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Juiz manda telefônica reabrir escritório de atendimento ao consumidor

01/07/2000 às 00:00
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Tutela antecipada em ação civil pública ordena que uma empresa de telefonia (Tele Centro Sul) reabra escritório de atendimento aos consumidores, que havia sido fechado, por contenção de despesas, ferindo norma da ANATEL que obriga ao atendimento personalizado dos usuários e o Código de Defesa do Consumidor

          AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS DO CONSUMIDOR

          Proc. n.º 177/2000

          Requerente: O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO

          Requeridas: TELECOMUNICAÇÕES DO PARANÁ S/A - TELEPAR TELECENTROSUL e TELEMAT – TELECOMUNICAÇÕES DE MATO GROSSO S/A TELECENTROSUL e/ou TELEMAT BRASIL TELECOM

          VISTOS ETC ....

          O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, já qualificado nos autos, propôs AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, em desfavor das TELECOMUNICAÇÕES DO PARANÁ S/A - TELEPAR TELECENTROSUL e TELEMAT – TELECOMUNICAÇÕES DE MATO GROSSO S/A TELECENTROSUL e/ou TELEMAT BRASIL TELECOM, também qualificadas, alegando, em síntese, que as requeridas exploram os serviços de telefonia fixo comutado. Que em data de 19/05/2000, as mesmas fecharam a Agência de Atendimento Pessoal do Usuário, desta Cidade, violando assim os direitos dos consumidores Cacerense que se viram privados de tais serviços, forçando-os a submeterem-se aos chamados "atendimentos eletrônicos", tais como o "sistema Call Center" e/ou Centrais Telefônicas de Atendimento, localizados fora do Estado de Mato Grosso, bem como o serviço Sac On Line, com acesso via INTERNET.

Aduz ainda, que o fechamento da Loja de Atendimentos Pessoal ao Consumidor desta Cidade, com a demissão dos respectivos funcionários, sob a alegação de "modernidade de atendimento" e "corte de despesas" feriu o disposto na Resolução nº 30 de 29/06/98 que Aprova o Plano Geral de Metas de Qualidade para o Serviço Telefônico Fixo Comutado e na Resolução nº 85 de 31/12/98 que Aprova o Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, que determina o atendimento pessoal, interativo, diuturno e gratuito aos milhares de consumidores/usuários.

          Requer, em tutela antecipada, seja determinado a reabertura da loja de atendimento interativo e personalizado do usuário/consumidor em Cáceres, recolocando-se ali todos os funcionários que realizavam referido atendimento.

          Com a inicial, vieram os documentos e fotografias de fls. 23/89.

          É o breve relatório.


          DECIDO.

          A presente Ação Civil Pública tem por objetivo a reabertura da agência de atendimento aos usuários/consumidores desta Cidade, localizada na Rua Costa Marques s/n, que fora fechada em data de 19/05/2000, pelas requeridas, sob a alegação de "modernidade de atendimento", transferindo tais serviços para os chamados "atendimentos eletrônicos", cujas centrais encontram-se localizadas fora deste Estado.

          A tutela antecipada é um instituto novo no Direito, que trata-se da prestação jurisdicional cognitiva, de natureza emergencial, executiva e sumária. E como por ela se busca desde logo os efeitos de uma futura sentença de mérito, sua natureza jurídica só pode ser de execução lato sensu da pretensão deduzida em Juízo (caráter condenatório). É tutela satisfativa, pois obtém-se, desde logo, aquilo que somente se conseguiria com o trânsito em julgado da sentença definitiva, a qual deverá, ao final, ratificar a tutela antecipada.

          É quase unânime, na doutrina, o entendimento no sentido de que a antecipação de tutela, prevista nos artigos 273 e 461 do CPC, não tem natureza de medidas cautelares. São satisfativas. Não protegem simplesmente o processo, como as cautelares, mas antecipam o próprio direito objeto do pedido. "Não se trata de obter medida que impeça o perecimento do direito, ou que assegure ao titular a possibilidade de exercê-lo no futuro", como analisa CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO. "A medida antecipatória conceder-lhe-á o exercício do próprio direito afirmado pelo autor". Ou como sustenta MARINONI, A sentença cautelar, realmente, não pode antecipar os efeitos próprios da sentença do processo principal. Deveras, como escreveu DONALDO ARMELIN, uma das formas de distorção do uso da tutela cautelar, "verifica-se sempre que se dá ao resultado de uma prestação de tutela jurisdicional cautelar uma satisfatividade que não pode ter".

          Assim, é bastante nítida a distinção entre a tutela cautelar e a tutela antecipada: a primeira protege a viabilidade do processo principal, ao passo que a segunda antecipa o próprio direito perseguido neste último. Aquela é assecuratória; esta, satisfativa.

          A inteligência do art. 273, inc. I diz que: "O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação".

          In casu, perfeitamente cabível a medida pretendida, vez que é direito dos consumidores/usuários de serem atendidos de forma pessoal, imediata e eficiente pelas empresas prestadoras de serviço público, nelas incluídas as de telefonia fixa. Com o fechamento do posto de atendimento, privou-se o consumidor Cacerense da comodidade que antes havia para solução de seus problemas na área de telefonia fixa, neles incluídas pedidos de religações, expedição de segunda via da fatura, reclamações de uso, etc.

          A inteligência do artigo 175 da Carta Política de 1988 reza que:

          "Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, (...) a prestação de serviços públicos.Parágrafo Único: A lei disporá sobre: (...)I – os direitos dos usuários;IV – a obrigação de manter serviço adequado".

          A Resolução ANATEL n.º 30 de 29/06/98 (fls. 85/87) que aprova o Plano Geral de Metas de Qualidade para o Serviço Telefônico Fixo Comutado (DOU, de 19/03/98), em seu Capítulo X assim determina:

          "Das metas de Atendimento Pessoal ao Usuário:

Art. 32: Toda localidade com Serviço Telefônico Fixo Comutado com acesso individuais deverá ser dotada, pela prestadora do serviço, de atendimento público que permita ao usuário efetuar qualquer interação relativa à prestação do serviço.

Art. 33: O usuário, ao comparecer a qualquer setor de atendimento público de prestadora do serviço, deverá ser atendido em até 10 minutos, em 95% dos casos". (grifei)

          A Resolução n.º 85 de 31/12/98, que aprova o regulamento do serviço telefônico fixo comutado, em seu artigo 27, assim determina:

          "Do Atendimento aos usuários:

27 – A Prestadora deve tornar disponível acesso gratuito à central de informação e de atendimento do Usuário, conforme previsto no Plano Geral de Metas de Qualidade.

27.1 – A Prestadora deve divulgar a todos os Usuários os endereços dos postos de atendimento públicos e Códigos de Acesso da central de informação e de atendimento do Usuário, que devem constar da LTOG e do contrato de prestação de serviço. grifei

          Portanto, os documentos e fotografias apresentados junto com a inicial (fls. 23/89), são suficientes para comprovarem que as requeridas violaram flagrantemente os direitos dos Usuários/Consumidores do serviço público de telefonia fixo comutado de Cáceres, vez que estes encontram-se privados do atendimento pessoal para reclamação e proteção de seus direitos que era realizado pelo Posto de Atendimento da TELEMAT que fora fechado, preenchendo assim os requisitos do art. 273, I do CPC, para o deferimento da tutela. Atentando-se ainda, para o fato de que todos os postos de atendimento do Estado de Mato Grosso foram ou estão sendo fechados pelas requeridas, conforme se vê do documento de fls. 11.

          Senão vejamos:

          "A TELEMAT BRASILTELECOM fará o atendimento ao Consumidor, através do sistema Call Center localizados em Campo Grande/MS, Goiânia/GO, Florianópolis/SC e Curitiba/PR".

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          Assim, o fechamento do posto de atendimento desta cidade, sob a alegação de "modernidade no atendimento", violou o direito dos consumidores Cacerense, vez que está obrigando os mesmos a se submeterem aos serviços do sistema Call Center e demais atendimentos eletrônicos, neles incluído o serviço SAC ON LINE, com acesso via INTERNET, que não obstante a popularização da rede mundial de computadores, ainda não se encontra disponível a todos, ou a quase ninguém, para a realidade local.

          Pergunta-se: Quem em Cáceres/MT possuiu acesso imediato, livre, e a qualquer hora ao serviço Sac On Line? Com certeza um número tão insignificante de consumidores que não chega sequer a 05% (cinco) por cento dos usuários. Portanto, a alegação de que tais mudanças ocorrerão visando a modernidade e agilidade no atendimento é, no mínimo, "esdrúxula", para não dizer "maldosa", vez que a realidade social da população Cacerense é outra, e necessita do atendimento pessoal, próximo, e eficaz para a solução de seus problemas. Destarte, o fechamento do posto de atendimento feriu o disposto no Código de Defesa do Consumidor, que é lei de ordem pública e de interesse social, como se vê do art. 1º, principalmente aquelas que dizem respeito à proteção dos interesses econômicos dos consumidores, da melhoria da qualidade de vida, da vulnerabilidade do consumidores no mercado de consumo, da racionalização e melhoria dos serviços públicos, etc.

          Impõem-se ponderar, que as normas de ordem pública tutelam interesses maiores, que prevalecem sobre os interesses individuais das partes e não podem por estas serem afastadas. Em muitos casos visam proteger a parte mais fraca na relação contratual, como é o caso do consumidor/usuário do serviço telefônico.

          O art. 3º do C.D.C., diz que fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição, comercialização de produtos ou prestação de serviços. Não bastasse essa redação clara, o parágrafo segundo diz que serviço é qualquer atividade fornecida ao mercado de consumo, mediante remuneração. Alguém duvida que o Código de Defesa do Consumidor se aplica também às empresas prestadoras de serviço público, neles incluídas as de telefonia fixa comutado?

          Portanto, visando a proteção dos direitos dos usuários/consumidores Cacerenses é que o pedido de tutela antecipada haverá de ser deferido.

          A jurisprudência assim tem se manifestado:

          "Tutela Antecipada – art. 273 do CPC – Requisito – Identidade entre os pedidos da inicial e a antecipação almejada – O limite objetivo da tutela é a coincidência em extensão com a prestação definitiva ou a procedência da inicial caracterizada pela provisoriedade, e não se confunde com o provimento cautelar" (2ª TACSP, AI 456.382, 9ª Câm., Rel. Francisco Casconi, j. 10.4.1996).

          AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Dano ao meio ambiente - Pedido de transferência das instalações de empresa poluidora - Admissibilidade - Possibilidade de decretação como tutela dos interesses que a lei visa a proteger - Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido afastada (TJSP).(RT 634/63) grifei.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Tutela antecipatória - Admissibilidade se reversível o provimento - Inteligência do art. 19 da Lei 7.347/85. (RT 755/403) grifei.

          Pelo Exposto, entendo suficientemente comprovados com a inicial os requisitos necessários à concessão da medida requerida com fulcro no art. 273, inc. I do Código de Processo Civil Brasileiro, DEFIRO O PEDIDO DA TUTELA ANTECIPADA. Em conseqüência, determino a imediata reabertura da Loja de Atendimento ao Público desta Cidade, localizada na Rua Costa Marques s/n.º, com a recontratação de todos os funcionários que ali trabalhavam anteriormente.

          Fixo a multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pelo não cumprimento desta decisão.

          Em relação aos honorários e custas, estes serão analisados quando da decisão final.

          Citem-se as requeridas para, querendo, contestarem a ação no prazo de quinze dias, indicando provas (art. 802, parágrafo único, II) e presumindo-se aceitos como verdadeiros os fatos alegados na inicial (arts. 285 e 319), caso não seja a ação contestada (art. 803).

          Intime-se.CUMPRA-SE.

          Cáceres - MT, 14 de junho de 2000 (4ªf).

          Yale Sabo Mendes
Juiz Substituto

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Yale Sabo Mendes

juiz em Cáceres (MT)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Yale Sabo. Juiz manda telefônica reabrir escritório de atendimento ao consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16305. Acesso em: 19 abr. 2024.

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