Pl3880/2012:dano social

Altera a redação dos arts. 186 e 944 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil

23/06/2016 às 19:32
Leia nesta página:

Determina que comete ato ilícito, aquele que cause dano material ou social a outrem e estabelece que o juiz pode aumentar a indenização por dano com o intuito de atingir a função punitiva e pedagógica.

Art. 1º Altera-se a presente redação do artigo 186 e 944 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, com a seguinte redação:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ouimprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente material,moral ou social, comete ato ilícito.”

“Art.944.A indenização mede-se pela extensão do dano em todos os seus aspectos, seja ele moral, material, estético ou social.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização ou aumentá-la com o intuito de atingir a função punitiva e pedagógica da indenização.

”Art.2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Câmara dos Deputados, 26 de Abril de 2012

O presente projeto de lei é fruto do estudo acurado e minucioso da advogada Cristiana Maia.

Com o intuito de colaborar com o aprimoramento do nosso arcabouço jurídico é que fizemos questão de o apresentar. Dessa forma, segue a justificativa.

Entendemos que a reparabilidade do dano deve ser vista de uma forma tripartida. Ou seja, o Dano poder-se-ia dividir em Material, ou patrimonial, quando atinge um bem de ordem externa do indivíduo, passível de quantificação matemática; Moral, ou extra-patrimonial, quando atingir um bem da ordem intrínseca do individuo, e por sua natureza ser somente passível de arbitramento, na tentativa de atingir uma compensação e não um ressarcimento; e por fim, no Dano Social , o qual pode ser definido como sendo um dano auferido a toda a sociedade, pelo cometimento de um ilícito que acarreta no movimento da máquina jurídica recorrentemente. Este dano se justifica, pois quando há a ocorrência de um dano este, em regra, transcende a esfera pessoal do ofendido, vindo a atingir a esfera social, que também deve ser ressarcida, conforme prevê o artigo 186, 187 e 944 do CC c/c 5º, X da CRFB.

Essa teoria de tripartição da reparabilidade do dano, defendida com esse projeto de lei, é uma tentativa de solucionar a problemática da reincidência dos ilícitos e desafogar o judiciário além de possibilitar a real aplicação das três funções da indenização defendidas pelo STF, mas não aplicada de forma contundente nos tribunais:

(...) A extensão do Dano Moral sofrido, é que merece ser fixado guardando proporcionalidade não apenas com o gravame propriamente dito, mas levando-se em consideração também suas conseqüências, em patamares comedidos, ou seja, não exibindo uma forma de enriquecimento para o ofendido, nem, tampouco, constitui um valor ínfimo que nada indenize e que deixe de retratar uma reprovação à atitude imprópria do ofensor, considerada a sua capacidade econômico-financeira. Ressalte-se que a reparação desse tipo de dano tem tríplice caráter: punitivo, indenizatório e educativo, comoforma de desestimular a reiteração do ato danoso.[STJ, Ministro MASSAMI UYEDA, 26/05/2008–AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº1.018.477-RJ (2008/0039427-3]

Apesar do STF ter aceitado a teoria de que a indenização por Danos Morais deveria se pautar em três funções (compensatória, punitiva, pedagógica), sua aplicação prática não coaduna com a teoria. O que se tem é a mitigação da função punitivo-pedagógica da indenização por danos morais nos tribunais brasileiros, sob a justificação que o arbitramento de um quantum excessivo acarretaria no enriquecimento sem causa por parte da vítima e incentivaria a chamada “indústria do Dano Moral”, sem no entanto repararem no enriquecimento sem causa que é gerado ao causador do dano ao se aplicar esse pensamento.

A criação dos critérios para a valoração do Dano Moral em seus três aspectos gerou na prática o esvaziamento da eficácia das sentenças e da razão de ser do provimento jurisdicional, além de ter acarretado em diversas anomalias jurídico–econômicas, aumentando a morosidade judicial e desvalorizando o judiciário Brasileiro.

Tal situação escancara-se no âmbito consumerista, onde as empresas em vez de melhorarem o atendimento perante os clientes simplesmente fazem um “fundo” para eventuais problemas judiciais no quais já se tem um teto estabelecido e pesquisado das condenações e ofertas possíveis de acordos.

É sabido por todos que no anseio pelo lucro imoderadamente, alguns fornecedores deixam de investir em mecanismos de prevenção e controle de qualidade mais rigorosos sobre os serviços prestados, bem como colocam no mercado produtos de qualidade inferior ou que não atendem a determinados padrões de segurança, calculando que muitas vitimas de danos decorrentes de fato do produto ou do serviço deixam de ir a juízo, por razões variadas, que vão da dificuldade em identificar o responsável pelo dano à falta de disposição para enfrentar um processo judicial, com seus gastos, retardamentos e todas as suas vicissitudes. Desta forma preferem arcar com a reparação de danos causados aos consumidores, na certeza de que os valores indenizatórios serão sempre muito inferiores ao investimento que teriam de realizar para o aperfeiçoamento de seus produtos e serviços. Seguindo esse “raciocínio estritamente econômico”, os fornecedores passam a pautar-se no resultado de uma relação custo/benefício do seu comportamento em detrimento da lei e do direito alheio.

Sob essa ótica, os tribunais vêm se manifestando pela necessidade da aplicação do caráter punitivo do Dano de forma separadado Dano Moral, como se pode ver no voto do magistrado Dimas Carneiro, em acórdão no qual se analisavam os danos causados a consumidor por utilização de documentos falsos para abertura de conta-corrente:

“A apelada tornou-se vítima da sua própria negligência consistente em não manter em seu quadro funcional pessoas mais atentas ao exame da documentação daqueles que negociam com a empresa cuja boa organização é sua obrigação. As empresas, por motivo de economia, insistem em negligenciar a qualidade da sua própria organização, considerando que é mais dispendioso melhor se organizar do que pagar eventuais e parcas indenizações às vítimas dos incidentes frutos desse raciocínio empresarial draconiano que somente se inverterá quando sofrerem conseqüências mais drásticas no campo indenizatório. O valor indenizatório por Dano Moral deve atender os elevados objetivos reparatórios e profilático que lhe cabe cumprir.” [TJSP-Apelação nº994.09.275124-2 (voto º9325)-7ª CDPriv.-j.10.02.2010]

Igualmente, o Douto Juiz de Direito Alexandre Leite, complementa tal explanação em sua sentença meritória no qual se analisavam os danos causados a consumidor por má prestação de serviço de telefonia:

“Independentemente de cumprirem, ou não, a lei, importam-se, apenas e tão-somente, com o lucro. Enfim, se o ato (comissivo ou omissivo) lhe gerar vantagens financeiro-econômicas, a violação à lei será preocupação transportada a segundo plano. É o que ocorre com os atendimentos, todos, das operadoras. Em resumo, a transferência do problema para o Judiciário é mais vantajosa economicamente do que a contratação de pessoas hábeis e habilitadas a resolver as questões e os vícios de suas próprias atividades. Como se sabe também, o custo para a contratação de pessoal, seu treinamento e manutenção em número e capacidade suficientes para atender a demanda é extraordinariamente maior do que as condenações judiciais que lhes são impostas. A realidade, assim, é dura, mas é a realidade: os juízes passaram a atuar como se funcionários dos SAC’S fossem, e o Judiciário,quase um órgão dos conglomerados econômicos, ainda que independente, com o diferencial da indenização (multa proveniente da condenação). Enfim,como resta claro, hoje, os Juízes e o Judiciário não trabalham para os jurisdicionados, mas, sim, para solucionar problemas, próprios, dos conglomerados econômicos. ” [TJRJ-Petrópolis Autos nº 2009.042.031980-0-Sentença de 1º grau: Juiz Alexandre Leite]

O magistrado ainda destaca a necessidade de valorização da função jurisdicional, de modo a afastar essas perspectivas reais de que se submeter às condenações é mais vantajoso do que adequar-se a lei. No mesmo sentido, o. Desembargador Marco Antônio Ibrahim, do TJRJ, cita,em artigo intitulado: “Direito ao respeito:indenização baixa estimula o abuso eirresponsabilidade”, esclarece que a indenização estipulada em patamares diminutos, na realidade, só estimula o abuso aos direitos:

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Infelizmente, o pesadelo do enriquecimento sem causa tem justificado de parte de alguns Tribunais brasileiros, tendência em fixar tais indenizações em patamares irrisórios, verificando-se, em certos casos, até uma certa uniformidade, como pode revelar a mais singela das amostragens. Com isso,resta fragilizado o aspecto punitivo das indenizações e seu correlato caráter educativo e desestimulante da prática de novos ilícitos. Pois esta exegese conservadorado Princípio da Razoabilidade das indenizações por danos morais é um prêmio aos maus prestadores de serviços, públicos e privados. O que se reclama é uma correção do desvio de perspectiva dos que, à guisa de impedir o enriquecimento sem causa do lesado, sem perceber, admitem o enriquecimento sem causa do causador do dano.[IBRAHIM, Marcos Antonio.Direito ao respeito: indenização baixa estimula o abuso e irresponsabilidade,In: Revista Consultor Jurídico, 20 de maio de 2001, disponível em: http://www.conjur.com.br/2001-mai-20/indenizacao_baixa_estimula_abuso_irresponsabilidade (acessado27/04/2012)]

A verdade é que a timidez do juiz ao arbitrar essas indenizações em patamares mínimos resulta em mal muito maior que o fantasma do enriquecimento sem causa do lesado, pois faz crescer o sentimento de impunidade. A efetividade do processo judicial implica fundamentalmente na utilidade e adequação de seus resultados.

Tem-se, na realidade, que o Dano, em seu caráter sancionatório possui um cunho de proteção social, expressado inclusive no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 6º, inciso VI, que estabelece como um direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, bem como a defesa dos interesses coletivos e difusos.

Desta forma, acreditamos na necessidade da aplicação das chamadas “funções sociais da indenização por Dano”, porém não da forma que vem sendo aplicada, visto que desta forma,normalmente, gera o enriquecimento sem causa de uma das partes, quando não da vítima, do ofensor ao pagar valores inexpressivos, sob o argumento de não incentivo a “indústria do Dano Moral”.

O caráter ressarcitório seria destinado à reparação do Dano Material, o caráter compensatório, ao Dano Moral, e o caráter punitivo, ao Dano Social. Tal distinção é de suma importância visto que o Dano Moral está intimamente ligado ao patrimônio personalíssimo da vitima, não cabendo misturar com o dano causado a coletividade.

Acreditamos que com a tripartição do dano tal separação possa ser aplicada de maneira mais ampla, sem gerar o tão temido “enriquecimento sem causa” da vítima, tão combatido pela jurisprudência brasileira, mesmo quando a vantagem econômica do fornecedor fosse verificada a olhos vistos diante das posturas e atitudes tomadas em relação a todos os consumidores.

Assim as condenações, atingiriam seus objetivos, isto é o valor relativo ao Dano Moral (compensatório) e material (reparatório) seria o justo a ser concedido à vítima; o valor relativo ao conteúdo punitivo seria suficiente a evitar repetição de condutas ilegais, capazes de gerar lucros aos causadores do dano, bem como ressarciria a sociedade por todo o dano a ela causado.

Diante destas argumentações, solicitamos aos nobres pares a aprovação desta matéria.

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Sobre a autora
Cristiana Campos Mamede Maia

Advogada, Sócia do Garcia Abreu Advogados Associados e Pesquisadora da FGV-Rio; Pós-Graduada em: Direito Público pela Escola de Magistratura do Rio de Janeiro - EMERJ (2016); em Direito do Estado e Regulação pela Fundação Getúlio Vargas-FGV/Rio (2013); Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes- IAVM (2010); Especialista em Direito Imobiliário pela Universidade Candido Mendes-UCAM (2008); Bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes-UCAM (2011).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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