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ACP sobre cláusulas abusivas em contrato imobiliário

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21/04/1998 às 00:00
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Ação civil pública do Ministério Público do Mato Grosso do Sul, muito extensa e interessantíssima, abordando em profundidade a abusividade das cláusulas de um contrato imobiliário, apontando doutrina, jurisprudência e legislação abundantes.

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da __ Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos desta Capital:

           O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor desta comarca, que ao final subscreve e que recebe intimações, pessoalmente, na Rua Íria Loureiro Viana, 415, Vila Oriente, nesta - com fundamento no artigo 129, III da Constituição Federal, somado aos artigos 1o, II; 2o, 3o, 5o, "caput"; 11, 12, da Lei 7.347, de 24.07.85, que disciplina a Ação Civil Pública, e, ainda, nos artigos 6o, VI; 81, parágrafo único e incisos I e II; 82, I; 83, 84, "caput" e parágrafos 3o e 4o; 90 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90) e ancorado nos fatos apurados no Procedimento Administrativo 018/95, doravante denominado apenas de PA, em anexo - propõe a presente

          

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

           de declaração de nulidade de cláusulas abusivas e de obrigação de fazer e de não fazer, em face de

          

Nova Cap Empreendimentos Imobiliários,

           pessoa jurídica de direito privado, com sede à Rua Oceano Atlântico, n.º 73, Chácara Cachoeira, Campo Grande - MS, e telefone n.º 726-3131, de

          

Marcos Augusto Netto e Nelson Benedito Júnior,

           Representantes legais da Nova Cap, com qualificação e endereço nos autos de PA, f. 109, de

          

Progemix - Programas Gerais de Engenharia e Construção Ltda.,

           pessoa jurídica de direito privado, com sede na Rua Bariri, n.º 53, Vila Glória, nesta Capital, e de

          

Anagildes Caetano de Oliveira,

           Representante da Empresa Progemix, com qualificação e endereço nos autos de PA, f. 109, pelas razões de fato e direito que passa a expor:



A) DOS FATOS:

           Instaurou-se em desfavor das requeridas, em 09 de agosto de 1995, o PA acima referido, objetivando apurar as reclamações encaminhadas pelo Procon/MS, concernentes à existência de cláusulas abusivas em contrato de relações de consumo.

           Consoante se depreende dos autos em epígrafe, a Progemix se dedica a construção de conjuntos residenciais, exercendo também a função de incorporadora, atividade esta prevista na Lei n.º 4.591/64.

           Já a Nova Cap atua no mercado imobiliário da capital na condição de administradora, ocupando-se, dentre outras atividades, da venda de unidades habitacionais.

           Entre as várias empreitadas executadas em conjunto, as requeridas concentraram esforços na edificação e venda do conjunto residencial Nova Europa. Sob a responsabilidade da Progemix ficaram os encargos relativos à construção e incorporação, enquanto a Nova Cap assumiu a função de administradora e vendedora.

           A alienação dos apartamentos se operou mediante contrato de adesão, redigido exclusivamente pelas rés, tolhendo a autonomia volitiva do consumidor, obrigando-o a aceitar as inúmeras cláusulas leoninas para a concretização do "sonho da casa própria".

           Em razão das irregularidades constantes do Instrumento Particular de Compromisso de Compra e Venda, vários foram os contratantes lesados que, insatisfeitos, denunciaram essas abusividades.

           Após algumas reuniões na Promotoria de Justiça, entre o representante legal da administradora e o Ministério Público, aquela aquiesceu na reformulação de parte do conteúdo contratual, restando intactas, todavia, algumas cláusulas danosas ao consumidor, o que inviabilizou a realização de acordo, durante a fase administrativa.

           Há de se deixar consignado aqui que tanto a incorporadora quanto a administradora têm lançado e vendido outros empreendimentos, em conjunto ou separadamente, usando publicidade enganosa, consistente em iludir o consumidor de que pagando certo número de parcelas calculadas em percentuais de salário mínimo teria, no fim do plano, quitado seu imóvel (publicidade enganosa por omissão). Ocorre porém que tal não é verdade, posto que o salário mínimo, no dizer dos próprios representantes das rés, é apenas limitador e no final do plano sempre restam resíduos que deverão ser refinanciados até a quitação final de todo ele. Estas informações, porém, não são veiculadas através das publicidades feitas, deixando o consumidor com a falsa idéia de que pagando as parcelas anunciadas, quitam o imóvel adquirido.

           A maioria do consumidores consultados por esta Promotoria de Justiça do Consumidor (f. 151) afirmaram que não tinham conhecimento do segundo financiamento, sendo certo que todos eles asseveraram que não tinham conhecimento do terceiro financiamento e que, caso as parcelas correspondentes a esse terceiro financiamento forem superior ao que eles vêm pagando, não terão recurso suficiente para quitá-las.

           Apesar de todos os esforços envidados por este órgão ministerial, as requeridas esquivaram-se às responsabilidades que lhes são próprias, não restando outra saída senão a interposição desta "actio".

           A matéria, apesar da concordância do Ministério Público em relação a algumas reformulações que seriam feitas pelas rés, deve ser inteiramente rediscutida, com o fim de que a proteção do consumidor se faça de uma forma integral. As concordâncias ocorridas anteriormente tiveram por objetivo único a não inviabilização de um acordo, que não chegou a se concretizar.



B) DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS:

           Para melhor compreensão e esclarecimento da matéria, passa-se a relacionar, em seguida, as cláusulas abusivas e suas irregularidades.

1) Cláusula Quarta c.c. Item 03, Letra b, do Quadro Resumo:

"Caput" - Forma de Pagamento:

           A cobrança de 2 parcelas no mês de dezembro ofende o princípio da periodicidade do pagamento, que deverá ser mensal, e onera por demais o consumidor, que tem apenas 12 pagamentos por ano. A gratificação natalina que alguns trabalhadores recebem tem a função de tornar o final de ano mais suave; de dar aos operários a oportunidade de, pelo menos uma vez por ano, oferecer algo diferente a seus filhos e a sua família; e, até mesmo, arrumar suas finanças, pagando algumas pendências que durante o ano não conseguiram fazer frente com seus vencimentos.

           Tudo por tudo, as requeridas querem tirar dos mutuários. Nada elas investem. Trabalham como o patrimônio dos mutuários e com esse dinheiro faz suas riquezas, inclusive com atitude escusas e condenadas, tirando do consumidor tudo o que podem sugar. Como bem disse o Procon à f. 08, "o início das obras 120 dias após o pagamento da primeira prestação" caracteriza "uma captação de poupança popular para efetivação do negócio".

           O comércio para as rés não é uma atividade de risco, posto que nada aplicam. Se a atividade não der certo para elas, basta apenas fechar a empresa e abrir outra com a mesma facilidade com que fecharam. Quem sai prejudicado é tão somente o consumidor que faz todo o investimento, inclusive paga 13º salário não só para os empregados da incorporadora e da administradora, mas também para os próprios proprietários dessas empresas, que tem natal farto e gordo a custo do último centavo do mutuário.

           Essa cláusula não pode prosperar, dado que além de fixada unilateralmente só traz vantagens para as rés, constituindo-se ela em vantagem exagerada. O mutuário fica só com o prejuízo. A vontade do comprador (f. 168) é obedecer a periodicidade mensal e tal vontade deve prevalecer.

Cláusula Quarta, Parágrafo Primeiro:

           Por este parágrafo, fica fixado, alternadamente, dois tipos de reajuste, o anual ou "no menor espaço de tempo que a legislação permitir". Ocorre, porém, que o consumidor deve saber exatamente a periodicidade dos aumentos, os quais não podem ser alterados após a efetivação do contrato. A fixação de periodicidade alternativa de aumentos de prestações caracteriza também modificação unilateral do contrato, o que é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, principalmente pelo CDC.

Cláusula Quarta, Parágrafo Segundo:

           Segundo esta cláusula, o saldo devedor será reajustado mensalmente, conforme o índice pactuado. Tal não é possível, dado que da combinação dessa atualização mensal do saldo devedor com a exigência da atualização anual das parcelas (artigo 28 da Lei n.° 9.069, de 29 de junho de 1995, que dispõe sobre o Plano Real e o Sistema Monetário Nacional) gerará um resíduo, o qual ofende os princípios fundamentais de nosso ordenamento jurídico.

           Contrário a existência desse resíduo vem decidindo os tribunais brasileiros. Cita-se aqui, a título de exemplo, decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

           "AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Construção civil - Resíduo inflacionário - Nulidade da cláusula que o estabeleceu. (TJRJ, Proc. n.º 7.305/96 - 1a Vara de Falências e Concordatas, Rio de Janeiro, j. em 05.07.1996, Juiz Hélio Augusto Silva de Assunção ").

Cláusula Quarta, Parágrafo Terceiro:

           Prevê este parágrafo a substituição do índice pactuado como indexador, caso ele seja extinto, pelo índice que vier a medir a variação dos custos da construção civil em Mato Grosso do Sul, para a atualização do saldo devedor. Há duas irregularidades aqui. Uma, a já exposta acima: proibição de atualização mensal do resíduo. Duas, não é possível adotar como parâmetro de atualização do saldo devedor, em caso de extinção do índice pactuado como indexador, o que vier a medir a variação dos custos e insumos da construção civil, a nível estadual, uma vez não se pode contratar sobre índices regionais e de pouco ou de nenhum conhecimento do mutuário. Tal disposição só irá favorecer o contratado em prejuízo do consumidor-contratante.

Cláusula Quarta, Parágrafo Quarto c.c. o Item 04 do Quadro Resumo:

           A forma de cálculo previsto neste parágrafo lesa o consumidor, posto que: a) atualiza mensalmente parte da parcela; b) cria um novo encargo ao consumidor no final do contrato; e c) favorece a propaganda enganosa, com o fim de atrair o consumidor, que compra a unidade habitacional com a falsa idéia de que pagará as parcelas com base apenas no salário mínimo.

           Além do mais, há aqui ofensa a vinculação das parcelas ao salários mínimo, o que é defeso por lei.

           A fixação do salário mínimo como limitador foi colocado justamente para burlar, de maneira transversa, o princípio da anualidade dos aumentos, pois tal limitador dá azo a resíduo que são reajustados mensalmente, enquanto a lei só permite o reajuste anual das prestações.

Cláusula Quinta, Parágrafo Quinto (da ilegalidade da cobrança de qualquer valor após o pagamento de 100 parcelas:

           A forma de pagamento do débito, em três etapas, em face da existência do fator redutor (salário mínimo) é abusiva, tornando o mutuário um eterno devedor da incorporadora.

           Consoante se depreende do disposto neste parágrafo, não há que se discutir seu teor prejudicial. Cômoda é a posição do empreendedor, enquanto por demais onerosos são os encargos assumidos pelos adquirentes.

           Nítidos são os embustes utilizados pelas rés para ludibriar os contratantes. Convidativas aos olhos dos leigos, tais artimanhas tendem a ruir face à Justiça.

           Em concreto se tem o seguinte: o valor total de um imóvel (R$ 21.396,73 ou R$ 34.300,00, dependendo do tipo de apartamento) é fracionado em cem parcelas mensais de R$ 169,00, no primeiro caso, e de R$ 338,00, no segundo caso, sendo certo, porém, que o consumidor paga apenas a quantia equivalente a um salário mínimo e meio ou três salários mínimos vigentes à época do vencimento da prestação, dependendo do tipo de empreendimento, resultando daí um resíduo (diferença entre o valor pago e o valor real da prestação).

           Como o salário mínimo vigente a ocasião da celebração do contrato era de R$ 100,00 reais. No primeiro caso, em face de ser o valor da parcela de R$ 169,00 e o valor a ser pago de R$ 150,00 (valor equivalente a um salário mínimo e meio), resultava um resíduo de R$ 19,00. No segundo caso, deduzido do valor da parcela (R$ 338,00), vigente à época da contratação, a quantia efetivamente paga (R$ 300,00), verificava-se uma diferença de R$ 38,00 (resíduo).

           Conforme disposto ainda nesta cláusula contratual, este resíduo, no final de cem meses, seria refinanciado, nas mesmas condições anteriores e, resultando ao final deste segundo financiamento um novo resíduo, este deve ser pago em apenas três parcelas, independentemente do valor daí resultante.

           Fazendo-se uma projeção destes resíduos, com as correções mensais previstas, chega-se a conclusão que, na última fase, restará três parcelas, com valor unitários superior a R$ 1.500,00, o que tornará impossível a quitação do imóvel, em face da pequena renda dos mutuários, que só conseguem pagar mensalmente o valor correspondente a um salário mínimo e meio.

           Da forma como está redigida a cláusula e pelo marketing feito, verificam-se, de pronto, três irregularidades: 1) houve publicidade enganosa, que deixava a entender ao consumidor que ao final de 100 meses seu imóvel estaria quitado; 2) não há uma prazo fixo estipulado para o pagamento do imóvel, bem como o preço total não está fixado de uma forma objetiva como determina a lei; 3) não há número determinado de parcelas na 2a etapa do financiamento, ficando o mutuário a mercê dos cálculos feitos pela administradora, que - segundo ela própria diz - irá se embasar, para tanto, nos resíduos resultantes; 4) no final, o mutuário acaba pagando valores bem superior ao imóvel adquirido; e 5) o consumidor corre o risco de perder o imóvel por não conseguir fazer frente aos valores que deverá pagar, em três parcelas, no último financiamento.

           Argüido sobre esta última questão (risco de perda o imóvel, por impossibilidade de quitação das três parcelas restantes, por serem exorbitantes), o representante da Nova Cap argumentou que a empresa, nestes casos, sempre faz acordo benéfico com o consumidor. Ocorre, porém, que o mutuário não pode ficar à mercê da boa vontade (geralmente má vontade) do fornecedor, que deveria formular e obedecer contratos equilibrados.

           Convém consignar, ainda, que o valor da prestação e do saldo devedor são reajustados, mensalmente, pelo Índice Nacional do Custo de Construção, o que eleva dia a dia o preço a ser pago no final.

           Diante da realidade acima constatada, verificam-se duas conseqüências irrefragáveis:

           a) um substancial acúmulo monetário nas mãos das requeridas;

           b) dívidas contraídas pelos adquirentes, em razão do resíduo apurado, a ser financiada em iguais condições de pagamento. Assim, é o consumidor compelido a despender novos gastos, ficando inadimplente ad eternum.

           Se por um lado o Direito Obrigacional tem como dínamo a vontade dos contratantes, não menos certo é a sua submissão aos interesses públicos. A onipotência do pacta sunt servanda, outrora vivificada, não se coaduna à nova concepção econômica. Logo, a validade das disposições avençadas tem por norte a lei.

           O que se deve fazer, no caso presente, é se estipular, como exige a lei, um prazo certo para que o consumidor possa quitar seu imóvel, deixando de lado fórmulas complicadas e não esclarecidas, que só dão vantagens às contratadas.

           A forma aqui aplicada é reconhecidamente abusiva até pelo representante da segunda ré (Anagildes Caetano de Oliveira), que fez constar no contrato padrão usado por outra empresa que possui (1), que após o pagamento do segundo financiamento o imóvel será dado por quitado. Por qual razão o contrato ora objurgado prevê um terceiro financiamento, que deverá ser pago em apenas três vezes?

           O disposto neste parágrafo quinto é também nulo de pleno direito, conforme previsão do Artigo 51, IV da Lei 8.078/90, por se constituir no que a doutrina denomina de "cláusula surpresa" (überraschende Klauseln), que se caracteriza por produzir um efeito que, se cognoscível por princípios, evitaria a celebração do próprio contrato por um dos contratantes.

           Veja-se o que diz Nélson Nery Júnior (in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 4a edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995, p. 350):

           "A proibição da cláusula surpresa tem relação com a cláusula geral de boa-fé, estipulada no inciso IV do Artigo 51 do CDC. Ambas configuram uma técnica de interpretação da relação jurídica do consumidor, e, também, verdadeiros e abrangentes pressupostos negativos da validade e eficácia do contrato de consumo, quer dizer, as cláusulas contratuais devem obediência à boa-fé e eqüidade e não deve surpreender o consumidor após a conclusão do negócio, pois este contrato sob certas circunstâncias e devido à aparência global do contrato.

           (....).

           Vários critérios podem ser utilizados na investigação da surpresa extraordinária trazida por uma cláusula de contrato de consumo. Uma regra pratica de grande utilidade parece aquela que coloca a questão da seguinte forma. É preciso que se investigue: a) o que o consumidor espera do contrato (expectativa); b) qual o conteúdo das cláusulas contestadas ou duvidosas. Se a discrepância entre a expectativa do consumidor e o conteúdo das cláusulas for tão grande, a ponto de justificar a sua estupefação e desapontamento, a cláusula se caracteriza como surpresa."

           No caso em análise, percebe-se que o consumidor não foi cientificado desta cláusula (parágrafo quinto) muito menos de seus desdobramentos. Assim, a falsa expectativa do mutuário de que quitará seu imóvel após o pagamento de 100 parcelas - no valor correspondente a um salário mínimo e meio - ruirá, no momento próprio, e o consumidor verá como foi enganado em sua boa-fé. Sua estupefação e desapontamento será maior ainda quando perceber que corre sérios riscos de nem sequer poder quitar seu apartamento, em virtude da exorbitância que terá que pagar nas três últimas parcelas referentes ao terceiro financiamento.

           Quem em sã consciência irá admitir em fazer mais dois financiamentos, após ter pago as 100 parcelas no valor anunciado, e com a possibilidade de não ter como quitar as três últimas prestações? Teria o consumidor celebrado o negócio se tivesse ciência dessa situação? Claro que não. A menos que estivesse seguro de que o Judiciário corrigiria tal ilegalidade antes de ela tornar-se exeqüível. Logo, a cláusula não pode prevalecer, devendo ser fulminada de nulidade, conforme preceitua o Artigo 51 do CDC.

           O Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078\90), em seu Artigo 6o, III, também estabelece o direito à informação como direito básico e fundamental do consumidor, o que, por igual, não foi observado e acarreta a nulidade da cláusula, nos exatos termos do Artigo 51, inciso XV, do Codecon.

2) Cláusula Quinta:

Cláusula Quinta, Parágrafo Primeiro:

           Este parágrafo se encontra com uma redação confusa, devendo ser melhorada, por amor ao princípio da informação. Segundo o representante da primeira ré, o real significado deste parágrafo é o seguinte: "O valor antecipado deverá corresponder a parcelas mensais integrais." Ora, se é este o significado, por que não adotar esta redação?

Cláusula Quinta, Parágrafo Segundo:

           Este parágrafo não tem qualquer utilidade prática, posto que repete o que já foi dito no "caput" do artigo a que ele se refere.

3) Cláusula Sexta:

           De acordo com as alíneas "a" e "b" deste dispositivo, as obras serão iniciadas 120 dias após pagamento da primeira prestação, sendo a entrega do primeiro bloco marcada para 180 dias após o começo da edificação.

           Já a alínea "c" determina que a cada noventa dias, da primeira entrega, e assim sucessivamente, a vendedora entregará um bloco.

           Há de ressaltar, porém, que as letras "b" e "c" contrariam o prazo estabelecido no § 2o desta cláusula. Com efeito, o residencial consumirá 97 meses para sua conclusão, enquanto o § 2o estabelece 80 meses para o término das obras. Isso sem considerar os dias de possíveis atrasos em virtude de cláusula abusiva colocada no contrato, que contempla o "caso fortuito" e "força maior" como motivos justificadores do atraso na entrega das obras.

           Vale ressaltar aqui, em relação a letra "a", que a fixação de 120 dias para o início das obras é ilegal, dado que o risco do negócio não é do consumidor mas do empreendedor. Se as rés só conseguem iniciar as obras se o consumidor lhe pagar, caracterizado está a captação de poupança popular, o que é vedado por lei, salvo se houver expressa autorização do Bacen.

           Ao dispor na alínea "d" que "As unidades habitacionais prontas serão entregues ao COMPRADOR que tiver o menor saldo devedor, ou seja, o maior valor pago e esteja em dia com suas obrigações junto à VENDEDORA, optaram os representantes das rés pelo critério econômico para a entrega das unidades habitacionais. O que contraria totalmente o tipo de empreendimento que levam a cabo: empreendimento popular. Ao privilegiar o mutuário que tem maior poder aquisitivo, o contrato ofendeu o princípio da isonomia. Está ele fazendo distinção entre as pessoas em evidente vantagem para os de melhor poder aquisitivo.

           Os princípios que norteiam a república, no sentido de erradicar a pobreza e combater a desigualdade social não foram respeitados. Tal critério ofende também o princípio da boa-fé e do equilíbrio contratual. Visa ele forçar o contratante pagar mais e mais a contratada, sob o falso pretexto de que assim o fazendo estará sendo beneficiado, posto que terá a chance de receber mais rapidamente seu imóvel.

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           Há muitos outros critérios para entrega das unidade habitacionais que bem poderiam ser adotados, sem ofender as expectativas do consumidor pobre e sem trazer vantagens exclusivas para os réus, que só pensam em arrecadar e ganhar mais e mais a custa dos consumidores.

           A reclamação do Sr. Cícero Roberto Marques de Macedo (f. 168) bem espelha a injustiça feita com vários mutuários, que, como ele, foram alijados da possibilidade de receber de pronto sua casa própria, por não ter como encher as burras das rés, como elas querem.

           A alínea "h" possui redação imprecisa que compromete a clareza do enunciado e, por conseqüência, o princípio da informação.

Cláusula Sexta, Parágrafo Segundo:

           Pela observação feita em relação às alíneas "b" e "c", a informação contida neste parágrafo é incorreta, posto que o prazo para a entrega das unidades será de 84 meses e não de 80, como consta atualmente nesse parágrafo.

Cláusula Sexta, Parágrafo Terceiro:

           Dispõe este parágrafo 3o que, "Se dentro do prazo de 120 (cento e vinte) dias de carência, a que se refere o artigo 34 da Lei 4.591/64, a VENDEDORA denunciar por escrito ao COMPRADOR, a intenção de desistir do empreendimento motivada por retração do mercado (...)".

           Esta disposição não faz sentido em razão do artigo 34, § 2o c.c. o artigo 33, ambos da Lei n.º 4.591/64. O prazo de carência para desistir do empreendimento não pode ser superior a 180 dias a contar do registro que, no momento da assinatura dos primeiros contratos, já terá transcorrido.

           Esta cláusula e seus itens 1 e 2 são totalmente inadequados e devem ser extirpados deste contrato e não poderão ser usados em futuros contratos a serem redigidos. Eles só servem para dar informações enganosas ao consumidor.

4) Cláusula Oitava:

           A multa contratual de 10% não deve prevalecer. É totalmente abusiva. A lei não permite, bem como não permite o atual momento econômico vivido no país. É este mais uma fonte de enriquecimento ilícito dos representantes das rés. Deverão eles devolver tudo quanto receberam indevidamente, por conta de sua ganância desenfreada.

           Há de se observar ainda que a expressão "sobre o valor do débito" está obscura, posto que o juro e a multa devidos não devem ter por base o valor do débito (saldo devedor), mas a parcela ou parcelas em atraso. Tal correção se faz necessário, para que o consumidor não acabe sendo lesados, por falta de clareza do texto e avidez das rés.

           Por outro lado, ainda nesta mesma cláusula, há que se observar que a correção monetária das prestações em atrasos fere o princípio da anualidade, devendo ser, portanto, extirpado tal obrigatoriedade.

5) Cláusula Nona:

Cláusula Nova, "Caput":

           Prevê o "caput" desta cláusula nona que "O COMPRADOR poderá ceder ou transferir os direitos e obrigações decorrentes deste contrato, desde que esteja em dia com suas obrigações e mediante prévia anuência, por escrito, da VENDEDORA.

           Tanto a exigência de estar em dias com o pagamento das prestações como o de obter a anuência prévia da vendedora são absurdos e ilegais.

           A primeira exigência inviabiliza o direito de propriedade. O adquirente tem o direito de dispor do seu patrimônio como e quando lhe convier. O fato de não poder ceder o direito que tem sobre o imóvel que está adquirindo, por estar em atraso com os pagamentos, vem tornar ainda pior a situação daquele que vê na transferência a única saída para arrumar sua situação financeira.

           Tal exigência além de discriminatória e abusiva. As rés, com essa disposição contratual, visam unicamente favorecer a elas mesmas, posto que o consumidor super individado, não podendo pagar as parcelas nem transferir o imóvel, só lhe resta a alternativa de desfazer o contrato, o que é o real desejo das rés, posto que aí elas conseguem abocanhar mais de 50% do que o mutuário pagou. É, sem dúvida alguma, Senhor Juiz, um roubo estipulado em contrato, a escancara, para qualquer um ver.

           É uma falta de equilíbrio sem tamanho, posto que se fossem as rés que estivessem em situação financeira ruim elas poderiam pedir concordata ou falência (na maioria das vezes, fraudulentas) ou até fazer como a Encol, deixar todos os mutuários a ver navios, sem qualquer punição. Mas o mutuário não. Este deve sofrer todos os tipos de injustiças e ilegalidades, inclusive a de não poder transferir seus direitos para pagar o que deve.

           A Segunda exigência (prévia anuência da vendedora), não tem sentido algum e só se explica levando em consideração a ganância das rés e seu desejo de controlar tudo, inclusive para poder abocanhar os 2% de que trata o parágrafo primeiro, que será analisado logo em seguida.

           Ora, se é crime o ato do fornecedor negar fornecer produtos ou serviços a que quem quer adquiri-lo, o que justifica tal exigência? Nada. E, portanto, deverá ser extirpado do contrato.

Cláusula Nova, Parágrafo Primeiro:

           A obrigatoriedade de a transferência ser efetuada através da VENDEDORA, mediante o pagamento da taxa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado do contrato, é totalmente descabido, ilegal e arbitrário.

           A obrigatoriedade de a transferência ser efetuada pela vendedora constitui-se em cláusula mandato e venda casada, proibidas pelo Codecon, que em casos tais é expresso em dispor que é nula de pleno direito a cláusula que "imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor" (Artigo 51, inciso VIII, do CDC). O máximo que se pode exigir do contratante é que ele avise a contratada a respeito da transferência, para os fins legais.

           O pagamento da taxa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado do contrato em caso de venda do imóvel, em virtude da liberdade que tem o mutuário de escolher o seu corretor ou ele próprio realizar o negócio, mostra-se totalmente abusiva. Caso o mutuário deseje contratar a vendedora para intermediar o negócio, deverão eles, consumidor e vendedora (esta agora na qualidade de corretora) fazerem novo contrato para tal fim.

           Transferido o imóvel pelo próprio mutuário, a exigência do pagamento supra se permeia nulo de pleno direito, porque ausente qualquer contraprestação por parte das requeridas, ensejando outra vez o enriquecimento sem causa. Com efeito, na transferência do contrato, não arcam as rés com custos patrimoniais.

           Muitos consumidores, à mercê dos imprevistos, não podem saudar o compromisso assumido. Não conseguindo quitar o débito e, como as empresas retêm quantias enormes em caso de resolução contratual, estas pessoas vêem na transferência a única opção para reaver parte do dinheiro já pago. Nesse contexto, a cláusula questionada dificulta, quando não impede, a realização do negócio, já que traz ônus excessivo e injustificado ao consumidor.

           Nesse sentido já se posicionou a Sexta Vara Cível do Distrito Federal, em ação ajuizada pela Segunda Promotoria de Justiça (Processo n.º 19.198/95). O decisum proferido impôs à incorporadora multa de R$ 5.000,00 em caso de cobrança desta taxa.

           Em decisão publicada na Revista de Direito do Consumidor (volume 20, outubro/dezembro - 1996, pág. 234), a problemática é traduzida na voz do Juiz Torres Garcia. Na ocasião, coibiu-se a cobrança da taxa de transferência efetuada por instituição de ensino, eis que incompatível aos postulados do Código de Defesa do Consumidor. Mutati mutandis, a decisão se aplica ao caso em exame:

           "Ademais, a transferência não constitui em si mesma um serviço. Ao revés, materializa simplesmente a possibilidade da continuidade dos estudos em outra instituição de ensino, sendo descabida qualquer cobrança adicional, tal como a taxa de matrícula do ano letivo que principia, como a que lembrar o pagamento por uma verdadeira carta de alforria".

Cláusula Nona, Parágrafo Segundo:

           Este parágrafo ficou prejudicado, em razão do exposto no parágrafo anterior, devendo, portanto, ser banido do contrato.

6) Cláusula Décima

           Observação geral. Esta cláusula décima - que trata de resolução contratual por inadimplência do comprador e de prazo para se purgar a mora - embora redigida de conformidade com a Lei n.º 4.864/65, vem a demonstrar o desequilíbrio do contrato, posto que igual exigência na se faz às rés. Em caso de inadimplência do contrato por parte das contratantes, qual é a penalidade para elas? No contrato não foi previsto. Determina a lei que o contrato deve impor condições iguais para as partes e, no caso presente, tal não foi obedecido, o que demonstra a abusividade do contrato, devendo ser corrigida.

           A alínea "b" desta cláusula décima prevê resolução do contrato, caso não sejam obedecidas, por ocasião da transferência do imóvel, as condições previstas na cláusulas nona. Ora, se as disposições da cláusula nova são ilegais, ilegal é também o disposto nessa alínea. O que poderia constar aqui é que "se o mutuário-cessionário - logo após a transferência da unidade habitacional - não quitar o débito para com as rés, o valor correspondente será cobrado do novo contratante, sob pena de rescisão contratual, nas condições estipuladas na letra "a" desta cláusula décima. Isso porque o débito (acessório) acompanha o imóvel (principal).

7) Cláusula Décima Primeira

"Caput" - da ilegalidade da retenção pecuniária em caso de resolução do contrato:

           Por essa cláusula, "ocorrida a rescisão prevista na cláusula décima desse instrumento, o comprador, perderá em favor da vendedora, a título de indenização por intermediação, despesas administrativas, multa contratual, o equivalente a 30% (trinta por cento) sobre o valor pago, acrescido de despesas concernentes à notificações, taxas de cartório, correspondências, bem como todas as despesas oriundas da cobrança judicial ou extrajudicial, inclusive honorários advocatícios na base de 20% (vinte por cento)".

           Antes da fala sobre as retenções indevidas, que deverá ser longa, passa-se a discutir, de pronto, a respeito da obrigatoriedade de o consumidor ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação. Apenas a consulta ao Artigo 51, XII, do Codecon resolve a questão. Pelo proibição contida nesse dispositivo legal, vê-se que a cláusula em análise é nula de pleno direito, dado que o contrato não estabelece igual obrigação às rés. Veja, Exa., a clareza solar do dispositivo mencionado:

           "Artigo 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (....); XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor".

           Assim, essa obrigação unilateral deve ser riscada do contrato.

           Em relação a cláusula de decaimento, deve-se dizer que as retenções estipuladas são exorbitantes. Elas só vêm propiciar o enriquecimento sem causa do fornecedor em detrimento do consumidor, que se empobrece por conta da avareza criminosa da empreendedora e vendedora.

           O artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor proíbe a perda total da importância adiantada ao fornecedor:

           "Art. 53 - Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado".

           Ora, a lei considera nula a cláusula que estabeleça a perda total das prestações, significando com isso que a empresa contratado pode reter parte do que foi pago. Claro que contra isso ninguém se levanta. O que contraria a lei é a retenção abusiva, que causa enriquecimento ilícito de um e o empobrecimento injusto de outro. Em se falando em relação de consumido, todos os valores pagos ou retidos devem representar uma prestação. O fornecedor não pode exigir contraprestações gratuitas, sob pena de caracterização de apropriação indébita. Nesse particular, a jurisprudência, fruto do labor de inúmeros magistrados, dá a medida exata do percentual a ser retido, "in verbis":

           "CONTRATO - Compra e venda - Rescisão - Perda dos valores já pagos - Acolhimento que ensejaria enriquecimento indevido, em face da ausência de prejuízo - Cláusula leonina configurada - Verba Indevida - Recurso não provido." (Apelação Cível no 186.199-2 - São Paulo - Apelantes e apelados: Neide Maria de Oliveira Camargo e W.R.C. Incorporações Ltda. - RJTJESP, ED. LEX - 137/91).

           "No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo." (Súmula n.º 412 do STF)

           "COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Rescisão - Cláusula Penal - Perdas e danos consubstanciados na perda das quantias pagas - Pagamento de parcela substancial do preço que a torna excessivamente onerosa para o réu - Construtora, ademais, que lucrará com a rescisão contratual - Ofensa ao artigo 53, caput, de Código de Defesa do Consumidor, aplicável até mesmo aos atos pretéritos, ou em julgamento - Devolução das importâncias pagas ordenadas - Recursos providos para esse fim."

           "CONTRATO - Rescisão - Cláusula penal - Perdas e danos consubstanciados na perda das quantias pagas - Interpretação que deve ser feita em favor do aderente - Acolhimento da cláusula, ademais, que conduziria a condenação do próprio direito - Devolução das importâncias pagas ordenadas - Recursos próprios para esse fim." (Apelação Cível n.º 197.165-2 - São Paulo - Apelante: Osvaldo Rodrigues - Apelada Construtora e Administradora Taquaral S.A. - RJTJESP, Ed. LEX - 139/41)

           "RESCISÃO CONTRATUAL - Contrato de Adesão e o Código de Defesa do Consumidor - Aplicação imediata - Excessiva onerosidade da cláusula penal - Ofensa ao art. 53, caput da Lei 8078/90."

           "O contrato de adesão possibilita a intervenção judicial, para a correção de cláusulas excessivamente onerosas para a parte aderente. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, cujas normas são de ordem pública e de interesse social (art. 1o), considera nulas de pleno direito, cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas, no caso de resolução do contrato de compra e venda de coisa móvel ou imóvel, por inadimplemento do comprador (art. 53). Esta disposição, por ser de ordem pública, aplica-se aos contratos anteriores ao referido estatuto legal, de forma a nulificar a cláusula do contrato que estabelece a perda". (TJSP - Ap. Cível 197.165-2/3 - SP - 11a Câm. Civil Rel. Des. Pinheiro Franco - j. 22.10.92 - m. v.)

           "Aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de execução diferida, não obstante ter sido pactuado antes da vigência deste diploma legal - art. 1o. Improcede o pedido de perdas das parcelas pagas, porque nula é a cláusula contratual que a estabelece, face a sua abusividade". (TJDF - Ap. Cível 31.902/94 - DF - 3a T. - Rel. Des. Nancy Andrighi - j. 16.05.94 - m. v.)

           "Ainda que pactuada anteriormente à vigência do Código de defesa do Consumidor, a cláusula penal que estipula a perda de todas as importâncias pagas é draconiana e deve ser reduzida aos seus limites, perdendo o promissário inadimplente apenas o sinal, assegurando o seu direito de reaver as demais quantias, corrigidas após o desembolso e com juros de 6% ao ano, a partir da citação". (Ac. Da 4a Câm. Civ. Do TAMG - Ap. Civ. 158.893-4 - Rel. Juiz Jarbas Ladeira - j. 6.10.93).

           "Eficácia na resolução. Desfazendo a relação contratual e os seus efeitos, a resolução determina o retorno ao estado anterior, inclusive a devolução das parcelas do preço já pagas, exceto o sinal, por força de expressa norma legal (CC, art. 1097)". (RT 653/193).

           Neste diapasão, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça perfilhou este entendimento, proscrevendo quaisquer cobranças ou retenções aleatórias. Ademais, estabeleceu o índex de 10% do valor quitado como suficiente para suprir eventuais despesas da incorporadora. Como exemplo trazemos à colação os seguintes julgados: Resp. 59.524-DF, Resp. 51.019-SP e Resp. 45.511-SP.

           Em relação ao limite de 10% (dez por cento), assim já se pronunciou a 1a Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, no processo 011968.7592.4, onde foi relator o Juiz Claudir Fidelis Faccenda:

           "É aceita a cláusula penal ou redutor válido para a retenção de parte dos valores recebidos em contratos de compra e venda de imóveis em prestações, desde que em percentual não superior a 10%, limite imposto pelo CDC".

           Não faz sentido o argumento das incorporados de que o contratante que deu causa à rescisão deve arcar com os gastos com advogado, corretor, publicidade, intermediação e pagamento de administradora, dado que esses valores já são estipulados na planilha de custo da obra, não podendo esses valores serem cobrados em duplicidade. Por outro lado, quem contrata esses profissionais é que deve arcar com ônus da contratação e procurar elaborar com eles avenças que não venham a prejudicar os consumidores. Demais a mais, o risco do empreendimento deve ser do fornecedor-comerciante e não do consumidor.

           In casu, cumpre frisar que a retenção aleatória, na hipótese de resolução por parte do consumidor, desconfigura o equilíbrio contratual, atribuindo inúmeras vantagens à incorporadora. Porquanto, irrefragável a ilação de locupletamento ilícito, visto que ao empreendedor nenhum prejuízo resulta. Patente é a ofensa ao inciso II, do art. 51 do CDC, in verbis:

           "Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

           (...)

           II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código".

           Ademais, mesmo que a negativa de devolução se desse a título de cláusula penal, por ser leonina não poderia prevalecer, pois:

           "Não há que se falar em obrigatoriedade do contrato, posto que o CDC, pela supremacia, se sobrepõe à autonomia da vontade, ao considerar, em seus artigos 51, II, IV e XV e 53, ineficazes de pleno direito, porque abusivas as cláusulas penais estipuladas em contrato de adesão, consolidando, com isso a proteção jurisdicional ao economicamente mais fraco". (Acórdãos do Tribunal de Justiça da Bahia, Recurso Civil, In Revista do Consumidor, órgão oficial do Brasilcon, n.º 17, pág. 243/244, janeiro/março - 1996).

           Por sintetizar a explanação em epígrafe, transladou-se a ementa proferida na Apelação Cível no 31.170, apreciada pela Segunda Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

           "I - Correta é a sentença que inadmite cláusula que atribui a uma das partes vantagens desmesuradas, concedendo-lhe lucros desproporcionais em relação à sua contraprestação contratual.

           II - O princípio da autonomia da vontade não pode estabelecer uma compensação de perdas e danos que, produza, em lugar de uma justa reparação, um enriquecimento sem causa.

           III - Sentença confirmada. Apelação desprovida".

           Seja a título de cláusula penal, seja a título de perdas e danos, os tribunais brasileiros, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, admite a retenção de apenas 10% do valor pago. Cabendo salientar que alguns tribunais, em caso concreto, não tem admitido retenção alguma, por entenderem que qualquer percentual de retenção ocasionaria enriquecimento ilícito.

           Assim, pelas decisões que vêm sendo tomadas pelos tribunais, deve-se firmar que a retenção permitida pelo artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor é de 10% do valor já pago, que é a quantia mais que suficiente para saldar eventuais gastos despendidos pela incorporadora e administradora.

           Em caso desse valor ser, por motivos singulares, no caso concreto, insuficiente para fazer frente as perdas das rés, estas deverão intentar a ação judicial cabível, dado que todo aquele que cause prejuízo a alguém está obrigado a repará-lo, mas não a manus militari ou através de exercício arbitrário das próprias razões. Tais perdas devem ser provadas em processo legal, onde haverá o respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

           Infelizmente não é, absolutamente, dessa forma que vêm agindo as requeridas. Cita-se abaixo, a título de exemplo, um, dentre os inúmeros casos que ocorrem no cotidiano dessas empresas de incorporação, construção e venda de imóvel, onde fica patente a onipotência e prepotência delas e a deficiência, vulnerabilidade e impotência do consumidor.

           Viu-se, nesta Promotoria de Justiça, o caso de a ré Tecnifh, em contrato firmado em relação ao Residencial Caribe Parque, querer reter até 90% dos valores pagos por mutuários, em virtude de rescisão contratual. Dona Marleni Andrade Barbosa, após ter pago, por dois anos, sem receber o imóvel, R$ 4.200,00, incluindo aí o valor do sinal e do seguro, teve que rescindir o contrato por falta de condição de fazer frente aos valores contratados, dado que seu esposo ficou desempregado, Após a intervenção da Promotoria de Justiça do Consumidor, com o fim de majorar o percentual de devolução, o representante da requerida Tecnifh prometeu rever a posição. Em contato com a empresa, o esposo da Sra. Marleni obteve a promessa de devolução de 55% sobre o valor de R$ 3.200,00, pois do total de 4.200,00 pago seriam excluídos os valores referentes ao seguro (R$ 432,00) e à primeira parcela, que os réus denominam de entrada ou sinal (R$ 566,00). Como se não bastasse tal arbitrariedade, a ré Tecnifh resolveu devolver, em duas parcelas e sem correção monetária, apenas R$ 1.600,00 à mutuária, sendo que uma parcela foi paga no dia 28/01/98 e a outra será paga no dia 03/03/98.

           Nesse caso, a Tecnifh contrariou, como é de seu costume, todo os dispositivos legais, doutrinários e jurisprudencial em vigor e acima transcrito. Além de reter o valor pago a título de sinal, reteve ainda 50% do restante pago (num total de retenção de R$ 2.166,00), sendo certo que a restituição de R$ 1.600,00 está sendo feita em duas parcelas, sem juros e sem correção monetária. Tudo isso conforme comprovam os documentos juntados nos autos às f. 196 em diante do referido PA e a conversa mantida pela Sra. Marleni e seu esposo com o Promotor de Justiça que subscreve esta peça.

           Tendo sido consultado pela Sra. Marleni se ela deveria aceitar ou não o ínfimo valor oferecido em devolução, o subscritor desta lhe orientou a receber tal valor, já que tinha seu marido desempregado e o sogro hospitalizado no CTI, e que depois buscasse o ressarcimento do que ainda era devido através do Poder Judiciário, em face de ser a imposição da ré Tecnifh totalmente arbitrária e de ser o CDC uma norma de ordem pública e de interesse social.

           Apesar da profundidade do estudo acima, cabe aqui salientar que o entendimento do Ministério Público Paulista nesta área, não destoa das conclusões acima expostas. O Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Consumidor do Estado de São Paulo, sob a orientação e coordenação do Ex.mo Procurador de Justiça, Dr. José Geraldo Brito Filomeno, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, vem desenvolvendo trabalho em idêntico na área de incorporação, motivo pelo qual se coloca nesta petição uma nota de fim de página com a transcrição da Súmula de Estudos n.º 16, presente no Livro Promotoria de Justiça do Consumidor: Atuação Prática, de José Geraldo Brito Filomeno, com a colaboração de Dora Bussab Castelo e de Ronaldo Porto Macdo Jr., Imprensa Oficial de São Paulo, 1997, p. 103 a 111.

Cláusula Décima Primeira, Parágrafo Único:

           O contido neste parágrafo único é totalmente abusivo, dado que está eivado de má-fé e peca contra o princípio da informação. As obrigações a serem cumpridas pelo vencido em uma demanda judicial já estão previstas em lei e o juiz as fixará na sentença, inclusive os honorários advocatícios que serão estipulados nos termos do artigo 20, § 3o, do Código de Processo Civil.

           Além do mais, o artigo 51, inciso XII, estabelece que é nulo de pleno direito as cláusula que

           "obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor".

8) Cláusula Décima Segunda:

           O contrato, mediante esta cláusula, prevê que, em caso de resolução, as quantias pagas somente serão devolvidas em parcelas mensais e em número idêntico ao de prestações quitadas, devidamente corrigidas, a partir de 60 dias da rescisão, deduzidas as reduções fixadas no item anterior.

           Há aqui flagrante ofensa ao direito do consumidor. Ora, se eventuais prejuízos da vendedora já são abatidos no próprio ato da rescisão, não há motivo para reter o capital (a não ser a avidez materialista dos requeridos), vedado que é o enriquecimento ilícito em nossa grei. Portanto, deduzidas as despesas, a quantia restante deve ser devolvida de imediato, devidamente corrigida e acrescida dos juros legais.

           Isso sem contar que os réus já trabalharam com o capital do mutuário por um bom tempo, aumentando, assim, consideravelmente seus patrimônios.

9) Cláusula Décima Terceira:

           Deve-se corrigir nesta cláusula alguns senões.

           O primeiro. O consumidor jamais poderá receber o imóvel em estado precário nem ter a posse precária deste, por razões óbvias: um imóvel em estado precário não serve ao consumidor (é um produto impróprio para o fim a que se destina) e uma posse precária é uma posse injusta.

           Segundo. Não existe outorga de escritura provisória. Logo, toda escritura é definitiva.

           Terceiro. A não desocupação do imóvel, nas condições colocadas no contrato, que, como já dito, totalmente leonino, não dá a vendedora o direito de obter liminar, em ação possessória. Essa terá, no máximo, o direito de ingressar em juízo com a ação própria, requerendo concessão de liminar. A concessão ou não da liminar dependerá do caso concreto e da decisão judicial. Vê-se, portanto, que aqui também a informação é tendenciosa e enganosa, devendo ser retirada do contrato. Visa ela coagir o contratante a pagar, sem questionar, qualquer valor estipulado e cobrado e fazer com que o mutuário cumpra qualquer condição imposta pelas rés e pelos seus representantes legais.

           Quarto. Dizer que o descumprimento de qualquer condição prevista no contrato tem o condão de determinar a desocupação do imóvel nas condições definidas na cláusula décima quarta (que é também abusiva) é usar de má-fé e ofender os princípios do equilíbrio, da informação e da clareza, principalmente em se tratando de um contrato totalmente tendencioso como o é o ora examinado. Os réus devem dispor com clareza e objetividade quais são os motivos que ensejam a retomada do imóvel, mesmo porque tais motivos devem ser analisado, à luz da lei, pelos contratantes, pelos órgãos de defesa do consumidor e pelo próprio Poder Judiciário.

10) Cláusula Décima Quarta:

           Prevê a cláusula que ocorrendo a resolução contratual, as pessoas que estiverem na posse do imóvel deverão desocupá-lo, sob pena de multa diária fixada em 10% do valor da prestação. Tal disposição, além de subtrair do adquirente o direito à retenção por benfeitorias úteis e necessárias e à indenização pelas melhorias voluptuárias, ainda dispõe sobre multa em duplicata e abusiva.

           Os requeridos estão a adotar medidas paradoxais, antagônicas aos postulados do próprio Código Civil, propiciando outra vez os seus enriquecimentos sem causa.

           Preconiza o referido códex:

           "Art. 516 - O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, ao de levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa. Pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis poderá exercer o direito de retenção".

           A boa-fé deve ser verificada na época da feitura das benfeitorias e não a partir do dia em que o contratante deve deixar o imóvel. O previsto no final da cláusula décima segunda , letra "b", não tem o condão de modificar tal realidade jurídica.

           A única multa que deve incidir no presente caso é a referente ao não pagamento das parcelas em dia, se tal ocorrer. Em caso de não desocupação do imóvel, por motivo justificadores dessa medida, deve acarretar ao contratante apenas o dever de pagar, mensalmente, a título de fruição, o valor correspondente, no máximo, ao valor de uma prestação.

           Assim, percebe-se que o valor pecuniário cobrado pela permanência no imóvel é altíssimo, devendo ser reduzindo a um quantum mais próximo da realidade do mercado e dos contratantes; quanto às benfeitorias, deve-se conceder ao consumidor o direito de retenção por benfeitorias úteis e necessárias, sendo certo que a indenização por qualquer tipo de benfeitoria realizada é obrigatória e deve ocorrer de pronto, de modo a não inviabilizar a desocupação do imóvel, em razão do direito a retenção do mesmo.

11) Cláusula Décima Quinta:

           Pelo "caput" desta cláusula, o prêmio do seguro de vida, pago pelo contratante, tem como cobertura o pagamento integral do saldo devedor. Ora, como este saldo está sendo corrigido indevidamente, com acréscimos de resíduos ilegais e que não correspondem ao que foi veiculado na publicidade feita, o preço pago pelo seguro também está exorbitante e deve ser, de pronto, corrigido.

Cláusula Décima Quinta, Parágrafo Primeiro:

           Ficou assentado neste parágrafo que "O valor do seguro será acrescido à prestação e será a partir da assinatura do presente contrato."

           Em relação a isso há ponderações e correções a fazer. A cláusula, não muito clara, deixa a entender que o pagamento das prestações correspondentes ao seguro serão pagas a partir da assinatura do contrato. Ora, se foi exatamente isso que se quis dizer, dever-se-ia ter deixado explicito essa intenção no dispositivo. Parece que a falta de clareza da cláusula é intencional, dado que o pagamento do seguro não deve ser feito a partir da assinatura do contrato, mas a partir da data em que se fizer o contrato com a seguradora.

           Em relação a seguros, os órgãos de defesa do consumidor devem ficar muito atento com as vendedoras de imóveis incorporados, dado que aí é que ocorrem as maiores lesões. Ou elas cobram o valor do seguro sem tê-los contratados ou recebem os valores correspondentes ao prêmio do seguro sem, contudo, repassar às seguradoras contratadas, obrigando estas a rescindir o contrato, em total prejuízo ao consumidor.

           Como não se sabe, no caso em exame, qual é a situação, o melhor é prevenir e corrigir o contrato para que o seguro só seja cobrado a partir do dia em que for contratado uma seguradora, com comprovação documental ao mutuário.

Cláusula Décima Quinta, Parágrafo Segundo:

           A vendedora além de se obrigar a afixar no escritório da Administradora, em lugar visível e acessível ao público, o comprovante de recolhimento do seguro e a relação dos compradores beneficiários, deve também ser obrigada a remeter aos mutuários - com o fim de se evitar a ocorrência dos problemas acima referidos - cópia da apólice, comprovante do número total de parcelas a serem pagas e o valor individual de cada parcela. Não se pode admitir que o consumidor pague algo que não sabe quando começa nem quando termina.

           Deve-se acrescentar um parágrafo a esta cláusula décima quinta que disponha que, após pago o saldo devedor, os possíveis valores remanescentes do seguro deverá ser entregue ao mutuário ou a seus herdeiros e/ou sucessores, pois só a ele pertence.

12) Cláusula Décima Sétima:

           Após relacionar várias despesas que serão da responsabilidade do consumidor-contratante depois da entrega das chaves, esta cláusula dispõe, também, genericamente, que corre igualmente por conta do contratante "outros encargos" que incidam, na data da entrega das chaves, ou que venham a incidir, ainda que lançados em nome da vendedora. Ora, não é possível fixar em contrato responsabilidades vagas para o consumidor, sem mencionar precisamente quais são elas, pois tal situação oportuniza a empresa contratada lançar débitos que o contratante não sabe quais são. Todas as obrigações pecuniárias do mutuário devem estar expressamente dispostas no contrato, para se evitar surpresas desagradáveis e para que o consumidor possa analisar sua legalidade.

           Prevê, ainda, esta cláusula que o contratante deve pagar "taxa de autorização de escritura junto à Administradora", que - segundo o parágrafo único desta cláusula décima sétima - é de valor equivalente a uma prestação. Este é outro absurdo que deve ser extirpado do contrato. A outorga da escritura é uma conseqüência do negócio feito e não um outra transação a parte. Além do mais, tudo o que não represente uma contraprestação de serviço constitui-se em enriquecimento sem causa e lesão ao consumidor.

           Outrossim, é imprescindível que o contrato disponha sobre a obrigação das empresas rés de notificar o adquirente para lhe dar ciência da ocasião em que deve providenciar a escritura e dos documentos necessários para a tomada dessa providência.

13) Cláusula Décima Oitava:

           Invocando o Artigo 1.058 do Código Civil, esta cláusula consigna um prazo de tolerância para conclusão da obra, além de estabelecer sua prorrogação por caso fortuito ou força maior ou, ainda, em razão da inadimplência de mais de 25% do total de adquirentes.

           Todas estas prorrogações constitui-se em arbitrariedade e só se encontram no contrato porque ele foi elaborado exclusivamente por uma parte, que sequer estipulou prazos de carências para o consumidor quitar sua obrigação, pelo contrário fixou multa, juros, correções monetárias e rescisão contratual caso o consumidor não pague as parcelas rigorosamente em dia, independentemente do que lhe possa sobrevir. Essa cláusula é ilegal e draconiana. Traz ela equilíbrio ao contrato.

           Todas as tolerâncias e prorrogações devem ser excluídas. O contratante não pode esperar, ad eternum, pela conclusão das obras. Seus prejuízos vão se acumulando diariamente em caso de atraso nas obras. As contratadas só prevêem prazo e mais prazos a seu favor, mas não se dispõem a pagar os alugueres para o consumidor durante o prazo de prorrogação. Isso sem dizer que esse dispositivo não determina por quanto tempo será a tolerância e que os prazos contratuais previstos (97 meses) já são extremamente longos.

           Não é lógico nem racional fixar prazo para caso fortuito e força maior. O próprio nome já diz tudo. Se se pode prever de antemão por quanto tempo durará o dito caso fortuito ou a força maior, é porque de caso fortuito ou força maior não se trata. Os réus assim dispõem com o único objetivo: alegar, diante de todo fato ocorrido, caso fortuito e força maior, como é do costume de todas as incorporadoras e vendedoras de imóvel.

           Sem dúvida, Abusiva é a exclusão de responsabilidade pela ocorrência de caso fortuito ou de força maior, pois esta cláusula ofende o artigo 51, inciso I, do CDC.

           Outrossim, deve-se dizer que a parte final do dispositivo (prorrogação em caso de inadimplência) caracteriza captação de poupança popular, para a qual é imprescindível a autorização do Banco Central.

           Resumindo a questão, cabe finalizar dizendo que o consumidor tem o direito de receber o imóvel no prazo pactuado, pois tal resulta de boa-fé, moralidade e do próprio Código de Defesa do Consumidor, que dispõe em seu Artigo 39, inciso IX:

           "É vedado ao fornecedor de produtos e serviços: (....); IX - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério".

           Estipular prazo para o cumprimento da obrigação e, logo em seguida, estabelecer inúmeros pretextos para descumpri-lo é o mesmo que não tê-lo fixado.

14) Cláusula Vigésima:

           Fixa esta cláusula que, em garantia do pagamento total da dívida, o comprador dará às empresas rés, em hipoteca, o imóvel objeto do contrato, incorporando-se a ele todos os melhoramentos eventualmente acrescidos.

           Não há equilíbrio neste dispositivo. Do consumidor se exige a garantia hipotecária, mas para as empresas rés não se exige nenhuma garantia, principalmente em relação ao dinheiro que o contratante paga mensalmente, bem como não há garantia para eventual não-entrega do imóvel objeto da avença. Para se equilibrar o contrato, em relação a esta cláusula, deve exigir garantia real dos réus.

           Os melhoramentos incorporam-se ao imóvel, como diz a lei civil, mas tal não dá direito às rés de não ressarcir devidamente as benfeitorias feitas. As empresas requeridas têm o dever de indenizar as benfeitorias feitas, mesmo na hipótese de a hipoteca vir a ser executada.

Cláusula Vigésima, Parágrafo Segundo

           A menção, no contrato, do instituto da impenhorabilidade do bem de família contemplado pela Lei Federal n.º 8.009, de 29/03/90, não faz nenhum sentido, ofendendo, sem dúvida, o princípio da informação e da lisura contratual. Isso porque o imóvel, quanto à propriedade, estará em uma das seguintes situações: a) não quitado, sem escritura para o mutuário, estando, portanto, em nome de umas das empresas rés; b) não quitado, mas já escriturado para o contratante, com garantia hipotecária; ou c) quitado e, portanto, escriturado para o contratante. No primeiro caso (letra a), em havendo necessidade de execução da dívida, não poderão os réus penhorar o que é seu. Na segunda situação (letra b), em caso de não pagamento, os réus não precisarão de se valer do instituto da penhora, posto que deverão apenas executar a hipoteca. No terceiro caso, é desnecessário dizer que o negócio já está pronto e acabado, não existindo qualquer vínculo entre contratante e contratadas, em face da quitação do imóvel, objeto da avença.

15) Cláusula Vigésima Primeira:

           Apesar de o comprador não poder intervir, direta ou indiretamente no andamento normal da obra, deve ficar ressalvado, nesta cláusula, o direito de o consumidor fiscalizar o andamento da obra, com o fim de verificar se os prazos estipulados estão sendo cumpridos ou não. Assim, as proibições de o contratante "manter entendimento com o encarregado ou com os operários da obra e o de permanecer no local, sem autorização da vendedora," deve sofrer as restrições previstas na lei e no próprio contrato, de modo a não inviabilizar o princípio do exercício legal de direitos.

16) Cláusula Vigésima Segunda:

           A obrigação imposta ao comprador pela vendedora - no sentido de que esta, mesmo após a instalação do condomínio e enquanto existirem apartamentos a serem construídos, possa manter, no empreendimento, corretores e placas promocionais, a serem afixados em local escolhido pela vendedora - deve ser revista. Ofende tal dispositivo o direito à propriedade, ao sossego e a intimidade de todos os contratante-mutuários. No mínimo, a contratada teria que afixar placas e manter corretores em locais autorizados pelos contratantes e não em lugares impostos pelas contratadas.

17) Cláusula Vigésima Quinta:

           Não há razão para se responsabilizar os herdeiros e sucessores do contratante pelo cumprimento do contrato, tendo em vista que a única responsabilidade que poderia deles se exigir seria o pagamento do saldo devedor, mas esse já será coberto pelo seguro prestamista feito. Por respeito ao princípio da informação e boa-fé, é imprescindível eliminar essa previsão do contrato. Só servirá ela para os réus criarem débitos inexistentes para os familiares do contratante pagarem.

18) Cláusula Vigésima Sexta:

           Dispõe esta cláusula que "os contratantes, em comum e recíproco acordo elegem o foro desta comarca, com renúncia de outro por mais privilegiado que seja". Esta escolha jamais foi feita de comum e recíproco acordo pelos contratantes. Primeiro, por ser o presente um contrato de adesão, onde só a vontade das contratadas prevalece. Segundo, porque o consumidor jamais escolheria um foro que lhe dificultaria eventuais discussões judiciais.

           Tal disposição poderá inviabilizar a defesa dos direitos e interesses do consumidor, principalmente em face da expressão "com renúncia de outro (foro) por mais privilegiado que seja". Em alguns casos concretos, essa disposição estará, sem dúvida, ofendendo a previsão contida no artigo 6o, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que fixa como direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos. A título de elucidação, pode-se citar o caso do consumidor que se muda de Campo Grande para uma localidade distante. Nesse caso, a cláusula, como está, inviabilizaria àqueles que não têm condição de se deslocar até Campo Grande para discutir, no Judiciário, eventual direito pendente.

           Nelson Nery Júnior, "in" Comentários ao Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Editora Forense Universitária, páginas 337/338, não tem entendimento diferente:

           "Pode ser considerada abusiva a cláusula de eleição do Foro em cláusulas contratuais gerais ou em contrato de adesão se se traduzir em dificuldades de defesa para o consumidor. Não obstante seja lícita a eleição de Foro, em se tratando de competência relativa, por autorização do direito processual, a questão deve ser analisada à luz do direito material porque objeto de estipulação negocial em contrato de consumo.

           Desde que discutida livremente entre as partes, em igualdade de condições, a cláusula de eleição de foro é perfeitamente válida e eficaz."

           O princípio da "pacta sunt servanda", com o advento da Lei n.º 8.078/90, passou a ser relativizado, pois as disposições contratuais sempre serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (artigo 47 do C.D.C.).

           Dessarte, não existindo nos contratos de adesão o reconhecimento da liberdade e da vontade do consumidor, é imposição excessivamente onerosa a estipulação de foro de eleição em domicílio que dificulte a defesa do consumidor.

           Assim, essa cláusula deve ser, evidentemente, modificada, pelo menos no seu final, onde deve ser substituída a expressão "com renúncia de outro por mais privilegiado que seja", por: "salvo se não prejudicar o direito de defesa do consumidor".

20) Quadro Resumo:

Sinal

           O valor dado como sinal é ilegal. Em face dos princípios presentes no CDC, todo valor pago pelo consumidor deve representar uma contraprestação, em serviço ou bem e o referido sinal visa principalmente enriquecer ilicitamente o fornecedor, que poderá receber esse valor sem ter prestado nenhum serviço ou fornecido nenhum bem, bastando simplesmente que o consumidor não faça o negócio após o pagamento desse famigerado sinal, que é pago mesmo antes do consumidor ter conhecimento do contrato. Além do mais, vai ele contra o princípio da informação e da reflexão, dado que o consumidor paga o sinal sem qualquer informação prévia a respeito do contrato e do negócio a ser feito. Nessas condições, não consegue o consumidor sequer reflexionar tranqüilamente a respeito do negócio a ser feito, dado que estará forçado a fazer o negócio mesmo se o reputar indesejável, em razão de existência de cláusula abusiva, com as quais não concorda. Isso porque se não concretizar o negócio, assinando o contrato, perderá o valor que já deu, o que é uma lesão ao consumidor.

Item 03 - do Pedido de Reserva do Imóvel:

           Dispõe este item que "Em caso de arrependimento e desistência do negócio, se pela vendedora, esta devolverá as importâncias recebidas em dobro, se pelo(a)(s) adquirente(s), este(a)(s) perderá(ão) as importâncias pagas".

           Em primeiro lugar, há que se melhorar a redação, em respeito ao princípio da informação. A expressão "em dobro" está fora de lugar. A importância não é recebida em dobro, mas a devolução dessa importância que é feita em dobro. Assim, a melhor redação seria: "...se pela vendedora, esta devolverá, em dobro, as importâncias recebidas".

           Pelo disposto neste item, são extremamente vantajosas, para os empreendedores, esta desistência, posto que, além de reter os valores pagos a título de sinal, poderá comercializar, outra vez, referido imóvel. E assim, sucessivamente, caso ocorra outro arrependimento, ensejando, sem dúvida, enriquecimento sem causa. Assim, é mais negócio para o empreendedor, não concretizar negócio algum, que vender as unidades habitacionais por construir. E para que essa vantagem continue sempre crescente, o consumidor não deve mesmo receber nenhum informação antes de pagar o sinal, pois caso contrário nem aparecerá para dar tal sinal.

           A cobrança do sinal não faz sentido, pelo menos para a lei protetiva e para o consumidor, devendo, portanto, ser extirpada do quadro resumo. A adesão contratual não pode estar condicionada ao pagamento de qualquer valor, sob pena de nulidade.

           Ademais, o único percentual de perda que o contrato ou pré-contrato podem prever e o equivalente a 10% de qualquer valor pago.

O item 04

           Este item quatro deve ser abolido por se tratar de propaganda enganosa e por favorecer a correção mensal de parte da parcela, além de criar resíduo a ser pago no final do contrato, gerando novo encargo desnecessário e prejudicial ao consumidor.

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Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. ACP sobre cláusulas abusivas em contrato imobiliário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16022. Acesso em: 22 dez. 2024.

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