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Dos alimentos. Comentários ao art. 1.707.

Renúncia, cessão, compensação e penhora da verba alimentar

Dos alimentos. Comentários ao art. 1.707. Renúncia, cessão, compensação e penhora da verba alimentar

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            Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.


            Enfoca a disposição em comento algumas situações que, quando se cuida do direito a alimentos, não se compatibilizam aos fundamentos da concessão que é feita ao credor e que, quando detectadas, prestam-se a invalidar o ato conseqüente, restabelecendo por inteiro o seu direito. Renunciar ao direito, admitir a cessão ou compensação, assim como determinar a penhora implica em que se tenha ato inválido e do qual não podem resultar, por conseqüência, quaisquer efeitos que prejudiquem o credor.

            Oportuno rememorar, para que se tenha melhor compreensão de tais vedações legais, que o direito a alimentos reveste-se de determinados elementos característicos que informam ser ele direito personalíssimo, irrenunciável, impenhorável, imprescritível, não admitindo, assim, cessão, compensação ou transação, e também não comportando restituição. Dentre tais peculiaridades, estampadas na legislação em vigor, reenfatiza-se aquelas objeto da disposição inserta no art. 1.707 do Código Civil que tem por escopo precípuo instituir clara proteção aos interesses do credor, não admitindo venha ele, de forma tácita ou expressa, a abdicar ou a prejudicar direito que se reveste de natureza tão peculiar.

            Tal disposição, de conteúdo induvidosamente relevante no âmbito de sua aplicação, detém caráter cogente [01], não comportando, por qualquer forma, se venha a ter a sua finalidade ignorada, especialmente quando se cuida de alimentos futuros e, portanto, ainda a vencer e a serem percebidos. O que não foi postulado antes, por não se ter necessidade, ou mesmo o que não se cobrou porque não se quis, embora devido, até se pode deixar de cobrar por não se pretender auferir e dar a destinação correspondente. Mas não se mostra admissível afirmar que não se pretenderá jamais exercitar tal direito de modo a que isso prevaleça, inclusive, em sede de defesa oferecida pelo devedor em ação de alimentos.

            Considerando tais aspectos, contempla a norma em comento, que o direito a alimentos é irrenunciável, embora facultativo seja o seu exercício, já que não se pode impor ao credor venha a exigir do devedor a prestação de alimentos de que não necessita. Pressupõe, portanto, que a ausência de postulação específica significaria que o beneficiário não seria portador de necessidade, admitindo-se, em tal contexto, que se mantenha inerte quanto à postulação da verba alimentar, o que não importa em renúncia ao direito.

            A irrenunciabilidade é característica que se volta a proteger o direito do credor, obstando que venham a prevalecer determinados atos induzidos a afastar pretensões por ele deduzidas e que, em decorrência de haver expressamente dito que não necessitava e que dispensava a verba alimentar, tenha o seu direito afetado e submetido a indesejável debate.

            Com esse fim protetivo, afastando, portanto, eventuais transações irregulares ou atos unilateralmente praticados, estatui o art. 1.707, do Código Civil de 2002, de forma direta e clara, sem ensejar a possibilidade de equívocas interpretações, que "Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora", emprestando abrangente proteção ao direito do credor.

            Não pleitear a estipulação dos alimentos e o seu conseqüente pagamento é opção que se defere ao beneficiário, mas não se pode confundir essa facultatividade com renúncia, mesmo que formalmente tenha sido esta expressada. Oportuno evidenciar que, quando se cuida do encargo alimentar exigido por ex-cônjuges, tem sido adotada orientação jurisprudencial que admite a mútua renúncia, constituindo isto fator impeditivo para pleitos futuros. Nesse sentido o Colendo Superior Tribunal de Justiça – STJ, vem proclamando reiteradamente que:

            "... Sendo o acordo celebrado na separação judicial consensual devidamente homologado, não pode o cônjuge posteriormente pretender receber alimentos do outro, quando a tanto renunciara, por dispor de meios próprios para o seu sustento. Recurso conhecido e provido. (STJ – Quarta Turma - REsp 254392/MT; Recurso Especial 2000/0033231-3 – Relator Ministro César Asfor Rocha – Julgado em 13/02/2001 - DJ 28.05.2001 p. 163).

            A despeito da autoridade dessa Colenda Corte, torna-se necessário sugerir uma reflexão a respeito de tal orientação, pois o que se percebe é que, renunciando ou dispensando o encargo alimentar no momento da dissolução da sociedade conjugal [02], o faz o cônjuge considerando que assim o permitem as circunstâncias naquele momento vivenciadas, quando não necessita de qualquer apoio, o que pode, no entanto, sofrer mudança no futuro, antes mesmo da extinção do vínculo do casamento. A solução legal vedando a renúncia deve ser vista e adotada como a única possível, mesmo quando se tratar de situações como aquelas anteriormente enfocadas, até porque deliberação em sentido contrário implicaria em ofensa a expressa e inequívoca disposição legal, a qual subsistirá até que alteração se venha a imprimir-lhe.

            Mas é certo que a orientação adotada no âmbito daquela Colenda Corte, relativa a alimentos entre ex-cônjuges – rememore-se – vem se cristalizando no sentido de admitir como válida a renúncia formalmente expressada, consoante se pode demonstrar por meio de outros inúmeros arestos editados a respeito, bem sintetizados por aqueles que ora se transcreve:

            "CIVIL. FAMÍLIA. SEPARAÇÃO CONSENSUAL. ALIMENTOS. RENÚNCIA. Sendo o acordo celebrado na separação judicial consensual devidamente homologado, não pode o cônjuge posteriormente pretender receber alimentos do outro, quando a tanto renunciara, por dispor de meios próprios para o seu sustento. Recurso conhecido e provido. (REsp 254.392/MT, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 13.02.2001, DJ 28.05.2001 p. 163)."

            "DIREITO CIVIL. DIVÓRCIO. ALIMENTOS. RENÚNCIA. 1. O casamento válido se dissolve com o divórcio, bem como as obrigações dele decorrentes, inclusive a de prestação de alimentos se houver renúncia expressa da parte interessada. 2. Recurso especial conhecido e provido para julgar a recorrida carecedora de ação e extinguir as ações ordinária de modificação de cláusula de alimentos e cautelar de alimentos provisórias (art. 267, VI do CPC)." (REsp 64.449/SP, Rel. Ministro BUENO DE SOUZA, QUARTA TURMA, julgado em 25.03.1999, DJ 14.06.1999 p. 193).

            Assentada está essa orientação, como bem se aclara em outra decisão a respeito do mesmo tema [03], no fato de cessar o dever de prestar alimentos em decorrência do casamento com a extinção da convivência, o que não se pode admitir, conforme se sustenta, quando se cuida de alimentos em razão do parentesco (iure sanguinis) por ser esta uma qualificação permanente e os direitos que dele resultam nem sempre podem ser afastados por meio de convenção firmada entre os interessados.

            Não se admite, além da renúncia a alimentos, a cessão pelo interessado de seu crédito a outrem, porque, como bem aclara Maria Helena Diniz [04], é este inseparável da pessoa do credor, embora registre, quanto a isso, pensamento de Washington de Barros Monteiro que bem explicita a respeito que o que não se pode ceder é o direito às prestações vincendas, mas, no tocante às parcelas vencidas, por constituírem dívida comum, nada obstaria a sua cessão a terceiro já que não se detecta qualquer óbice quanto a isso no art. 286 [05] do Código Civil.

            A compensação, regulada no art. 368 [06] é também referida na disposição ora em comento (art. 1.707), impondo óbice a que se venha, por meio dela, extinguir obrigação devida ao credor de alimentos. Nesse sentido, aliás, é expressa a disposição inscrita no art. 373, inciso II, do diploma substantivo, de onde se extrai que "A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto: (...) II - se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos;... ". Aponta Maria Helena Diniz [07] quanto a essa hipótese que "... se se admitisse a extinção da obrigação por meio de compensação, privar-se-ia o alimentando dos meios de sobrevivência, de modo que, nessas condições, se o devedor da pensão alimentícia tornar-se credor do alimentando, não poderá opor-lhe o crédito, quando lhe for exigida a obrigação".

            Orientação jurisprudencial que a esse respeito se colhe e que é bem retratada em aresto editado pela Colenda Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, tendo como relator o ilustre Desembargador Flávio Rostirola, acomoda-se à determinação legal estando ela ementada nos seguintes termos:

            CIVIL E PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUDIÊNCIA. PROVA DE ACORDO REALIZADO. COMPENSAÇÃO. VEDAÇÃO LEGAL.

            1.Em embargos à execução de alimentos, a realização de audiência com o escopo de provar suposto acordo firmado entre as partes, no sentido de compensar os alimentos devidos pelos aluguéis do imóvel de propriedade do apelante, na qual reside a recorrida, além do pagamento das taxas condominiais, é inútil ao deslinde do processo, já que a lei veda expressamente a compensação da prestação alimentar. Alegação de cerceamento do direito de defesa rejeitada.

            2.O ordenamento jurídico vigente não admite a compensação da prestação de alimentos, em face da sua finalidade, qual seja, a satisfação das necessidades mínimas de quem não pode provê-los. Qualquer pagamento de outra natureza realizado pelo alimentante constitui ato de mera liberalidade, que não se compensa com a obrigação alimentar homologada judicialmente.

            3.Recurso não provido.

            (TJDFT - 20040111184457APC, Relator FLAVIO ROSTIROLA, 1ª Turma Cível, julgado em 07/06/2006, DJ 27/07/2006 p. 139).

            A penhora, como não se ignora, é ato da execução que tem por objetivo específico realizar a constrição de bens do devedor assegurando, assim, a satisfação do seu débito perante o credor. É regulada pelo Código de Processo Civil quando este se refere à execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 646 [08] e seguintes), onde se contempla que "Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis" (art. 648) e que "São absolutamente impenhoráveis: (... ) IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo;... " (art. 649).

            A impenhorabilidade, a exemplo do que ocorre com a irrenunciabilidade, incessibilidade e a incompensabilidade, decorre diretamente da natureza dos alimentos, não podendo, assim, responder pelas obrigações assumidas pelo beneficiário e ser destinada, de forma compulsória, à quitação de suas dívidas, estando, por tal fundamento, protegida contra tal ato constritivo. Veja-se, ainda, que em disposição expressa, estatui o Código de Processo Civil que "Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia" (art. 650), ampliando, desse modo a proteção que é, por seu relevante escopo, deferido à prestação alimentícia.


Notas

            01 "O direito a alimentos constitui uma modalidade do direito à vida. Por isso, o Estado protege-o com normas de ordem pública, decorrendo daí a sua irrenunciabilidade, que atinge, porém, somente o direito, não o seu exercício.... " (GONÇALVES, Carlos Roberto – op cit. 463).

            02 "Alimentos. Separação judicial. Cláusula de dispensa recíproca. 1. Já assentou a Corte que a dispensa inserida em cláusula de separação judicial é válida e eficaz, não podendo nenhum dos cônjuges pleitear seja depois pensionado. 2. Recurso especial não conhecido." (STJ – Terceira Turma - REsp 221216/MG; Recurso Especial - 1999/0058391-4 – Relator Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO - Julgado em 10/04/2000 - DJ 05.06.2000 p. 156).

            03 (REsp 19.453/RJ, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma, julgado em 14.04.1992, DJ 21.09.1992 - p. 15687)

            04 Curso de Direito Civil Brasileiro – 5º vol. Direito de Família – 17ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2002 – p. 464.

            05 Código Civil – "art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação."

            06 Código Civil - art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

            07 Op. cit. P. 465.

            08 Art. 646. A execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor (art. 591).


Autor

  • Airton Rocha Nobrega

    Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. Dos alimentos. Comentários ao art. 1.707. Renúncia, cessão, compensação e penhora da verba alimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1414, 16 maio 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9884. Acesso em: 19 abr. 2024.