5. DA SÍNTESE DAS VÁRIAS RECLAMAÇÕES DE CONSUMIDORES:
Constam nos autos do ICP inúmeras reclamações de consumidores inconformados com a nova política tarifária da requerida, dados que não podem ser desconhecidos ou mesmo desprezados. Tais consumidores dirigiram-se, via de regra, aos órgãos de defesa do consumidor com atuação nos municípios em que a CORSAN tem sua área de fornecimento (Procons e Promotorias de Justiça), o mesmo ocorrendo nesta Capital, inclusive junto a Ouvidoria da AGERGS, conforme demonstrativo inserido no item 1 "Dos Fatos" desta peça inicial.
Até o presente momento, por município, são estas as reclamações chegadas ao Ministério Público, número, com certeza, apenas parcial:
- Ijuí: 99 reclamações
- Restinga Seca: 59 reclamações
- Passo Fundo:13 reclamações
- Rio Grande: 195 reclamações
- Uruguaiana: 108 reclamações
- Santo Ângelo: 51 reclamações
- Canela: 2 reclamações
- Nova Petrópolis: 3 reclamações
- Carazinho: 9 reclamações
- Capão do Leão: 7 reclamações
- Viamão: 1 reclamação
- Santa Rosa: 103 reclamações
- Outros: 8 reclamações
Destas reclamações, algumas, pela peculiaridade, merecem ser destacadas:
Elisete Machado Kuhn, residente em Canoas, na fl. 104 do ICP:
"... sem maiores explicações, a partir do mês de setembro de 1999, a CORSAN passou a cobrar da declarante aproximadamente o dobro do valor cobrado nos meses anteriores. Em razão do aumento excessivo, a declarante solicita providências deste órgão. Acredita que o aumento foi geral, pois suas vizinhas também reclamaram...".
Na fl. 138 do ICP consta reclamação protocolada nesta Promotoria do Consumidor pela ASSOBRAEE Associação Brasileira de Consumidores de Água e Energia Elétrica, que refere:
"...vimos encaminhar a Vossa Senhoria, a Estrutura Tarifária Planejada, adotada e praticada pela CORSAN, sendo no nosso entendimento, lesiva e violenta contra os usuários...". (o grifo é nosso).
Ainda, na fl. 374 do ICP, consta reclamação de Alvanir Luiz Zini, residente em Canela, que relata:
"Que tem residência tipo residencial-comercial localizada na Rua Padre Cacique, 447, nesta cidade, sendo que pagava o valor de R$ 55,00 a título de taxa de água à CORSAN, e no corrente mês o valor passou para R$ 124,29, tendo, portanto, um aumento muito significativo, com o qual não concorda o declarante...".
Além dos aumentos abusivos apontados pelos reclamantes Marli Domingues Ugoski e Ruy Rodrigues Peres, ambos do Município de Capão do Leão, ambos relatam que só recebem água no turno da noite, o que, sem dúvida, torna a situação ainda mais grave.
Também o caso veiculado pelo SISTECON de Santa Rosa é importante de ser transcrito:
"... destacamos a fatura de n. 1681427.182.794, em que é usuária a Prefeitura Municipal de Santa Rosa... em razão de que nessa conta está uma (1) BICA PÚBLICA DO ALTO DA TIMBAÚVA, relativa a 47 (quarenta e sete) economias do mês de setembro/99, vencida em 08.10.99, no valor de R$ 1.464,86 (Um mil, quatrocentos e sessenta e quatro reais e oitenta e seis centavos), para um consumo de 486 metros cúbicos de água.
Entendemos que houve um aumento abusivo no preço cobrado pela água, em razão de que, no mês anterior, ou seja, em agosto de 1999, a fatura correspondente... vencida em 09.09.99, a qual foi paga em 14.10.99, relativa a um consumo de 475 metros cúbicos de água, foi cobrado R$ 594,41 (quinhentos e noventa e quatro reais e quarenta e um centavos).
Assim, para um aumento de apenas 11 metros cúbicos de água consumida, entre o mês de 08/99 e 09/99, houve uma cobrança a maior de R$ 870,45, ou seja, OCORREU UM AUMENTO REAL DE UMA FATURA E OUTRA NA ORDEM DE 146,43%." (fls. 481/482).
Para que se tenha o reflexo individual dos abusos perpetrados, transcreve-se os depoimentos infra, de pessoas que vivem no Loteamento Altos da Timbaúva, em Santa Rosa:
"Darci reside há dois anos no loteamento e sobrevive fazendo fretes. Sustenta a esposa e uma filha de 2 anos de idade, percebendo mensalmente R$ 400,00. Geralmente pagava em torno de R$ 12,00 a água que consumia. Com o atual aumento está pagando em torno de R$ 40,00." (fls. 521/522).
"Francisco, reside com sua esposa no local, sendo ambos aposentados e recebendo, cada um, um salário mínimo de aposentadoria. Pagava em torno de R$ 12,00 o consumo da água, tendo agora que pagar em torno de R$ 40,00, comprometendo a sua subsistência, haja vista o valor que recebe. Tal situação é semelhante à maioria dos moradores do loteamento." (fl. 522).
Na Vila Progresso, ainda em Santa Rosa, pode ser vista a seguinte situação:
"Reside em casa própria há cinco anos, juntamente com mais duas pessoas da família. Na residência há hidrômetro. O senhor Setembrino é aposentado, recebendo em torno de R$ 500,00 por mês, sendo que gasta a maior parte de sua aposentadoria com medicamentos, eis que é cardíaco. Geralmente gastava em torno de R$ 20,00 de água, relativo ao mês de setembro pagou R$ 80,60..... registra que a companhia recentemente revisou o hidrômetro da residência não encontrando nenhuma alteração."
O conhecido jornalista Paulo Santana, em sua coluna diária no Jornal Zero Hora, em data de 14 de outubro do corrente ano, sob o título "Água pela Hora da Morte", e que está na fl. 95 do ICP, com a propriedade que lhe é peculiar assim escreve sobre o tema:
"A julgar pelo imenso alarido protestativo que ecoa por todas as Redações da mídia, estamos diante de um tarifaço formidável da Corsan.
É gente reclamando de contas que eram de R$ 44 e passaram para R$ 110 com o mesmo consumo, aumento de taxa mínima, uma troada geral, partida de todos os pontos do Rio Grande.
Os abusos nas contas começam a assustar a população. Não é possível que se queira lucrar em cima da água, sob o pretexto de corrigir distorções históricas.
Qual o povo que pode de uma tacada suportar a correção de distorções históricas de preços cobrados pela água? Como é que toda a carga de cobranças defasadas vai agora, de uma única tacada, se derrubar sobre os consumidores?
Por que essa fúria tributária, que começou com as multas de trânsito e agora se mostra furiosamente agressiva com a taxa da água?
Divulgou-se anteontem que o metro cúbico de água é cobrado pela Corsan a preço quase em dobro de Santa Catarina e Paraná.
Por que tudo tem de ser mais caro no Rio Grande do Sul, desde a cesta básica até o custo de vida em geral? E por que o governo recém-instalado quer resolver todos os seus problemas orçamentários em cima da população, onerando-a ainda mais nesta crise animalesca?
Este aumento da Corsan atinge a todos. Preocupa que atinja as camadas mais humildes da população também, a julgar pela procissão de pessoas pobres que desatou os protestos.
Mas não é justo também que a classe média tenha de pagar uma conta atrasada pela água, ninguém mais suporta os aumentos em geral, medicamentos, gasolina, alimentação, agora acrescidos de um inexplicável tarifaço na água.
Está se desenhando um clamor geral pelos aumentos da Corsan. É caso para exame e atitudes pessoais do governador Olívio Dutra.
Parem com os aumentos!"
Este depoimento transmite bem o clamor social do evento.
Há caso de pessoas desempregadas, que não percebem sequer um salário mínimo mensal, ou que possuem apenas um ponto de água em suas residências, e que se encontram na iminência de ver suspenso o fornecimento de água prestado pela requerida, o que é de uma total injustiça, já que indiscutivelmente se está diante de um serviço público essencial.
Esta a síntese do sentimento de indignação que tomou conta dos usuários dos serviços de água da companhia requerida!
6. DA NECESSIDADE DE SUBMISSÃO DA NOVA POLÍTICA DE ESTRUTURA
TARIFÁRIA À AGERGS - AGÊNCIA ESTADUAL DE REGULAÇÃO
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DELEGADOS DO RIO GRANDE DO SUL:
O agente regulador instituído pela Lei Estadual n.º 10.931/97, a AGERGS AGÊNCIA ESTADUAL DE REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS, é o órgão competente para apreciar qualquer preço público ou tarifa, mesmo aqueles cuja alteração ocorra por força de reestruturação ou adequação das políticas tarifárias, como alega ser a ora requerida.
A referida lei prevê, de forma expressa:
"Art. 3º - Compete à AGERGS, a regulação dos serviços públicos delegados prestados no Estado do Rio Grande do Sul e de sua competência ou a ele delegados por outros entes federados, em decorrência de norma legal ou regulamentar, disposição convenial ou contratual.
Parágrafo único A atividade reguladora da AGERGS será exercida, em especial, nas seguintes áreas:
a) saneamento ..."
No caso, a requerida sequer submeteu ao órgão regulador a reestruturação tarifária proposta nos municípios sob a sua área de ação. E o motivo para tanto, de todo insuficiente, restou evidenciado nos próprios depoimentos do Diretor-Presidente, Dieter Wartchow, e do Superintendente Comercial, Fernando Rossi, quando ouvidos nesta Promotoria de Justiça, nas fls. 256/257 do ICP, ao referirem, expressamente, que " ... Entendem que a AGERGS não possui competência para regular as tarifas, por tratar-se de serviço constitucionalmente delegado pelo município ao estado...".
Posteriormente, através de nota mandada publicar pela CORSAN na Zero Hora, Correio do Povo e Jornal do Comércio, edições de 28.10.99, constantes na fls. 392, 396/397 do ICP a direção da empresa assim se manifesta:
"A decisão tomada nesta quarta-feira (27), pelos conselheiros da Agergs, de condenar a Corsan pela Reestruturação Tarifária, é de cunho político e carece de legitimidade, pois desobedece à legislação vigente Lei Estadual 10.931/97. A agência não detém qualquer competência para homologar reajustes ou proceder a revisão de tarifas dos serviços públicos municipais concedidos ao Estado..."
Ora, o texto legal é por demais claro, e não pode ser ignorado por ninguém, muito menos por dirigentes de uma empresa como a requerida, os quais ainda invocam o mesmo diploma legal para, equivocadamente, entenderem como ilegítima a intervenção da Agergs.
Antes mesmo do exame de detalhes técnicos da nova estrutura tarifária levada a cabo pela requerida, da análise de sua correção ou não, verifica-se que, necessariamente, tal proposta de modificação de tarifas deveria ter sido submetida à apreciação do órgão regulador, motivo suficiente, por si só, para a imediata suspensão da nova política tarifária, estando esta, ab initio, revestida de ilegalidade.
O argumento trazido à baila pela CORSAN, de que, em realidade, o serviço de saneamento prestado pela companhia é delegado do Município ao Estado, com a devida vênia, é de todo descabido, sendo suficiente a leitura e a mera interpretação literal do dispositivo legal inserto no art. 3º, "a", da Lei n.º 10.931/97, para que reste afastado tal entendimento. É que consta expressamente caber à AGERGS a regulação dos serviços públicos delegados prestados no (o grifo é nosso), e não do Rio Grande do Sul, e não há qualquer divergência de que a CORSAN atua, unicamente, no território do Rio Grande do Sul.
Também não resta qualquer dúvida de que o serviço de saneamento tem como poder concedente cada município em que a CORSAN atua, os quais, aliás, ao que parece, não foram sequer consultados acerca da modificação da estrutura tarifária, e como concedido o próprio Estado do Rio Grande do Sul. Pois o caput do mesmo art. 3º da Lei n.º 10.931/97 também menciona expressamente competir à Agergs a atividade reguladora dos serviços públicos a ele delegados por outros entes federados, precisamente o caso da demandada.
O parágrafo único do mesmo artigo 3º igualmente é expresso ao dizer o que segue:
"a atividade reguladora da AGERGS será exercida, em especial, nas seguintes áreas:
a)saneamento;"
Ou seja, não pode haver dúvida no sentido, pois serviço de saneamento é exatamente do que trata o presente feito.
Ainda é relevante trazer à tona o que refere o Estatuto Social consolidado da companhia requerida (Ata n.º 009/97, com registro na Junta Comercial n.º 97/1599740 de 10/04/97), face às várias modificações aprovadas na Assembléia Geral de Acionistas, tendo, dentre outras alterações, a seguinte:
"Art. 49 Para atender as suas finalidades e objetivos institucionais, os planos da sociedade serão fixados pelo Conselho de Administração em conformidade com as diretrizes básicas traçadas pelo governo do Estado, no que se refere a:
...
c- preços públicos e tarifas
..."
Por fim resta ser referido que, em recente sessão da 1ª Câmara de Férias Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento do Recurso de Apelação n. 70000016527, interposto pelo Ministério Público na Comarca de Pedro Osório, contra a própria CORSAN, restou inteiramente reconhecida a necessidade de sujeição de todos os serviços públicos relacionados no art. 3º da Lei n. 10.931/97, à AGERGS.