PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LATROCÍNIO COMETIDO POR APENADO SUBMETIDO À TORNOZELEIRA ELETRÔNICA. EVIDÊNCIAS INSUFICIENTES DE OMISSÃO ILÍCITA DO ESTADO. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL.
Solicita-se parecer sobre a possibilidade de pedido de indenização contra o Estado para parentes de vítima do crime de latrocínio cometido por apenado que estava sendo monitorado por tornozeleira eletrônica, cumprindo pena de furto, roubo e receptação. É o relatório, passa-se ao opinativo.
É importante observar inicialmente que a responsabilidade civil do Estado, a sua obrigação em indenizar, é delimitada por elementos fáticos essenciais, quais sejam: uma conduta ou atuação lesiva, a ocorrência do dano a terceiro, e o nexo causal entre a conduta e o dano. Em que pese a doutrina administrativista adentrar em maiores especificidades nos casos de falhas na prestação de serviços e de condutas omissivas de entes públicos, a jurisprudência dos tribunais pátrios deu maior ênfase aos elementos essenciais citados acima em litígios envolvendo crimes cometidos por detentos em ambientes externos às acomodações prisionais, em que se alega a omissão estatal frente a um problema de segurança pública, como na situação deste parecer.
O ponto central para as delimitações jurisprudenciais sobre o assunto está em estabelecer o limite entre a existência e o rompimento do nexo de causalidade, o que por fim definirá ou não a fixação do dano indenizável pelo Estado. Desse modo, alguns precedentes paradigmáticos são:
O cometimento de crime por condenado submetido a regime prisional aberto e que pratica recorrentemente a falta grave de evasão sem a devida regressão de regime configura o nexo de causalidade pela omissão na correta aplicação da Lei de Execução Penal; (STF, RE 409203 RS, Segunda Turma, 7 de março de 2006, Relator Min. CARLOS VELLOSO)
A inércia policial diante de fugitivo contumaz e o consequente latrocínio cometido em um curto espaço de tempo desde a última fuga caracteriza suficientemente o nexo de causalidade; (STF, Ag. Rg. no RE 573.595-8 RS, Segunda Turma, 24 de junho de 2008, Relator Min. EROS GRAU)
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O Superior Tribunal de Justiça, apesar de não dar prosseguimento ao Recurso Especial por implicar no reexame dos aspectos fáticos-probatórios, não encontrou óbice na conclusão firmada pelo tribunal de origem de que o cometimento de latrocínio por foragido há quase um mês do regime semiaberto, sem qualquer tentativa de recaptura, configurava o nexo de causalidade. (STJ, Ag. Rg. no AREsp 622.202 RR, 06 de outubro de 2015, Relatora Min.(a) ASSUSETE MAGALHÃES)
É notório que o contexto de cada caso, ainda que o criminoso esteja submetido a regime distinto do fechado, é substancial para a existência do nexo causal, o qual é aferido mediante critérios como os antecedentes de descumprimento pelo apenado das regras do regime prisional e a negligência do ente público em aplicar medidas cabíveis à situação.
Nesse contexto, é possível identificar outros precedentes que corroboram com este ponto e que delimitam, ao contrário dos anteriores, o rompimento ou a inexistência do nexo de causalidade, indeferindo o provimento de reparação civil pelos entes públicos. São eles:
O Superior Tribunal de Justiça confirmou a tese do tribunal de origem de que, “estando os acusados fora do presídio por saídas e regime legalmente autorizados, não há que se falar em falha do serviço e em dever de indenizar”; (STJ, REsp 1705106 MG, Decisão Monocrática, 2017, Relatora Min.(a) REGINA HELENA COSTA)
Inexiste “a responsabilidade civil do Estado pelos danos (...) decorrentes de homicídio cometido por apenado em regime semiaberto durante sua jornada de trabalho em estabelecimento comercial situado fora do complexo penitenciário. (...) A fuga do condenado ocorreu posteriormente ao crime.”. (TJ-DF, APC 0004922-44.2012.8.07.0018 DF, 6º Turma Cível, 26 de março de 2014, Relator VERA ANDRIGHI)
Portanto, resta evidente, conforme a jurisprudência, que não há um nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do ente público quando este agiu regularmente e conforme os ditames legais na custódia do criminoso, ainda que distinta do regime fechado, e assim caberá uma análise individualizada do caso para que se encontre elementos razoáveis que indiquem uma omissão negligente do Poder Público.
Conforme o exposto, visto que as informações da situação em questão são apenas que o criminoso era monitorado por tornozeleira eletrônica, sendo esta violada somente após o cometimento do latrocínio, não há evidências suficientes para caracterizar o nexo causal entre o dano sofrido pelos parentes da vítima e uma omissão estatal ilícita. Sendo assim, é-se desfavorável ao pedido de indenização por responsabilidade civil do Estado. É o parecer.