3.Da ineficácia ex tunc, na espécie, da declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais tributários questionados e, assim, da impossibilidade da repetição de indébito pretendida.
O direito à repetição de indébito tributário não resulta automático, como costuma parecer, à vista do simples reconhecimento da inconstitucionalidade da lei com base na qual tenham sido recolhidos tributos públicos.
Com efeito, tendo o assunto merecido a atenção de e. juristas pátrios, verificou-se que não é possível a atribuição ilimitada de eficácia ex tunc às decisões judiciais que reconhecem a inconstitucionalidade de lei tributária posteriormente ao pagamento de tributos com base nela exigidos (cf. RICARDO LOBO TORRES, Restituição de Tributos, Rio de Janeiro, 1983).
A doutrina especializada erigiu, pois, como limites à retroatividade da declaração de inconstitucionalidade, no campo tributário, a. a existência de situações jurídicas já inteiramente consolidadas sob a égide da norma posteriormente considerada inconstitucional, destacando-se, especificamente, a incidência, sobre elas, de coisa julgada material, b. a presença de lançamento definitivo e c. a fruição, pelo contribuinte, nos tributos causais – como são as taxas de serviço público sob enfoque – de vantagens econômicas proporcionadas pela atividade custeada pelo tributo (idem, ibidem).
Examinando a problemática sob a óptica estritamente constitucional, GILMAR FERREIRA MENDES, atualmente ministro do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, fez oportuna alusão ao posicionamento do ministro LEITÃO DE ABREU, daquela mesma corte, para quem "exigências de ordem prática provocam a atenuação da doutrina da nulidade ex tunc" (Recurso Extraordinário nº 78.594). A presença de coisa julgada, ademais, alçada a nível constitucional, constitui, pois, limite, segundo aquele constitucionalista, à eficácia de declaração de inconstitucionalidade (in Controle de Constitucionalidade – Aspectos Jurídicos e Políticos, Saraiva, 1990, p. 278).
À semelhança do que ocorre no direito brasileiro – segundo opinião dominante dos juristas nacionais –, a Constituição da República Portuguesa, em seu artigo 282, comina de nulidade os atos normativos que a infringirem e atribui, de outra parte, eficácia ex tunc – dentro de determinados parâmetros (§ 4º) – à declaração judicial de sua inconstitucionalidade, verbis:
"1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.
2.Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infração de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.
3.Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao argüido.
4.Quando a segurança jurídica, razões de eqüidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos nºs 1 e 2".
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, por sua vez, enfrentando a questão, reconheceu que "a alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada – subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fática que a viabilizem" (Recurso Extraordinário nº 147.776-SP – relator o ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, RTJ 175/309).
As lições de RICARDO LOBO TORRES e GILMAR FERREIRA MENDES – ambos apropriadamente inspirados pelos superiores princípios de direito público – e bem assim o precedente jurisprudencial antes mencionado autorizam concluir da impossibilidade de atribuição de eficácia ex tunc – de forma ilimitada – às decisões declaratórias de inconstitucionalidade de leis tributárias.
Estabelecido tal entendimento como ponto de partida, resulta inviável a restituição de taxas de serviços públicos, mormente porque a repetição de indébito de natureza tributária – di-lo RICARDO LOBO TORRES – se funda menos na necessidade de estabelecer controle da legalidade dos atos do fisco e desfazer aqueles que a ela não se ajustem, e mais na necessidade de solucionar situação que entra em conflito com elementares sentimentos de justiça e eqüidade, contra a qual, desde a antiguidade, se dedicam o legislador e a doutrina: "a de, sem causa juridicamente relevante, uma pessoa enriquecer, à custa de outra, que, correlatamente, vem a empobrecer" (in obra citada, p. 69).
Para autorizar a repetição do indébito, não basta, portanto, o tão-só pagamento de tributo com base em lei posteriormente declarada inconstitucional, mas a efetiva demonstração de empobrecimento do solvens, com real e comprovado impacto sobre sua capacidade contributiva.
Não colheria em favor dos contribuintes, de outra parte, eventual argumento de que a impossibilidade da repetição do indébito daria origem, então, ao enriquecimento sem causa da fazenda pública.
É que em tema de repetição de tributos impõe-se ter presente a lição do ministro VICTOR NUNES LEAL: diante do dilema irredutível entre enriquecer-se sem causa a fazenda pública, com a não-devolução do tributo indevidamente cobrado, e enriquecer-se sem causa o contribuinte, que não tivesse suportado, com a tributação ilegítima, qualquer diminuição em seu patrimônio, ser sempre preferível optar-se pelo enriquecimento da fazenda, já que a atuação estatal tem por fim a satisfação de interesses da coletividade, e constitui, portanto, dos males, o menor:
"Seria menos justo proporcionar-lhe (ao contribuinte de direito) um sobrelucro sem causa, para seu proveito pessoal, do que deixar esse valor em poder do Estado, que presumivelmente já o terá empregado na manutenção dos serviços públicos e na satisfação dos encargos diversos que oneram o tesouro em benefício da coletividade. Se o dilema é sancionar um enriquecimento sem causa, quer a favor do Estado, com a carência ou improcedência da ação, quer a favor do contribuinte, se for julgado procedente o pedido, não há que hesitar: impõe-se a primeira alternativa, pois o Estado representa, por definição, o interesse coletivo, a cuja promoção se destina, no conjunto da receita pública, a importância reclamada pelo particular para sua fruição pessoal. Esta solução é a que corresponde à eqüidade, fundamento básico da ação proposta" (STF – Recurso Extraordinário nº 46.450).
Não fosse isso o bastante, seria de inarredável lembrança que os direitos dos contribuintes em geral guardam natureza individual homogênea (STF – Recurso Extraordinário nº 97.455-SP, relator o ministro DEMÓCRITO REINALDO), a exigir, de um lado, tratamento isonômico de todos os que se encontram na mesma situação tributária, e de outro, a utilização de remédio jurídico processual de efeitos que possam alcançar todos quantos se encontrem em análoga situação de fato.
Ademais, a sentença – ensina WELLINGTON MOREIRA PIMENTEL –, "como ato de vontade do Estado, e, portanto, como comando, produz efeitos, isto é, modificações no mundo jurídico. Como é facilmente compreensível, esses efeitos atingem, em especial, os titulares da relação jurídica deduzida em juízo, pois sobre aquela ter recaído a decisão, nos limites da lide. Entretanto, a relação jurídica de que resultou o conflito de interesses, e este, na medida em que foi posto em juízo, dando lugar ao surgimento da lide, não se situa isoladamente no mundo jurídico. Neste, os direitos e deveres se desenvolvem e coexistem, sem se cruzarem, mas, muita vez, se locando tangencialmente ou se apresentando uns como "derivados" de outros. Quando isso ocorre – e não é raro que aconteça – é identificável, a olho desarmado, a produção de efeitos, da sentença na esfera jurídica de terceiros, vale dizer, daqueles que não foram partes no processo, pois serão os titulares de relações jurídicas subordinadas, ou acessórias, da que haja sido objeto da sentença, e sofrem os efeitos desta" (in Comentários ao Código de Processo Civil, RT, 1975, v. 3, pp. 578-579).
São estas as razões porque não vejo como possa o juízo dar provimento ao pedido de repetição de indébito tributário formulado pela ação.
4.O dispositivo.
Pelas razões expostas, não obstante reconhecer que as Taxas de Manutenção da Iluminação Pública, de Limpeza de Vias e Logradouros Públicos e de Remoção de Lixo, até dezembro último integrantes do ordenamento jurídico local, não encontravam suporte constitucional, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos de declaração de inexistência de relação jurídica tributária entre as partes e de repetição do quanto já tenha sido pago àquele título aos cofres do MUNICÍPIO DE JARINU.
À vista, porém, do poder de eqüidade conferido ao juiz pelo artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil, considero compensados os honorários advocatícios a que faria jus o réu com as taxas por ele eventualmente já recebidas dos autores.
Com o trânsito em julgado desta sentença, expeçam-se mandados de levantamento das importâncias recolhidas a fls. 259/260, 263, 302/310, 313, 322, 323, 327, 329, 331/343, 351/354, 356, 358 e 360, o que deverá ser feito da seguinte maneira: ao MUNICÍPIO DE JARINU competirá levantar os valores recolhidos a título de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana e seus respectivos rendimentos (juros e correção monetária a partir da data de cada depósito) e aos autores – com a ressalva que faço adiante – competirá o levantamento de quanto tenham recolhido à disposição do juízo a título das taxas questionadas e bem assim, da mesma forma, os respectivos rendimentos.
Ressalvo, no entanto, que não será possível o levantamento, por parte dos co-autores OSMAR MARTINS CERIONI e VITTORIO MARIA FOGACCIA, mas pela fazenda pública, dos valores que se obrigaram a pagar por força das convenções por eles livremente celebradas com o MUNICÍPIO DE JARINU (fls. 46/49 e 72/74), atos bilaterais esses que inexoravelmente os vinculam, como já assinalou o v. acórdão de fls. 345/346, in verbis: "... dois dos agravantes conseguiram parcelamento dos impostos não pagos. (...) A desconstituição do documento assinado é do mais absoluto rigor para o não-pagamento. Inadmissível, no caso em exame, a pretendida antecipação de suspensão da exigibilidade convencionada pelas partes, inclusive de desobrigar os agravantes dos pagamentos que, por contrato, convencionaram com a agravada".
Tudo será apurado, no entanto, na ocasião própria, mediante a apresentação de demonstrativos pelos interessados.
De outra parte, considerando que a. não existem no Código Tributário do Município de Jarinu quaisquer mecanismos de progressividade do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana e que b. a Lei Complementar nº 71, de 05.12.02, eliminou a cobrança das Taxas de Manutenção da Iluminação Pública, de Limpeza de Vias e Logradouros Públicos e de Remoção de Lixo a partir do presente exercício fiscal, VEDO o recolhimento, doravante, nestes autos, de quaisquer importâncias em dinheiro por parte dos autores, sob pena de sua pronta transferência aos cofres públicos municipais, além das conseqüências inerentes à desobediência de ordens judiciais (Código Penal, artigo 330).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Comunique-se.
Jarinu, segunda-feira, 03 de fevereiro de 2003.
Rogério A. Correia Dias
Juiz de Direito