pode ser virtual também por negociar somente via contato telefônico ou ainda por comercializar produtos exclusivamente via sistema de entregas e postagens dos Correios. Daí que o telefone seria, analogamente, o estabelecimento comercial virtual, assim como o website o é. Mais ainda: tais silogismos não poderiam ser aplicados a essas empresas, pois o legislador evidenciou aquelas formas de contratação fora do estabelecimento comercial no próprio caput do art. 49, de forma exemplificativa. Assim, somente uma interpretação sistemática e teleológica se revela eficiente para a mais justa e precisa extração do alcance da norma. Em outras palavras, tanto o website, como o "ponto telefônico" e o catálogo de produtos são meios de comunicação – meros instrumentos de intermediação de contato. Nada mais.

8.2 Interpretações do art. 49 sob outros prismas.

8.2.1 Contratação de serviços de execução imediata.

Encontramos questionamentos doutrinários sobre a aplicabilidade (ou não) do art. 49 em contratos de prestação de serviços de execução instantânea à sua assinatura: poderia o consumidor resilir o contrato mesmo após a prestação total dos serviços demandados, ainda que dentro do prazo hebdomadário?

Ora, pela exegese gramatical, não há dúvida de que a resposta seria positiva. Todavia, a doutrina não abarca esse entendimento, valendo-se de outros métodos de interpretação normativa para chegar à conclusão de que cada caso deverá ser analisado sob seus diversos enfoques – sobretudo jurídicos – e possíveis conseqüências.

Nesse sentido, a professora Cláudia Lima Marques (2004, p. 715) apresenta entendimento peculiar sob o prisma elementar do Direito Civil ressarcitório e da boa-fé contratual:

"[...] o direito de arrependimento é independente da possibilidade física da volta ao status quo, o direito é assegurado para liberar o consumidor do vínculo contratual, sem ônus, devendo, porém, restabelecer o seu parceiro contratual, o fornecedor, na situação que se encontrava antes da contratação. Nesse sentido, seria possível ao consumidor exercer seu direito de arrependimento, mas teria que ressarcir o fornecedor pelo serviço prestado. [...] A norma alemã propõe a solução de se afastar o direito de arrependimento, se foi o consumidor quem solicitou ao fornecedor vir até sua residência para, por exemplo, consertar o fogão, a geladeira, pintar a casa, ou reformar o banheiro. Solução semelhante não ofende os princípios do CDC, bem ao contrário se adapta perfeitamente à idéia de boa-fé obrigatória de ambas as partes tanto na fase pré-contratual como contratual".

Segundo essa solução, o ressarcimento ao prestador do serviço deve equivaler aos valores por ele dispendidos a título de custos e despesas, jamais compreendido o lucro. Somente assim se retornaria à situação anterior ao contrato.

8.2.2 Simulação de estabelecimentos comerciais através de eventos promocionais.

Marques (2004, p. 716-719) analisa também um caso interessante de interpretação alternativa do direito de arrependimento, mesmo que de forma gramaticalmente contrária ao disposto no art. 49.

A hipótese trazia a seguinte situação: o consumidor é atraído por contato da empresa (normalmente, via telefone, mediante sorteio, através de correspondência) para participar de um coquetel de exposição de determinado produto ou serviço, onde se cria um ambiente de descontração e lazer totalmente voltado à indução comercial para captação de clientela.

Mesmo sendo o contrato firmado dentro do estabelecimento comercial da empresa, ainda que provisório, simulado, a jurisprudência confere tratamento peculiar nesses casos, permitindo a aplicação do direito de arrependimento:

Ementa: "Contrato de compra e venda de título de uso de instalações hoteleiras (time sharing) – Método abusivo de venda – Descumprimento do dever de informar – Nulidade do contrato – Litigância de má-fé inexistente – É nulo o contrato resultante de método agressivo de venda, pelo qual o consumidor é atraído a um local preparado e submetido a pressão psicológica para assiná-lo, sem que possa se inteirar do alcance de suas cláusulas – A litigância de má-fé diz respeito a má-fé processual, não à utilizada quando da contratação" (APC 597095827, Rel. Des. Antonio Guilherme Tanger Jardim, DJ de 26.6.1997).

O que o TJRJ fez foi redescobrir a mens legis do direito de arrependimento e aplicá-la ao caso concreto, ao arrepio da literalidade da lei consumerista. Em outras palavras, buscou-se resgatar o equilíbrio contratual, devolvendo ao consumidor a faculdade de, uma vez livre das técnicas agressivas e sedutoras de marketing comercial, poder refletir e resilir o contrato já firmado.

Note-se que, uma vez mais, a letra fria da norma jurídica contida no art. 49 foi reprimida, para dar espaço a uma interpretação lógico-sistêmica avançada.

8.2.3 Negociação habitual entre fornecedor e consumidor.

O direito comparado nos revelou ainda que algumas normas internacionais já excepcionam o direito de arrependimento quando a contratação de bens ou serviços ocorrer de habitualmente fora do estabelecimento comercial.

Por exemplo, se for dos costumes daquele consumidor adquirir mensalmente um determinado refil de tinta para sua impressora colorida através de entrega por motoboy disponibilizada por determinado comerciante, não se poderia aplicar o direito de arrependimento. Isso porque o elemento surpresa não está presente no negócio; tampouco inexistiram técnicas de marketing agressivo capazes de convencer o consumidor, num impulso irrefletido, a formalizar aquele contrato.

Nelson Nery Junior (2001, p. 494), nesse sentido, acrescenta:

"O caso concreto é que vai determinar o que seja venda fora do estabelecimento comercial sujeito ao direito de arrependimento ou não. Se for dos usos e costumes entre as partes a celebração de contratos por telefone, por exemplo, não incide o dispositivo e não há o direito de arrependimento. O consumidor pode ter relações comerciais com empresa que fornece suporte para informática e adquirir, mensalmente, formulários contínuos para computador, fazendo-o por telefone. Conhece a marca, as especificações, e o fornecedor já sabe qual a exigência e preferência do consumidor. Negociam assim há seis meses continuados, sem reclamação por parte do consumidor. Nesse caso é evidente que se o contrato de consumo se der nas mesmas bases que os anteriores, não há o direito de arrependimento. Havendo mudança da marca do formulário, ou das especificações sempre exigidas pelo consumidor, tem ele o direito de arrepender-se dentro do prazo de reflexão." (grifo nosso)

Observe-se, contudo, que a aplicação incontinenti e ipsis litteris do art. 49 jamais permitiria essa exceção na sua interpretação. Afinal, mesmo sendo habitual um determinado tipo de negócio, a relação é de consumo e se deu fora do estabelecimento comercial. Fosse essa a vertente preponderante na jurisprudência nacional, a injustiça estaria consolidada.

8.2.4 Convite ao comerciante para deslocamento ao domicílio do consumidor.

A professora Cláudia Lima Marques (2004, passim) afirma, também, que, em nome do princípio da boa-fé objetiva nos contratos, não pode ser beneficiado pelo art. 49 o consumidor que convoca o comerciante à sua residência ou local de trabalho para formalização de um negócio jurídico. Isso porque, uma vez mais, o enfoque que se dá à aplicação do direito de arrependimento é o da mens legis do CDC, ou seja, o de resgatar o equilíbrio contratual diante de técnicas de marketing agressivo ou de ignorância de aspectos do objeto da contratação.

8.2.5 Contratação de bens fabricados ou de serviços prestados sob encomenda.

Uma vez mais, valemo-nos do estudo feito por Marques conjugado com a análise das normas alienígenas. Com base no princípio da boa-fé objetiva, a jurista afasta a aplicabilidade do direito de arrependimento quando o consumidor contrata determinado bem conforme suas próprias e expressas especificações, tornando o produto um bem personalizado. É evidente que, a exemplo das normas internacionais estudadas, não pode o consumidor desistir do contrato, pois aquele bem por ele encomendado não terá qualquer valor comercial perante terceiros, acarretando prejuízo considerável e unilateral ao comerciante se resilido o contrato.

O mesmo raciocínio se aplica à encomenda de execução de serviços específicos, para os quais o comerciante terá de aparelhar-se de forma especial e subcontratar recursos humanos somente para a execução daquele contrato. Seria o caso, por exemplo, de um consumidor que desejasse restaurar seu carro antigo, delegando todo o serviço ao comerciante, desde a recuperação e a substituição de peças raras. Para executar o serviço, o empresário deverá subcontratar mão-de-obra especializada e encomendar produtos e materiais específicos em funilarias e fábricas especializadas, visando reproduzir aquelas peças que não mais se fabricam industrialmente. Portanto, valendo-se de direito comparado e amparado em princípios da própria norma consumerista, pode-se afastar a aplicabilidade do art. 49 conforme o caso concreto.

8.2.6 Conclusão preliminar.

Como se pode observar, a todo momento, a doutrina sobre o tema e parte da jurisprudência repousam nas palavras de Nelson Nery Junior, que traduziu o cerne da questão de maneira brilhante:

"Quando o espírito do consumidor não está preparado para uma abordagem mais agressiva, derivada de práticas e técnicas de vendas mais incisivas, não terá discernimento suficiente para contratar ou deixar de contratar, dependendo do poder de convencimento empregado nessas práticas mais agressivas. Para essa situação é que o Código prevê o direito de arrependimento.

Além da sujeição do consumidor a essas práticas comerciais agressivas, fica ele vulnerável também ao desconhecimento do produto ou serviço, quando a venda é feita por catálogo, por exemplo. Não tem oportunidade de examinar o produto ou serviço, verificando suas qualidades e defeitos etc."

Eis, portanto, a mens legis do CDC que, nesse caso, reúne-se à intentio legislatoris para proteger o consumidor, especialmente, de:

1.Técnicas agressivas de marketing, que lhe induzem, sem reflexão, à formalização do negócio jurídico;

2.Desconhecimento do produto e de suas características, aos quais o consumidor não tem prévio acesso;

3.Má-fé contratual.

Se presentes, no caso concreto, tais premissas, queda-se legítima a aplicação do direito de arrependimento como medida de justiça. Contudo, uma vez ausentes, o direito de arrependimento somente poderá ser aplicado analisando-se todo o contexto fático que envolve o caso concreto e suas conseqüências jurídicas e sociais (sobretudo sob o prisma comercial), para que, do contrário, não se promova a injustiça social.

8.3 A aplicação do direito de arrependimento nos tribunais.

8.3.1 Jurisprudência ordinária nos tribunais nacionais.

À medida que a evolução tecnológica permite cada vez mais negócios realizados à distância, observamos um grande número de empresas que movimentam quantias significativas em decorrência desses negócios, o que, por si, já é merecedor de atenção quanto ao estudo ora promovido.

Assim, em estudo realizado nas bases de dados dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal, do Paraná e do Rio Grande do Sul, concluímos que o direito de arrependimento não tem abalado ainda de forma muito significativa a harmonia social, pois poucas são as decisões jurisprudenciais sobre o assunto.

Dessas, a grande maioria trata de questões normalmente relacionadas aos aspectos processuais do exercício desse direito, como necessidade de comprovação da notificação de rescisão, prazos iniciais e finais, atualização monetária dos valores ressarcidos etc.

8.3.1.1 Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

O TJDFT não enfrentou significativamente a aplicação do direito de arrependimento e também não inovou na interpretação do dispositivo legal correspondente.

No entanto, encontramos uma decisão que flexibilizou a literalidade do art. 49 do CDC, ao afastar a aplicação desse dispositivo quando constatado que o contrato formalizado fora do estabelecimento comercial o fora nas mesmas bases de outros realizados anteriormente, ou seja, tratava-se de um negócio continuado. Dessa, porém, trataremos mais adiante. Eis, portanto, a jurisprudência localizada:

a)APC 20050111296975: "Incumbe ao consumidor a prova do exercício do direito de arrependimento dentro do prazo (sete dias) estabelecido no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor. Não se desvencilhando desse ônus, restará frustrada essa intenção de, unilateralmente, desfazer o ajuste."

b)APC 20010110835787: "O direito de arrependimento, previsto no artigo 49 do código de defesa do consumidor, prescinde de justificativa do consumidor e pode ser exercido quando este tomar conhecimento de que equipamentos similares são vendidos a preços muito inferiores aos cobrados pela vendedora. [...] O direito de arrependimento pode ser obstado se o negócio é continuado e o contrato é realizado nas mesmas bases que os anteriores. Se não é a hipótese, pode ser aplicado o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor."

c)ACJ 20000110082003: "Enquanto presente a hipótese de arrependimento, não se tem um ato jurídico perfeito. 2. O desfazimento do negócio apoiado no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor torna equívoca a cobrança das taxas de administração e de adesão ao contrato com conteúdo de comissão de corretagem. 3. Pela perda de finalidade, decorrente da desistência ou exclusão do consorciado, o dinheiro entregue pelo desistente/excluído, deve ser devolvido imediatamente e não no encerramento do grupo. A devolução residual é de interesse tão-só dos que continuaram participando, não daqueles que ficaram pelo caminho."

8.3.1.2 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS).

Os Estados da Região Sul do país são, desde há muito, berço dos maiores expoentes do chamado Direito Alternativo, revelando uma sensibilidade social extraordinária do seu Poder Judiciário local.

Não por acaso, a jurisprudência desses Tribunais revelou surpreendentes decisões, apesar de nenhum em sentido tão específico quanto ao ora estudado, mas, por outro lado, pactuantes da exegese complexa que sugerimos neste estudo comparativo.

Por isso, é imprescindível para ilustração dos trabalhos expor as decisões localizadas na base de dados do TJRS. Entretanto, transcrevemos por ora os julgados ordinários, que não consideram o enfoque de nosso estudo:

a)Apelação Cível 70015343429: "Ressaem da dicção legal do art. 49 do CDC, como pressupostos fáticos para a validez da desistência, o interregno temporal de sete dias a contar-se do recebimento do produto ou serviço, e a circunstância de a contratação enfeixar-se fora do estabelecimento comercial. No caso, não houve manifestação no prazo legal, já que, após a compra realizada em 29/03/2003, o autor entrou em contato telefônico com a demandada somente em 08/05/2003, manifestando a sua insatisfação com a mercadoria. A comunicação do arrependimento ocorreu, portanto, fora do prazo de sete dias previsto no Código de Defesa do Consumidor."

b)Apelação Cível 70008951337: "Incontroverso que a suplicante exerceu, no prazo legal, direito de arrependimento, impõe-se a devolução integral da quantia despendida a título de taxa de adesão. Art. 49, § único do CDC."

c)Apelação Cível 70009241845: "Expirado o prazo de arrependimento e ausente caracterização de vício de consentimento, descabe a pretensão de ver anulada a contratação de compra e venda entabulada."

d)Apelação Cível 70007096894: "Compra de produto, esteira de massagem, sem possibilidade de utilização em razão da gravidez. Direito de arrependimento manifestado dentro do prazo de reflexão previsto no art. 49 do CDC. Conjunto probatório que autoriza a manutenção do juízo de procedência da sentença, confirmada por seus próprios fundamentos."

e)Apelação Cível 70006123038: "Ao consumidor assiste o direito de arrependimento erigido pelo art. 49 do CDC, ainda mais que não participaram do evento gerador da duplicata. Apelação provida, sucumbência invertida."

f)Apelação Cível 70002095040: "Incumbe ao anunciante a prova do exercício do direito de arrependimento no prazo estabelecido no art. 49 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Não comprovada a manifestação de desistência, que teria sido feita quando já decorrido o prazo precitado, descabida pretensão de desfazimento do ajuste. Não demonstrada a alegada coação na celebração da azienda, inviável a anulação desta. Apelo improvido."

g)Apelação Cível 599008299: "1) Caracteriza-se como contratação fora do estabelecimento comercial a celebração de contrato de uso de imóvel em Punta Del Leste durante festa popular em município do interior do estado (Festa do Pêssego). 2) A demonstração do arrependimento, dentro do período de reflexão, pode ser efetivada por qualquer meio de prova, inclusive com os documentos comprobatórios da realização de ligações telefônicas pelo consumidor à empresa fornecedora no dia seguinte a contratação. 3) Desfazimento do contrato, liberando o consumidor das obrigações assumidas. 4) Aplicação do artigo 49 do cdc."

8.3.1.3 Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR).

Assim como o TJRS, o TJPR também revelou uma jurisprudência bastante criativa. Contudo, agora transcrevemos apenas as pouco pertinentes ao objeto de nosso estudo, apenas para efeito de comparação:

a)Apelação Cível 0162626-2: "É a partir do momento que o consumidor passa a desfrutar do serviço colocado a sua disposição, objeto de contrato, independentemente de se encontrar registrado ou não em seu nome o bem adquirido, que se inicia o prazo para exercitar o direito de reflexão. Por isso, não há a incidência do disposto artigo 49 do CDC, quando, inequivocamente, restar ultrapassado o prazo previsto para tanto. Assim, o direito de arrependimento não pode ser invocado por quem usufruir do bem - terminal telefônico - por longo período, tacitamente renunciando ao direito de desistir do objeto do contrato. Em conseqüência, se não houve arrependimento no prazo de reflexão, não há que se falar em devolução de valores pagos, sob pena de enriquecimento ilícito do consumidor, que se utilizou normalmente do produto."

b)Apelação Cível 0214902-2: "Aperfeiçoado o contrato de compra e venda de mercadoria e não tendo o comprador demonstrado, embora alegado, que exerceu o direito de arrependimento previsto pelo art. 49 do CDC, não há que se falar em nulidade da duplicata sacada em razão daquela relação contratual e nem do respectivo protesto, lavrado regularmente em face do não pagamento."

c)Apelação Cível 0080390-3: "O direito de arrependimento previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor tem aplicação restrita aos contratos de venda porta-em-porta ou em domicílio, por telefone, dentre outras técnicas agressivas de venda, quando se concede um prazo de sete (7) dias para reflexão do comprador, que poderá desfazer o negócio, sem ônus. Inaplicável a aludida regra a compromisso de compra e venda de imóvel celebrado de regra na sede da Construtora e que só pela sua considerável expressão econômica leva o comprador a realizar pesquisa no mercado e fazer reflexão."

Observa-se, assim, que a maioria dos casos encaminhados à análise do Poder Judiciário ainda são, e continuarão sendo, voltados a meros aspectos processuais. Todavia, novos julgados surgem pelos tribunais nacionais, evidenciando uma necessidade cada vez mais intensa de reanalisar a aplicabilidade do aludido direito, conforme o caso concreto.

8.3.2 Decisões judiciais sob a ótica do presente estudo.

8.3.2.1 Apelação Cível nº 70000195578 (TJRS).

Trata-se de ação revisional de contrato, promovida por Sheyla Maria Borowski em desfavor de Punta Del Este Golden Beach S.A., por meio da qual a autora pretendia rescin dir o contrato de promessa de compra e venda multiproprietária (time-sharing) que assinou. A sentença julgou procedente a ação, determinando a rescisão contratual e a devolução das parcelas pagas, sem ônus à autora.

A empresa recorreu em sede de apelação, mas teve seu recurso negado pelo Tribunal. Eis a ementa do julgado:

EMENTA: "CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. TIME-SHARING. O DIREITO DE ARREPENDIMENTO - ART. 49 DO CDC - TEM POR OBJETIVO PROTEGER O CONSUMIDOR DA PRATICA COMERCIAL AGRESSIVA. HIPOTESE EM QUE O NEGOCIO E FEITO EM AMBIENTE QUE INIBE A MANIFESTACAO DE VONTADE DO CONSUMIDOR, CARREGADA DE APELO EMOCIONAL. O prazo de arrependimento, no caso, deve ser aquele que mais favorece a parte hipossuficiente, ou seja, a contar da efetiva data em que o serviço estaria a disposição do consumidor. Ação de revisão de contrato procedente. deferimento da devolução das parcelas pagas. honorários. Devem ser fixados em percentual sobre a expressão econômica da causa, traduzida naquilo que deve ser devolvido a parte. apelo e recurso adesivo desprovido." (Apelação Cível Nº 70000195578, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flores de Camargo, Julgado em 26/10/1999)

Esse julgado retrata precisamente os negócios de time-sharing, à luz do exposto pela professora CLAUDIA LIMA MARQUES (2004). Mesmo o consumidor tendo se deslocado ao estabelecimento comercial do fornecedor, o que, em princípio, afastaria a exegese imediata do art. 49, o Tribunal considerou necessário o exercício do prazo de reflexão, pois, apesar de o negócio não ter-se formalizado à distância, ou fora do estabelecimento comercial do fornecedor, o fora sob forte influência emocional.

De fato, quando o fornecedor atrai o consumidor para um local preparado para a divulgação de um determinado produto e oferece-lhe um lazer sedutor, através de churrascos, almoços, janteres, bebidas alcoólicas, atrações diversas, música ambiente etc., certamente inibe a capacidade plena de o consumidor refletir sobre o negócio que está prestes a fechar.

Assim, presente o marketing agressivo, ainda que dentro do estabelecimento comercial, impõe-se a aplicação do art. 49 do CDC. Disposição semelhante está prevista no BGB

8.3.2.2 Agravo de Instrumento nº 2005.00.2.005167-6 (TJDFT).

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra medida liminar que antecipou tutela jurisdicional na Ação Civil Pública nº 2004.01.1.038035-9. Pela demanda, o MPDFT pretende que a empresa Gol Linhas Aéreas S.A. respeite o direito de arrependimento e promova à devolução integral das passagens aéreas adquiridas, desde que a resilição contratual ocorra no prazo do art. 49 do CDC.

O juiz competente deferiu medida liminar, antecipando a tutela jurisdicional. Ao recorrer dessa decisão, a empresa conseguiu, em sede de agravo de instrumento, suspender a liminar através de decisão monocrática do eminente desembargador relator, e, cassá-la posteriormente, pela decisão colegiada.

No acórdão, a egrégia Segunda Turma Cível do TJDFT fundamentou, confirmando a decisão monocrática do relator:

"Malgrado as ponderações içadas pelo douto julgador singular, creio que, em exame perfunctório, ínsito a esta fase, viável se afigura o deferimento do efeito suspensivo postulado. Isto porque, analisando as considerações abordadas pelo digno Órgão do Ministério Público, na inicial da Ação Civil Pública de que se cogita, não vislumbro, em rápido exame, que a situação narrada na sua causa de pedir se afeiçoa, cega e integralmente, ao regramento hospedado no artigo 49 da Legislação Consumerista."

Como se pode observar, a egrégia Turma Cível, sob a condução exemplar do desembargador relator, ousou não entender "cegamente" aplicável o art. 49 aos contratos de compra de passagens aéreas. Esse entendimento será melhor em capítulo à parte, ainda no presente estudo.

8.3.2.3 Ação de indenização por danos morais e materiais nº 2006.800.048593-0 (TJRJ).

Pela presente ação, pretendeu o consumidor ser ressarcido patrimonial e moralmente pelo descumprimento da empresa Gol Linhas Aéreas S.A. em obedecer ao art. 49 do CDC. Afirma que adquiriu passagem aérea pela internet e, cinco dias depois, comunicou à empresa o interesse em retratar-se, mas lhe foi cobrada um taxa a título de multa contratual.

Ao sentenciar, o magistrado da Comarca do Rio de Janeiro asseverou:

"Entre outras medidas protetivas, o Código de Defesa do Consumidor prevê o direito de arrependimento (art. 49), que garanto ao consumidor um prazo de reflexão a respeito da contratação, nas hipóteses em que a operação se realizar fora do estabelecimento comercial. [...] Entretanto, a aplicação do dispositivo não é absoluta. [...] Há que se considerar que, nos dias atuais, a compra de passagem aérea fora do estabelecimento comercial é prática comum, quase a regra. No caso em tela, tem-se que foi o autor que quem contatou a ré na intenção de adquirir as passagens aéreas, não tendo sido a desistência motivada por insatisfação com a qualidade ou características do serviço. Sendo assim, a hipótese aqui narrada não está sujeita à aplicação do prazo de reflexão previsto no art. 49 do CDC, sendo lícita a cobrança de taxa administrativa por desistência, conforme pactuado entre as partes. [...] Isto posto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos [...]."

Aqui o ilustre julgador chama atenção para outro detalhes de grande importância: a prática reiterada e costumeira na aquisição de passagens aéreas pela internet. De fato, se é dos hábitos sociais a concretização daquele negócio à distância, não se tratando, pois, de ação nova, o elemento surpresa faz-se ausente, e não se aplica, assim, o art. 49 do CDC.

Esperamos que decisões como essa se multipliquem, somando-se àquelas já proferidas em tribunais de todo o país, como as que citamos em relação ao TJDF e TJRS. Se não pela observância aos métodos mais justos e acurados de interpretação normativa, ao menos pelo respeito aos princípios constitucionais em vigor.

Afinal, o enorme conteúdo principiológico que trazem, em suas singelas considerações, são antes produto de elaborada exegese jurídica. A conclusão, uma vez mais, é sempre no sentido de afastar-se o absolutismo da aplicação do art. 49, relegando-o a casos específicos, sempre precedidos de análise fática, sociológica, econômica e jurídica.


9. Fundamento constitucional para não-aplicação do direito de arrependimento conforme o objeto do negócio jurídico.

9.1 A Constituição como fundamento de validade normativa e a igualdade constitucional.

A despeito de todo o (necessário) exercício de hermenêutica jurídica acerca do direito de arrependimento, cumpre observar a necessidade de adequação da norma infraconstitucional a princípios estampados na Carta de 1988.

A Constituição é a pedra angular do ordenamento jurídico de um Estado de Direito. É nela que as demais normas jurídicas encontram seu fundamento de validade. Ali situam-se também os princípios constitucionais: verdadeiros axiomas jurídicos, imprescindíveis para a aplicação da norma infraconstitucional e necessariamente presentes em todas as metodologias de interpretação e aplicação do direito.

Entre os muitos princípios que a Constituição brasileira abarca está o princípio da isonomia (ou princípio da igualdade), insculpido – em sua forma geral – no art. 5º, caput, que dispõe:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]."

A doutrina nacional entende como destinatários do princípio da isonomia tanto o legislador como o jurisdicionado, apesar do entendimento diverso de estudiosos estrangeiros, como José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 426), para quem a isonomia direciona-se à criação do direito (i.e. ao legislador), em uma primeira vertente, e segue para a aplicação do direito (i.e. ao intérprete), em uma segunda vertente.

De qualquer forma, é consensual que o legislador deva sempre observá-la, sob pena de invalidar a norma jurídica sob edição. Já o intérprete deve sempre cumpri-la na aplicação do direito ao caso concreto sob pena de cometer injustiça social.

E é no campo jurisdicional que o princípio da isonomia encontra maior repercussão. Há, porém, que se considerar o que a doutrina compreende como isonomia: seria esta a igualdade absoluta? Haveria uma igualdade relativa, que permite a desigualdade?

O entendimento hoje pacificado é por essa última compreensão de isonomia. São os homens seres desiguais por natureza, sob diversos aspectos. Portanto, a igualdade constitucional não pode ser absoluta, mas deve significar tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na exata medida de suas desigualdades.

Nesse sentido, nosso estudo volta-se para a aplicação do princípio da isonomia no CDC sob essa vertente aristotélica.

9.2 O princípio constitucional da isonomia e sua projeção infraconstitucional no CDC.

Não resta dúvida da interligação conceitual entre a norma infraconstitucional e a norma constitucional na defesa dos interesses do consumidor. O inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal, quando estabelece que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor", deixou latente a intenção do legislador constituinte originário em conferir maior proteção ao consumidor:

"Primeiramente, dá homogeneidade a um determinado ramo do Direito, possibilitando sua autonomia. De outro, simplifica e clarifica o regramento legal da matéria, favorecendo, de uma maneira geral, os destinatários e os aplicadores da norma" (GRINOVER et al., 2001, p. 17).

Lá encontramos vívido o princípio da vulnerabilidade (art. 4º, inc. I) como uma espécie do gênero igualdade:

"Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;"

E não é só. Outra aplicação da norma constitucional de isonomia está prevista no inc. VIII do art. 6º do CDC, que trata da facilitação da defesa do consumidor em juízo, mediante a inversão do ônus da prova sempre que verossímil sua alegação:

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;"

Dessa forma, o legislador consumerista, ciente da situação quase sempre de hipossuficiência do consumidor diante da relação econômica com o comerciante, operou mecanismos legais na tentativa de resgatar o equilíbrio dessa relação, em tom de paridade, permitindo, assim, a máxima extensão do princípio constitucional da isonomia. Nas palavras de Nelson Nery Júnior (1999, p. 1.805):

"[...] Trata-se de aplicação do princípio constitucional da isonomia, pois o consumidor, como parte reconhecidamente mais fraca e vulnerável na relação de consumo (CDC 4º, I), tem de ser tratado de forma diferente, a fim de que seja alcançada a igualdade real entre os partícipes da relação de consumo. O inciso comentado amolda-se perfeitamente ao princípio da constitucional da isonomia, na medida em que trata desigualmente os desiguais, desigualdade essa reconhecida pela própria lei."

Outra manifestação relevante e que vai ao encontro desse princípio constitucional está na interpretação favorável das cláusulas contratuais ao consumidor, prevista no art. 47: "as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor."

Pode-se observar, portanto, que o legislador mostrou-se sensível à situação de desequilíbrio do consumidor na relação econômica com o comerciante e buscou cercá-lo de instrumentos de proteção e resgate da paridade contratual.

Esses instrumentos também são válidos para a aplicação do direito material. E é aí que reside a atividade jurisdicional, interpretando a lei e aplicando-a em conformidade com o sistema hierárquico das normas para o caso concreto.

9.3 A isonomia como axioma válido para todos os sujeitos de uma relação de consumo.

Em que pese a presunção de vulnerabilidade que paira sobre o consumidor, há que se dizer que o princípio da isonomia não se aplica exclusivamente no sentido de conferir a esse último vantagem excessiva em relação ao comerciante, mas na justa medida, pois há de ser considerada também em relação ao fornecedor.

Como dito, cuida-se de uma conjetura premonitória, elevada ao conceito principiológico, que pode e deve ser afastada quando constatado, no caso concreto, ser ela inválida ou injusta.

Sua inaplicabilidade, nesse sentido, afina-se ao entendimento moderno do "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades". Significa dizer que, em certas situações, o comerciante poderá ver-se livre da superproteção legal ao consumidor, quando o magistrado entender que, naquela relação jurídica específica, esse último não se encontre em situação de desigualdade perante aquele, vale dizer, de hipossuficiência ou mesmo de vulnerabilidade.

Nesse ponto, resgatamos o entendimento internacional sobre a situação do consumidor na relação de consumo. A Res 39/248 editada pela ONU evidenciou as formas de vulnerabilidade do consumidor:

"I. OBJETIVOS

1. Considerando-se os interesses e necessidades de consumidores em todos os países, particularmente aqueles nos países em desenvolvimento; reconhecendo que aqueles consumidores freqüentemente enfrentam desequilíbrios em termos econômicos, níveis educacionais e jogo de forças; e tendo em mente que consumidores devem ter o direito de acesso a produtos seguros, assim como direito de promover o justo, eqüitativo e sustentável desenvolvimento econômico e social, estas diretrizes para a proteção do consumidor têm os seguintes objetivos: [...]" (tradução nossa)

Como se pode observar, existe na comunidade internacional uma presunção de desequilíbrio em três modalidades:

1.Econômica;

2.Educacional (ou técnica); e

3.Negocial.

Já Cláudia Lima Marques (2004) entende haver três tipos de vulnerabilidade:

1.Técnica;

2.Jurídica; e

3.Fática (ou sócio-econômica).

Segundo a autora, a vulnerabilidade técnica consiste na ausência de conhecimentos, por parte do consumidor, sobre o produto ou serviço consumidos. A vulnerabilidade jurídica seria a ausência de conhecimentos jurídicos específicos, de contabilidade e econômicos. Por fim, a vulnerabilidade fática consiste na posição de superioridade do fornecedor em relação à sua influência comercial e social, ao seu poderio econômico ou em razão da essencialidade do serviço.

Muito embora não trate de forma explícita, a lei brasileira apresenta, em primeira mão, a vulnerabilidade como princípio para então seguir à hipossuficiência para manejo processual, a depender do preenchimento de certos requisitos para seu reconhecimento e aplicação dos direitos a ela vinculados (art. 6º, inc. VIII, in fine).

Na verdade, hipossuficiência e vulnerabilidade não se confundem, conforme, inclusive, diferencia Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin (2001, p. 325):

"A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educadores ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns – até mesmo a uma coletividade – mas nunca a todos os consumidores".

Portanto, é exatamente nesse contexto que deve ser analisada a vulnerabilidade ou a hipossuficiência do consumidor face ao comerciante, para, então, aplicar-se os dispositivos protetivos e premonitórios do CDC.

Devemos observar que ser vulnerável não é o mesmo que estar vulnerável ou presumir-se como tal. Por isso, deverá o magistrado, ao aplicar o direito protetivo do consumidor, ponderar sobre essa situação de vulnerabilidade, conforme o caso concreto.

A esse respeito, Eduardo Gabriel Saad (2002, p. 148), brinda-nos com pertinentes comentários:

"Falar-se em vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo não é o mesmo que dizer ser ele, sempre, o economicamente mais fraco, um hipossuficiente, que devido a essa circunstância faz jus à proteção parecida com aquela que a Consolidação das Leis do Trabalho dispensa ao assalariado. O consumidor, às vezes, é uma empresa que, sob o prisma econômico, mostra-se muito mais poderosa que aquele que lhe vende algo ou que lhe presta um serviço. São tantas as exceções ao princípio da vulnerabilidade erroneamente concebido que temos de emprestar-lhe outro significado." (grifo nosso)

Se, ao contrário, o magistrado vier a reconhecer o desequilíbrio da relação contratual, abre-se a justa possibilidade de permitir ao consumidor o exercício do direito de arrependimento e, ainda, o da facilitação processual pela inversão do onus probandi.

Do contrário, deverá o julgador conter-se ao impulso pró-consumerista e evitar a aplicação irrefletida da norma infraconstitucional, transferindo ao fornecedor todos os ônus decorrentes da atividade comercial, o que lhe causará inequívoco prejuízo.

A conjugação dessas advertências reflete o verdadeiro espírito do princípio constitucional da isonomia: "tratar os igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades".

9.4 A isonomia como fundamento do acórdão proferido pela Segunda Seção do STJ nos Resp 472.594/SP e 473.140/SP.

O entendimento que aqui apresentamos sobre a aplicação do princípio da isonomia na relação de consumo, sob a ótica aristotélica, não é isolado na doutrina e, especialmente, na jurisprudência dos tribunais pátrios.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça valeu-se de idêntica interpretação quando do julgamento pacificador dos Recursos Especiais nºs 472.594/SP e 473.140/SP, cujos acórdãos foram publicados no DJ de 4.8.2003, sob a relatoria original do ministro Carlos Alberto Menezes Direito e, para formalização do acórdão, do então ministro Aldir Passarinho Júnior.

Eis, de início, a ementa:

"CIVIL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CONTRATO COM CLÁUSULA DE REAJUSTE PELA VARIAÇÃO CAMBIAL. VALIDADE. ELEVAÇÃO ACENTUADA DA COTAÇÃO DA MOEDA NORTE-AMERICANA. FATO NOVO. ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR. REPARTIÇÃO DOS ÔNUS. LEI N. 8.880/94, ART. 6º. CDC, ART. 6º, V.

I. Não é nula cláusula de contrato de arrendamento mercantil que prevê reajuste das prestações com base na variação da cotação de moeda estrangeira, eis que expressamente autorizada em norma legal específica (art. 6º da Lei n. 8.880/94).

II. Admissível, contudo, a incidência da Lei n. 8.078/90, nos termos do art. 6º, V, quando verificada, em razão de fato superveniente ao pacto celebrado, consubstanciado, no caso, por aumento repentino e substancialmente elevado do dólar, situação de onerosidade excessiva para o consumidor que tomou o financiamento.

III. Índice de reajuste repartido, a partir de 19.01.99 inclusive, eqüitativamente, pela metade, entre as partes contratantes, mantida a higidez legal da cláusula, decotado, tão somente, o excesso que tornava insuportável ao devedor o adimplemento da obrigação, evitando-se, de outro lado, a total transferência dos ônus ao credor, igualmente prejudicado pelo fato econômico ocorrido e também alheio à sua vontade.

IV. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (grifo nosso)

O caso concreto trata de contrato de arrendamento mercantil cujas prestações eram corrigidas conforme a variação cambial do dólar norte-americano, isso em período inicialmente vantajoso, no qual havia relativa paridade entre a moeda nacional e a moeda estrangeira. No entanto, após 1999, com a liberação do câmbio, a moeda estrangeira supervalorizou-se, implicando onerosidade excessiva ao consumidor quando da correção das parcelas e de sua conversão em moeda nacional.

Em vista disso, ação declaratória revisional fora promovida, alegando superveniência de fato prejudicial ao contrato entabulado, gerando ônus excessivo e insuportável ao consumidor. Ao final, a petição inicial concluía pela modificação da "cláusula do contrato, revendo o indexador, a fim de que a correção das prestações, a partir de fevereiro de 1999 seja feita com base no INPC".

Compulsando o acórdão, vemos com clareza a contaminação do princípio constitucional da isonomia na condução dos votos vencedores, a começar pelo ministro Aldir Passarinho Júnior, que inaugurou a divergência citando o outrora ministro Ari Pargendler:

"O art. 6º, inciso V, do CDC, incide, porém apenas para retirar a onerosidade que afeta a capacidade de o consumidor adimplir o contrato, em razão de fato superveniente, resguardando-se o pacto e a essência da cláusula, porque, em si mesma, válida e legítima ela o é.

Nesse sentido foi a solução preconizada no voto do ilustrado Ministro Ari Pargendler, então vencido, no REsp n. 268.661/RJ, quando S. Exa. destacou que:

‘[...] É preciso que isso fique claro: não se pode suprimir a cláusula de variação cambial em relação ao consumidor, sem transferir os respectivos efeitos para o arrendador, que é, no particular, intermediário de recursos externos.

[...]

A probabilidade de mudanças nesse âmbito, portanto, fazia parte do cenário, mas as partes quiseram, ambas, acreditar que teriam tempo de fazer um bom negócio. Cada qual, por isso, tem uma parcela de (ir)responsabilidade pela onerosidade que dele resultou, e nada mais razoável que a suportem. Tal é o regime legal, que protege o consumidor da onerosidade excessiva, sem prejuízo das bases do contrato. Se a onerosidade superveniente não pode ser afastada sem grave lesão à outra parte, impõe-se uma solução de eqüidade.

O acórdão recorrido, data venia, errou ao aliviar o consumidor daquela parcela de onerosidade que poderia suportar, não excessiva, lesando gravemente o arrendador ao imputar-lhe integralmente os efeitos do fato superveniente.’

Ante o exposto, adotando tal entendimento, como já o havia feito perante a Egrégia 4ª Turma, no REsp n. 401.021/ES, cujo julgamento foi recentemente concluído em 17.12.2002, conheço do recurso especial e dou-lhe parcial provimento, para determinar, a partir do mês 19 de janeiro de 1999, inclusive (data em que o Banco Central do Brasil abandonou o sistema de intervenção permanente no mercado, liberando a oscilação da moeda estrangeira), que o reajuste das prestações vencidas dali em diante se faça pela metade da variação cambial verificada." (grifo nosso)

Seguiram esse entendimento os ministros, Castro Filho, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Ari Pargendler, vencidos os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Antônio de Pádua Ribeiro.

Como se pode observar, fosse aplicado literalmente o direito do consumidor à revisão do contrato quando a obrigação se tornou excessivamente onerosa, sem maiores reflexões, inclusive quanto à legalidade do contrato avençado e o equilíbrio da relação econômico-financeira entre as partes, o STJ teria decidido de forma contrária, transferindo à empresa arrendante os ônus decorrentes de mudanças no cenário econômico. Afinal, o CDC é claro ao dispor que:

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;"

Interpretando-se gramaticalmente o dispositivo, chega-se à conclusão inarredável que, havendo fato superveniente que confira ônus excessivo ao consumidor, independente de sua previsibilidade, há de se promover a revisão e a modificação da cláusula contratual para adequar-se às reais possibilidades do consumidor.

No entanto, conforme a situação concreta e as circunstâncias do negócio jurídico – no caso, arrendamento mercantil vinculado à variação cambial do dólar – essa seria uma interpretação equivocada e injusta, que inarredavelmente implicaria danos excessivos a uma das partes do contrato. Isso, sem dúvida, feriria a Constituição, não merecendo prosperar.

Por isso, aquela Alta Corte não se fechou aos princípios constitucionais que regem nosso Estado de Direito, em especial o princípio da isonomia, e determinou a revisão do contrato de arrendamento mercantil mediante repartição dos ônus para ambas as partes do contrato.

Como se pode observar, a interpretação normativa do CDC deve levar em consideração diversos aspectos, não somente principiológicos, mas fáticos, sobretudo por tratar-se de norma afeta ao mercado econômico. E o objeto do presente estudo está voltado precisamente para esse enfoque: aplicação (ou não) do direito, conforme medida justa e necessária.


10. Necessidade de evolução legislativa no Brasil.

10.1 A harmonização dos interesses nas relações de consumo e o desenvolvimento econômico e tecnológico (CDC, art. 4º, inc. III).

Como demonstramos ao longo do presente estudo, a relação de consumo está intimamente ligada à evolução da própria Humanidade e, nesse contexto, das relações comerciais.

As mudanças sociais, econômicas e tecnológicas em nível internacional, o surgimento de um direito protetor da classe de consumidores, a recepção desses apelos no direito interno, a inserção de princípios consumeristas da Constituição brasileira e a edição da lei nº 8.078/90 significam avanços expressivos na eterna busca pela adequação do fato social ao direito e vice-versa.

Por isso, o legislador nacional esculpiu mecanismos programáticos no CDC de forma a permitir a eterna atualização das propostas – o que serve perfeitamente à conclusão do presente estudo. Referimo-nos ao que dispõe o inciso III do artigo 4º:

"Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

[...]

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;"

Os princípios aí contidos, quando aliados a premissas maiores inseridas na Constituição, como o princípio da isonomia, conduzem sempre a uma análise bilateral da relação de consumo, onde a necessidade de harmonização dos interesses de todos os participantes da relação de consumo deve ser observado.

Inclusive, deve-se considerar a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico com base em princípios elementares, como a boa-fé e o equilíbrio nas relações comerciais.

A superproteção ao consumidor, quando promovida em detrimento dos interesses comerciais e dos direitos legais e constitucionais do fornecedor, pode gerar prejuízos nefastos aos respectivos segmentos da economia e conseqüente emperramento da evolução tecnológica.

A própria internet e o comércio eletrônico, que hoje reclamam disciplina reguladora específica do Estado, são frutos do desenvolvimento tecnológico e econômico do setor bancário e das atividades burguesas de três séculos atrás.

E a História moderna demonstrou que a presença do Estado nessas relações, muito embora desastrosa na maioria dos casos, foi a solução encontrada pelas nações do mundo para proteger o consumidor em face do poderio econômico.

Entretanto, melhor seria que essa intervenção, e aí incluímos as manifestações jurisdicionais do Poder estatal, fosse limitada às verdadeiras proeminências de desigualdade e de injustiça e não a pontos específicos da atividade comercial, como, aliás, bem adverte Eduardo Gabriel Saad (2002, p. 149-150):

"Não tem dado bons resultados a presença marcante do Estado nos domínios da economia. Esclerosa os processos de produção, quebra o ânimo dos que produzem e cria a incerteza em toda a sociedade quanto às regras do jogo entre a empresa e o consumidor.

História recente apresenta provas da total incapacidade do Estado de dirigir a economia. Por isso, a presença do Estado no mercado de consumo deve exaurir-se nas medidas fiscalizadoras da legislação pertinente, sem interferir na ciranda de preços e nos meios de produção." (grifo nosso)

Por tais razões, considerando-se que o Estado brasileiro já interveio fortemente nas relações de consumo, afetando a economia (para melhor ou para pior, a depender do conjunto de decisões judiciais justas ou injustas proferidas) e os meios de produção e comercialização de bens e de serviços, persiste uma necessidade, um lampejo de clarividência, para que nossos legisladores retomem os trabalhos parlamentares e voltem suas atenções à necessidade de adequação do direito de arrependimento à moderna sociedade da informação, sob pena de atravancar esse setor.

Essa, aliás, é a advertência de Saad (2002, p. 445-446):

"O art. 49 em foco vai desestimular a atividade comercial que hoje dá trabalho a centenas de milhares de pessoas e consistente nas vendas a domicílio. Em se tratando de norma imperativa, as partes não poderão incluir no contrato cláusula em que previamente o fornecedor se assegura do não-arrependimento do comprador.

Por derradeiro, não sabemos como o consumidor poderá arrepender-se em um contrato de prestação de serviços depois da sua conclusão, ou, melhor falando, depois da entrega do serviço contratado (reparação de instalações hidráulicas, reforço do alicerce de um prédio etc.)

[...]

O Código autoriza o comprador a arrepender-se mesmo depois de haver recebido o produto e, para sua decisão produzir efeitos jurídicos, não se faz mister que ele tenha de fundamentá-la.

Há, no caso, um excesso de proteção ao consumidor, que gerará a incerteza nas relações de consumo que se processam da maneira que vimos indicando." (grifo nosso)

De fato, a aplicação injusta do direito de arrependimento fatalmente implicará a extinção ou o retrocesso de modernas técnicas de comercialização, o que afetará o próprio consumidor, sobretudo diante de fatos como a posição privilegiada do Brasil como um dos maiores mercados de consumo em comércio eletrônico do mundo.

10.2 Reflexos econômicos negativos ao consumidor decorrentes da aplicação abusiva do direito de arrependimento.

O magistrado é um aplicador da lei. Não deve ele, jamais, agir como legislador, sob pena de ferir a harmonia dos Poderes. Sua atuação encontra limites na própria ordem jurídica e, em um patamar maior, na própria legislação.

Sua decisão, por mais alternativa que possa vir a ser, jamais deverá sobrepor-se à lei. Por isso, deve-se buscar, sempre, a melhor interpretação normativa aplicável ao caso concreto.

No entanto, sendo a norma obscura ou imprópria ao fato social, nada impede que o juiz possa persistir na aplicação abusiva do direito de arrependimento nas relações comerciais formalizadas à distância.

Essa conduta, todavia, se continuada, provocará nos fornecedores a necessidade de re-equacionar suas fórmulas contábeis de despesa versus lucro: haverá um retrocesso fático decorrente da má aplicação do direito, que não se modernizou e não acompanhou a evolução sociasl.

Dessa forma, sendo o direito de arrependimento aplicado de forma abusiva e nitidamente prejudicial aos fornecedores, estes serão obrigados a levar em consideração fatores de risco da atividade comercial.

Os bancos e os próprios comerciantes de varejo já o fazem no tocante ao crédito, quanto ao risco de inadimplemento. Esses, manipulando os preços de produtos de forma a incluir parcela desse risco, sobretudo em razão da péssima cultura do "cheque pré-datado". Aqueles, incluindo-o no valor dos juros cobrados aos consumidores, elevando sobremaneira o seu preço final, ao ponto de termos taxas de juros anuais muito superiores a 100% sobre o valor principal, isso em períodos de relativa estabilidade monetária e inflação controlada.

Essa é uma equação mercadológica simples: quanto maior o risco do negócio (ou seja, a probabilidade de prejuízo), maiores são os preços ao consumidor final. Dessa forma, promove-se uma "compensação", uma transferência de risco negocial dos inadimplentes para os adimplentes.

Esse raciocínio aplica-se, também, no caso do uso abusivo do direito de arrependimento. Se, a despeito de todas as advertências principiológicas e mercadológicas, ainda assim a magistratura insistir em aplicar o art. 49 segundo uma interpretação imprópria da norma, acarretando sucessivos prejuízos aos fornecedores, o maior prejudicado dessa conduta será o próprio consumidor, que verá o preço final ser elevado à proporção dos insucessos judiciais das empresas na questão.

Não é demais relembrar a advertência de Saad (2002), que citamos acima, quanto à involução de determinados segmentos do mercado e os subseqüentes prejuízos sociais.

Esses são, portanto, fatores que deverão ser considerados pelo magistrado, quando julgar o caso concreto, no tocante à cláusula de retratação. No entanto, melhor seria promover um estudo aprofundado sobre as peculiaridades do comércio à distância no Brasil e, assim, apresentar ao Congresso Nacional uma solução a ser formaliza por projeto de lei de iniciativa parlamentar, no qual se deverá prever as exceções ao direito de arrependimento, tal qual ocorre em legislações internacionais.

Somente dessa forma, remodelando-se a norma jurídica à atual necessidade social, é que se permitirá ao magistrado uma justa e correta aplicação do direito, sem necessidade de interpretações excessivamente criativas como a que buscamos apresentar pelo presente estudo, a fim de afastar a injusta aplicação do art. 49.

10.3 Situações de injustiça social e desequilíbrio nas relações comerciais em relação ao fornecedor.

Na prática, temos alguns exemplos de como o direito de arrependimento poderia ser melhor aplicado, ou, no caso, não aplicado, visando resgatar o equilíbrio dos negócios jurídicos.

Por isso, enfrentamos algumas situações de fato para melhor analisar a aplicabilidade (ou não) do art. 49, conforme medida de justiça e compatibilidade com os preceitos constitucionais.

10.3.1 Comércio eletrônico de passagens aéreas.

O comércio tem-se desenvolvido rapidamente e na mesma velocidade tem contaminado as relações sociais, econômicas e culturais das sociedades mundiais.

O Brasil, em particular, a despeito de todos os problemas educacionais, com altas taxas de analfabetismo e de insucesso na conclusão do ensino médio – sem mencionar o absurdamente restrito acesso ao ensino superior – sobressai-se pela surpreendente capacidade de consumo através de meios de comunicação à distância, ou seja, através do e-commerce.

Praticamente todos os segmentos de fornecedores atuantes no mercado de consumo disponibilizam seus serviços e produtos pela internet e fazem disso uma fonte de lucros cada vez maiores, em especial o nosso avançado setor financeiro.

Com o segmento de aviação comercial não foi diferente. Nos últimos anos, a venda de passagens aéreas pela internet vem crescendo exponencialmente, ao ponto de companhias como a Northwest Airlines anunciar o fechamento de todos os seus pontos de venda convencional (GALVÃO, 2004).

Um exemplo brasileiro do impacto do comércio eletrônico nas atividades comerciais pode ser observado na empresa brasileira Gol Linhas Aéreas, que fechou o ano de 2005 comercializando cerca de 81% de suas passagens pela internet, o que equivaleu a um rendimento de R$ 2,6 bilhões de um total de R$ 3,2 bilhões de passagens vendidas (MVL). Nesse sentido, destacamos o seguinte trecho da entrevista dada por Tarcísio Gargioni, vice-presidente de Marketing e Serviços da GOL Linhas Aéreas ao portal Girus:

"A utilização da plataforma de e-commerce é essencial para que a GOL continue a operar no conceito de baixo custo, baixas tarifa. Por isso, vamos continuar a estimular o uso da Internet como uma ferramenta vantajosa de compra de passagens aéreas"

De fato, o baixo custo e a praticidade dessa mídia tendem somente a estimular essa modalidade de negócio jurídico. Inclusive, os bons resultados comerciais estimulam as empresas a investir nesse segmento, provocando a evolução natural das tecnologias.

A própria Gol passou a investir em outra modalidade de comércio eletrônico, que vem, inclusive, merecendo cada vez mais atenção do mercado de consumo nacional: as negociações por celular. Segundo nos informa o site Girus, "além da rede mundial de computadores, os clientes da GOL podem comprar passagens e realizar o check-in também pelo celular, desde que tenham aparelhos habilitados a Internet ou sistema WAP."

Como se pode observar, os negócios de venda de passagens aéreas é dos mais afetados pelo comércio eletrônico. Esse contexto deve ser considerado quando nos deparamos com os conflitos de interesse que surgem a partir de contratos formalizados à distância.

No caso em tela, questiona-se se a venda de passagens aéreas pela internet deve ou não respeitar o prazo hebdomadário do direito de arrependimento. Entendemos que não, pelas razões seguintes.

Em primeiro lugar, considerando a mens legis do CDC, no tocante à necessidade de proteção do consumidor contra técnicas agressivas de marketing publicitário ou aquisição irrefletida ou, ainda, desconhecimento quanto ao produto a ser comercializado, não vemos como possa ser aplicado o art. 49.

Isso porque o objeto do negócio jurídico – ou seja, a prestação de serviço de transporte aéreo – é atividade de conhecimento público e notório, que independe de prévia ciência do consumidor quanto à forma elementar de seu funcionamento.

Resguardando-se a empresa de divulgar informações essenciais ao consumidor – em atenção, inclusive, ao que dispõe o CDC – como horários dos vôos, conexões, escalas, valor da passagem, tarifas, tipo de aeronave, serviços de bordo etc., estará plenamente satisfeita a exigência legal de publicidade das informações referentes ao serviço a ser prestado.

Independe, pois, do desconhecimento do consumidor que pretende contratar o serviço de transporte aéreo. Além disso, a respeito das técnicas de marketing publicitário ou de aquisição irrefletida, também sobre isso não merece prosperar o direito de arrependimento.

Ora, o consumidor, ao acessar a internet para adquirir uma passagem aérea, tem à sua disposição uma rede de informações ainda mais completa e de fácil visualização que o consumidor que adquire a passagem pessoalmente, no próprio estabelecimento comercial da empresa.

Em todos os websites das companhias aéreas brasileiras, constatamos que a compra de passagens pela internet é sempre precedida de uma completa pesquisa, cujos resultados preliminares apontam todas as opções de assento, trecho, horário e valores possíveis.

O consumidor, assim, tem à sua disposição um confortável sistema de negócio para o qual dispõe de toda a comodidade e tranqüilidade possíveis para refletir sobre o contrato que está prestes a formalizar, incluindo-se aí todas as informações de que precisa para tomar sua decisão.

Dessa forma, não há que se falar em compra inadvertida ou irrefletida. Sequer em situação de vulnerabilidade, pois o mercado de comércio eletrônico de passagens aéreas cuidou de disponibilizar ao consumidor todas as ferramentas de que necessita para negociar, resgatando o equilíbrio da relação de consumo.

Não bastasse isso, há de ser considerado que as informações divulgadas pelos websites das companhias aéreas para subsidiar a negociação com o consumidor são as mesmas divulgadas pelos seus atendentes nos pontos de venda físicos. Vale dizer, a única diferença reside, de fato, no contato com a empresa: físico ou virtual, respectivamente. Na verdade, é até mais vantajoso ao consumidor adquirir passagens aéreas à distância, pois as informações que lhe são disponibilizadas, como a pesquisa por assentos e preços, é muito mais abrangente do que a realizada em balcão.

Outro aspecto a ser considerado, e nesse ponto invocamos o princípio da isonomia e a necessidade de manutenção do equilíbrio nos negócios jurídicos, é a alta perecibilidade dos assentos comercializados pelas companhias aéreas.

Estudos internacionais concluíram que o assento dos aviões é o produto mais perecível do mundo, na medida em que, fechadas as portas da aeronave, aquele assento ocioso implica um item perdido, sem retorno algum, às empresas aéreas, pois não mais será possível negociá-lo.

De fato, a cada vôo, todo um sistema de logística, que envolve desde o gerenciamento de despesa de manutenção até custos ordinários para a simples decolagem, é renovado, fazendo de cada viagem um evento único, com seu próprio conjunto de perdas e ganhos.

A esse respeito, trazemos interessante conclusão do centro de pesquisas voltado para a área de economia do transporte aéreo denominado Núcleo de Estudos em Competição e Regulação do Transporte Aéreo (Néctar), localizado e apoiado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA):

"Uma questão fundamental em operações de empresas aéreas, em que o produto é altamente "perecível" – ou seja, deve ser comercializado em um período estritamente definido no tempo –, é a forma como o processo de reservas deve suceder. Grande parte dos vôos em que todos os assentos foram reservados/vendidos, frequentemente partem com um número significativo de assentos vazios; isso se deve aos no-shows (passageiros que não comparecem ao embarque) e aos cancelamentos de reservasi feitos com pouca antecedência em relação ao horário do vôo. Essas práticas inviabilizam a re-ocupação destes assentos vazios em tempo hábil para o determinado vôo. (Ferraz et al., 2005)"

Diante dessa constatação fática, observa-se que a aplicação abusiva do direito de arrependimento, sem considerar os diversos aspectos apresentados pelo presente estudo, ensejarão prejuízos irrecuperáveis às companhias aéreas, que arcarão com todos os ônus decorrentes de uma presunção (normalmente) irreal e injusta de vulnerabiliade do consumidor diante desse tipo de negócio jurídico específico.

Assim, aplicando-se a isonomia constitucional de forma a manter o equilíbrio dessa relação de consumo, recomenda-se a não aplicação do art. 49 nos negócios eletrônicos de passagens aéreas, salvo se qualquer das premissas que sustentam a eqüidade negocial seja malferida.

10.3.2 Comércio de arquivos digitais de som, imagens ou textos.

Outro segmento do mercado de consumo eletrônico é o de comercialização de arquivos digitais pela internet, cujas informações reproduzem som, imagem e texto, conforme o formato em que foi produzido.

Inicialmente, somente era possível a publicação de textos através da então recém-criada rede mundial de computadores, a internet. Com o passar do tempo, a evolução tecnológica de equipamentos de informática e o interesse cada vez maior de usuários pela novidade em troca de informações propiciaram um fértil ambiente de tecnologias emergentes, que, a uma velocidade surpreendente, transformou a internet no maior veículo de troca de informações multimídia da História, com um cada vez mais alto grau de interatividade.

Desenvolvedores do mercado computacional viram aí um novo nicho para comercialização de suas idéias e tecnologias, voltando-se especialmente ao usuário doméstico. Por isso, gradativamente, houve uma super-oferta de softwares de manipulação de informação multimidiática e os computadores passaram a dispor de mais acessórios que os tornaram verdadeiras estações multimídia, aptas a manipular informação digital em processos completos e auto-suficientes.

A par disso, antigos hábitos também evoluíram com a informatização dos componentes domésticos. Referimo-nos à cultura de reprodução não-autorizada de informações proprietárias nas ultrapassadas fitas K-7. Como, inicialmente, a reprodução de conteúdo por essa mídia gerava produtos de baixa qualidade, buscou-se desenvolver tecnologias que permitissem uma reprodução fiel de conteúdo digital.

Por isso, as novas tecnologias em mídia de reprodução, como os minidiscs (MD) e os compact discs (CD), revolucionaram a qualidade e a fidelidade do conteúdo reproduzido, o que massificou o interesse e a facilidade de reprodução a custos mínimos, senão nulos. Vieram ainda outras mídias de reprodução e, atualmente, contamos com as mídias de armazenamento amplamente difundidas pelos conhecidos pen drives.

Softwares gratuitos de troca de arquivos também foram desenvolvidos, como o combatido Napster e os atuais Kazaa e Emule, entre tantos outros. Esses programas contribuíram para o surgimento de um novo comportamento: a "solidariedade" digital, por meio da qual usuários compartilham o máximo de arquivos digitais e são "premiados" por isso, com, por exemplo, acesso privilegiados a servidores e arquivos.

Por isso, não raro tomamos conhecimento de usuários que copiam o conteúdo de coleções inteiras de filmes, álbuns de música, imagens, aplicativos de computador etc. para seus computadores e os compartilham ou mesmo os cedem a outros usuários.

Não foi por outra razão que a Comunidade Européia excepcionou do direito de arrependimento para contratos "de fornecimento de arquivos digitais de áudio e de vídeo ou de aplicativos informatizados dos quais que o consumidor tenha retirado o lacre".

A facilidade de reprodução pode conduzir à má-fé do usuário que, ao abrir o lacre do recipiente que lhe foi enviado ou concluída a transmissão do arquivo digital para o seu computador, estará apto a simplesmente reproduzir o conteúdo e pleitear a resilição do contrato, acarretando inegável prejuízo ao fornecedor do produto.

No entanto, apesar de entendermos que esse cuidado seja valioso, sobretudo sob a ótica do princípio da isonomia e do equilíbrio das relações comerciais, mesclado à boa-fé contratual, entendemos que o fornecedor, a fim de evitar situação de aplicabilidade do direito de arrependimento, deve cercar-se de certas cautelas. Sugerimos as seguintes:

1.No caso de músicas e textos, disponibilizar pequenos trechos, em qualidade suficiente para o conhecimento do consumidor;

2.No caso de aplicativos, criar chaves de restrição ou desenvolver aplicativos demonstrativos das principais capacidades do programa;

3.No caso de imagens, apresentar em tamanho reduzido uma pequena amostra.

Essas precauções poderão evitar que o fornecedor seja prejudicado diante do exercício do direito contido no art. 49, mas não afastam totalmente a sua incidência, sobretudo porque os critérios de aplicação da norma jurídica são ainda muito subjetivos, dada a falta de restrições do CDC.

Por isso, uma vez mais, está demonstrado que, no caso concreto, acaso o direito de arrependimento seja utilizado abusivamente, haverá inegável prejuízo à parte fornecedora da relação de consumo, o que não se compatibiliza com nosso ordenamento jurídico. Daí a necessidade de evolução legislativa dessa norma.

10.3.3 Comércio eletrônico de tíquetes de acesso a eventos culturais.

A internet revolucionou não somente a comercialização de produtos, mas também a prestação de serviços, cujos contratos são formalizados à distância. No caso presente, analisamos a venda de tíquetes de acesso a eventos culturais, como peças de teatro, cinemas e shows.

E muitos aspectos devem ser considerados nesse tipo de negócio eletrônico. Primeiramente, é imprescindível que os ingressos sejam comercializados com a mais elementar das publicidades, ou seja, com a divulgação de todas as características do evento, como duração, promotor, atores etc. Em segundo lugar, devemos destacar que o consumidor, tal qual ocorre com as passagens aéreas, tem todas as informações disponíveis na tela do computador para tomar sua decisão, de forma até mais completa do que o teria pessoalmente, nas cabines de venda.

O objeto do negócio, aqui, igualmente prescinde de maiores explicações sobre seu funcionamento, salvo quando se tratar de um evento cultural inovador ou incomum. Há de ser observado ainda se o local de apresentação do evento é de fácil acesso ao público e se todas as informações pertinentes à sua localização foram exaustivamente divulgadas.

Também seria cauteloso da parte dos fornecedores averiguar se existem outras atividades culturais ou de grande público nos arredores e, sobretudo, nas dependências dos locais de promoção dos eventos, o que poderá atrair grande número de consumidores a tais atividades e dificultar o acesso aos eventos cujos tíquetes estão sendo comercializados à distância. Outro aspecto a ser considerado são os percalços naturais do deslocamento, como engarrafamentos, intempéries climáticas etc.

Enfim, todos esses alertas poderão resguardar o fornecedor e o consumidor, que, com razão ou não, forem impedidos por razões alheias às suas vontades de ter acesso ao evento para o qual adquiriram o ingresso.

A fim de evitar tais problemas, seria recomendável que as empresas inserissem uma cláusula de comparecimento obrigatório de certa antecedência, como os check-in das companhias aéreas, ainda que isso diminua um pouco a atratividade do negócio, pois uma das vantagens dessa negociação à distância é justamente o fato de o usuário não perder tempo nas filas de espera, mas, por outro lado, ganhar tempo para sair de suas residências.

Entretanto, somente uma análise específica poderia revelar a viabilidade dessas medidas, considerando-se o grau de prejuízo diante do exercício do direito de arrependimento.

Certo é que, uma vez mais, o abuso de sua aplicação poderá inviabilizar o negócio e acabar definitivamente com o segmento de comércio eletrônico, retirando do próprio consumidor a praticidade e o conforto dessa modalidade negocial.

10.4 Os exemplos internacionais como paradigma de uma proposta de evolução legislativa nacional.

Conforme discorremos, existem diversas nações no mundo que, desde há muito, promoveram adequações em seus sistemas legislativos domésticos para excepcionar o direito de arrependimento de determinados negócios jurídicos. O mesmo fundamento buscamos apresentar pelo presente estudo, mas com sugestões inovadoras.

Da análise das legislações estrangeiras, concluímos que deveria haver, no direito de arrependimento, exceções conforme o objeto do negócio jurídico ou conforme as circunstâncias da contratação. São elas:

1.Contratos relativos a serviços de crédito financeiro;

2.Contratos de fornecimento de bens ou de prestação de serviços cujo preço dependa de flutuações de taxas do mercado financeiro que o fornecedor não possa controlar;

3.Contratos celebrados através de distribuidores automáticos ou de estabelecimentos comerciais automatizados;

4.Contratos cujo serviço prestado seja exauriente;

5.Contratos celebrados para a construção e futura aquisição de bens imóveis;

6.Contratos celebrados em leilões públicos ou privados;

7.Contratos de fornecimento de bens confeccionados sob encomenda, ou seja, de acordo com especificações do consumidor ou manifestamente personalizados;

8.Contratos cujo objeto, pela sua natureza, não possa ser reaproveitado;

9.Contratos cujo objeto seja altamente perecível ou suscetível de deteriorar-se rapidamente;

10.Contratos de fornecimento de arquivos digitais de qualquer natureza, como áudio e vídeo ou aplicativos informatizados, a menos que o consumidor não tenha retirado o lacre;

11.Contratos de comercialização de conteúdo facilmente reproduzido, como sons, imagens e textos.

12.Contratos de fornecimento de jornais e revistas ou outras mídias de conteúdo;

13.Contratos de serviços de apostas e loterias;

14.Contratos formalizados na ocasião da promoção de um evento publicitário organizado ou encomendado pelo fornecedor ou por empresa terceirizada agindo no interesse do empresário;

15.Contratos formalizados em meios de transporte ou dentro do alcance de vias públicas, para os quais o consumidor tenha sido abordado inadvertidamente;

16.Contratos de prestação de serviços cuja negociação e execução dependam exclusiva ou majoritariamente de informações explícitas disponíveis por antecipação ao consumidor;

17.Contratos de prestação de serviço que sejam de conhecimento público e comum; e, por fim,

18.Contratos cujo objeto de negócio seja habitual entre fornecedor e consumidor.

Evidentemente, essas exceções são exemplificativas e podem ser resumidas em termos legislativos mais simplificados. No entanto, são válidas para provocar os debates acerca do tema, pois, em todos os exemplos citados, a aplicação abusiva do direito de arrependimento pode gerar prejuízos exclusivos ao fornecedor e, assim, promover injustiça social.


11. Proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional.

A despeito de a comunidade internacional estar, há muito, apurada no tocante ao direito dos negócios à distância, em especial do chamado direito de arrependimento, o Brasil não parece enfrentar esse problema, não se tendo notícia sequer de iniciativas de pressão política dos setores economicamente atingidos pelo referido direito.

Essa perspectiva temos com clareza ao efetuarmos uma singela pesquisa na base de dados de ambas as Casas legislativas brasileiras, onde não encontramos a reflexão do presente estudo estampada em projetos de lei.

Na verdade, o que localizamos em relação ao art. 49 foram as seguintes (e parcas) propostas:

11.1 PL nº 975, de 2003:

Apresentado pelo deputado Antônio Carlos Pannunzio (PSDB/SP), a proposta visa à criação do art. 48-A, ampliando o direito de arrependimento a todos os tipos de contrato, determinando que a devolução do valor pago ocorra de forma imediata, com correção monetária, "ressalvados os custos do fornecedor referentes a transporte e faturamento."

Em agosto de 2004, o projeto foi apensado ao PL nº 371, de 1999, apresentado pelo Deputado Enio Bacci (PDT/RS), que reduz para 3 anos o prazo para manutenção do nome do consumidor nos cadastros de proteção ao crédito.

O relator na Comissão de Defesa do Consumidor, deputado Robério Nunes (PFL/BA), apresentou parecer, alterando as propostas iniciais de ambos os projetos: segundo o substitutivo, haveria dois direitos de arrependimento, para contratos em geral e para os contratos à distância, com prazos de reflexão de 3 e de 5 dias respectivamente. No entanto, criou limitações ao exercício desses direitos: no caso de prestação de serviço, somente poderá ser exercitado o direito de arrependimento até o início da execução do serviço. Por fim, prorroga o termo final do prazo para o primeiro dia útil seguinte, "quando o vencimento cair em qualquer dia que o fornecedor não esteja funcionando, independentemente do motivo da inatividade do fornecedor."

Referido parecer, contudo, foi rejeitado na Comissão, que designou nova relatora, a deputada Dep. Maria do Carmo Lara (PT/MG). Em novo parecer, a relatora apresentou substitutivo aos projetos, consignando que o direito de arrependimento do art. 49 passará a viger com prazo de 15 dias. Também recepcionou a idéia de criação de um direito de "simples arrependimento" para todos os tipos de contratos, com prazo de reflexão de 5 dias. Repetiu as mesmas limitações e a prorrogação do substitutivo antes rejeitado.

Este novo parecer também foi rejeitado na Comissão, tendo o relator anterior, deputado Robério Nunes, apresentado voto em separado. Todavia, a tese vencedora na Comissão foi relatada pelo deputado Celso Russomano (PP/SP), que apenas retirou o direito de simples arrependimento do substitutivo rejeitado.

As matérias encontram-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania daquela Casa desde junho deste ano.

11.2 PL nº 1.451, de 2003:

Apresentado pelo deputado Severino Cavalcanti (PP/PE), a matéria, no tocante ao art. 49, prevê expressamente o direito de arrependimento nas compras realizadas via comércio eletrônico.

A matéria foi distribuída às Comissões de Defesa do Consumidor e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Na primeira, recebeu parecer favorável do relator, deputado Celso Russomano (PP/SP), com substitutivo que amplia o prazo de reflexão para 15 dias, mantendo a proposta original do autor quanto ao comércio eletrônico.

O relatório foi aprovado, tendo a proposição seguido à audiência da CCJC, onde está desde janeiro deste ano sob a relatoria do deputado Reginaldo Germano (PP/BA), aguardando a oferta de parecer.

11.3 PLS nº 396, de 2005:

No Senado Federal, o projeto foi apresentado pelo senador Rodolpho Tourinho (PFL/BA), e se propõe alterar "a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para disciplinar as relações de consumo realizadas por meio eletrônico."

No tocante ao art. 49, a proposta apenas aumenta o rol exemplificativo de transações realizáveis fora do estabelecimento comercial, para abranger aquelas concluídas "pela rede mundial de computadores ou outro meio eletrônico".

O projeto foi distribuído inicialmente às Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania e de Meio Ambiente, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor daquela Casa. Por força de requerimento, foi aprovada audiência também da Comissão de Educação, onde está desde abril deste ano, sob a relatoria do senador Romeu Tuma (PFL/SP), onde recebeu parecer favorável, ainda não apreciado.

O que se percebe, portanto, é que o legislador brasileiro não enfrentou ainda o problema, provavelmente em razão da pacífica submissão dos setores econômicos ao indigitado dispositivo consumerista.

Mas isso, conforme veremos, tende a mudar e seria pertinente que o Congresso Nacional antevisse o problema, a fim de evitar o estancamento da evolução tecnológica e comercial de alguns segmentos econômicos nacionais.


12. Conclusão.

Diversos estudos estão sendo promovidos no sentido de avaliar o impacto do comércio eletrônico nas economias nacionais e, em um segundo plano, da economia doméstica no cenário internacional.

Certo é que o comércio eletrônico representa uma das modalidades de expansão da relação de consumo mais fortemente visada pelas empresas de todo o mundo. Em uma sociedade cada vez mais impaciente, onde o jargão "time is money" nunca se fez tão presente, as praticidades desse tipo de negociação atraem como nunca antes visto o interesse do consumidor, que não raro opta por adquirir produtos pela internet ou por telefone, mesmo pagando algumas taxas de entrega ou de encomenda, ainda que isso encareça o preço final.

O comodismo é, sem dúvida, um apelo forte e isso permite o desenvolvimento do setor de e-commerce. Mas não é só: os prestadores de serviço investem substancialmente nesse novo conceito mercadológico. Prova disso é o mercado bancário, onde hoje se promovem transações financeiras à velocidade de um clique ou toque de pequenas teclas de um aparelho celular.

A influência do comércio eletrônico afeta inclusive as relações sociais tradicionais, enraizando-se cada vez mais aos hábitos e costumes da população e tornando-se parte inegável do cotidiano da sociedade moderna.

Entretanto, paralelamente ao crescimento dessa modalidade negocial, cresce também a participação na contabilidade empresarial dos prejuízos decorrentes da retratação imotivada do consumidor, amparado no art. 49 do CDC. Se, por um lado, o comércio eletrônico está cada vez mais presente nas relações de consumo, por outro lado deve-se atentar para os excessos e abusos de uma superproteção ao consumidor, excedente à justa medida necessária para o equilíbrio dessa relação jurídica.

Afinal, os riscos empresariais podem atingir cifras consideráveis e, assim, desativar os investimentos em tecnologia e capacitação para esse ramo do negócio, revertendo todo um quadro de conquistas evolutivas do mundo contemporâneo.

À magistratura nacional, é imprescindível que sempre considere princípios constitucionais maiores, como a isonomia, sem desprezar as conseqüências fáticas nefastas da aplicação do direito do consumidor em larga escala.

O que o CDC buscou promover foi o resgate do equilíbrio das relações comerciais com fornecedores, não um superposicionamento daquele em relação a este. Pelo contrário, o legislador consumerista, amparado em diretrizes internacionais, pretendeu dar iguais condições jurídicas para ambas as partes, já que economicamente tal não ocorre.

No entanto, a fim de pacificar socialmente a questão, melhor solução não há que uma adequação legislativa, criando exceções conforme o objeto do negócio jurídico ou as condições na demanda da contratação ou na execução do serviço.

Esperamos que essa questão estimule debates apropriados nos fóruns jurídicos e econômicos pertinentes, a fim de que a idéia se propague e novos entendimentos se consolidem.


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ALVES, Fabrício da Mota. O direito de arrependimento do consumidor: exceções à regra e necessidade de evolução legislativa no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1353, 16 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9605. Acesso em: 24 abr. 2024.