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Projeto de reforma tributária do Município do Rio de Janeiro:

o ISS e o trabalho de natureza pessoal

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22/12/2003 às 00:00
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A não observância do artigo 9º do DL 406/68, pelo projeto de reforma do CTMRJ

O Projeto de reforma do Código Tributário Municipal do Rio de Janeiro (lei nº 691, de 24 de dezembro de 1984), simplesmente, ignorou a existência harmônica do artigo 9º do Decreto-Lei nº 406, de dezembro de 1968, no universo jurídico. Neste particular, o projeto adota a seguinte postura com relação à Lei nº 691, de 24 de dezembro de 1984 – CTMRJ:

a)Revogou os conceitos de profissional autônomo e de empresa, descritos no parágrafo único do artigo 13;

b)Revogou a responsabilidade dos que utilizam profissionais autônomos pelo ISS, se não exigirem certidões de quitação fiscal ou de inscrição, no caso de serem isentos;

c)Revogou o artigo 29 que trata da forma de como deve ser calculado o imposto para sociedades uniprofissionais;

d)Revogou o artigo 30, que trata da base de cálculo quando a prestação de serviços se dá sob a forma de trabalho pessoal, que indica um valor fixo a pagar;

e)Alterou a redação do artigo 33 e especialmente criou uma alíquota de 2% (dois por cento) por serviços prestados por pessoas físicas e profissionais autônomos; e

f)Arrematando, revogou o artigo 43, que trata do momento e proporcionalidade de pagamentos do contribuinte que paga o imposto por importância fixa.

Na mensagem nº 197, de 06 de agosto de 2003, o Prefeito do Município do Rio de Janeiro consignou que "quanto aos artigos 29, 30, 31 e 43, por convicção de que a nova Lei Complementar extinguiu a tributação por imposto fixo dos profissionais autônomos e das sociedades profissionais, a proposta inclui a respectiva revogação, assim como à do inciso I do artigo 33 e uma alteração, no § 2º deste, que visa a tornar mais clara essa nova situação". (sem grifos no original)

Não bastasse essa interpretação "restrita", o Ilustríssimo Prefeito, sem que a nova lei complementar tenha disposto sobre o assunto, sugere no novo projeto que a tributação dos profissionais autônomos seja "pelo movimento econômico", sem excluir da base de cálculo o trabalho pessoal desses profissionais, há tanto tempo consagrado no direito pátrio.

Essa idéia retrograda deve ter sido copiada da finada Súmula 90 do STF, Decisão de 16/12/1963, que dispunha que "é legítima a lei local que faça incidir o imposto de indústria e profissões com base no movimento econômico do contribuinte".


Das conclusões

Por derradeiro, só se pode concluir que:

1.A Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003, assim como o CTN (Lei n. 5.172/66) por não conflitarem com o disposto no o artigo 9º do Decreto-lei 406/1968, convivem entre si em perfeita harmonia no ordenamento jurídico nacional;

2.A nova Lei Complementar não derrogou ou ab-rogou o artigo 9º do Decreto-lei 406/1968 e assim não ocorrendo não há o que se falar em repristinação da norma;

3.Desde a edição do Decreto-lei 406/1968 é que a regra geral da base de cálculo do ISS é o preço do serviço (caput do art. 9º); e apesar de muitas novas normas posteriores complementarem o mesmo assunto, a regra geral – base sobre o preço – não foi alterada desde lá, nem mesmo na LC 116/2003;

4.Como o legislador sempre excluiu a remuneração do trabalho da base de cálculo do ISS, algumas atividades especiais (laborais), não podem ter no preço a mensuração da sua base de cálculo por se tratar de serviço que coincide com o trabalho pessoal. Assim, estando o parágrafo primeiro do artigo 9º do Decreto-lei 406, de 31 de 1968, em plena vigência, desde sua edição primitiva, continua valendo a base de cálculo especial estabelecida para determinadas atividades, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, independentemente até da interpretação que se dê à alteração do texto dos parágrafos 2º e 3º (e 4º, 5º e 6º) do mesmo artigo;

5.Como ficou renovado, por normas autônomas, o parágrafo 3º do Decreto-lei 406, de 31 de dezembro de 1968, o trabalhador autônomo, quando a prestação de serviços for caracterizada sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte e as sociedades uniprofissionais continuam sendo tributadas pelo ISS que será calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho, em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade;

6.É possível ao Projeto de Lei, na forma como está, estabelecer uma alíquota de 2% (dois por cento) a ser aplicada aos profissionais autônomos (veja ADCT art. 88, I). Todavia, a base de cálculo continua a ser especialíssima e nela não poderá estar compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho;

7.O Projeto de Lei da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, de número 1.493/2003, enviado através da mensagem nº 197/2003, por não considerar a salutar interpretação do artigo 2º, da LICC e por desprezar a permanência do artigo 9º, do DL 406/68, no universo jurídico pátrio, é totalmente incompatível com a legislação complementar em vigor. Desta forma, não merece ser aprovado na sua íntegra, notadamente com respeito à revogação dos artigos 14, inciso X, 29, 30, 31, 33, inciso I e 43, justamente, porque a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, não tratou inteiramente da matéria; não é incompatível com a base de cálculo especial do DL 406/68; não é incompatível com as alíquotas fixas sugeridas pelo DL 406/68; e nem expressamente revogou o artigo 9º, do referido DL, pelo contrário;

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8.Ainda que seja aprovado o Projeto de Lei de número 1.493/2003, a base de cálculo do ISS (ou ISSQN) não poderá ser calculada sobre o "movimento econômico" dos profissionais autônomos, sob pena de tributar a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho, o que é vedado pela inteligência da própria Lei Complementar 116; e

9.Por último e não menos importante é fundamental alertar que o artigo 10 da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 foi aprovado de forma descuidada, sendo possível entender, utilizando o princípio da anterioridade e as revogações expressas determinadas pelo referido artigo, que a partir de 31 de julho até a edição de nova lei Municipal (observado o princípio da anterioridade) não há norma complementar (exceto o art. 9º do DL 406/68) que regule o tributo, portanto, que dê embasamento à atual Lei Municipal (CTM), podendo, inclusive, ser pleiteado pelos contribuintes o não pagamento de ISS nesse período.

Este é, salvo o muito e devido respeito, o nosso entendimento sobre a questão tal como nos foi apresentada.

Luiz Cezar P. Quintans

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Sobre o autor
Luiz Cezar Pazos Quintans

Advogado no Rio de Janeiro (RJ). Professor de Direito do Petróleo da UERJ. Autor do Livro "Direito de Empresa" (Freitas Bastos, 2003).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUINTANS, Luiz Cezar Pazos. Projeto de reforma tributária do Município do Rio de Janeiro:: o ISS e o trabalho de natureza pessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 169, 22 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16595. Acesso em: 26 abr. 2024.

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