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Não aditamento da denúncia pelo Ministério Público: arquivamento indireto.

Remessa ao Procurador Geral de Justiça

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16/12/2007 às 00:00
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            PROC. Nº : 200720100079

            DECISÃO: ARQUIVAMENTO INDIRETO - REMESSA DO INQÚERITO POLICIAL À PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA – Art. 28 do CPP

            VÍTIMAS:... e outras

            IMPUTAÇÃO: Art. 171 c/c arts. 71 e 29 do Código Penal

            R. hoje – Processo 079/2007, com 261 Laudas.


D E C I S Ã O

            Vistos e examinados, etc, 

            Mediante Portaria lavrada em 13 de junho de 2007, a Autoridade Policial da Delegacia Especial de Falsificações e Defraudações instaurou Inquérito Policial para apurar a "prática de estelionato ou crime de corrupção passiva, através de cobrança de valores indevidos para a entrega de casas de projetos habitacionais da Prefeitura Municipal de Aracaju", tendo o Inquérito sido concluído em 23/07/2007 (fls. 130/133), remetido à Justiça e distribuído em 03 de agosto de 2007 (fl. 05), sendo recebido no Cartório desse Juízo em 21/08/2007 (fl. 173), quando, após, o Ministério Público ofertou denúncia em 04 de setembro de 2007 (fls. 01/04) em face dos acriminados J. e R., já qualificados, alegando as razões de fato e de direito exaradas na peça denunciatória, imputando aos réus o crime previsto no artigo 171 c/c 71 e 29 do Código Penal, isto é, o crime de estelionato, em caráter contínuo e em concu"01" de pessoas

            A denúncia foi recebida em 11/09/2007 (fls. 177), já tendo sido interrogados os réus R. em 18/10/07 (fls. 183/186) e J. em 30/11/07 (fls. 204/213), tendo o primeiro oferecido defesa prévia (fls. 197/198) e a segunda não ofertado a mesma, deixando transcorrer o prazo in albis (fls. 261).

            Às fls. 215/230, vê-se decisão da minha lavra, de ofício, decretando a prisão preventiva dos réus, bem como determinando abertura de vista ao Ministério Público a fim de aditar a denúncia – diante dos fortíssimos indícios de autoria – das pessoas citadas, [além de] "01" e "02", ampliando a acusação também para tais novas pessoas, BEM COMO PARA INCLUIR UM NOVO DELITO IMPUTÁVEL A TODOS ELES, inclusive os réus já denunciados, ou seja, o crime de quadrilha ou bando, previsto no artigo 288 do Código Penal. E ainda, na dita decisão (fls. 215/230), diante da parca e diminuta investigação policial no sentido de identificar a pessoa citada por J., no seu depoimento policial – de prenome "03" – e diante da confissão e delação judicial de J., agora envolvendo mais sete (07) outras pessoas, isto é, R., "01" e "02" (estes, já identificados e qualificados) e outras pessoas a identificar, cujos prenomes são: "03" (funcionária da Prefeitura de Aracaju, residente no Bairro Aruana, a princípio), "04" (funcionária da Fundat, a princípio), "05" (cunhado do réu R., a princípio) e "06" (a pessoa que acompanhava "03" nas visitas à casa de J., a princípio) – determinei a instauração de novo inquérito, objetivando a ampliação da persecução penal, tendo requisitado a instauração do inquérito ao Senhor Secretário de Segurança Pública, nos termos do artigo 5º, inciso II, do Código de Processo Penal.

            Instado a manifestar-se, em sede de aditamento, o Ministério Público manifestou-se contrário ao aditamento da denúncia (fls. 239/251), sob o argumento de inexistirem indícios de participação criminosa dos cidadãos "01" e "02" – ressalvando, contudo, a hipótese de aditamento futuro com o advento de indícios colhidos no novo inquérito já requisitado pelo Estado-Juiz ou indícios advindos da presente instrução criminal.

            É o relatório, passo a decidir.


II – MOTIVAÇÃO

            Discordo totalmente do parecer promotorial de fls. 239/251.

            A meu juízo, há fortíssimos indícios de autoria – e que são ensejadores do aditamento -- de referência aos cidadãos "01" e "02", vez que ambos já foram identificados, qualificados e indiciados no Relatório do Inquérito Policial (fls. 130/132), juntamente com os réus R. e J., bem como diante da detalhada delação feita pela ré confessa, J., em Juízo, em interrogatório de 10 (dez) laudas, quando, em diversas ocasiões e passagens, assim se reportou:

            1º) De referência a "01", assim disse J., em sumário:

            "que então a interrogada conversou com sua amiga de condomínio de prenome "01", também conhecida como... , e comunicou sobre as casas e que "01" se interessou e que já sabia sobre a venda das casas e disse se "03" estava cobrando R$ 650,00 a R$ 1.000,00, ela "01" disse que ia cobrar até mais e então "01" levou o genro dela... e a filha... até a casa da interrogada e pediu um recibo no valor de R$ 2.000,00 referente a uma casa em nome de um estranho e aí "01" lhe entregou R$ 650,00 e ficou com o recibo de R$ 2.000,00 e levou o recibo até o rapaz e pegou R$ 2.000,00 deste rapaz, pois entregou a interrogada apenas R$ 650,00 e que a diferença ficava com "01" e que a interrogada somente repassava R$ 650,00 para "03" e que esta operação foi feita várias vezes com "01", com R. e com "02"";

            "que "01", conhecida por... , não trabalha e que ela sobrevive porque um político deposita dinheiro para ela, segundo ela lhe confessou na casa da interrogada";

            "que "01", conhecida por... , melhorou de vida, pois tinha um carro velho que só vivia na oficina e agora comprou um carro novo e também soube que ela financiar um apartamento e que ia entregar o da irmã dela onde morava e que o pessoal disse que a interrogada iria se ferrar porque "01" comprou um carro novo e a interrogada não tinha nada";

            "que em relação a R., ele esteve em sua casa com a bíblia debaixo do braço e que se dizia crente e que ele soube das casas através do pessoal que "01" colocou";

            "que a interrogada esclarece que era a única pessoa que dava recibo aos compradores e que começou a dar recibo por orientação de "01", vez que ela aumentava os valores e ficava com a diferença e foi "01" que lhe entregou o primeiro talonário de recibo".

            "que a interrogada esclarece que depois que estourou o caso também ligou para "01", "02" e R. e que eles disseram que não iam devolver o dinheiro e que o problema era da interrogada"

            "que o restante do dinheiro ficou com "03", que recebeu em torno de R$ 100.000,00 da interrogada e que também "01", "02" e R. também ficaram com dinheiro"

            2º) De referência a "02", assim disse J., em sumário:

            "que então a interrogada conversou com sua amiga de condomínio de prenome "01", também conhecida como... , e comunicou sobre as casas e que "01" se interessou e que já sabia sobre a venda das casas e disse se "03" estava cobrando R$ 650,00 a R$ 1.000,00, ela "01" disse que ia cobrar até mais e então "01" levou o genro dela... e a filha... até a casa da interrogada e pediu um recibo no valor de R$ 2.000,00 referente a uma casa em nome de um estranho e aí "01" lhe entregou R$ 650,00 e ficou com o recibo de R$ 2.000,00 e levou o recibo até o rapaz e pegou R$ 2.000,00 deste rapaz, pois entregou a interrogada apenas R$ 650,00 e que a diferença ficava com "01" e que a interrogada somente repassava para "03" R$ 650,00 e que esta operação foi feita várias vezes com "01", com R. e com "02"";

            "que em relação a "02" a interrogada esclarece que não conhecia e que ele apareceu lá através de outras pessoas que sabiam do caso e que ele já levou o dinheiro e o documento das pessoas, mas não pediu recibo e uns tempos após um senhor de idade esteve em sua casa a mando de "02" e que esse senhor queria o dinheiro de volta e que ele disse que tinha dado R$ 1.200,00 a "02" e a interrogada disse que se responsabilizaria pela parte que estava em sua mão e que foi repassada por "02", ou seja, R$ 650,00 e que a interrogada devolveu R$ 650,00 a esse senhor e mandou que ele cobrasse o restante a "02"";

            "que outras pessoas ligadas a "02" e que eram da Saman tiveram na casa da interrogada para pedir a devolução e que a interrogada ligou para "03"...";

            "que a interrogada esclarece que depois que estourou o caso também ligou para "01", "02" e R. e que eles disseram que não iam devolver o dinheiro e que o problema era da interrogada";

            "que o restante do dinheiro ficou com "03", que recebeu em torno de R$ 100.000,00 da interrogada e que também "01", "02" e R. também ficaram com dinheiro".

            A meu juízo, à vista da riqueza de detalhes, da minudência dos fatos e circunstâncias delatadas, entendo que – em tese – confere-se razoável juízo de verossimilhança à delação feita por J., diretamente imputável as pessoas citadas ("01" e "02"), que já se acham identificados e que, portanto, prescindem de novo inquérito policial, diferentemente das demais pessoas delatadas, tão apenas pelos prenomes, ou seja: "03", "06", "05" e "04", restando evidenciado que R. também foi delatado mas já se acha denunciado. De mais a mais, nesse diapasão, ressoa pouco ou nada crível que tamanha sanha criminosa, em continuidade delitógena, resulte imputável tão somente a inditosa J., conhecida por... , na condição de única autora material e intelectual dos inumeráveis delitos, incluindo aí as mais variadas logísticas criminosas até então já apuradas!

            Nesse cotejo, pois, diante do não aditamento da denúncia, discordo frontalmente do Ministério Público, e, para reforçar meu entendimento, ressalto que o oferecimento da denúncia não é uma mera faculdade do Ministério Público, mas, ao contrário, um poder-dever, que necessariamente decorre do Princípio da Indisponibilidade ou Obrigatoriedade da Ação Penal Pública (arts. 5º, 6º e 24 do CPP), atrelado, ademais, a um fim teleológico denominado pro societate e não pro reo, até porque a denúncia e o seu recebimento se cinge a um mero juízo preliminar ou de prelibação, fato que, em linguagem coloquial, significa dizer que, nessa fase processual, o que deve prevalecer é o interesse da sociedade (a segurança jurídica, a Paz Social) e não o mero interesse da pessoa do réu, em sede final de julgamento, consoante assim exara o seguinte posicionamento jurisprudencial que acolho e adoto, verbis:

            "Apelação. Recebimento da Denúncia. Plausibilidade da Acusação. Constatada, pela análise dos elementos colhidos durante a fase inquisitorial, a plausibilidade da acusação, a denúncia deve ser recebida, uma vez que o julgador deve realizar, nessa fase, mero juízo de prelibação, sem análise acurada do mérito da acusação. Apelo ministerial provido (Apelação Crime nº 70019540210, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 12/07/2007, publicado no Diário da Jutiça do dia 01/08/2007)."

            Concretamente, pois, entendo que há indícios mais do que suficientes para a propositura da ação penal contra "01" e "02", por sinal já identificados, qualificados e indiciados pela Autoridade Policial, bem como em razão da delação feita por J.e nessa decisão descrita de forma perfunctória -- restando assim preenchidos, a meu juízo, os requisitos do artigo 41 do CPP, vez que a materialidade se acha fartamente provada pelos inúmeros recibos acostados, devidamente reforçada com a oitiva das diversas vítimas.

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            Por conseguinte, em suma, não aditar a denúncia é promover o arquivamento indireto ou implícito do inquérito policial em face de ambos ("01" e "02") já indiciados, não só pela não inclusão de tais co-autores na denúncia, bem como pela não imputação do crime de quadrilha ou bando, em tese igualmente praticado – razão pela qual discordo do parecer promotorial (fls. 239/251), e assim o faço com base no artigo 28 do CPP – estribado, ademais, no Princípio da Devolução -- devendo assim a matéria ser levada à Procuradoria Geral de Justiça para reexame, trazendo à baila, para tanto, as seguintes jurisprudências aplicáveis, a saber:

            "Quando o Promotor de Justiça, invocando razões, recusa-se a oferecer a denúncia. Nesse caso, o inquérito policial deve ser remetido ao Procurador-Geral de Justiça (RT 583/424)."

            "Inocorre afronta à indivisibilidade da ação penal, pelo fato de haver outras pessoas que deveriam merecer imputação e não a tiveram na denúncia, pois a questão é, na fase acusatória inicial, de opinio delicti, que se forma livremente no Órgão da Acusação, e, cuidando-se de ação penal pública, eventual dissensão, por parte do Juiz competente, pode levar à aplicação do art. 28 do CPP" (TACRIM -SP-AP-Rel. Jo Tatsumi – RJD 24/34).

            "Não é dado ao juiz indeferir pedido de arquivamento de inquérito policial pelo Ministério Público, embora dizendo respeito a um só dos indiciados. Se não estiver de acordo com o mesmo, cumpre-lhe exercer o que determina o art. 28 do CPP, remetendo-se os autos do inquérito ao Procurador-Geral" (STF-RHC-Rel. Décio Miranda – RT 544/448)

            "Ao Ministério Público compete promover, privativamente a ação penal pública (CF, art. 129, I) ou requerer o arquivamento do inquérito policial ou de qualquer procedimento informativo, competindo nesta hipótese ao juiz acolher o pedido ou levar o assunto à consideração do Procurador-Geral nos termos do art. 28 do CPP" (STJ- HC 6.802- Rel. Vicente Leal – J. 28.4.98 – DJU 15.6.98, p. 166).

            Assim, de referência as pessoas delatadas e já identificadas, "01" e "02", desacolho o pedido de arquivamento implícito ou indireto feito pelo Ministério Público, entendendo conveniente, como entendo, que a matéria seja submetida ao exame da Excelentíssima Senhora Procuradora–Geral de Justiça, baseado no Princípio da Devolução – em cujas atribuições se colocará, no âmbito da persecução penal, o deslinde final da questão.

            Dessarte, de referência as pessoas delatadas e parcialmente identificadas, isto é, "03" (funcionária da Prefeitura de Aracaju, residente no Bairro Arauna, a princípio), "04" (funcionária da Fundat, a princípio), "05" (cunhado do réu R., a princípio) e "06" (a pessoa que acompanhava "03" nas visitas à casa de J., a princípio) -- com base na Principiologia Processual Penal, especialmente os Princípios da Verdade Real, da Obrigatoriedade da Ação Penal Pública ou Legalidade (arts. 5º, 6º e 24 do CPP), da Indisponibilidade do Processo (arts. 10, 17, 28, 42 e 576 do CPP), da Duração Razoável do Processo ou da Celeridade Processual (art. 5º inciso LXXVIII da Constituição Federal), do Impulso Oficial (arts. 251 c/c 156 do CPP), e, mormente, por força do artigo 5º inciso II do Código de Processo Penal – ratifico a requisição da instauração de outro inquérito policial, já ordenada na decisão anterior, de 03/12/2007 (fls. 215/230), ao Senhor Secretário da Segurança Pública, que deve concluir a investigação no prazo de 30 (trinta) dias, por força do artigo 10 caput do Código de Processo Penal, valendo-se ressaltar que a requisição de abertura de inquérito pelo Estado-Juiz decorre de um dever de ofício, baseado no Poder Geral de Cautela, conforme assim exara o seguinte entendimento jurisprudencial, verbis:

            "STJ: A requisição de abertura de inquérito policial traduz dever do juiz, quando se depara com a existência de crime em tese. Não cabe a funcionário administrativo discutir a legitimidade de ordem judicial formalmente correta" (RSTJ 22/104-5).


III - CONCLUSÃO

            EX POSITIS, INDEFIRO O PEDIDO DE ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO OU INDIRETO requerido pelo Ministério Público, em relação a "01" e "02", alhures qualificados, inclusive indiciados (fls. 130/132), com respaldo no Princípio da Devolução e com estribo no artigo 28 do Código de Processo Penal, pelo que determino a remessa do traslado do processo presente (nº 200720100079) à Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Sergipe, para fins pertinentes, bem como determino que se expeça ofício ao Senhor Secretário de Segurança Pública no sentido de ratificar a ordem de instauração de novo inquérito policial, com a finalidade já reportada, devendo o mesmo ser concluído no prazo de 30 (trinta) dias, a teor do artigo 10 caput do dito Diploma Legal, juntando-se cópia desta decisão.

            Outrossim, designo de logo audiência de instrução criminal para o dia 11 de janeiro de 2008, às 08:00 horas, a fim de inquirir as testemunhas e vítimas arroladas na denúncia.

            Publique-se. Registre-se e Intimem-se, a Promotoria de Justiça e as respectivas Defesas da presente decisão, bem como da audiência. Requisitem-se os réus e intimem-se as testemunhas e/ou vítimas arroladas na denúncia.

            Cumpra-se, urgente, com as cautelas legais.

            Aracaju, 12 de dezembro de 2007.

            JOÃO HORA NETO

            MAGISTRADO

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Não aditamento da denúncia pelo Ministério Público: arquivamento indireto.: Remessa ao Procurador Geral de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1628, 16 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16826. Acesso em: 25 abr. 2024.

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