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Habeas data para retificação de informações do cadastro do SERASA

01/03/2000 às 00:00

Resumo:


  • O Ministério Público Estadual propõe a procedência total da ação de "habeas data" para retirar informações restritivas dos cadastros da Serasa sobre a pendência bancária do impetrante.

  • O parecer ministerial destaca que a legislação permite a retificação, exclusão e cancelamento de dados indevidos nos cadastros, incluindo a possibilidade de anotação de contestações ou explicações.

  • O Ministério Público requer a imposição de multa diária à impetrada, caso não cumpra a ordem de retirar as informações restritivas dos cadastros, e destaca a importância do direito à informação correta e completa nos bancos de dados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Parecer ministerial em habeas data impetrado para que o SERASA seja compelido a retirar o nome do impetrante do cadastro de inadimplentes.

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da 6ª Vara Civil da Comarca de Campo Grande, Mato Grosso do Sul:

Ref. Proc. nº 99.0018664-8

HABEAS DATA

Impetrante: ALFREDO BARACATI JOSÉ SALOMÃO

Impetrada: SERASA – CENTRALIZAÇÃO DE SERVIÇOS DOS BANCOS S.A.

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo seu órgão de execução, a Promotoria de Justiça do Consumidor da Capita, vem, em atendimento ao despacho de f. 69 exarar seu parecer, o que faz da forma que abaixo segue.


I. Breve histórico da causa:

Trata-se de "habeas data" impetrado por Alfredo Baracati José Salomão, com pedido de antecipação da tutela, com o fim de que a Serasa seja obrigado a retirar o nome do impetrante dos bancos de dados mantido por ela.

Narra a inicial que, com o fim único de forçar o pagamento de dívida de terceiro, o nome do impetrante foi registrado nos cadastro do impetrado de forma duplicada. Uma, em virtude de existir contra si, na qualidade de avalista, uma ação de execução. Outra, em relação ao mesmo débito objeto da execução, sob o fundamento de existir "pendência bancária".

Entende o impetrante que a anotação de existência de pendência bancária dele para com o banco Bamerindus não se justifica, porque a própria norma do impetrado proíbe a negativação do nome do devedor quando existir bens penhorados para garantir o juízo. Além do mais, afirma que ele não é devedor, mas um mero avalista, o que demonstra a incorreção do registro feito pelo impetrado.

Diz, ainda, que esse registro constitui-se em abuso e lhe está causando injustificável prejuízos.

Citou normas legais que obrigam os serviços de proteção ao crédito manter informações verdadeiras sobre o consumidor e que dão o direito ao consumidor de exigir a imediata correção de dados errôneos. Mencionou também decisões judiciais que determinaram a imediata exclusão do nome das pessoas que sofreram negativação injusta.

Afirma, também, que as normas internas que regem as atividades da requerida impõem-lhe que regularize a situação do consumidor executado que tenha proposto embargos à execução ou oferecido penhora. Diante disso conclui que: "Com efeito, se informa que não se pode negativar os devedores, e o Autor é apenas avalista, no caso de haver embargos e penhora não poderia, sequer, ter lançado o nome do Autor em seus cadastros e, muito menos, recusar-se a retirá-lo."

Finaliza dizendo que o "habeas data" é o remédio correto para retificar, excluir os dados errôneos existentes nos cadastro da Serasa em relação à sua pessoa.

Ao despachar à f. 33, o juiz dispôs que a liminar seria apreciada após a contestação.

          Ao prestar as informações, a impetrada não negou que mantém duplicidade de informações negativas em relação ao impetrante e justificou esse proceder dizendo que:

  1. em relação a existência de execução
  2. - a partir do advento da Lei 9.507/97 superado ficou o entendimento anterior de que dívida sub judice não teria amparo legal para figurar nas anotações cadastrais de empresa de proteção de crédito; e
  3. quanto a existência de pendência bancária
  4. – "a partir dessa data será averbado ao pé da informação negativa a circunstância dela estar em discussão judicial".

Afirma, ainda, que não faz sentido o pedido de condenação da impetrada no pagamento dos honorários advocatícios, por ser o "habeas data" gratuito.

Diz, também, que sua atividade é lícita e legal e que ela não cria fatos.

          Ao se manifestar sobre as informações prestadas, o impetrante relembrou que o HD foi proposto em razão de a impetrada estar mantendo em seus cadastros uma anotação de "pendência bancária" contra ele. Disse ainda que a anotação relativa ao processo judicial já foi retirada dos bancos de dados da impetrada.

Afirmou mais. Afirmou que: a partir do ajuizamento da ação, deixa de existir a pendência bancária, para existir a ação, pelo que não justifica a continuação da primeira anotação; não procede o entendimento da Serasa de que ela não tem responsabilidade sobre os dados que mantém devido o fato de que ele não colhe dados, mas apenas recebe dos bancos; o impetrante não é o devedor da famigerada "pendência bancária", posto que é apenas avalista e que os seus bens já foram excluídos da penhora, por força de embargos de terceiro interposto por sua esposa, já que o devedor tem bens suficientes para garantir o juízo.


II) Do parecer ministerial propriamente dito:

          A) Aspectos gerais da causa:

A medida reclamada é objeto, sem dúvida, de habeas data, mesmo porque, no dizer de JOSÉ AFONSO DA SILVA, o objeto do habeas data é a "proteção da incolumidade dos dados pessoais do impetrante", o que, induvidosamente, está buscando o autor com a medida impetrada.

O que poderia causar alguma dúvida, no presente caso, é se o remédio proposto é hábil para excluir dados indevidos existentes nos cadastros do impetrado, já que a lei fala em retificar dados. Essa dúvida não procede, já que na ação de retificar dados inclui também a de excluir, suprimir e cancelar dados. JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, em seu artigo "O Habeas Data Brasileiro e Sua Lei Regulamentadora(1)", acaba por espancar de vez essa dúvida, ao dispor:

"Observe-se que a Lei nº 9.507 ampliou em certa medida o âmbito do remédio previsto no art. 5º, nº LXXII, da Constituição da República. Só se refere esse dispositivo ao "conhecimento de informações" (letra a) e à "retificação de dados" (letra b). O legislador ordinário aditou uma terceira possibilidade: a da anotação, nos assentamentos da entidade ou órgão, da "contestação ou explicação" do interessado. Por via indireta, alargou a franquia constitucionalmente deferida: não se reconhece apenas um direito ao conhecimento de dados ou à retificação dos inexatos, mas também à anotação de contestações ou explicações. Sublinhe-se que anotar contestação ou explicação não é o mesmo que retificar dado constante do banco ou registro: na retificação modifica-se (ou, eventualmente, CANCELA-SE) algo; na anotação acrescenta-se algo ao que consta do banco ou registro."

No mesmo sentido, Celso Ribeiro Basto sustenta, à vista do texto constitucional, que a locução "retificação de dados" devia "ser entendida amplamente para incluir a própria supressão quando se tratar de informações pertinentes à vida ínfima da pessoa" (2).

Em realidade, o impetrante busca exatamente a cancelar, suprimir dados inidôneos sobre sua pessoa existentes no cadastro da impetrada, o que é, como já dito, perfeitamente possível através de HD.

Todos os requisitos previstos na Lei nº 9.507, de 12 de novembro de 1997, estão presentes. A petição inicial preenche as exigências feitas pelos artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil e, pelo que consta, já que a impetrada nada disse em contrário, a exordial foi apresentada em duas vias, ambas instruídas com os mesmos documentos.

Embora não exista prova de que a medida extrajudicial, arvorada pelo legislador em pré-requisito da admissibilidade da ação de habeas data, tenha sido tomada pelo impetrante, este dá conta, à f. 03, parágrafos 4º e 7º, de que a impetrada recusou-se "a fornecer a documentação por escrito" e a "retirar uma anotação de pendência contra" ele, o que evidencia que ele tomou as medidas extrajudiciais pertinentes, mesmo porque, se assim não o tivesse feito, a requerida teria levantado, em preliminar, tal óbice para o prosseguimento válido do processo.

          Esse juízo é o competente para julgamento da medida impetrada, nos termos dos artigos 20, I, letra "f", da Lei 9.507/97 e 93, I, do Código de Defesa do Consumidor c.c. o artigo 6º, VIII, do mesmo códex.

          Há legitimação ativa e passiva para a causa. O impetrante está utilizando o "habeas data" para retificar (excluir, cancelar, suprimir) informações que dizem respeito a sua pessoa e a impetrada mantém em seus cadastros dados do impetrante para transmitir a seus clientes, mediante pagamento mensal. Não tendo nenhuma procedência a infantil tentativa da requerida querer jogar sua responsabilidade para terceiro. Afinal, quem colhe os dados, mantém em banco de dados e os fornece a terceiro é ela própria e não os bancos, seus clientes, que a pagam para colher e lhes fornecer as informações.

O direito a informações corretas e completas constantes em bancos de dados de caráter público é um direito fundamental e diz respeito direto ao direito a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Valores estes que não podem ser desrespeitados por mero interesses econômicos dos mantenedores desses cadastros e de banqueiros sequiosos de fazer justiça com as próprias mãos, praticando o crime de cobrança abusiva e vexatória.

Assim, anotações em duplicidade, informações deficientes e errôneas, restrições de crédito a quem está discutido débitos em juízo ou que tenha medidas judiciais contra si, sem trânsito em julgado, ou que sejam meros avalistas são alguns exemplo de abusos que a Constituição da República Federativa do Brasil e a lei não admitem que sejam tomadas contra o cidadão e o consumidor.

Na verdade, a atitude da demanda é fruto de dupla ganância econômica. Dela que procura colher e manter a maior quantidade de dados possíveis, sejam eles verdadeiros ou não, para poder vendê-los, a alto preços, aos seus clientes, os bancos. E ganância destes últimos que, em conluio com aquela, procuram coagir, de toda forma, o consumidor a pagar valores abusivos a eles impostos pelo selvagem e usurário sistema financeiro. A discussão da dívida em juízo, seja por ação proposta pelo devedor, com o fim de pagar o valor devido, seja por execução proposta pelos bancos, não interessa ao sistema, posto que, em qualquer hipótese, há chance de o devedor pagar tão somente o que é justo e não os absurdos que os banqueiros usurários cobram. Daí o porque do uso de outros meios de coação, para que a pobre vítima não use seu direito constitucional de ação e pague, de imediato, os absurdos exigidos.

          B) Do mérito da questão:

O "HABEAS DATA" busca excluir dos cadastros mantidos pela Serasa uma anotação de "pendência bancária" contra o impetrante.

A medida há de ser deferida, dado que o impetrante não tem pendência alguma para com o banco HSBC Bamerindus e uma vez existindo a execução com penhora de bens do devedor principal capaz de garantir o pagamento da dívida, não há porque manter restrições contra o avalista.

Mesmo entendendo que as anotações da Serasa é justamente para forçar o pagamento da dívida, a continuação da anotação contra o impetrante não tem sentido algum, posto que a questão já está sub judice e a dívida está garantida pela penhora feita.

Mesmo que se imagine que a restrição sirva para proteção do sistema financeiro contra maus pagadores, qual o sentido dessa restrição feita ao avalista que, em momento algum, deu calote no banco credor? Em que a proteção do crédito se beneficiará com a restrição suprareferida?

A manutenção da anotação de pendência bancária em nome do demandante só servirá para lhe causar maiores danos morais e econômicos.

Não tem sentido algum a afirmação da impetrada de que a partir do advento da Lei 9.507/97 superado ficou o entendimento anterior de que dívida sub judice não teria amparo legal para figurar nas anotações cadastrais de empresa de proteção de crédito. Prova da improcedência da afirmação é a decisão proferida pelo STJ, no dia 03/11/98, bem depois da entrada em vigor da lei mencionada, e citada pelo impetrante à f. 06-07 dos autos.

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A manutenção de informações depreciativa contra consumidor quando a dívida está sendo discutida em juízo vai diretamente contra o princípio constitucional do direito de ação, posto que tal medida busca forçar o consumidor a pagar o que lhe é cobrado pelos bancos sem qualquer análise prévia e discussão no Judiciário, onde será pago o devido. Assim, essa prática constitui-se em prática condenada pelo Código de Defesa do Consumidor, posto que o artigo 71 prevê como crime as cobranças vexatórias e constrangedoras.

Disse bem o impetrante, ao afirmar que a partir do ajuizamento da ação, deixa de existir a pendência bancária, para existir a ação, pelo que não justifica a continuação de anotação relativa a existência de pendências. Principalmente no presente caso em que as normas internas do Serasa, como bem afirmou o demandante, impõem-lhe que regularize a situação do consumidor executado que tenha proposto embargos à execução ou oferecido bens à penhora.

Ora, se o próprio devedor deve ter seu nome excluído dos bancos de dados da impetrante quando oferece bens à penhora ou quanto interpõe embargos, o que se dirá da situação em que a dívida está garantida por penhora e o avalista ingressou com embargos de terceiro, em razão do que seus bens foram disponibilizados? Dessa forma, tanto o lançamento do nome do avalista nos cadastros de mau pagador quanto a recusa de retirá-lo de lá são indevidas, abusivas e ilegais.

          Apesar das arbitrariedades praticadas contra o impetrante, a impetrada ainda tem o desplante de afirmar que sua atividade é lícita e legal. A atividade dela somente seria lícita e legal se ela avisasse previamente o consumidor do lançamento do nome dele em seu cadastro (artigo 43, § 2º, do CDC), se não mantivesse nem transmitisse informação capaz de denegrir a imagem das pessoas e se, prontamente, corrigisse, suprimisse e fizesse as anotações devidas a respeito de dados errôneos constantes de seu banco de dados.

Diz ela que não cria fatos. Até pode ser que a Serasa não cria fatos, mas não se pode negar que ela distorce, aumenta e usa indevidamente os fatos que colhe, além de fazer anotações de fatos que não deveria fazer.

As lesões causadas pela Serasa ao consumidor são tantas que o Ministério Público tanto deste como de outros estados, como é o caso do estado de São Paulo, tiveram que ingressar com ação civil pública em face dela para corrigir inúmeras ilegalidades por ela cometidas.

          O pedido de condenação da impetrada no pagamento dos honorários advocatícios é procedente. A gratuidade do "habeas data" é tão somente para o cidadão que tem que dele lançar mão dessa medida e não para os que causam prejuízos a ele, obrigando-o a contratar advogado e pagar por isso. A condenação aos honorários deflui do princípio legal previsto no Código Civil de que quem der prejuízo a outrem deve ressarcir os danos causados.


Das conclusões finais e do requerimento do Ministério Público Estadual:

          Diante do exposto, o Ministério Público é pela procedência total da ação, para que seja determinado a retirada dos cadastros da impetrada quaisquer informações restritiva sobre pendência bancária e sobre a existência de execução ou de qualquer outra ação judicial a respeito de dívida de terceiro com o Banco HSBC Bamerindus, em que o impetrante figura como avalista.

Por ser a sentença proferida em "habeas data" tipicamente mandamental, onde o objeto é o cumprimento de obrigação (lato sensu) de fazer, requer o Ministério Público Estadual a imposição de multa diária à impetrada, com base - por analogia - no artigo 461, § 4º, do Código de Processo Civil, sem prejuízo da configuração do crime de desobediência caso a ordem não seja cumprida ao seu tempo e modo.

Requer, também, a juntada aos autos da cópia da ação civil pública promovida pelo Ministério Público Sul-mato-grossense contra a Serasa, bem como da impugnação à contestação dessa ré, sendo certo que os argumentos ali expendidos fazem parte integrante desse parecer, como se nele estivessem literalmente transcritos.

Campo Grande, 22 de fevereiro de 2000.

Amilton Plácido da Rosa
Promotor de Justiça do Consumidor


NOTAS

  1. "Trabalho destinado ao volume em homenagem a HÉCTOR FIX ZAMUDIO, a ser editado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos."
  2. BASTOS, Celso Ribeiro, in CELSO RIBEIRO BASTOS – IVES GANDRA MARTINS. Comentários à Constituição do Brasil. 2º vol., S. Paulo, 1989, p. 364.
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Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. Habeas data para retificação de informações do cadastro do SERASA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16261. Acesso em: 22 dez. 2024.

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