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ICMS e repartição constitucional das receitas tributárias:

Município só participa da arrecadação do estabelecimento situado em seu território

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16/07/2007 às 00:00
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Respostas aos questionamentos:

Sim, o Termo de Acordo firmado entre o Estado do Paraná e a Empresa X, publicado no DOE, tem fundamento legal e constitucional.

A possibilidade de o Estado do Paraná firmar termos de acordo com empresas situadas em seu território decorre diretamente do Princípio da Autonomia dos Entes Políticos, previsto no art. 18 da Constituição Federal e que autoriza os Estados-Membros a se auto-organizarem, autogovernarem e auto-administrarem.

Para que sejam desenvolvidas essas três capacidades (auto-organização, autogoverno e auto-administração) a Constituição Federal, por meio de seu art. 25, determina que os Estados-Membros regulem as situações locais através de Constituições e legislação própria, desde que respeitados os parâmetros nela fixados.

Atento a tais disposições constitucionais, o Estado do Paraná promulgou a sua Constituição, que em seu art. 87, inciso XVIII, autoriza o Governador do Estado a celebrar ou autorizar convênios ou acordos com entidades públicas ou particulares. Com base nessa capacidade, o Governador do Estado autorizou a celebração de Termo de Acordo entre o Estado do Paraná e a Consulente.

Além disso, a legislação ordinária estadual, por meio do art. 42 c/c art. 43, inciso I, ambos da Lei Orgânica do ICMS (Lei n.º 11.580/96), é clara ao determinar que a concessão de regimes especiais objetivando facilitar o cumprimento das obrigações principal e acessória dependem de prévia celebração de acordo. Esta a redação dos dispositivos referidos:

Art. 42. Em casos peculiares e objetivando facilitar o cumprimento das obrigações principal e acessória poder-se-á adotar regime especial.

Parágrafo único. Caracteriza-se regime especial, para os efeitos deste artigo, qualquer tratamento diferenciado da regra geral de extinção do crédito tributário, de escrituração ou de emissão de documentos fiscais.

Art. 43. Os regimes especiais serão concedidos:

I - através de celebração de acordo;

Portanto, o Termo de Acordo tem fundamento constitucional e legal nos arts. 18 e 25 da Constituição Federal, art. 87, inciso XVIII, da Constituição Estadual e arts. 42 e 43, inciso I, da Lei Estadual n.º 11.580/96.

2. O Termo de Acordo é ato administrativo válido?

Sim, o Termo de Acordo é ato administrativo válido. O Estado do Paraná ao celebrá-lo observou os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (art. 37 da Constituição Federal) aos quais estão adstritos a Administração Pública e o administrador público na gestão da coisa pública.

O Termo de Acordo também atendeu a todos os requisitos necessários para que se entenda o ato administrativo como perfeito e válido, quais sejam, agente público competente, finalidade, forma, motivo, conteúdo, objeto e causa.

3. A apuração centralizada do ICMS, na forma da Cláusula Segunda do Termo de Acordo implica, de alguma forma, em alteração dos critérios de cálculo do percentual de participação dos municípios relacionados em seu parágrafo terceiro, no Fundo de Participação dos Municípios-FPM?

A apuração centralizada na forma da Cláusula Segunda do Termo de Acordo não patrocina qualquer alteração no percentual de participação dos Municípios relacionados em seu Parágrafo Terceiro.

O percentual de participação do Município na parcela da arrecadação do ICMS é definida pelo art. 158, inciso IV e parágrafo único da Constituição Federal. Segundo esta disposição constitucional, os Municípios têm direito a 25% do produto do ICMS arrecadado em seus respectivos territórios, sendo que ¾, no mínimo, deste percentual corresponderão ao valor adicionado, ou seja, ao valor das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações de serviços, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil, nas operações realizadas no território do Município (art. 158, parágrafo único, I, da CRFB/88, c/c o art. 3º, § 1º, I, da Lei Complementar n.º 63/90) e até ¼, do mesmo percentual, será creditado segundo critérios fixados em lei estadual (art. 158, parágrafo único, II, da CRFB/88).

A cláusula Segunda do Termo de Acordo apenas estabelece a centralização das obrigações acessórias, isto é, determina o seu cumprimento no Estabelecimento Principal da Consulente, localizado no Município Y. Por isso, não tem qualquer influência na repartição da receita do ICMS.

Tal repartição continua a ser delineada pelo montante de operações de circulação de mercadorias realizadas no território de cada Município, segundo o critério de "quanto maior o número de operações realizadas no Município, maior será a sua fatia no produto da arrecadação do ICMS". Aliás, assim é o que dispõe a Constituição Federal, com a qual estão de acordo a Constituição do Estado do Paraná e a Lei Estadual n.º 9.491/90 (art. 1º), com as alterações promovidas pela Lei Complementar Estadual n.º 59/01.

É de se notar que o local do cumprimento das obrigações acessórias, em especial da escrituração fiscal, não tem qualquer influência sobre o critério adotado constitucionalmente para participação dos Municípios na receita do ICMS.

Com efeito, quem determina o local da ocorrência do fato gerador é a própria hipótese de incidência tributária, também denominada de regra-matriz de incidência tributária, depreendida diretamente da Constituição Federal e da legislação que a complementa, através de seu critério espacial (= estabelecimento empresarial onde se encontre a mercadoria no momento da ocorrência do fato gerador), descrita no ponto ‘(c)’ deste estudo.

O próprio art. 11, inciso I, alínea a, da Lei Complementar n.º 87/96 é claro ao determinar que se considera como local da operação o estabelecimento onde se encontre a mercadoria no momento da ocorrência do fato gerador, que é saída da mercadoria do estabelecimento (art. 12, inciso I, da Lei Complementar n.º 87/96 [19]), isto é, o momento em que se realiza uma operação de circulação de mercadorias. Para melhor entendimento, transcreve-se a disposição legal:

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

I - tratando-se de mercadoria ou bem:

a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador;

Simplificando: se a operação de circulação de mercadorias ocorreu no estabelecimento da Consulente, localizado no Município Y, somente este Município faz jus à participação na receita do ICMS decorrente da realização desta operação. Diversamente, se a operação ocorreu em estabelecimento localizado no Município A, este Município, e somente este, tem direito a participar da arrecadação do ICMS referente a esta circulação de mercadoria e assim sucessivamente.

Aparentemente, o que pretende o Município Y com a ação declaratória de nulidade é sustentar que faz jus à totalidade da arrecadação do ICMS da Consulente no Paraná, tendo-se em vista o fato de a escrituração fiscal e do cumprimento das demais obrigações acessórias realizarem-se no Estabelecimento Principal da Empresa X, lá localizado.

Nada mais equivocado. O critério que determina o percentual de participação dos Municípios na arrecadação do ICMS é o montante de operações de circulação de mercadorias realizadas no território de cada um, independentemente de onde se realize a escrituração fiscal e de onde se cumpram as obrigações acessórias.

Portanto, a Cláusula Segunda do Termo Acordo em nada altera os critérios de cálculo do percentual de participação dos Municípios referidos no Parágrafo Terceiro, já que estão de acordo com as normas constitucionais e legais que regulam o tema.

4. As obrigações impostas à Empresa X pela Cláusula Décima-Quinta do Termo de Acordo trazem algum prejuízo ao Município de Y em relação ao percentual de participação no FPM?

As obrigações impostas à Empresa X pela Cláusula Décima Quinta do Termo de Acordo não trazem prejuízo algum ao Município Y em relação ao percentual de participação no FPM.

Para melhor compreensão, transcreve-se referida Cláusula:

CLÁUSULA DÉCIMA QUINTA: Para os efeitos de apuração do índice de participação dos municípios no produto da arrecadação do ICMS, deverão ser demonstradas separadamente as operações realizadas pelo Estabelecimento Principal, Postos de Distribuição e postos de Abastecimento.

I – Para os Postos de Distribuição e Postos de Abastecimento serão adotados como valores de entradas aqueles correspondentes à margem bruta do fabricante, e para os valores de saídas serão adotados os preços de atacado dos produtos comercializados por estes estabelecimentos, com base nas quantidades recebidas e vendidas, constantes no Mapa de Estoque de Produtos e nos valores indicados nas tabelas decompostas de preços vigentes em cada período.

II – O valor adicionado apurado nos Postos de Distribuição e Postos de Abastecimento serão apurados mediante a diferença entre os valores de entradas e de saídas acima referidos e deduzidos do valor adicionado apurado no Estabelecimento Principal.

III – Deverá ser elaborada Declaração Fisco Contábil (DFC), específica para cada Posto de Distribuição e Posto de Abastecimento, de acordo com a orientação da Divisão de Assuntos Municipais da Secretaria da Fazenda do Paraná, documento este que deverá ser entregue diretamente no referido setor.

Como já referido na resposta à questão anterior, o percentual de participação do Município na parcela da arrecadação do ICMS é definida pelo art. 158, inciso IV e parágrafo único da Constituição Federal. Segundo esta disposição constitucional, os Municípios têm direito a 25% do produto do ICMS arrecadado em seus respectivos territórios, sendo que ¾, no mínimo, deste percentual corresponderão ao valor adicionado, ou seja, ao valor das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações de serviços, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil, nas operações realizadas no território do Município (art. 158, parágrafo único, I, da CRFB/88, c/c o art. 3º, § 1º, I, da Lei Complementar n.º 63/90) e até ¼, do mesmo percentual, será creditado segundo critérios fixados em lei estadual (art. 158, parágrafo único, II, da CRFB/88).

As disposições constitucionais acima descritas são corroboradas pelo que descreve a Lei Complementar Federal n.º 63/90, em especial seu art. 3º [20], e a Lei Estadual n.º 9.491, de 26 de dezembro de 1990 (art. 1º), com as alterações promovidas pela Lei Complementar Estadual n.º 59/01 (art. 7º).

Em realidade, a cláusula Décima-Quinta do Termo de Acordo visa, justamente, a dar o correto cumprimento às disposições constitucionais e legais a respeito da participação dos Municípios no produto da arrecadação do ICMS.

A realização de toda a escrituração fiscal no estabelecimento principal da Consulente, em um primeiro momento, poderia acarretar confusão na aferição dos Municípios em que se teriam realizado as operações de circulação de mercadorias.

Entretanto, para afastar esta dúvida, o Termo de Acordo determina a demonstração em separado, por meio da escrituração fiscal, das operações realizadas pelo Estabelecimento Principal, Postos de Distribuição e de Abastecimento da empresa. Tal sistemática permite que se tenha conhecimento das operações de circulação de mercadorias realizadas em cada Município por cada um dos estabelecimentos da Consulente. Nesse sentido, simplifica e possibilita a apreciação do valor adicionado por cada Município ao ICMS estadual, de modo que se apure facilmente o índice de participação de cada um no produto da arrecadação do ICMS. Da mesma forma, os Postos de Distribuição e de Abastecimento devem elaborar Declaração Fisco Contábil, onde constarão as operações ali realizadas.

Destarte, o Termo de Acordo encontra-se de acordo com as prescrições do art. 148 da Constituição Federal, das disposições da Lei Complementar Federal n.º 63/90 e da Lei Estadual n.º 9.491/90, com as alterações promovidas pela Lei Complementar Estadual n.º 59/01.

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5. Existe a possibilidade legal de o Município Y pretender que, para fins de cálculo do seu percentual no FPM sejam consideradas as operações de circulação de mercadorias ocorridas fora de seu território, mesmo que apuradas, por força do "regime especial", pelo estabelecimento centralizador da Empresa X localizado no Município Y?

Não existe a possibilidade legal de o Município de Y pretender que, para fins de cálculo do seu percentual no FPM sejam consideradas as operações de circulação de mercadorias ocorridas fora de seu território, mesmo que apuradas, por força do "regime especial", pelo estabelecimento centralizador da X, lá localizado.

O critério adotado pela Constituição Federal para determinar o percentual de participação de cada Município no produto da arrecadação do ICMS é o montante das operações de mercadorias realizadas no respectivo território municipal, conforme seu art. 158, parágrafo único, inciso I:

Art. 158. (...)

Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:

I – três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seu seus territórios.

Portanto, ainda que houvesse disposição legal em contrário, isto é, determinando a possibilidade de que Municípios pudessem exigir parcela de ICMS de operações de circulação de mercadorias realizadas fora de seus territórios, esta seria inválida (=inconstitucional), pois estaria em manifesto confronto com o que prevê a Magna Carta. Entretanto, cumpre gizar que toda a legislação infraconstitucional – federal (Lei Complementar n.º 63/90) e estadual (Lei Estadual n.º 9.491/90) – está de acordo com a Constituição Federal nesse ponto.

A pretensão do Município Y de exigir participação do ICMS sobre operações de circulação de mercadorias realizadas fora de seus limites viola o art. 160 da CRFB/88, que assim prescreve:

Art. 160. É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos.

Entretanto, cumpre ressaltar que há exceção a esta regra, que é o art. 148, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal, regulado pelo art. 1º, incisos II a VI, da Lei Estadual n.º 9.491/90 e art. 4º da Lei Complementar Estadual n.º 59/91.

Da mesma forma, salienta-se que não é o local em que é realizada a escrituração fiscal que determina o local da ocorrência do fato gerador do ICMS. O fato de a escrituração realizar-se na cidade "A" e a operação de circulação de mercadoria ter-se realizado na cidade "B" não importa concluir que o fato gerador ocorreu na cidade "A". Com efeito, quem determina o local da ocorrência do fato gerador é a própria hipótese de incidência tributária, também denominada de regra-matriz de incidência tributária, depreendida diretamente da Constituição Federal e da legislação que a complementa. É ela que determina o estabelecimento onde se encontre a mercadoria no momento da circulação, na forma do art. 11, inciso I, alínea a, da Lei Complementar Federal n.º 87/96.

6. O Termo de Acordo infringe as disposições dos artigos 48, I; 158, IV, § único, I, da Constituição Federal; e do artigo 132 da Constituição do Estado do Paraná?

O Termo de Acordo não infringe nenhuma das disposições citadas.

Prescreve o art. 48, I, da Constituição Federal:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

I - sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas;

Não há violação a este dispositivo, pois o Termo de Acordo não caracteriza usurpação da competência do Congresso Nacional para dispor sobre sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas. Muito antes pelo contrário, o instrumento está de acordo com todas as disposições legais constitucionais que dispõem sobre estes temas, além de ter sido firmado por agente público competente e com poderes para tanto.

Também não há qualquer violação ao art. 158, inciso IV, parágrafo único, I, da Constituição Federal. Segundo este dispositivo constitucional o Município tem direito à parcela do produto da arrecadação do ICMS apenas das operações de circulação de mercadorias realizadas em seu território. A escrituração centralizada instituída pelo Termo de Acordo mantém esta sistemática, na medida em que estas operações são escrituradas separadamente para cada Município do Estado do Paraná, o que permite aferir o valor adicionado por cada Município ao ICMS e apurar o seu percentual de participação, nos estritos limites constitucionais.

Da mesma maneira, o art. 132 da Constituição do Estado da Paraná não foi violado. Como este artigo limita-se a informar que a repartição das receitas tributárias do Estado do Paraná obedece ao que, a respeito, determina a Constituição Federal e, estando o Termo de Acordo em comento de acordo com a própria Carta Política, pelas razões acima já aduzidas, não há falar em violação.

Na realidade, são a interpretação e a pretensão equivocadas do Município Y que patrocinam violação aos arts. 18, 25, 37, caput, 158, IV, parágrafo único, I, e 160 da Constituição Federal, arts. 87, XVIII, e 132 da Constituição do Estado do Paraná, arts. 11, I, a, e 12, I, da Lei Complementar Federal n.º 87/96, art. 1º da Lei Estadual n.º 9.491/90 e arts. 42 e 43 da Lei Estadual 11.580/96.

Salvo melhor juízo, é o nosso parecer.

Andrei Cassiano

OAB/RS

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Sobre o autor
Andrei Cassiano

advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASSIANO, Andrei. ICMS e repartição constitucional das receitas tributárias:: Município só participa da arrecadação do estabelecimento situado em seu território. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1475, 16 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16787. Acesso em: 24 abr. 2024.

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