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Julgamento antecipado da lide no processo penal.

Princípio da insignificância

17/04/2008 às 00:00
Leia nesta página:

Sentença que, em julgamento antecipado da lide, julgou improcedente ação penal por furto de um par de tênis usados.

Processo: 2007.01.1.125207-3

Ação : ACAO PENAL

Autor: JUSTICA PUBLICA

Réu: JOSÉ SANTOS BRAZ DOS SANTOS


Sentença

O Ministério Público denunciou JOSÉ SANROS BRAZ DOS SANTOS, devidamente qualificado nos autos, atribuindo-lhe a autoria do crime previsto no art. 155, caput, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, por ter ele tentado subtrair um par de tênis usado da vítima Tânia Maria Dutra Soares.

A denúncia foi recebida em 29 de outubro de 2007, conforme despacho de fls. 43

O acusado não foi interrogado pois, devidamente citado, não compareceu à data aprazada.

Antecipando-se no mérito, o Ministério Público requereu a extinção do processo sem julgamento do mérito (fls. 53/57).

Em seguida, a defesa requereu a extinção do processo, ante a atipicidade da conduta (fls. 58/61).

Brevemente relatado.

PASSO A DECIDIR.

Trata-se de ação penal pública incondicionada, imputando-se ao acusado o crime de furto simples tentado, relativo a um par de tênis usado.

Dispõe o art. 3º do Código de Processo Penal:

"A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito".

Na atual visão do processo penal, tem-se que as garantias do indivíduo devem preponderar sobre o processo formal, sendo necessário, ainda, analisar o escopo final do processo e a utilidade e efetividade do mesmo.

O processo já não tem mais a finalidade unicamente retributiva, devendo ser norteado especialmente pelo escopo ressocializador, baseado ainda no interesse que deve ter também para a vítima.

Em casos de crime de furto, o que se verifica na praxe forense é o total desinteresse da vítima pela continuidade do feito, em situações em que houve a restituição do bem. Por várias vezes ouvi de vítimas, em audiências de instrução, algo tipo "Dra, eu ainda vou ter que vir aqui?", "Eu já perdoei o rapaz, não quero seguir com o feito", "Dra, eu quero retirar a queixa".

Com certeza, esse é um dos casos em que, se fosse designada audiência de instrução, a vítima diria que não tem interesse no prosseguimento, afinal, seu tênis não chegou a ser efetivamente subtraído, não houve violência, nem grave ameaça, não havendo, assim, que se falar em conseqüências para a vítima.

Lamentavelmente, o legislador brasileiro, que tem intensa atividade, ainda não logrou êxito em rever, após estudo minucioso, a sistemática de nossos Códigos Penal e Processual Penal. Com certeza, se o fizesse, tornaria o furto crime de ação penal privada ou, no mínimo, pública condicionada, o que evitaria situações como a presente e ajudaria, em muito, a tornar a Justiça mais célere.

O processo penal é ônus excessivo, muitas vezes bastando por si só para fazer com que o autor do fato se arrependa e se "ressocialize", fato que possivelmente não conseguiria em nossas cadeias públicas.

No caso em apreço, por exemplo, a simples prisão em flagrante do acusado já serviu como desestímulo para outras ações como a presente, cumprindo, provavelmente, as finalidades retributiva e ressocializadora da pena.

Modernamente já não se pensa mais a pena como um puro ato de vingança, mas como instrumento de reeducação e ressocialização do apenado. E é com tal orientação, aliada às inescondíveis condições precárias do sistema penitenciário brasileiro, que se tem admitido a não punição de condutas, em tese subsumidas a determinados tipos penais, mas que, em verdade, não causam verdadeiras lesões ao bem jurídico que se almeja proteger com a tipificação.

Uma das formas de penetração do princípio da insignificância no ordenamento jurídico penal brasileiro está, justamente, no campo da tipicidade. Assim sustenta, dentre outros, Francisco de Assis Toledo.

Com a admissão dos elementos normativos e subjetivos do tipo penal, a tipicidade deixou de ser mera descrição de condutas, permitindo que embora emoldurada em determinada descrição legal se possa reconhecer a atipicidade da ação perpetrada pelo agente.

Nesse sentido, convém transcrever a lição de Maurício Antônio Ribeiro Lopes, na obra Princípio da Insignificância no Direito Penal, Ed. RT, 2º Edição, p. 117/118:

"O juízo de tipicidade, para que tenha efetiva significância e não atinja fatos que devam ser estranhos ao Direito Penal, por sua aceitação pela sociedade ou dano social irrelevante, deve entender o tipo, na sua concepção material, como algo dotado de conteúdo valorativo, e não apenas sob seu aspecto formal, de cunho eminentemente diretivo.

Para dar validade sistemática à irrefutável conclusão político-criminal de que o Direito Penal só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas, é preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca insignificância para a vida em sociedade."

Nessa esteira, o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, quando do julgamento da APELAÇÃO CRIMINAL 19980810007997APR DF, entendeu, a contrario sensu, que se pode ter como insignificante o estelionato envolvendo valor inferior ao do salário mínimo vigente, o que ocorreu no presente caso.

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O fato apurado nos autos revela-se de menor importância, se considerarmos que a tutela jurídico-penal restringe-se a bens de maior relevância. Nesse passo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm recepcionado o princípio da bagatela, acolhendo-o o colendo STJ, como excludente da tipicidade.

Como se vê, a tentativa de subtração não adentrou a uma esfera que pudesse abalar a ordem e segurança jurídica, não havendo que se falar em significância ou em ofensividade da conduta praticada pelo acusado.

Nesse sentido, colhe-se a preciosa lição jurisprudencial, in verbis:

"EMENTA. RHC - CONSTITUCIONAL - PENAL - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - habeas corpus DE OFÍCIO- O habeas corpus por seu procedimento não comporta investigação probatória. O fato deve projetar-se isento de dúvida. concede-se, todavia, hc de ofício, caracterizada a pequenez do valor do furto. princípio da insignificância. o resultado (sentido jurídico ou penal) deve ser relevante, quanto ao dano, ou perigo ao bem juridicamente tutelado. De minimis non curat praetor. modernamente, ganha relevo o princípio da insignificância. o delito (materialmente examinado) evidencia resultado significativo. Deixa de sê-lo quando o evento é irrelevante. não obstante conclusão doutrinária diversa, afirmando repercutir na culpabilidade, prefiro tratar a matéria como excludente da tipicidade, ou seja, o fato não se subsume à descrição legal. ( STJ - RHC 4311 - RJ - 6 Turma, Relator Luiz Vicente Cernichiaro. publicado no DJU 19.06.95, PÁG.18.751).

Assim, ao invés de se proceder à regular instrução processual, deve ser aplicado analogicamente o julgamento antecipado da lide, como dispõe o Código de Processo Civil em seu art. 330, in verbis:

"o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferido em sentença: I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência".

O não atendimento às condições da ação é causa suficiente de rejeição da denúncia conforme o inciso III do art. 43, do Código de Processo Penal, sendo certo que o interesse de agir não deve ser analisado somente quando da propositura da ação penal, mas em todo o seu curso, sendo possível, em outras palavras, a falta de interesse de agir superveniente.

Cito, nesse passo, decisão proferida na Justiça Federal em Sergipe da lavra do eminente Juiz Federal Ricardo Mandarino, que me inspirou a análise da questão:

"Processo nº 2001.85.00.3835-8/SPCr - Classe 07000 - 1ª Vara.

Ação: Penal.

Autor: Ministério Público Federal.

Réu: G.G.P.

Penal e Processual Penal. Estelionato. Julgamento antecipado da lide. Possibilidade, quando se tratar de hipótese de absolvição do réu. "

Posto isso, promovo o julgamento antecipado da lide, para julgar improcedente a pretensão punitiva deduzida na inicial e absolver JOSÉ SANDRO BRAZ DOS SANTOS, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

Sem custas.

Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se como de costume.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília/DF, 15 de abril de 2008.

GEILZA FÁTIMA CAVALCANTI DINIZ

Juíza de Direito Substituta

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Julgamento antecipado da lide no processo penal.: Princípio da insignificância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1751, 17 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16845. Acesso em: 23 dez. 2024.

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