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Interposição de recurso especial pelo MP independe de delegação do Procurador-Geral de Justiça

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26/12/2007 às 00:00
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DO MÉRITO

Superada a preliminar acerca da legitimidade do representante do Ministério Público do Estado de Goiás para a interposição do presente recurso, passemos a análise do mérito do apelo excepcional.

Quanto à alínea "a" do permissivo constitucional, temos que o recurso reúne condições de admissibilidade, face o preenchimento do necessário requisito do prequestionamento, vez que tratando-se de questão surgida no acórdão ora recorrido, viabiliza-se o apelo derradeiro com sucesso.

Nesse ponto, o recorrente aponta violação aos arts. 39, § 5º, 40, 41 e 43 do Código de Processo Penal, que dispõem:

"Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial.

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§ 5º – O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.

Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os Juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

..................................................................................................................................................

Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I – o fato narrado evidentemente não constituir crime;

II – já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;

III – for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal."

O cerne da questão reside, pois, na discussão acerca da possibilidade de o Ministério Público propor ação penal, unicamente com base em informações obtidas através de procedimento administrativo instaurado pelo próprio Parquet, prescindindo, pois, do inquérito policial.

Temos que sim.

Cumpre mencionar que, em 11 de maio de 2005, a Associação de Delegados de Polícia do Brasil interpôs Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (ADI 3494), tendo como relator o Ministro Gilmar Mendes, para questionar a constitucionalidade da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Goiás, que atribuiu aos membros do Ministério Público Estadual a tarefa de investigar diretamente a ocorrência de infrações criminais. Até a presente data, porém, esta ADI encontra-se pendente de julgamento.

Inobstante isso, temos o entendimento de que a Constituição Federal de 1988, ao alterar o perfil do Ministério Público, atribuindo-lhe a função precípua de zelar pelo respeito aos direitos assegurados constitucionalmente (art. 129, II, da CF), deu também ao Ministério Público poderes para investigar a ocorrência de crimes de ação pública.

Não seria razoável que o Constituinte tivesse atribuído ao Ministério Público o monopólio da ação penal pública, mas lhe tivesse vedado o exercício dos meios necessários para a instauração de tal ação, atrelando, dessa maneira, a promoção do jus puniendi do Estado à atuação prévia da Polícia.

Entendimento contrário seria mitigar a atuação do Ministério Público, tornando-o praticamente inerte, condicionado ao impulso exclusivo da Polícia.

Sobre o assunto, convém citar:

"Pode-se invocar, nesse tema, a doutrina dos poderes implícitos, até mesmo pelo prisma de quem não a encara com entusiasmo. É o caso, por exemplo, de José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, que, embora não adiram sem ressalvas a essa escola, admitem como implícitas as ´competências instrumentais necessárias para dar sentido útil às competências constitucionais.´

Ora, é evidente que o poder de investigação próprio é um instrumento inerente ao dever de ajuizar a ação penal pública, pois esta se esvazia quando a fase pré-processual não é desenvolvida com a necessária eficiência. Bem a propósito, Miguel Reale adverte que:

‘a hermenêutica constitucional, especialmente no que tange ao problema das competências, além de considerar os poderes explícitos conferidos a um órgão, leva em conta os poderes implícitos, sem os quais ficaria ele impedido de exercer suas atribuições de maneira autônoma’.

Em verdade, a Polícia Judiciária nunca deteve o monopólio de investigação criminal. Atividade de auto-defesa, compreende-se que o Estado se organize para exercê-la. Essa tarefa, entretanto, não cerceia a iniciativa de outras autoridades, administrativas, quando autorizadas pela lei (CPP, art. 4º, parágrafo único), nem do particular ou, menos ainda, do próprio Ministério Público.

Afinal, nada impede – e, antes, tudo recomenda – que o titular da ação penal se prepare para o exercício responsável da acusação. Como já se observou, há nessa hipótese um poder implícito, inerente a seu específico papel na persecução penal: ninguém ignora que a lei, quando confere a um Poder ou órgão do Estado competência para fazer algo, implicitamente lhe outorga o uso dos meios idôneos. (...)"

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Frise-se que a Constituição Federal, em seu art. 144, § 4º, incumbiu à Polícia Civil a função de apuração das infrações penais, porém, não trouxe nenhuma cláusula de exclusividade sobre essa função.

Ademais, a não exclusividade da investigação criminal pela Polícia Civil é intrínseca ao ordenamento constitucional brasileiro, que prevê como meios alternativos de investigação, por exemplo, os inquéritos parlamentares e o inquérito civil.

Ainda para corroborar esse entendimento, salientamos que o art. 39, § 5º, do Código de Processo Penal, prevê que nem mesmo o inquérito é essencial para o oferecimento da denúncia, desde que existam elementos probatórios que habilitem o Ministério Público à propositura da ação penal.

Dessa forma, se o próprio ordenamento prescreve explicitamente que nem mesmo o inquérito é imprescindível, não há que se falar em inépcia da denúncia, precedida apenas de procedimento investigatório instaurado no âmbito do próprio Ministério Público.

Este também é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, de onde citamos os recentes precedentes:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROCEDER À INVESTIGAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. PODER INVESTIGATÓRIO INERENTE À TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INQUISITORIAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PARTICIPAÇÃO DO MEMBRO DO PARQUET NA FASE INVESTIGATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. SÚMULA 234/STJ. ORDEM DENEGADA.

1. Satisfazendo a peça acusatória os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, a elucidação dos fatos, em tese delituosos, descritos na vestibular acusatória, depende da regular instrução criminal, com o contraditório e a ampla defesa, uma vez que o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus somente é possível quando verificadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de mínimos indícios de autoria e prova da materialidade.

2. ´Na esteira de precedentes desta Corte, malgrado seja defeso ao Ministério Público presidir o inquérito policial propriamente dito, não lhe é vedado, como titular da ação penal, proceder a investigações. A ordem jurídica, aliás, confere explicitamente poderes de investigação ao Ministério Público - art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar nº 75/1993´ (REsp 665.997/GO, Rel.: Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ de 30/5/2005, p. 408), a fim de viabilizar o cumprimento de sua função de promover, privativamente, a ação penal pública.

3. O inquérito policial, por ser peça meramente informativa, decorrente de atividade administrativa inquisitorial, não é pressuposto para o oferecimento de denúncia, que pode estar fundada em outros elementos que demonstrem a existência de crime e indícios de autoria, inclusive colhidos pelo titular da ação penal pública.

4. Os princípios constitucionais que asseguram o contraditório e a ampla defesa não se aplicam ao procedimento administrativo inquisitorial, o qual constitui mera peça informativa.

5.´A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia´ (Súmula 234/STJ).

6. Ordem denegada." (HC 55.100/RJ, Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, publicado no DJ de 29.05.2006).

"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DENÚNCIA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. PODERES DE INVESTIGAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ.

1. É consectário lógico da própria função do órgão ministerial - titular exclusivo da ação penal pública - proceder à coleta de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria.

2. A Polícia Judiciária não possui o monopólio da investigação criminal. Embora seja defeso ao Ministério Público presidir o inquérito policial propriamente dito, a competência da polícia judiciária não exclui a de outras autoridades administrativas.

3. A ordem jurídica confere explicitamente poderes de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar n.º 75/1993.

4. A atuação do Parquet não está adstrita à existência do inquérito policial, que pode até ser dispensado, na hipótese de já existirem elementos suficientes para embasar a ação penal.

5. Precedentes do STJ.

6. Writ denegado." (HC 48.479/RJ, Relatora: Ministra Laurita Vaz, publicado no DJ de 02.05.2006).

"HABEAS CORPUS. PREFEITO MUNICIPAL. INVESTIGAÇÕES REALIZADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE DO PARQUET PARA PROCEDER INVESTIGAÇÕES. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME DE AUTORIA COLETIVA. TIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA.

1. Em que pese o Ministério Público não poder presidir inquérito policial, a Constituição Federal atribui ao parquet poderes investigatórios, em seu artigo 129, incisos VI, VIII e IX, e artigo 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar n.º 75/1993. Se a Lei maior lhe atribui outras funções compatíveis com sua atribuição, conclui-se existir nítida ligação entre poderes investigatórios e persecutórios. Esse poder de modo algum exclui a Polícia Judiciária, antes a complementa na colheita de elementos para a propositura da ação, pois até mesmo um particular pode coligar elementos de provas e apresentá-los ao Ministério Público. Por outra volta, se o parquet é o titular da ação penal, podendo requisitar a instauração de inquérito policial, por qual razão não poderia fazer o menos que seria investigar fatos?

2. Não há falar em inépcia da acusatória quando presentes os pressupostos do artigo 41 do Código de Processo Penal, propiciando ao denunciado o exercício da ampla defesa, bem como permitindo uma adequação típica do fato, o reconhecimento do nexo causal e a delimitação e a especificação da conduta.

..................................................................................................................................................

4. Ordem denegada, ficando prejudicada a liminar anteriormente deferida." (HC 38.495/SC, Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa, publico no DJ de 27.03.2006).

Sendo assim, temos que o acórdão guerreado – indiscutivelmente – violou os arts. 39, § 5º, 40, 41 e 43, todos do Código de Processo Penal, ao determinar o trancamento da ação penal, sob o fundamento da nulidade da exordial acusatória oferecida pelo Parquet.

Também no que pertine à alínea "c" do permissivo constitucional, é evidente o dissídio jurisprudencial, inclusive conforme precedentes retro indicados.

Desta sorte, temos que o recurso deve ser conhecido pela incidência tanto na alínea "c" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, como na alínea "a" do mesmo permissivo constitucional.

Diante do exposto, opina o Ministério Público Federal pelo conhecimento e provimento do presente recurso, para que seja cassado o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, inclusive com a declaração incidental, se necessário, da inconstitucionalidade dos arts. 52, IX, 55, parágrafo único, e 56, IV, todos da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Goiás (Lei Complementar estadual n° 25, de 6 de julho de 1998), na parte em que dispõe ser privativa do Procurador-Geral de Justiça a competência para interpor recursos perante os Tribunais Superiores, nos termos dos arts. 480 e seguintes do Código de Processo Civil, art. 97 da Constituição Federal e arts. 199 e 200 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Brasília, 13 de novembro de 2006.

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Sobre o autor
Brasilino Pereira dos Santos

procurador regional da República, mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Brasilino Pereira. Interposição de recurso especial pelo MP independe de delegação do Procurador-Geral de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1638, 26 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16830. Acesso em: 24 nov. 2024.

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