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Juiz suspende inscrição de dívida de Município pelo INSS e manda garanti-la com verbas de publicidade e royalties

28/12/2007 às 00:00
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Em decisão inovadora, proferida em plantão no dia de natal, juiz federal atendeu a pedido de Município para a suspensão de sua inscrição na dívida ativa pelo INSS, a fim de evitar a perda de repasse de verbas de saúde.

Decisão em regime de plantão

O município de Aracruz foi inscrito como devedor do INSS, por dívida tributária, no valor de aproximadamente R$ 3,1 milhões (fls. 120 e 126). Tal dívida teria origem em responsabilidade fiscal tributária por substituição, pelo não repasse de 11% dos valores pagos por serviços contratados. Nos termos da legislação previdenciária, o Município deveria reter tal percentual em relação ao montante pago e repassá-lo ao INSS (art. 31 da lei nº 8.212/91).

O município reconheceu que não efetivou a retenção como deveria, mas alegou que as empresas correspondentes efetivaram o pagamento. Alegou, também, que a auditoria efetivada pela Receita não analisou as provas dos referidos pagamentos, pois a documentação correspondente não estava em poder da Prefeitura, mas das empresas contratadas.

Nos termos do relatório de imputação definitiva de débito tributário elaborado pela Receita (fls. 119/122 e 125/130), pode-se concluir que, quando houve imputação prévia do débito, o Município se defendeu alegando apenas decadência do direito de constituir o crédito tributário em tela. Nada alegou, entretanto, sobre o mérito de tais valores, já que não apresentou à Receita os mencionados comprovantes de pagamentos efetivados pelas empresas contratadas (fls. 193/334). Após a imputação definitiva, em 05.11.2007 (fls. 117 e 123), o Município não apresentou recurso administrativo, ou seja, mais uma vez não apresentou à Receita os comprovantes de pagamentos aqui mencionados (fls. 193/334).

A matéria, portanto, "transitou em julgado" no âmbito administrativo-tributário (fls. 132/135). Agora, o Município se vê diante da iminente perda de verbas de convênios, em especial na área da saúde, e do bloqueio de repasse de verbas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), já que não pode apresentar CND comprovando sua regularidade com o INSS. Conforme me informou verbalmente o Procurador Municipal, o Município de Aracruz, a partir do dia 28.12.2007, deixaria de receber verbas da ordem de R$ 26 milhões referentes a um convênio na área de saúde com o Estado do ES.

Em função de tal risco, a municipalidade procurou o Juízo Federal de Plantão, requerendo liminar para suspender o crédito tributário aqui mencionado e determinar a emissão da certidão de "nada consta" para evitar tal prejuízo financeiro-orçamentário.

É o relato do necessário.

Analiso o cabimento da matéria em sede de Plantão. O regime de Plantão Judiciário consubstancia instrumento idealizado para assegurar a possibilidade de ser prestada tutela jurisdicional quando temporariamente não estiver em funcionamento o órgão judicial competente. Para tanto, afasta-se a garantia constitucional do Juízo Natural em benefício da prestação jurisdicional adequada e em tempo hábil a garantir sua eficácia. Tratando-se, portanto, de medida de exceção, interpreto a competência do Juiz de Plantão de acordo com a sua finalidade: atuar somente quando tratar-se de dano concreto, que venha a se materializar no período de plantão e que, pelas suas peculiaridades, não pudesse ter sido combatido no período do expediente normal.

Analisando este caso, constato que tal matéria não deveria ser analisada em sede de Plantão. O Município tinha ciência, pelo menos desde abril/maio deste ano, quando o débito tributário foi previamente imputado (fls. 121 e 127), que ficaria inadimplente com o INSS e teria bloqueadas verbas de convênios e do FPM. Bastaria, então, que o encarregado do setor correspondente diligenciasse junto às empresas contratadas para recolher as guias de pagamento e apresentasse defesa de mérito e recurso administrativo ao INSS/Receita. Ainda mais que, a partir de março deste ano, com o Julgamento da ADIN nº 1976, o STF fixou o entendimento pela inconstitucionalidade do depósito prévio de 30% para a propositura de recurso administrativo tributário. E se tal fato não fosse de conhecimento do responsável, poderia ter sido manejada ação ordinária para desconstituir o crédito tributário. Ao revés, a municipalidade nada fez: não apresentou defesa de mérito (apresentou apenas alegação de decadência) e não recorreu. Ficou, na verdade, "esperando" a decisão da Receita.

Dentro desse cenário, não tenho receio ao afirmar ser elevada a probabilidade de que a Administração do Município de Aracruz, utilizando-se indevidamente de cargos comissionados, lastreou o setor de controle tributário com "apadrinhados políticos" ao invés de dotar tal setor com funcionários de carreira e com a competência técnico-profissional necessária, avalizada por concurso público. Resultado: a administração tributária municipal demonstrou total descaso com a coisa pública. Enumero seqüência preocupante de falhas básicas na gestão do setor: (1) não foram retidos os 11% previstos em lei; (2) ao tomar ciência da falha, não foram localizados os documentos comprobatórios dos recolhimentos por parte das empresas; (3) não foi apresentada defesa prévia de mérito no procedimento fiscal; (4) não foi apresentado recurso administrativo fiscal; (5) apesar de ter ciência do problema desde abril/maio, o Judiciário só foi acionado às vésperas do Município ter suas verbas bloqueadas. Creio, portanto, estar diante de atos omissivos que, por colocarem em risco a efetividade do sistema de saúde municipal, podem caracterizar improbidade administrativa (art. 1º caput e incisos II, VI, X, XI e XII c/c art. 2º caput e inciso II, todos da Lei nº 8.249/92), bem como, por deixar de recolher contribuição previdenciária na qualidade de responsável tributário, podem tipificar crime de apropriação indébita previdenciária (§1º, II do art. 168-A do CP).

Não se justificaria, assim, o uso do Plantão. Ocorre que, se não analisar este caso, o Município não terá disponibilizadas verbas que se direcionam à saúde. As falhas primárias na gestão municipal atingiriam a camada mais carente da população, que é exatamente aquela que mais se utiliza dos serviços públicos de saúde. Estou convencido, portanto, de que a falta de profissionalismo e a desídia dos gestores municipais, deixando para solucionar os problemas quando não há mais tempo hábil, não pode afetar os cidadãos mais humildes. Assim, excepcionalmente, conheço deste feito em sede de Plantão.

Analiso o mérito do pedido liminar. Creio ser verossímil a alegação de que, pelo menos parte do valor apurado como débito pela Receita foi pago. Não através de retenção da Prefeitura, mas através de recolhimentos efetivados pelas próprias empresas contratadas. E assim afirmo pelo vasto número de guias de recolhimento referentes ao período apurado (fls. 193/334). Memória de cálculos totalizadora de tais valores ora comprovados indica que houve recolhimentos da ordem de R$ 1,3 milhões (fls. 351). É verdade, entretanto, que há cerca de R$ 1,8 milhões à descoberto, mas as guias apresentadas até o momento indicam haver o fumus boni iuris, no sentido de que, se não todo, pelo menos uma parte do débito deve ser cancelado. A seguir, pouco há para falar quanto ao perigo na demora: a perda de verbas para a saúde afeta o princípio constitucional da vida. Por fim, observo que eventual liminar é reversível, pois o débito com o INSS pode ser restaurado a qualquer momento. Presentes, portanto, os requisitos para a concessão da liminar.

Por outro lado, independentemente da probabilidade de que o valor do débito com o INSS tenha sido efetivamente pago pelas empresas contratadas, creio que o fumus boni iuris também resta caracterizado por outro motivo. Explico. A análise desta liminar passa, necessariamente, pelo método de solução de antinomias principiológicas denominado ponderação. No caso, mesmo que efetivada em sede de cognição sumária, há de se efetivar ponderação entre o direito difuso à saúde e o direito difuso ao controle dos gastos públicos (art. 163, I da CR/88 c/c art. 1º, §1º da LC nº 101/00-LRF), em especial no que tange ao equilíbrio financeiro previdenciário (art. 201 da CR/88). Deve-se analisar, também, o princípio da independência dos poderes (art. 2º da CR/88), observando a discricionariedade orçamentária do Executivo. Efetuo, portanto, ponderação entre os três princípios aqui envolvidos. Para tanto, devo manter intocável o núcleo essencial dos mesmos e flexibilizar, in casu, suas "órbitas", cedendo momentaneamente o raio de atuação de cada princípio aqui envolvido, para buscar, de modo tópico, a solução deste caso.

Assim, dou prioridade à defesa do direito difuso à saúde, que na verdade representa corolário do princípio constitucional à Vida. Para tanto, afasto momentaneamente o direito do INSS de negativar o nome do Município em tela, já que tal conduta impediria o recebimento de verbas para gastos com serviços de saúde e verbas do FPM. Não é razoável que o não recolhimento de verbas à previdência gere queda do padrão de serviços difusos de saúde. Destaco, inclusive, a existência de farta jurisprudência do Pretório Excelso sobre a possibilidade de suspensão de negativações de entes federados quando as mesmas gerarem prejuízo à sociedade: AC 1271/AP, AC 1244/PI, AC 1015/DF, AC 659/DF, AC 1084/AP, AC 259/AP.

Não obstante, em contra-partida, devo adotar medida de constrição ao Município. Se assim não o fizer, esvaziarei completamente o princípio do equilíbrio previdenciário e incentivarei a inadimplência estatal. Bastaria que o ente federado alegasse perda de verbas para retirar a eficácia dos institutos de negativação públicos (CADIN e SIAFI). Dessa forma, flexibilizarei o princípio da independência e harmonia entre os três poderes para, dentro do limite necessário e de forma a causar a menor ingerência possível nas políticas públicas, conscientemente invadir a discricionariedade orçamentário-financeira do Município, visando criar garantia real para o futuro pagamento do débito em tela com o INSS.

DECIDO:

Isto posto, DEFIRO LIMINAR NESTE MANDADO DE SEGURANÇA. Como conseqüência, suspendo a exigibilidade dos créditos tributário-previdenciários do Município de Aracruz com o INSS abaixo explicitados e determino que o INSS (ou a RECEITA) expeça Certidão Positiva com Efeitos de Negativa em favor do Município, abstendo-se de efetivar qualquer inscrição do Município em cadastros de negativação públicos (CADIN, SIAFI), desde que não haja outros débitos aqui não questionados.

NFLD

PROCESSO FISCAL

VALOR

37.081.014-7

15582.000181/2007-22

R$ 2.680.184,77

37.081.015-5

15582.000178/2007-17

R$ 437.955,17

Para cumprir esta ordem com a efetividade necessária para evitar o bloqueio de verbas, determino que o Oficial de Justiça de Plantão diligencie, na parte da manhã do dia 26.12.2007, junto ao setor competente do INSS (e se necessário na Receita), determinando que o responsável, no prazo de 02hs (duas horas), expeça a Certidão Positiva com Efeitos de Negativa a favor do Município de Aracruz, constando como suspensa a exigibilidade dos créditos tributário-previdenciários acima. Tal certidão deverá ser recolhida pelo próprio Oficial de Justiça e apresentada, na parte da tarde do mesmo dia, na Secretaria da Vara de Plantão, que intimará o Advogado, por telefone, para retirá-la.

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A seguir, para garantir a execução da dívida com o INSS, DETERMINO A PENHORA de toda a verba orçamentária referente a gastos com publicidade para o ano de 2008 do Município, até o montante do débito total com o INSS acima apontado. Caso a previsão orçamentária anual da rubrica em tela não seja suficiente, a diferença deverá gerar penhora suplementar da verba financeira recebida mensalmente como royalties de petróleo, a contar do mês de janeiro de 2008. Para tanto, in casu, suspendo a vedação do art. 8º fine da Lei nº 7.990/89 (com redação dada pela Lei nº 8.001/90).

Para operacionalizar tal penhora, os valores correspondentes deverão ser acautelados pelo Município em uma conta de provisão contábil-financeira, devidamente escriturada nos demonstrativos da Lei nº 4.320/64 e da LRF e contabilizada em separado, fora do caixa único do tesouro municipal. O numerário deverá permanecer depositado no mesmo banco utilizado pela Prefeitura, em nome dessa, mas em conta-corrente distinta. Fica vedada a movimentação de retiradas em autorização judicial. Nomeio o Prefeito Municipal de Aracruz como FIEL DEPOSITÁRIO pelos valores em tela.

Caso a verba anual referente a gastos com publicidade seja suficiente, tal conta deverá ser "alimentada" mensalmente com o duodécimo financeiro inicialmente destinado aos gastos com publicidade para aquele mês. Caso, por qualquer motivo (anulação de dotação ou déficit financeiro) o duodécimo financeiro dos gastos com publicidade não corresponda ao duodécimo orçamentário, o valor disponibilizado deverá ser suplementado com a verba financeira dos royalties do mesmo mês, ate atingir a previsão de desembolso mensal correspondente para gastos com publicidade.

Caso a verba anual referente a gastos com publicidade não seja suficiente, deverá ser adotado o procedimento acima e a diferença deverá ser suplementada a partir de janeiro de 2008, pelo valor total repassado à municipalidade, a cada mês, à título de royalties, até atingir o valor do débito.

Em função do forte descontrole administrativo na gestão do setor tributário do Município de Aracruz, que, ao que tudo indica, não está sendo gerenciado por funcionário técnico de carreira, fato que pode gerar futuras perdas de verbas estaduais e federais, além de poder tipificar-se como ato de improbidade administrativa (art. 1º caput e incisos II, VI, X, XI e XII c/c art. 2º caput e inciso II, todos da Lei nº 8.249/92) e crime de apropriação indébita previdenciária (§1º, II do art. 168-A do CP), expeçam-se ofícios às instituições abaixo, com cópia do inteiro teor desta decisão, para que tomem ciência dos fatos aqui narrados e adotem as medidas que entenderem cabíveis dentro de suas competências, se for o caso:

- MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

- MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

- TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Intime-se o Prefeito Municipal de Aracruz, na figura do Procurador que patrocina este feito.

Intime-se e notifique-se a autoridade coatora.

Após, à livre distribuição.

Cumpra-se.

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Sobre o autor
Roberto Gil Leal Faria

juiz federal no Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIA, Roberto Gil Leal. Juiz suspende inscrição de dívida de Município pelo INSS e manda garanti-la com verbas de publicidade e royalties. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1640, 28 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16831. Acesso em: 23 dez. 2024.

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