Cuida-se de artigo dando conta da declaração de nulidade, pelo Superior Tribunal de Justiça, de decisão judicial genérica que recebeu denúncia ofertada pelo Ministério Público. Citado para os fins do art. 396-A, do CPP, o réu arguiu preliminares de mérito que em tese acarretariam a rejeição da peça acusatória ou até mesmo sua absolvição sumária. No entanto o magistrado a quo deu prosseguimento ao feito sem a análise aprofundada das questões levantadas pela defesa. O Tribunal entendeu a declaração de nulidade era de rigor, dada a inexistência de fundamentação.
É importante esclarecer que nesta fase processual a denúncia será rejeitada (coisa julgada formal – art. 395, CPP) caso sejam acolhidas questões de Direito Processual ou será o réu absolvido sumariamente (coisa julgada formal e material – art. 397 CPP) caso ventilados aspecto de direito material.
Em que pese tratar-se de decisão judicial sujeita ao comando do art. 93, IX, da Constituição Federal, é comum no dia-a-dia forense o recebimento de denúncia sem que o magistrado sequer se dê ao trabalho de analisar as alegações da defesa. Não raras vezes o despacho de recebimento é bastante sucinto, limitando-se a argumentar que “as alegações da defesa não tem o condão de ilidir, de plano, a peça acusatória”, ferindo de morte os princípios da Ampla Defesa e do Contraditório.
Na magistério de Nestor Távora, com relação à decisão que recebe a denúncia:
“Por sua importância, não podemos nos furtar em reconhecer que se trata de autêntica decisão judicial (interlocutória simples), e por força do art. 93, inciso IX da Constituição Federal, obrigatoriamente deve ser fundamentada. Não há de se exigir uma fundamentação detalhada e profunda, afinal estamos no início do processo, e o magistrado não pode antecipar o juízo de mérito acerca da lide, uma vez que a instrução probatória ainda está por vir, contudo, demonstrar, em objetiva fundamentação, que vislumbra os requisitos do art. 41 do CPP, e a contrario sensu, do art. 395, é, em última análise, o mínimo que deve fazer para atender ao mandamento constitucional.” (Curso de Direito Processual Penal, p. 203, Ed. Juspodivm, 2013) (grifo nosso)
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça, de maneira acertada, deferiu medida liminar para anular decisão de recebeu denúncia sem sequer analisar as teses defensivas:
“Consoante jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, a decisão denegatória de absolvição sumária deve ser devidamente fundamentada, enfrentando as teses de defesa relevantes e urgentes argüidas na resposta à acusação.” Assim, nesse contexto, resta evidenciado o periculum in mora, diante da possibilidade de constrangimento ilegal. Ante o exposto, considerando que presentes os requisitos autorizadores da concessão de medida urgente, defiro a liminar para suspender o ato processual designado para 25/05/15. Comunique-se, com urgência, a 28ª Vara Criminal de São Paulo, sede da ação penal originária, encaminhando-lhe cópia desta decisão. Publique-se (STJ, RHC 54782 SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJE 26.05.2015) (grifo nosso)
Em igual sentido, o Ministro Luis Fux, do STF, em recente julgamento, asseverou que o magistrado não deve analisar de maneira aprofundada todas as teses da defesa sob pena de indevidamente adentrar no mérito. Entretanto, ao Juiz não é dado despachar de forma genérica, alegando simplesmente a ausência de quaisquer das hipóteses do artigo 397, CPP, como fundamentação para recebimento da denúncia.
Nos dizeres do Ministro, o magistrado não deve eximir-se da incumbência de enfrentar questões processuais relevantes e urgentes, pois, a inauguração do processo penal, por representar gravame ao “status dignitatis”, deve, sim, ser motivado.[1]
Como visto, a fundamentação simplória de recebimento da exordial acusatória colide com princípios basilares estabelecidos na Constituição Federal, tais como ampla defesa, contraditório e dignidade da pessoa humana. Além do mais, submeter desnecessariamente o réu aos males de uma Ação Penal é afrontar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, razão pela qual endossamos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
[1] STF, HC 133706/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 05.04.2016