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Projeto de reforma tributária do Município do Rio de Janeiro:

o ISS e o trabalho de natureza pessoal

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22/12/2003 às 00:00
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Parecer sobre reforma tributária municipal proposta pelo Município do Rio de Janeiro, especificamente sobre o ISS dos profissionais autônomos. A peça entende que a base de cálculo não poderá compreender a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

Projeto de Lei nº 1.493/2003, mensagem nº 197/2003.

É louvável a intenção da Prefeitura do Rio de Janeiro em, de forma inequívoca pretender imprimir uma maior arrecadação aos seus cofres, através de um projeto de reforma do CTMRJ. O procedimento nem poderia ser diferente, diante da edição da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 e da necessidade de cada Prefeitura se adequar à nova realidade do ISS, sob pena de prejudicar o Erário Público Municipal. No entanto, existe, como prévia, a necessidade de sabermos se essa proposta está sintonizada com a legislação federal em vigor.


Da apreciação genérica do projeto

O Projeto de reforma do Código Tributário Municipal do Rio de Janeiro (lei nº 691, de 24 de dezembro de 1984), que tomou o número 1.493/2003, através da mensagem nº 197/2003, teve como mola propulsora, a nova Lei Complementar do ISS nº 116, de 31 de julho de 2003, que alterou a lista de serviços sujeitos ao imposto de competência municipal, ampliando, expressivamente, o rol de serviços que ingressam no campo de incidência do ISS, entre outras modificações.

Nossa abordagem ficará restrita à análise do Projeto comparado à nova Lei Complementar em relação à prestação de serviços, de profissionais autônomos, sociedades uniprofissionais e sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte e sua remuneração.

Nos foi pedida uma opinião sobre o artigo 10, da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Assenta tal pedido na necessidade de avaliarmos, com a não inclusão do artigo 9º, do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, dentre os artigos revogados pelo referido artigo 10, se continuaria, o citado artigo 9º, em vigor e quais seriam os efeitos dessa sobrevida.


Do histórico da legislação do ISS no Brasil

Torna-se necessário lembrar um pouco da evolução histórica do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, no Brasil, para entendermos a quantidade de normas editadas, alteradas ou revogadas.

Entre as cobranças do Império e a Constituição de 1946 os impostos, em geral, praticamente se diferenciavam por uma "roupagem jurídica" e não pelo seu verdadeiro conteúdo econômico. Com a edição da Emenda Constitucional n. 18, de 01/12/65, dispondo sobre impostos, com base em conceitos econômicos, o sistema tributário nacional ganhou maior respeitabilidade nos meios acadêmicos. Foi nessa época que o "imposto sobre serviços de qualquer natureza" ganhou esse nome, que se mantém atual. Naquele tempo, a então Comissão de Reforma Tributária entendia que o "imposto de indústrias e profissões" tinha uma base econômica ficta. Acreditavam que não se podia medir a capacidade contributiva.

Na referida emenda de 1965 (art. 15, § ú), lei complementar passaria a estabelecer critérios para distinguir as atividades que estariam sujeitas ao ISS ou ao antigo ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), ainda tratando o imposto sobre serviços como verdadeiro "imposto residual" (por ser resíduo do que não era de competência da União nem dos Estados).

A legislação complementar que se seguiu à EC 18/65 foi: a Lei n. 5.172/66 (o Código Tributário Nacional) e diversos atos complementares (27/1966; 34/1967 e 35/1967). Posteriormente foi promulgada a Constituição de 1967, que confirmou a EC e continuou a estabelecer que os critérios dos serviços seriam definidos em lista por Lei Complementar (art. 25, II).

Em seguida surgiu o Decreto-Lei n. 406, de 31 de dezembro de 1968, que "estabelece normas gerais de direito financeiro, aplicáveis aos impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre serviços de qualquer natureza, e dá outras providências". Esse DL passou a disciplinar alguns temas importantes para o ISS, tais como: o fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte do imposto, alterando o CTN, por revogação expressa (o artigo 13, do DL 406/68 revogou os artigos 71, 72 e 73 do CTN).

Em 1969, com a edição do Decreto-Lei 834, de 08 de setembro de 1969, a lista que anteriormente continha 29 itens passou a dispor de 66 itens. Esse Decreto-Lei alterou a redação dos parágrafos 2º e 3º, do artigo 9º, do Decreto-Lei 406/1968.

Os serviços, de natureza pessoal, definidos nos itens ali numerados eram: 1. Médicos dentistas e veterinários. 2. Enfermeiros, protéticos (prótese dentária), obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, psicólogos. 3. Laboratórios de análises clínicas e eletricidade médica. 5. Advogados ou provisionados. 6. Agentes da propriedade industrial. 11. Economistas. 12. Contadores, auditores, guarda-livros e técnicos em contabilidade. 17. Engenheiros, arquitetos, urbanistas.

No mesmo ano de 1969, a Emenda Constitucional n. 1/69 formou o novo sistema tributário. Assim como na reforma anterior, não houve alteração na estrutura do imposto.

Em seguida, foi criada, em 1974, meses depois da conclusão da Ponte Rio-Niterói, uma Lei Complementar de n. 22, que alterava o art. 11, do DL 406 e isentava do ISS a execução, por administração, empreitada e subempreitada, de obras hidráulicas ou de construção civil e os respectivos serviços de engenharia consultiva, quando contratados com a União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e empresas concessionárias de serviços públicos.

Em 1984, com a lei 7.192, aumentou-se a lista de serviços em um item e surgiu em 1987, a Lei Complementar 56, de 15 de dezembro de 1987, que ampliou a lista para 100 itens e alterou o parágrafo § 3º do art. 9° do Decreto-lei n° 406, de 31 de dezembro de 1968.

Com a alteração do Decreto-Lei 834, de 08 de setembro de 1969, pela LC 56/1987, a lista das sociedades sujeitas ao imposto calculado "por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho", passou a ser composto pelas seguintes profissões: 1. Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultra-sonografia, radiologia, tomografia e congêneres; 4. Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária); 8. Médicos veterinários; 25. Contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres; 52. Agentes da propriedade industrial; 88. Advogados; 89. Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos; 90. Dentistas; 91. Economistas; 92. Psicólogos;

Finalmente, a atual Constituição Federal, promulgada em outubro de 1988, também não alterou substancialmente o sistema tributário nacional e igualmente não atacou a estrutura do ISSQN, apenas mudou um pouco a redação, com relação aos seus aspectos "residuais", passando a incidir o imposto sobre serviços de qualquer natureza não compreendidos no artigo 155, II (competência do ICMS), definidos em lei complementar.

Depois da edição da última Constituição, ainda tivemos a Lei Complementar nº 100, de 22 de dezembro de 1999, que alterou o Decreto-Lei nº 406/68 e a Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, para acrescentar serviço sujeito ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, tratando de questões de rodovias e pedágios. Por esse instrumento, o art. 9º, do DL 406, ganhou os parágrafos 4º, 5º e 6º.

Recentemente, com a edição da Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003, o legislador tratou de revogar parcial ou totalmente uma série de ordenamentos que compunham complementarmente o sistema tributário, para fins de Imposto Sobre Serviços, conforme se verifica no teor do artigo 10, da citada Lei Complementar, a saber: "Ficam revogados os arts. 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do art. 3º do Decreto-Lei nº 834, de 8 de setembro de 1969; a Lei Complementar nº 22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei nº 7.192, de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar nº 100, de 22 de dezembro de 1999."


Da interpretação do artigo 9º, do Decreto-Lei nº 406/68

Ao estabelecer o artigo 9º, do Decreto-Lei nº 406/68, o legislador definiu que não é o preço do serviço que especifica a base de cálculo do ISSQN para determinadas atividades. O que fixa a base do imposto para essas atividades específicas é a natureza do serviço (e outros fatores pertinentes à natureza do serviço). Assim, nasceu uma base de cálculo especial, especialíssima, na forma do exposto no parágrafo primeiro, do artigo 9º, do DL 406/68, para tratar exclusivamente da prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

A Essência do artigo, neste particular, e a provável intenção do legislador é a de não tributar a remuneração do próprio trabalho, excluindo da base de cálculo qualquer importância paga a esse título; e o fato de profissionais se reunirem em sociedade não deixa de tipifica a natureza laboral do serviço. No mesmo sentido tem se comportado a jurisprudência do STF, desde que a sociedade não tenha natureza empresária.

Então, desde setembro de 1969, as chamadas "sociedades uniprofissionais" passaram a ser tributadas pelos Municípios brasileiros com base em alíquotas fixas, expressas em unidades fiscais (ex.: UNIF, UFIR). Em regra, os Municípios condicionaram essa base de cálculo especial, calculada com base na quantidade de sócios, aplicando o imposto mensal, por profissional habilitado, empregado ou não.

Na prática, a nova Lei Complementar n. 116/2003 revogou os artigos 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968 e não tocou na base de cálculo especial prevista no artigo 9º e em nenhum de seus parágrafos.

Em resumo, entre 1968 e 01 de agosto de 2003 (data da publicação da LC 116/2003), o referido DL 406 sofreu, em seu artigo 9º, algumas alterações, que são:

a) O parágrafo 2º e suas letras "a" e "b" ganharam nova Redação dada pelo Decreto Lei nº 834, de 8.9.1969;

b) O parágrafo 3º foi alterado, duas vezes, tanto pelo Decreto Lei nº 834, de 8.9.1969 quanto pela Lei complementar nº 56, de 15.12.1987.

c) O parágrafo 4º ; o parágrafo 5o e seus incisos "I" e "II"; e o parágrafo 6º foram incluídos pela Lei complementar nº 100, de 22.12.1999.


A Lei de Introdução ao Código Civil – LICC e a vigência das leis.

No ambiente tributário, os poderes executivo e legislativo têm imprimido tanta velocidade na proposta e promulgação de tantas normas dessa natureza que até mesmo o estudioso mais atento e voraz pode se perder em meio a quantidade absurda de ordenamentos publicados.

Por conta de tantos preceitos por vezes ficam esquecidos princípios fundamentais. Um dos ordenamentos "que saíram da memória" fez, recentemente, 61 anos e o prêmio por sobreviver a dois Códigos Civis e várias reformas tributárias é desaparecer da lembrança de alguns. Trata-se do Decreto-Lei n. 4.657, de 04 de setembro de 1942, famosamente chamado de Lei de Introdução ao Código Civil - LICC. O principal artigo afetado é o 2º e seus parágrafos, que vige para estabelecer regras aplicáveis à lei no tempo, fixando regras claras, determinando:

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1.Que a lei posterior revoga a anterior nas seguintes hipóteses:

1.1.Quando expressamente o declare:

1.2.Quando seja com ela incompatível;

1.3.Quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

2.Essa lei posterior, também chamada de "lei nova", se cuidar da mesma matéria que lei anterior, todavia, disposições gerais ou especiais, a par das normas já existentes, não revogam nem modificam a lei que estava em vigor, mantendo-se as duas em perfeita harmonia de convivência no universo legislativo;

3.O Direito brasileiro, a menos que esteja expresso no novo texto, não admite a restauração (a repristinação, o revigorar) de lei revogada, nos casos em que a lei revogadora tenha sido revogada também.

É preciso entender que o legislador pátrio deu nova redação, ao longo do tempo, aos parágrafos 2º e 3º do artigo 9º, do DL 406, mas sem nunca alterar o seu caput e respectivo parágrafo 1º, que trata da base de cálculo especial de determinadas atividades. Nunca o artigo 9º foi ab-rogado (suprimido totalmente por lei nova). Se não ocorreu ab-rogação ou

derrogação do artigo 9º, a base de cálculo especial continua intacta e não há o que falar em repristinação.

O efeito restaurador, repristinatório, como assevera Maria Helena Diniz, quando trata da interpretação mais adequada ao parágrafo terceiro, do artigo segundo, da LICC, na obra Lei

de Introdução ao Código Civil Interpretada, 7ª edição, SP, Saraiva, 2001, página 82, pode ser assim avaliado:

"Quando o legislador derroga ou ab-roga uma lei que revogou a anterior, surge a questão de se saber se a norma que fora revogada fica restabelecida, recuperando a sua vigência, independentemente de declaração expressa.

Pelo art. 2º, § 3º, que é peremptório, a lei revogadora de outra lei revogadora não terá efeito repristinatório sobre a velha norma abolida, a não ser que haja pronunciamento expresso da lei a esse respeito. Esse dispositivo legal contém duas normas: a) proibição da repristinação, significando que a antiga lei não se revalidará pelo aniquilamento da lei revogadora uma vez que não restitui a vigência da que ela revogou; b) restauração da antiga lei, quando a norma revogadora tiver perdido a vigência, desde que haja a disposição expressa nesse sentido."

Em verdade, como já vimos, o legislador não necessita(ria) determinar a restauração do artigo 9º e seu parágrafo primeiro, do DL 406/68, porque essa norma nunca foi revogada. O que se pode(ria) discutir, somente, é o texto que prevalece(ria) entre os demais parágrafos do artigo 9º e em especial os parágrafos segundo e terceiro.

Devemos considerar que as novas redações (dos parágrafos do art. 9º) estabelecidas especialmente pelo Decreto-Lei nº 834, de 8 de setembro de 1969 e pela Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, são normas autônomas. Elas usam o corpo de uma nova lei para se integrar ao corpo da lei antiga, renovando-a. A renovação é um instituto diferente da restauração.

A renovação da lei, poeticamente comparando, funciona como se estivéssemos com um cálice de conhaque, que está sofrendo os fenômenos temporais e que recebe um novo conhaque, por cima, mais novo, para lhe dar novo ânimo, nova forma, novo sabor, sem, contudo, perder as características de conhaque. Continua a ser conhaque, não se transformou em outro produto. O conhaque da primeira garrafa, servido no cálice, é diferente do conhaque da segunda garrafa, também servido no mesmo cálice. São garrafas diferentes misturadas no mesmo cálice. O antigo foi renovado pelo novo. Isso nada mais é, mal comparando, do que o sistema de "soleras" utilizado há séculos, como método de envelhecimento, pelos fabricantes de "cognac" na França e em outras regiões da Europa. Assim é também como se comporta uma legislação antiga quando recebe uma parte do corpo da outra, se renova, mantendo-se como norma no ordenamento jurídico, entretanto, diferente da versão original, independente da regra que a renovou, mas continua a ser uma norma, até que outra a revogue por declaração expressa, seja com ela incompatível ou regule inteiramente a matéria.

Como os textos que cuidaram de ISS, posteriores ao DL 406, trouxeram em seu corpo normas autônomas, dispostas a renová-lo, o DL 406 vige hoje com essas alterações; e aquelas normas, que eram autônomas, tomaram o corpo do DL 406 e desincorporaram das normas originárias porque aquelas foram expressamente revogadas.

A autonomia da norma, que utiliza o corpo de uma lei para se incorporar a uma outra é tão verdadeira que as regras que promovem as alterações de outros ordenamentos, expressamente, fazem indicação da Lei renovada, com sua recente renovação/alteração.

Assim, para assegurar o Estado Democrático de Direito e garantir o princípio da segurança jurídica é que se pode afirmar que o artigo 9º, do Decreto-Lei n,. 406/1968 está em pleno vigor, com todos os seus (seis) parágrafos!

Não obstante, é bom lembrar novamente que a matéria que aborda o artigo 9º, do Decreto-Lei nº 406/1968, trata da base de cálculo específica sobre a prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal; e a nova Lei Complementar do ISS, LC nº 116/2003, em nenhum momento trata dessa base de cálculo especial. Apenas retrata a base de cálculo geral do serviço (art. 7º). Portanto, só podemos concluir que as duas normas complementares podem e vivem harmonicamente no nosso universo jurídico. Não há conflitos ou incompatibilidades.

Adotando esse raciocínio podemos, do mesmo modo, assegurar que as pessoas que prestam serviço sob a forma de trabalho pessoal, estejam ou não reunidas em sociedade uniprofissional, notadamente, os Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultra-sonografia, radiologia, tomografia e congêneres; Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária); Médicos veterinários; contadores, auditores, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres; Agentes da propriedade industrial; Advogados; Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos; Dentistas; Economistas; e Psicólogos, estarão sujeitas ao imposto calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho, em relação a cada

profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.

Além disso, muitas outras profissões não inclusas nos itens definidos no parágrafo terceiro do artigo 9º, do DL 406/68, também podem e poderão questionar o projeto, tendo em vista a natureza trabalhista do serviço (listado) que prestam, não só por preitear o tratamento

igual determinado no inciso II, do artigo 150 da Constituição Federal, como também argumentar a omissão legislativa acerca da indicação da base de cálculo específica a esse tipo, peculiar e de caráter laboral, de serviço.

Finalizando os comentários a respeito de interpretação, o saudoso Carlos Maximiliano, quando trata do Direito de Tributar, em sua obra Hermenêutica e Aplicação do Direito, 15ª edição, Forense, RJ, 1995, página 332, pondera o seguinte:

"Pressupõe-se ter havido o maior cuidado ao redigir as disposições em que se estabelecem impostos ou taxas, designadas, em linguagem clara e precisa, as pessoas e coisas alvejadas pelo tributo, bem determinados o modo, lugar e tempo do lançamento e da arrecadação, assim como quaisquer outras circunstâncias referentes à incidência e à cobrança. Tratam-se as normas de tal espécie como se foram rigorosamente taxativas; deve, por isso, abster-se o aplicador de lhes restringir ou dilatar o sentido."


Dissensão entre a proposta do Projeto e o trabalho de natureza pessoal

Segundo o inciso II do artigo 11, da proposta do Projeto de Lei de número 1.493/2003, o imposto não incide sobre a prestação de serviços em relação de emprego, dos trabalhadores avulsos, dos diretores (...). Mesmo tendo revogado expressamente o artigo 10, do Decreto-Lei n. 406/68, a LC 116/2003, repetiu o seu teor e vontade no inciso II, do seu art, 2º. Isso porque a Legislação do ISS sempre prestigiou a não-incidência sobre o trabalho de natureza pessoal. E, no caso do trabalho autônomo, ainda que não haja subordinação, o vínculo entre as partes, contratante e contratada, é sempre o de trabalho e não o de serviço. Assim está alinhada a Lei Complementar e este é o motivo pelo qual não conflita com o art. 9º do DL 406/68. Todavia, pelas revogações e alterações do CTMRJ propostas pelo Projeto Municipal, a seguir comentadas, estas estabelecem um dissenso, considerando como serviço o trabalho pessoal de profissionais autônomos, como se o Projeto quisesse tributar os trabalhadores. Mais especificamente, o Município quer tributar como "serviço" o "trabalho pessoal" dos médicos, economistas, engenheiros, contadores, enfermeiros, auditores, advogados, dentistas, etc.

A base de cálculo para o trabalho de natureza pessoal ou a "tributação pela modalidade privilegiada" é uma deferência legal e especial aos trabalhadores autônomos e prestadores de serviços que tenham essa natureza pessoal-trabalhista, conforme pode ser verificada na decisão do STF, que vedou esse privilégio a sociedades empresárias, no AI 80985 AgR / SP – São Paulo, AG. REG. No Agravo de Instrumento (Relator Min. DECIO MIRANDA, Julgamento de 24/02/1981, Segunda Turma, publicado no DJ, em 20-03-81, Ement. Vol.-01204-01, pág. 00185, RTJ Vol. 00097-01, pág. 00246), conforme sua ementa:

"TRIBUTARIO. IMPOSTO SOBRE SERVICOS. EMPRESA DE GRANDE PORTE, EM QUE OS TRABALHOS RESULTANTES SAO DE PRODUCAO PROMISCUA OU INDISTINTA, SEM CARACTERISTICA DE TRABALHO PESSOAL, NAO TEM DIREITO A TRIBUTACAO PELA MODALIDADE PRIVILEGIADA DO ART-9., PAR-1., DO DECRETO-LEI N. 406, DE 1968. ENTENDIMENTO RAZOAVEL (SUMULA 400) E INEXISTENCIA DE DEMONSTRACAO DE DISSIDIO JURISPRUDENCIAL."

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Sobre o autor
Luiz Cezar Pazos Quintans

Advogado no Rio de Janeiro (RJ). Professor de Direito do Petróleo da UERJ. Autor do Livro "Direito de Empresa" (Freitas Bastos, 2003).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUINTANS, Luiz Cezar Pazos. Projeto de reforma tributária do Município do Rio de Janeiro:: o ISS e o trabalho de natureza pessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 169, 22 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16595. Acesso em: 28 mar. 2024.

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