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Transgênicos:

liminar em cautelar impede cultivo e comércio

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01/07/1999 às 00:00
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V

No eco de tantas vozes autorizadas, no mundo da biotecnologia, a exigir prudência e segurança no trato de organismos geneticamente modificados (OGM), com vistas a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais, das plantas, dos seres vivos em geral e de todo o meio ambiente, impõe-se a observância rigorosa do princípio da precaução, na espécie.

A apresentação cintificamente fundamentada do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, na forma preconizada pelo art. 225, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil, como condição indispensável ao plantio, em escala comercial, da soja round up ready, resulta, em termos vinculativos, dos direitos fundamentais (vida, liberdade, segurança e meio ambiente ecologicamente equilibrado) de primeira e quarta dimensão.

Nessa convicção, escreve Ingo Wolfgang Sarlet: "No que diz com a relação entre os órgãos da administração e os direitos fundamentais, no qual vigora o princípio da constitucionalidade imediata da administração, a vinculação aos direitos fundamentais significa que os órgãos administrativos devem executar apenas as leis que àqueles sejam conformes, bem como executar estas leis de forma constitucional, isto é, aplicando-as e interpretando-as em conformidade com os direitos fundamentais. A não-observância destes postulados poderá, por outro lado, levar à invalidação judicial dos atos administrativos contrários aos direitos fundamentais, problema que diz com o controle jurisdicional dos atos administrativos (...). "(In "Eficácia dos direitos Fundamentais" - Ed. Livraria do Advogado - Porto Alegre - 1998 - p. 327).

Nesse particular, o princípio da precaução é imperativo constitucional, que não dispensa o Estudo Prévio de Impacto ambiental, para o plantio, em escala comercial, da soja transgênica (round up ready).

Com a máxima vênia, não posso concordar, assim, com o respeitável entendimento do ilustre Juiz Federal Substituto desta Vara, no sentido de que " a questão há de ser equacinada por prova pericial, imprescindível, na espécie", na convicção de que "o direito do consumidor, a meu sentir, está suficientemente resguardado pela liminar deferida às fls. 208 da ação civil pública nº 97.36170-4, determinando a rotulagem de todo e qualquer produto feito à base de soja transgênica, esclarecendo quanto às suas características e riscos para o consumo" (sic - fls. 472).

A simples rotulagem dos produtos transgênicos afigura-se insuficiente ao preenchimento da eficácia do princípio da prevenção, nesse contexto, em que se busca proteger, prioritariamente, a sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações, como ordena o comando constitucional.

Como bem observa o Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios, digno e sábio Representante do Ministério Público Federal, " a rotulagem de produtos para consumo humano ou animal é a última etapa de um processo, que se inicia com o plantio da semente de soja, trigo, milho, arroz , e termina com o produto beneficiado pronto, embalado e rotulado nas prateleiras do Supermercado à espera do consumidor". (sic - fls. 792/793).

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) atende, de pronto, à eficácia vinculante do princípio da precaução, pois se caracteriza como procedimento imprescindível de prévia avaliação diante da incerteza do dano, como observa o conceituado Paulo Afonso Leme Machado (fls. 508).

O EIA, no caso, não afasta a prova pericial e a rotulagem, antevistas na respeitável decisão, que, ora se repara, por comandar medidas, ainda que necessárias no momento oportuno, não devem suprimir procedimento indispensável, agora, na fase inaugural do plantio da soja transgênica, em solo brasileiro, mormente quando a Constituição ordena "preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País", sem prejuízo da fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético (CF, art. 225, II).

A despeito das cautelas determinadas na respeitável decisão judicial de fls. 478/479 destes autos, todas voltadas a uma fase final da comercialização liberada da soja transgênica, no sentido de que a MONSANTO ao vender sementes e mudas da soja transgênica, colha do comprador compromisso de que em todas as etapas (plantio, armazenagem e transporte) o produto seja mantido segregado, de modo a não se misturar aos grãos de soja natural, possibilitando, assim, a rotulagem final e apresentando o relatório a este Juízo, trimestralmente, com especificação da quantidade vendida, os compradores e os locais onde será cultivada a soja transgênica, não se pode olvidar, aqui, da insuficiência dos mecanismos de controles oficiais para se obter a eficácia plena dessa respeitável decisão.

Nos meus quinze anos de magistratura federal e mais de trinta anos de vida forense, posso testemunhar, por onde passei, exercendo jurisdição - Acre, Rondônia e Pará (Santarém - sul do Pará, onde instalei a Justiça Federal) a mais bárbara degradação ambiental de nossos rios, flora e fauna, diante da impotência e irresponsabilidade dos órgãos governamentais. A Amazônia, sem dúvida, é um continente do ecossistema, entregue, lamentavelmente, à ganância do capitalismo selvagem, que só visualiza o lucro e a barbárie da espécie humana, sob a máxima deste final de século, antevista por Tobias Barreto:"Serpens qui serpentem non comederit, non fit Dracon" (a serpente que não devora a serpente não se faz Dragão).

Antes que sejam todos devorados pela insanidade do século, urge adotar-se medidas de precaução.

O Correio Braziliense, na edição de 25 de maio de 1999, p. 13, noticiou que " a revista científica Nature publicou semana passada estudo mostrando que o milho transgênico Bt (bacillus thuringiensis), cultivado experimentalmente no Brasil, contém um pólen que pode matar lagartas e uma espécie de borboleta.

Dados da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) revelam que, do total de 631 liberações de transgênicos no meio ambiente brasileiro, mais de 250 referem-se a milho resistente a insetos, desenvolvidos por empresas como a Monsanto do Brasil, Norvartis Seeds, Pioneer Sementes, Braskalb Agropecuária Brasileira, Cargill Agrícola e Sementes Agroceres.

Os dados também registram experimentos, em pequeno número, com soja e algodão resistentes a insetos. Na avaliação de um dos integrantes da CTNBio, o risco maior é que não está havendo fiscalização das lavouras com transgênicos no país. O temor é comprovado em processo público protocolado na CTNBio em 17 de março, onde técnicos do Ministério da Agricultura pedem a suspensão imediata dos campos demonstrativos e de produção de sementes e a não liberação de novas áreas para experimentos.

De 626 liberações planejadas no meio ambiente até março para as diferentes culturas - algodão, arroz, batata, cana-de-açúcar, eucalipto, fumo, milho e soja -, o número de inspeções, de acordo com o Ministério da Agricultura, chegou a, no máximo, 30. "Isso significa que a nossa capacidade de fiscalização conjunta é de 4,8%, um dado altamente significativo e preocupante", revela o documento protocolado."

O mesmo jornal, internacionalmente premiado, por sua fidelidade à verdade dos fatos noticiados, informou, na edição de 13 de junho de 1999, p. 5, que o Papa João Paulo II, "falando aos fiéis reunidos para uma missa em Zamosc, perto da fronteira com a Ucrânia, João Paulo II afirmou: "Quando os interesses da ciência ou os interesses econômicos prevalecem sobre o bem da pessoa e o bem de sociedades inteiras, as destruições causadas pelo meio ambiente são o sinal de um menosprezo autêntico do homem." Em sua mensagem aos dirigentes do mundo, o papa propôs uma série de iniciativas: "Que sejam preparados programas para a proteção do meio ambiente, procurando sua realização eficaz. Que se formem atitudes voltadas para o bem comum, as leis da natureza e da vida."

É preciso defender a vida, numa civilização que lucra com a morte.

Para se construir uma sociedade livre, justa e solidária, como objetiva, fundamentalmente, a República Federativa do Brasil (CF, art. 3º, I), há de se buscar uma ordem econômica que assegure a todos uma existência digna (CF, art. 170, caput), observando-se, dentre outros, os princípios da soberania nacional, da defesa do consumidor e do meio ambiente (CF, art. 170, incisos I, V e VI).

Com inteira razão, observa a douta constitucionalista Carmen Lúcia Antunes Rocha que "a experiência agressiva da civilização do ter sugere o aparecimento de vozes ponderando pela vivência do ser. Contra a modernidade do ganho (donde vem a ganância) a eternidade do benefício humano (donde vem a solidariedade). E, noutro passo, assevera, no brilho destas letras: "Mas a década de oitenta mostra um processo de mudanças no Estado, desenvolvidas no sentido inverso ao que o constitucionalismo parecia apontar. Se os direitos sociais e mais aqueles denominados de terceira dimensão, tais como o direito ao meio ambiente saudável, o direito ao desenvolvimento equilibrado, o direito à paz, o direito sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação passaram a ser buscados mesmo no plano constitucional, uma proposta ou, o que é mais, uma nova imposição se começou a fazer sentir na ordem econômica: a que forçava a lex mercatoria sem regulamentação e sem a presença do Estado no plano das experiências políticas. A prioridade dos mercados e suas leis a enfatizar a presença de consumidores para a obtenção de mais lucros, de um lado, e a sua inserção na prática política dentro do Estado ou mesmo acima dele, por outro, ensejaram o que se deu a conhecer como a tendência neoliberal do processo de globalização. Note-se que não se cuida, aqui, de renegar o mercado como organização que guarda inequívoca importância na organização da sociedade ocidental e mesmo mundial e na dinâmica da vida econômica. O que se põe em relevo, contudo, é que o mercado há que estar a serviço de metas sociais e não a sociedade a serviço do mercado. Nem a lei do mercado haverá que dominar o homem e conduzir a sua necessidade. Antes ter-se-ia, então, uma lei totalitária e sem fundamento de humanidade ou de humanismo. E, no entanto, é o homem que deve livremente afirmar a sua necessidade para que em sua direção se conduza o mercado. Principalmente, haverá que se elaborar sempre um Estado de Direito e um Direito do Estado no qual o homem não seja a moeda, mas o proprietário dela. Seja o homem o valor maior da vida social e não mero valor de troca de produtos." (In "Constituição, Soberania e Mercosul" - Revista Trimestral de Direito Público - 21/1998 - Malheiros Editores - ps. 14 e 17).

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As questões resultantes da engenharia genética não se resolvem, apenas, como as leis de mercado, mas, sobretudo, com a observância rigorosa das leis de proteção à vida, como, assim, preordena nosso ordenamento jurídico - constitucional.

Sem contabilizar exageros, creio que a velocidade irresponsável, que se pretende imprimir nos avanços da engenharia genética, nos dias atuais, guiada pela desregulamentação gananciosa da globalização econômica, poderá gestar, nos albores do novo milênio, uma esquisita civilização de "aliens hospedeiros", com fisionomia peçonhenta, a comprometer, definitivamente, em termos reais, e não ficticios, a sobrevivência das futuras gerações de nosso planeta.

Sem ofensa ao rigor científico do tema em debate, onde os "argumentos de autoridade" não devem prevalecer sobre a autoridade dos argumentos, aqui, colhidos, no meio autorizado da Biociência, convém que se conclua este arrazoado com as palavras do biopoeta, Thiago de Mello, nesta partitura:

"Artigo I - Fica decretado que agora vale a verdade,

que agora vale a vida,

e que de mãos dadas,

trabalharemos todos pela vida verdadeira.

...........

"Artigo II -

Fica decretado que o dinheiro

não poderá nunca mais comprar

o sol das manhãs vindouras.

Expulso do grande baú do medo,

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal

para defender o direito de cantar

E a festa do dia que chegou."

("Faz Escuro mas eu canto" - Os Estatutos do Homem - Ato Institucional Permanente - ed. Civilização Brasileira - 5ª Edição - 1978, p. 19/20).


VI

, sem prejuízo das medidas de natureza cautelar já adotadas pelo ilustre Juiz Substituto desta Vara, na decisão de fls. 478/479, que:

I - as empresas promovidas, MONSANTO DO BRASIL LTDA e MONSOY LTDA apresentem Estudo Prévio de Impacto Ambiental, na forma preconizada pelo art. 225, IV, da Constituição Federal, como condição indispensável para o plantio, em escala comercial da soja round up ready;

II - ficam impedidas as referidas empresas de comercializarem as sementes da soja geneticamente modificada, até que seja regulamentada e definida, pelo poder público competente, as normas de biossegurança e de rotulagem de organismos geneticamente modificados;

III - fica suspenso o cultivo, em escala comercial do referido produto, sem que sejam suficientemente esclarecidas, no curso da instrução processual, as questões técnicas suscitadas por pesquisadores de renome, a respeito das possíveis falhas apresentadas pela CNTBio em relação ao exame do pedido de desregulamentação da soja round up ready;

IV - as empresas promovidas apresentem, nestes autos, no prazo de 10 (dez) dias, fotocópia autêntica do Certificado de Qualidade em Biossegurança - CQB, a que se referem o parágrafo 3º do art. 2º da Lei nº 8.974/95 e o art. 8º, caput, do Decreto nº 1.752, de 20/12/95;

V - a CTNBio apresente a este Juízo, no prazo de 10 (dez) dias, cópias autênticas dos curiculum vitae de seus membros efetivos e suplentes, para aferição judicial da qualificação exigida pelos parágrafos 1º e 2º do art. 3º do referido Decreto 1.752/95, bem assim, em igual prazo, devem ser remetidas cópias autênticas das peças que compõe o processo nº 01200.002402/98-60, a que se refere o Comunicado nº 54, de 29 de setembro de 1998;

VI - sejam intimados, pessoalmente, os Sr. Ministros da Agricultura, da Ciência e Tecnologia, do Meio Ambiente e da Saúde, para que não expeçam qualquer autorização às promovidas, antes de serem cumpridas as determinações judiciais, aqui, contidas, ficando suspensas as autorizações que, porventura, tenham sido expedidas, nesse sentido;

VII - fica estabelecida a multa pecuniária de 10 (dez) salários-mínimos, por dia, a partir da data do descumprimento destas medidas, a ser aplicada aos agentes infratores, públicos ou privados (Lei nº 7.347/85, art. 11).

VIII - Oficie-se ao eminente Juiz Relator do Agravo de Instrumento, a que se refere a petição de fls. 542 do IDEC.

Publique-se. Intimem-se a União Federal e o Ministério Público Federal.

Traslade-se, para os autos principais e para os autos da Ação Civil Pública nº 97.34.00.036170-4, fotocópia autêntica deste decisum.

Brasília (DF), em 18 de junho de 1999.

Antônio Souza Prudente

Juiz Federal Titular da 6ª Vara
Seção Judiciária do Distrito Federal
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Sobre o autor
Antônio Souza Prudente

juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região especialista em Direito Privado e Processo Civil pela USP e em Direito Processual Civil, pelo Conselho da Justiça Federal (CEJ/UnB), mestrando em Direito Público pela AEUDF/UFPE, Professor

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRUDENTE, Antônio Souza. Transgênicos:: liminar em cautelar impede cultivo e comércio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16335. Acesso em: 24 abr. 2024.

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