A CONSULTA
Honra-nos a sociedade empresária CONSULENTE, por meio de seu Departamento Jurídico, com pedido de parecer sobre a situação fática descrita abaixo:
As filiais da CONSULENTE, em São Paulo, sofrem autuações por circular em horários proibidos, na área denominada de centro expandido, cujas sanções pecuniárias são repassadas aos clientes que exigem a prestação de serviços nos horários com restrições de circulação.
Entretanto, a CONSULENTE, em razão da autuação e para preservar seus colaboradores, não indica o condutor, tendo-se em vista que, se assim procedesse, seus motoristas ficariam impedidos de dirigir, considerando-se o elevador número de infrações.
Mas, o fato de a CONSULENTE não indicar condutor provoca, conforme previsão do Código de Trânsito Brasileiro e Resolução do CONTRAN, a multiplicação dos valores das multas, tanto que há caminhões com multas altíssimas, a inviabilizar a continuidade da prestação dos serviços.
Complementando tal situação, a empresa Consulente enviou-nos Notificação de Infração de Trânsito, originária do auto de infração nº. 104026272, datado de 5 de junho de 2012, referente ao veículo modelo VOYAGE, placa AAA0000.
Em razão dessa situação, a CONSULENTE apresenta a seguinte indagação:
Quais as medidas administrativa e/ou judicial cabíveis para possibilitar o cancelamento das autuações e a não aplicação das sanções de trânsito, com a consequente multiplicação dos valores das multas?
RESPOSTA
Inicialmente, diante da situação fática, explica-se que o centro de expandido da cidade de São Paulo é uma área localizada no centro histórico e delimitada pelo chamado minianel viário, compostos pelas marginais Tietê e Pinheiros, mais as avenidas Salim Farah Maluf, Afonso d’Escragnolle Taunay, Bandeirantes, Juntas Provisórias, Presidente Tancredo Neves, Luis Inácio de Anhaia Melo e o Complexo Viário Maria Maluf, cuja região concentra a maior parte dos serviços e empregos.
No que tange à circulação de caminhões, o município de São Paulo possui áreas e vias definidas por legislação específica onde o trânsito de caminhões é proibido, a saber:
- ZONA DE MÁXIMA RESTRIÇÃO DE CIRCULAÇÃO – ZMRC: área do município de São Paulo como restrição de caminhões, que concentra núcleos de comércio e serviços.
- ZONA ESPECÍFICA COM RESTRIÇÃO À CIRCULAÇÃO – ZERC: área ou via em Zonas Exclusivamente Residenciais – ZERs, com necessidade de restrição ao trânsito de caminhões, a fim de promover condições de segurança e/ou qualidade ambiental.
- VIAS ESTRUTURAIS RESTRITAS – VER: vias e seus acessos, com restrição ao trânsito de caminhões, em horário determinado por meio de regulamentação local, com características de trânsito rápido ou arterial, bem como túneis, viadutos e pontes que dão continuidade a tais vias e constituem a estrutura do sistema viário.
Em tais áreas e vias apenas os caminhões isentos (art. 29, inc. VII - Código de Trânsito Brasileiro) ou excetuados e desde que previamente autorizados pela Secretaria Municipal de Transportes (SMT) podem transitar em caráter excepcional.
A área de abrangência, os dias e os horários de restrição ao trânsito de caminhões estão fixados em legislação específica.
Para tais situações aplicam-se as seguintes legislações: Decreto nº 48.338/07; Decreto nº 49.487/08; Decreto nº 49.636; Decreto nº 49.637/08; Decreto nº 49.675/08; Decreto nº 49.800/08; Decreto nº 49.801/08; Decreto nº 50.164/08; Portaria nº 104/08 - SMT.GAB; Portaria nº 105/08 - SMT.GAB; Portaria nº 106/08 - SMT.GAB; Portaria nº 109/08 - SMT.GAB; Portaria nº 150/08 - SMT.GAB; Portaria SMT GAB 035-09 - prorrogação de VUC -1º de maio de 2009 a 30 de novembro de 2009; Portaria SMT GAB 085-09 - prorrogação de VUC - 1º de dezembro de 2009 a 31 de março de 2010; Portaria SMT GAB 020-10 - prorrogação de VUC - 1º de abril de 2010 a 30 de junho de 2010; Portaria SMT GAB 055-10 - prorrogação de VUC - 1º de julho de 2010 a 30 de novembro de 2010; Portaria SMT GAB 113-11 - VER Radial Leste; Portaria SMT GAB 137-11 - VER Morumbi e Marginal Pinheiros; Portaria SMT GAB 025-12 - Marginal Tietê; Lei 14.751-08 Decreto nº 53.149/12.
Além das restrições às áreas e vias definidas acima (ZMRC, ZERC e VER), há, ainda, as vedações à livre circulação em decorrência da Operação Horário de Pico, estabelecida pelo Programa de Restrição ao Trânsito de Veículos Automotores (Lei nº. 12.490/97, Dec. 37.085/97, Lei 14.751/08 e Dec. 49.800/08) popularmente conhecido como Rodízio Municipal.
Quanto ao Rodízio de Caminhões, desde 28 de julho de 2009, aplicam-se, para a circulação no centro expandido de São Paulo, as mesmas regras implantadas para os automóveis, conciliando o dia da semana, com o final da placa, sendo: SEGUNDAS-FEIRAS – placas 1 e 2; TERÇAS-FEIRAS – placas 3 e 4; QUARTAS-FEIRAS – placas 5 e 6; QUINTAS-FEIRAS – placas 7 e 8, SEXTAS-FEIRAS – placas 9 e 0, a implicar no impedimento à circulação nos horários das 7h às 10h e das 17h às 20h, no centro expandido e nas seguintes vias: Marginal do Rio Tietê, (entre a Avenida Salim Farah Maluf e Marginal do Rio Pinheiros); Marginal do Rio Pinheiros, (da Marginal do Rio Tietê até a Avenida dos Bandeirantes); Avenida dos Bandeirantes (toda a extensão); Avenida Affonso D'Escragnolle Taunay (toda a extensão); Complexo Viário Maria Maluf (toda a extensão); Avenida Presidente Tancredo Neves (toda a extensão); Rua das Juntas Provisórias (toda a extensão); Rua das Juntas Provisórias (toda a extensão); Viaduto Grande São Paulo (toda a extensão); Avenida Professor Luís Ignácio de Anhaia Melo, (entre o Viaduto Grande São Paulo e a Avenida Salim Farah Maluf); Avenida Salim Farah Maluf (toda a extensão).
Explicitadas tais premissas e delimitadas a ZONA DE MÁXIMA RESTRIÇÃO DE CIRCULAÇÃO – ZMRC, a ZONA ESPECIAL COM RESTRIÇÃO A CIRCULAÇÃO – ZERC, as VIAS ESTRUTURAIS RESTRITAS – VER e, por fim, o PROGRAMA DE RESTRIÇÃO AO TRÂNSITO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES, será possível compreender e traçar a melhor estratégia para a proteção dos interesses da Consulente, visando à suspensão/cancelamento das autuações, assim como a não aplicação de outras penalidades.
Quanto à livre circulação dos caminhões na ZONA DE MÁXIMA RESTRIÇÃO DE CIRCULAÇÃO – ZMRC, na ZONA ESPECIAL COM RESTRIÇÃO A CIRCULAÇÃO – ZERC e nas VIAS ESTRUTURAIS RESTRITAS – VER, a Consulente deverá obter uma AUTORIZAÇÃO ESPECIAL – CARTÃO CAMINHÃO -, justamente para possibilitar a livre circulação, tendo-se em vista que, diante da atividade desenvolvida, há autorização específica para os serviços de concretagem e concretagem-bomba, com direito ao trânsito livre entre às 5h e 16h (http://www.cetsp.com.br/consultas/caminhoes/resumo-das-restricoes.aspx).
Todas as autorizações especiais são concedidas mediante o preenchimento dos requisitos objetivos previstos na legislação municipal, com os devidos regulamentos, para cada um dos veículos da frota da empresa Consulente, pelo Departamento de Operação do Sistema Viário (DSV), sendo a AUTORIZAÇÃO ESPECIAL – Cartão Caminhão – documentos indispensável à livre circulação às áreas de restrição.
Tal medida administrativa é fundamental para que os veículos da Consulente não sejam autuados nas vias de circulação restrita, no centro expandido de São Paulo.
Quanto às autuações já impostas, tendo-se como fato gerador a circulação nas vias restritas, a medida cabível é a judicial, visando à anulação das autuações, assim como das sanções pecuniárias multiplicadoras, com base na exceção à livre circulação dos veículos destinados à prestação dos serviços de concreto e concretagem-bomba.
Na interposição desta medida judicial, buscar-se-á o desenvolvimento da tese de que o ato concessivo à livre circulação tem natureza declaratória. Logo, com o preenchimento dos requisitos legais, obrigatória e impositiva a concessão da AUTORIZAÇÃO ESPECIAL, cujo efeito tem natureza retroativa – ex tunc -, fato que provocará a anulação das autuações pretéritas.
Quanto às autuações de trânsito advindas da circulação, pelo centro expandido, dentro do horário de restrição imposto pelo PROGRAMA DE RESTRIÇÃO AO TRÂNSITO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES – Rodízio, a Consulente tem à disposição medidas administrativa e judicial, visando, no primeiro momento, a não aplicação de novas sanções administrativas e, em um segundo momento, a anulação das autuações, com o consequente cancelamento das penalidades administrativas e pecuniárias.
No que tange à questão, fundamental observar a Lei Municipal nº 12.490/97, regulamentada pelo Decreto Municipal nº 37.085/97, Lei Municipal nº 14.751/08, regulamentada pelo Decreto Municipal nº 49.800/08, cuja aplicação, de cada Diploma, dependerá da data das autuações – tempus regit actum.
Sob o enfoque da Lei Municipal n. 14.751/2008, que dispõe sobre a implantação de Programa de Restrição ao Trânsito de Veículos Automotores Pesados, do tipo caminhão, no Município de São Paulo, prescreve o seu art. 2º, II, que a “restrição ao trânsito não se aplicará aos seguintes veículos pesados do tipo: (...) outros, empregados em serviços essenciais e de emergência, conforme definido em regulamento”, no caso, no Decreto Municipal nº 49.800/08, que, em seu art. 5º, II, excepciona a livre circulação dos veículos “empregados em serviços essenciais e de emergência”, cujo parágrafo único, definidor dos serviços essenciais e de emergência, remete àqueles previstos no inciso VI, do art. 5º, do Decerto Municipal nº 37.085/97, que regulamentou a Lei Municipal nº 12.490/97, sendo um rol meramente exemplificativo.
Considerando-se como rol meramente exemplificativo, tendo-se em vista a abrangência dos serviços essenciais, a configurar exceção ao PROGRAMA DE RESTRIÇÃO, é indiscutível a essencialidade do tráfego dos caminhões-betoneira, uma vez que a interrupção ou o retardamento na aplicação do concreto prejudicará a qualidade do produto, sua resistência, bem com a sua durabilidade.
Aliás, sobre o tema, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT emitiu o elucidativo Parecer Técnico nº 6918/97, que assim dispôs:
“Caminhões-betoneiras, uma vez voluntariamente carregados com cimento, água e agregados, transporta um produto perecível, o concreto fresco, uma vez, decorrido o tempo de início de pega e iniciadas as reações de hidratação do cimento, o produto perde a propriedade fundamental de trabalhabilidade, vindo a extinguir-se como concreto fresco, passando a concreto endurecido, e vindo a tornar-se impróprio para o uso caso não tenha sido entregue a tempo”.
Ademais, considerando-se a essencialidade do serviço, em decorrência do transporte de produto perecível, o Departamento do Sistema Viário editou as Portarias nsº 104/08 e 105/08, autorizando a circulação de caminhões betoneiras, na Zona Máxima de Restrição de Circulação - ZMRC.
Ademais, neste ponto, a norma municipal que impõe restrições não comporta interpretação ampliativa, a fim de penalizar empresas que prestam serviços essenciais ou, que transportam produtos perecíveis.
A Constituição Federal, ao cuidar da Ordem Econômica e Financeira, impede, no parágrafo único, do art. 170, a criação de embaraços à atividade produtiva.[1]
Não há como impedir a concretagem ou a construção civil nos horários definidos pelo serviço de trânsito do município. As empresas, como a Consulente, não podiam ser compelidas a comprarem outros veículos, com placas que permitissem a circulação por aqueles dias e honorários.
Logo, em razão da exceção prevista na Lei Municipal nº 14.751/2008, regulamentada pelo Decreto Municipal nº 49.800/08, os veículos destinados aos serviços de concretagem e concretagem-bomba enquadram-se na exceção à livre circulação de veículos, a possibilitar a circulação no centro expandido de São Paulo, afastando-se as sanções de trânsito.
Quanto às autuações já impostas, tendo-se como fato gerador a circulação nos horários de restrição, a medida cabível é a judicial, visando à anulação das autuações, assim como das sanções pecuniárias multiplicadoras, com base na Lei Municipal nº 12.490/97 e Decreto Municipal nº 37.085/97 ou na Lei Municipal nº 14.751/08 e Decreto Municipal nº 49.800/08, a depender da data da autuação, sob o fundamento da essencialidade dos serviços de concretagem, cuja exceção à restrição da livre circulação impossibilitava a aplicação das sanções de trânsito e das posteriores penalidades.
Com a finalidade de se evitar futuras autuações, em decorrência do PROGRAMA DE RESTRIÇÃO, a empresa Consulente solicitará, para todos os caminhões da frota, AUTORIZAÇÃO ESPECIAL – AE -, para a livre circulação, diretamente ao Departamento do Sistema Viário (DSV-AE), entidade ligada à Secretaria Municipal de Transportes (SMT).
Portanto, conclui-se que a Consulente possui medidas administrativas e judiciais para obter a anulação das autuações pretéritas, tanto daquelas decorrentes da circulação nas ZONAS DE RESTRIÇÃO, bem como daquelas impostas pelo PROGRAMA DE RESTRIÇÃO – Rodízio Municipal, mediante a obtenção de AUTORIZAÇÃO ESPECIAL, com direito à livre circulação nas zonas de restrição e nos períodos de rodízio municipal.
É o parecer.
Nota
[1] Cf.: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35ª ed., São Paulo: Malheiros, 2012, pág. 796/797.