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Cassação de mandato de conselheiro tutelar - tutela de urgência - decisão de mérito - ação civil pública

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Decisão de mérito proferida em ação civil pública para determinar o imediato afastamento do cargo de conselheira tutelar da ré.

PROCESSO:

CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARÁ

RÉ:

SENTENÇA COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO

RELATÓRIO

Cuida-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARÁ em face de ...., brasileira, filha de ...., nascida no dia...., natural de ..., residente na rua das...., s/nº, bairro...., Outeiro, Distrito de Belém/PA. 

Afirma o autor que a ré concorreu ao pleito para escolha de Conselheiro Tutelar do Distrito de ...., no dia 06 de outubro de 2019, quando teria sido eleita com... votos.

Esclarece, contudo, que, naquele dia, a equipe do Juizado da Infância e Juventude Distrital de Icoaraci, flagrou no interior da...., local onde funcionava várias seções eleitorais, a irmã da ré..., distribuindo “santinhos” e comprando votos para ela, cujo fato teria sido constatado pelo representante do COMDAC, da FUNBOSQUE, por agentes de proteção e de guardas municipais.

Relata que todo material foi apreendido e uma representação/denúncia foi encaminhada para este Juízo, que a remeteu para apuração do COMDAC, com base nas disposições da Resolução nº 10/2019, encaminhando-a também para o Ministério Público.

No COMDAC, entretanto, a denúncia foi erroneamente tratada como um “recurso”, que foi negado, em afronta à Resolução nº 10/2019, proferindo uma decisão teratológica, fato que motivou o ajuizamento desta ação.

O MPE observou a presença de conduta vedada no processo eleitoral que beneficiou a ré.

Quanto à fundamentação jurídica, o autor trouxe a baila o disposto no § 3º do artigo 139 do ECA; a Lei Municipal nº 8.155/2002 e a Resolução COMDAC nº 010/2019.

Segundo o autor, portanto, a conduta é vedada porque não é lícita a compra de votos e nem tampouco a realização de propaganda no dia da eleição, ressaltando, ademais, que não há necessidade para a sua caracterização que haja pedido expresso de voto (Lei nº 9.504/1997, artigo 41-A, § 1º).

Ao final, requereu a citação; a produção de prova testemunhal e o depoimento pessoal da ré, além do depoimento de sua irmã..., assim como a procedência do pedido, com a cassação da candidatura da ré, do diploma ou mesmo a perda do mandato, quando acostou os documentos que entendeu necessários.

No ID 14580766 determinei a citação pessoal e o cumprimento das letras “c” e “d” da inicial, sob as penas do artigo 236 do ECA.

A ré foi citada (ID 14933151).

O COMDAC encaminhou resposta no ID 14927066.

Contestando o pedido no ID 15390736, alegou a ré; a) que não pode controlar seus apoiadores, inclusive familiares; b) que não fez propaganda no dia da eleição; c) que sua irmã... apenas estava na fila para exercer seu direito de voto; d) que, para a caracterização da compra de votos ou de “boca de urna”, é necessária a anuência do candidato – o que nunca existiu -, além da necessidade de provas robustas e a identificação de algum eleitor; e, por fim, e) que a decisão do COMDAC foi correta.

A ré arrolou testemunhas e juntou documentos.

No despacho do ID 15464100 determinei a manifestação do MPE sobre a contestação e que as partes dissessem sobre as provas que pretendiam produzir em audiência. Somente o autor cumpriu a ordem.

Audiência de instrução e julgamento para o dia 27.08.2020, que não se realizou e foi renovada para o dia 02.10.2020.

No ato foram colhidos o depoimento pessoal da ré ... e das testemunhas ... e .... Na oportunidade as partes desistiram das outras testemunhas arroladas, entre elas a da pessoa chave do processo ..., que foi devidamente intimada e não compareceu.

As partes apresentaram suas alegações finais.

Verifica-se que não houve a interposição de nenhum recurso.

É o relatório. DECIDO.

FUNDAMENTAÇÃO.

Não há questões preliminares pendentes de apreciação.

Nenhum documento juntado pelas partes foi objeto de impugnação, restando todos aptos à análise deste magistrado.

Como disse, pretende o autor, já agora, a cassação do mandato de conselheira tutelar..., candidata eleita no pleito de 06 de outubro de 2019, para o Distrito de ..., com ... votos, ao fundamento de que sua irmã... teria sido flagrada no interior da Escola..., local onde funcionava várias seções eleitorais, distribuindo “santinhos” com o nome e foto daquela, além de valor em dinheiro para a compra de voto.

O fato teria sido constatado por representantes do Comissariado dos Agentes de Proteção desta vara, entre outros.

No mais, com base na jurisprudência do TSE, por analogia, afirmou a desnecessidade da participação direta do candidato para que a infração ocorra.

A cronologia indica que este magistrado recebeu comunicação do fato e a encaminhou a denúncia para o MPE no dia 09.10.2019 (ID 13510897).

A denúncia, segundo documento acostado no ID 13510897, não impugnado pelas partes – repito, refere claramente que no dia 06 de outubro de 2019, por volta de 16h20min, a equipe do Juizado da Infância e Juventude, em ação de fiscalização de rotina na Ilha de..., foi acionada por uma mulher dando conta de que a irmã da ré estaria na fila de votação distribuindo “santinhos” e comprando votos, no caso a Sra...., servidora da FUNBOSQUE, local onde estavam funcionando algumas seções eleitorais.

Instada, ainda na fila de votação, inclusive por um representante do COMDAC e por outras pessoas, em um local reservado, ...... retirou do “cós de sua calça diversos papéis contendo a foto e número da candidata... (“santinhos”) e, ainda, valor em dinheiro (que não foi contabilizado), sendo imediatamente entregues ao representante do COMDAC, Sr. Antônio para as providências cabíveis.”

O documento do ID 13510897 aponta que na Escola... funcionou onze (11) seções eleitorais e que a ré foi eleita com... votos (quinta colocação).

Em que pese o esforço do MPE, o COMDAC recebeu a Notícia de Fato nº 005158-131/2019 em 10.10.2019, ID 13510897, como se fosse um RECURSO, negando-lhe provimento pela Resolução 115/2019 (idem, p. 20), do que, evidentemente, não se tratava. Tal episódio inexplicável ratificou o possível ilícito.

Consta dos autos, também, no ID 14994732, p. 3, uma denúncia sobre o mesmo fato realizada na época pela candidata..., protocolada em 08.10.2019, da qual não se conhece a resposta.

Reputando de fundamental importância, tem-se no ID 14994732, p. 9-10, o parecer da Comissão Distrital reconhecendo a prática da conduta vedada e a infringência aos artigos 42 e 51 da Resolução COMDAC nº 010/2019 e § 3º do artigo 139 do ECA, além de atestar a presença física da ré no local de votação, o que também foi solenemente ignorado pelo COMDAC.

Registro, na oportunidade, que o Presidente do COMDAC, mesmo após requisição deste Juízo, não encaminhou os “santinhos” apreendidos e nem o valor em dinheiro, afirmando que este não lhe teria sido entregue.

Após a devida análise da prova documental produzida nos autos, forçoso concluir pela existência do fato descrito na inicial, ou seja, que a irmã da ré foi flagrada, no dia da eleição, dentro de um local de votação, coaptando eleitores para ela, mediante a distribuição de “santinhos” e o oferecimento de valor em dinheiro, da e na forma que descreverei a seguir. Pode-se dizer, ainda, com base nas declarações do Presidente da Comissão, que a própria candidata/ré se encontrava no local, sendo impossível, ao meu sentir, que não soubesse o que sua irmã estava fazendo. Todos estavam vendo...

Em sede de contestação a ré, primeiramente, não negou que sua irmã também estivesse no local. Disse que não pode controlar seus eleitores; que não teve conhecimento do fato; que não pediu tal coisa e que acredita na negativa de sua irmã.

No contexto da prova testemunhal, de forma clara e robusta, verifica-se que..., muito embora intimada para comparecer neste Juízo (ID 19908875 e 19908877), não atendeu ao chamado sem apresentar qualquer justificativa, prejudicando, a meu ver, a própria requerida, haja vista que bem poderia esclarecer os fatos.

Em depoimento pessoal a ré... disse que sua irmã estava no local de votação e que tinha consigo sete ou oito “santinhos” de sua propaganda, negando a prática de qualquer conduta ilícita. Aqui já se vislumbra a realização de propaganda no dia da eleição e dentro de um local de votação importante do Distrito de ..., o que também é proibido pela legislação da regência.

A testemunha..., agente de proteção deste Juízo, acompanhou a coordenadora da ação, desde quando entrou no local, após receber denúncia. Afirmou que... estava no interior da Escola..., mas não na fila de uma seção eleitoral e que na abordagem, não estava ela distribuindo “santinhos” e nem comprando votos. Contudo, ... teria entregue para a coordenadora, mais ou menos, vinte “santinhos” com propaganda da ré, que estavam no cós de sua calça comprida, onde estavam grampeadas cédulas de dez e de vinte reais. E mais: também foram encontrados com ela uma relação contendo nomes e valores em dinheiro.

A também agente de proteção ..., para além de confirmar o que disse seu colega, ainda esclareceu: “Que alguns eleitores que estavam na fila confirmaram que pegaram o ‘santinho’ com dinheiro, mas que não iriam votar na candidata;” e “Que os valores anotados na lista após o nome era de vinte reais e de sessenta reais, quando se tratava de família/parente, fato que notou por causa do sobrenome igual;”.

Nessa toada, tal como a prova documental revelou, a testemunhal só corroborou a existência do fato articulado na inicial. Na outras ponta, em que pese as suas alegações, a ré não trouxe nenhuma prova aos autos que abonasse os seus argumentos, nem mesmo as declarações de sua irmã ....

Resta, portanto, a análise do enquadramento legal.

De início, dispõe o artigo 139, § 3º, do ECA, que “no processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, é vedado ao candidato doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive brindes de pequeno valor.”

O processo eleitoral em questão foi disciplinado pela Resolução COMDAC nº 010/2019, onde a vedação supra está inserida no § 1º do artigo 35. Já o artigo 42 proíbe “qualquer tipo de propaganda no dia da eleição, em qualquer local público ou aberto ao público, (...)”, cuja sanção é a “cassação do registro de candidatura ou diploma de posse do candidato responsável (...)” (P. único). Da mesma forma, “ao candidato que doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive brindes de pequeno valor (...), usar prática de condutas abusivas ou desleais que acarretem vantagem indevida ao candidato, como ‘boca de urna’(...)” (artigo 51).

Constata-se que a conduta descrita na inicial, comprovada pela prova documental e testemunhal, realmente ocorreu e traz consigo a certeza da compra de votos e também de propaganda eleitoral irregular no dia da eleição, no interior de local de votação, praticada pela irmã da ré ..., com o conhecimento dela, cuja consequência legal é a cassação do mandato de conselheira tutelar do Distrito de ....

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Em que pese as disposições legais citadas que se referem apenas ao candidato, de há muito vem entendendo nossos tribunais superiores em matéria eleitoral que a disposição não é absoluta, posto que, sabendo das penalidades legais, bastaria que mandasse outra pessoa em seu lugar, como neste caso, para não serem penalizados, o que, convenhamos, seria muito fácil.

Nesse sentido:

“[...] Prefeito. Captação ilícita de sufrágio e abuso de poder político. [...] 3. Nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, para a configuração da captação ilícita de sufrágio, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) a realização de quaisquer das condutas enumeradas pelo dispositivo - doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, inclusive emprego ou função pública; (ii) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (iii) a participação ou anuência do candidato beneficiado; e (iv) a ocorrência dos fatos desde o registro da candidatura até o dia da eleição. Além disso, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento no sentido de que é necessária a existência de conjunto probatório suficientemente denso para a configuração do ilícito eleitoral. Precedentes. 4. O quadro fático delineado pelo acórdão regional revela a existência de provas testemunhais e documentais aptas à configuração da prática de captação ilícita de sufrágio, consistente na entrega de valores (pecúnia ou cheques) pelo recorrente e por pessoas a ele vinculadas, simulando a contratação dos beneficiários como servidores da prefeitura, visando à obtenção de votos. [...]”(Ac. de 26.2.2019 no REspe nº 71881, rel. Min. Luís Roberto Barroso.) (negritei e grifei)

“[...]. Captação ilícita de sufrágio. Participação direta. Prescindibilidade. Anuência. Comprovação. [...]. 1. No tocante à captação ilícita de sufrágio, a jurisprudência desta c. Corte Superior não exige a participação direta ou mesmo indireta do candidato, bastando o consentimento, a anuência, o conhecimento ou mesmo a ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito eleitoral, elementos esses que devem ser aferidos diante do respectivo contexto fático [...]. No mesmo sentido: Conforme já pacificado no âmbito desta Corte Superior, para a caracterização da infração ao art. 41-A da Lei das Eleições, é desnecessário que o ato tenha sido praticado diretamente pelo candidato, mostrando-se suficiente que, evidenciado o benefício, haja dele participado de qualquer forma ou com ele consentido [...]. 2. Na espécie, semanas antes do pleito de 2008, eleitores de baixa renda foram procurados em suas residências por uma pessoa não identificada que lhes ofereceu, em troca de votos, vales-compra a serem utilizados em supermercado cujo um dos proprietários era o recorrente [...]. De posse dos vales, os eleitores eram autorizados a fazer a troca das mercadorias diretamente com a gerente do estabelecimento. 3. Não se trata, na espécie, de mera presunção de que o candidato detinha o conhecimento da captação ilícita de sufrágio, mas sim de demonstração do seu liame com o esquema de distribuição de vales-compra e troca por mercadorias no supermercado do qual era um dos proprietários. [...]”(Ac. de 18.2.2010 no AgR-REspe nº 35692, rel. Min. Felix Fischer; no mesmo sentido o Ac. de 22.4.2008 no AgRgAg nº 7515, rel. Min. Caputo Bastos.) (negritei e grifei)

O contexto fático é robusto no sentido de que a ré tinha conhecimento da conduta irregular de sua irmã naquele dia e até se encontrava no local.

Tal como descreveram as testemunhas ouvidas em Juízo, .... foi flagrada dentro do local de votação portando diversos “santinhos” com valores em dinheiro para distribuição aos eleitores, além de uma lista contendo nomes e valores em dinheiro possivelmente já entregues, para seu controle. Há, ainda, a informação de que alguns eleitores confirmaram o recebimento da “encomenda”.

A lisura do pleito e a isonomia entre os candidatos foi seriamente abalada pela conduta, haja vista que a ré se elegeu utilizando-se de “método” totalmente irregular, com sério prejuízos aos outros candidatos.

Outra conclusão não é factível, senão a de que houve, sim, a infringência aos artigos 35, § 1º, 42 e 51, da Resolução COMDAC nº 010/2019 e § 3º do artigo 139 do ECA.


PEDIDO DE AFASTAMENTO IMEDIATO DO CARGO DE CONSELHEIRA TUTELAR

Na inicial requereu o MPE, caso procedente o pedido, o imediato afastamento do cargo eletivo da ré, independentemente da interposição de recurso, para “atender ao regramento próprio da eleição, que determina a imediata cassação, nos termos do art. 42, parágrafo único, e art. 51, parágrafo único, ambos da Resolução nº 010/2019-COMDAC.”

Muito embora tal pedido não se refira expressamente ao assunto, considerando o disposto no artigo 299 do CPC e a relevância de que ele se reveste, recebo-o como pedido de concessão de tutela provisória na sentença, passando a sua análise. Friso, ademais, que não se trata de nenhuma decisão surpresa para a ré (artigo 9º, CPC), haja vista que ele consta na inicial e sobre ele teve a oportunidade de se manifestar a todo momento.

De imediato, cumpre assentar que já estamos em face de uma cognição exauriente consubstanciada no julgamento procedente do pedido formulado pelo autor. Aqui, como disse, já há a certeza do convencimento positivo da pretensão jurisdicional. O mérito da demanda já foi exaustivamente apreciado por este julgador. Não há que se falar mais em juízo de probabilidade.

Subsiste no ordenamento jurídico o poder geral de cautela conferido ao magistrado, consubstanciado na possibilidade de concessão da tutela provisória fundada em urgência ou evidência, que determinará as medidas que considerar adequadas para sua efetivação (artigos 294 e 297, CPC). A motivação, como não poderia deixar de ser, é imprescindível (artigo 298, CPC).

Para concessão da tutela de urgência exige o artigo 300 do CPC elementos que “evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”, inexistindo lapso temporal para seu requerimento (Enunciado 496 do FPPC). Daí ser totalmente possível e legítima a sua concessão no (com) o provimento de mérito, ou seja, em sede de cognição exauriente, nos casos de remessa necessária (artigo 496, CPC) e na apelação recebida com efeito suspensivo (artigo 1012, Caput, CPC), como neste processo.

Não existe, portanto, qualquer óbice legal para a sua concessão com a sentença de mérito[1], nem mesmo jurisprudencial. Prima-se pela eficácia e segurança dos provimentos judiciais, em última análise.

Nessa toada, cumpre lembrar o poder conferido ao magistrado pelo inciso IV do artigo 139 do CPC, na medida em que lhe faculta lançar mão de “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.”

Quanto aos requisitos legais, observo que esta sentença bem analisou a questão judicializada pelo MPE. Já aqui, data vênia, a cognição foi axauriente e concluiu pela prática de uma conduta ilícita grave e que afetou a lisura do pleito e a isonomia entre os candidatos, com garantia do contraditório e da ampla defesa. Portanto, não se pode mais falar em mera probabilidade do direito, mas sim em certeza.

De outro lado, evidências há de um grave “risco ao resultado útil do processo” (artigo 300, CPC).

Em que pese o artigo 995 do CPC estabelecer que “os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso”, o recurso de apelação, caso não concedida tutela provisória, neste caso, terá efeito suspensivo (artigo 1012 e § 1º, V, CPC), valendo destacar que a regra só atinge essa decisão e não a sentença em sua integralidade.

Levando-se em consideração que a possibilidade de provimento do recurso de apelação é baixa, o ganho em efetividade e a preservação da segurança jurídica se impõem.

Deve-se reconhecer, ainda, que o tempo corre a favor da ré, conspurcando o resultado útil do processo.

Não tendo sido concedida tutela de urgência em sede de cognição sumária para afastá-la do cargo no correr do processo, a ré, mesmo sendo responsável pela conduta ilícita, tal como restou comprovado nos autos, desde o dia 10 de janeiro de 2020, sua posse, vem usufruindo dele, recebendo vencimentos dos Cofres Públicos. Isto já perdura há mais de 1 ano e 8 meses.

Pelas razões condensadas neste momento, entendo pertinente a concessão da tutela provisória, tal como constará do dispositivo a seguir.


DISPOSITIVO

Pelo exposto e o mais que dos autos consta, JULGO TOTALMENTE PROCEDENTE o pedido constante da inicial, para, em consequência, cassar o mandato de conselheira tutelar do Distrito de ... da ré ..., para o quadriênio 2020/2023, extinguindo o processo com resolução do mérito, na forma do inciso I do artigo 487 do CPC.

Com respaldo no artigo 300 do CPC, CONCEDO A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA para determinar o imediato afastamento do cargo de conselheira tutelar da ré ..., com a posse nele da candidata W., suplente. Para o devido cumprimento desta ordem, comunique-se a(o) Sr(a). Presidente do COMDAC, fixando o prazo de três (3) dias e sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), além das penalidades cíveis e criminais.

Condeno a ré no pagamento das custas processuais.

Intimem-se as partes, via PJe.

P.R.I.

Icoaraci, data da assinatura digital.

ANTÔNIO CLÁUDIO VON LOHRMANN CRUZ

Juiz Titular da Vara da Infância e Juventude Distrital de Icoaraci


[1] Enunciado 25 do FPPC: “Tutela antecipada é uma técnica de julgamento que serve para adiantar efeitos de qualquer tipo de provimento, de natureza cautelar ou satisfativa, de conhecimento ou executiva.”

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Sobre o autor
Antonio Claudio Von Lohrmann Cruz

Juiz de Direito da Comarca de Belém, Estado do Pará, com atuação na Vara da Infância e Juventude Distrital de Icoaraci. Juiz auxiliar da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJPA e Diretor do Fórum do Distrito de Icoaraci. Secretário Executivo da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional. Pós-graduado latu sensu em Gestão de Unidade Judiciária (2021)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Antonio Claudio Von Lohrmann. Cassação de mandato de conselheiro tutelar - tutela de urgência - decisão de mérito - ação civil pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6722, 26 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/93228. Acesso em: 26 abr. 2024.

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