EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
..., PRESIDENTE DO CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, vem propor, com fundamento no art. 162, VII, da Constituição do Estado do Pará, a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR, para que essa Egrégia Corte, no desempenho de sua missão constitucional de guardiã da Constituição, consagrada pelo art. 155 da Constituição do Estado do Pará, examine a regularidade, em face dessa mesma Constituição, das alíquotas constantes da Tabela anexa ao art. 6º da Lei 7.934, de 29.12.98, do Município de Belém, referentes ao Imposto Predial e Territorial Urbano.
Dispõe o art. 6º dessa Lei:
Art. 6º - O Imposto Predial e Territorial Urbano será calculado aplicando-se, sobre o valor estabelecido como base de cálculo, as alíquotas constantes das Tabelas II a IV, anexas à presente Lei.
TABELA II Alíquotas para imóveis edificados próprios e alugados:
VALOR VENAL (Valores em UFIR) :
Zero a 15.080 = 0,15%
15.081 a 34.060 = 0,30%
34.061 a 90.834 = 0,40%
90.835 a 147.614 = 0,50%
Acima de 147.614 = 0,60%
TABELA III- Alíquotas para imóveis não residenciais:
VALOR VENAL (Valores em UFIR):
Zero a 5.210 = 0,5%
5.211 a 11.356 = 1,0%
11.357 a 34.061 = 1,5%
Acima de 34.061 = 2,0%
TABELA IV Alíquotas para imóveis não edificados
VALOR VENAL (Valores em UFIR):
Zero a 30.200 = 1,0%
30.201 a 66.450 = 1,5%
66.451 a 145.750 = 2,0%
145.751 a 320.650 = 2,5%
320.651 a 705.450 = 3,0%
Acima de 705.450 = 3,5%
Essas alíquotas são materialmente inconstitucionais, em face dos arts. 216 e 223, I e § 1º, da Constituição do Estado do Pará, conforme provaremos detalhadamente, a seguir. A melhor Doutrina e a pacífica Jurisprudência demonstram que as referidas alíquotas, progressivas em função do valor venal do imóvel e progressivas também em função de sua utilização, como não residencial, ou ainda pelo fato de que o imóvel seja não edificado, contrariam frontalmente as referidas normas da Constituição Estadual, padecendo, conseqüentemente, de vício insanável de inconstitucionalidade, porque não é possível solucioná-lo sem seu expurgo do universo jurídico. A respeito, leciona CLÈMERSON MERLIN CLÈVE:
Pode ocorrer inconstitucionalidade material quando a norma, embora disciplinando matéria deixada pelo Constituinte à liberdade de conformação do legislador, tenha sido editada não para realizar os concretos fins constitucionais, mas sim para prosseguir outros, diferentes ou mesmo de sinal contrário àqueles, ou, tendo sido editada para realizar finalidades apontadas na Constituição, ofende a normativa constitucional por fazê-lo de modo inapropriado, desnecessário, desproporcional ou, em síntese, de modo não razoável. Trata-se, no primeiro caso, da hipótese tratada como desvio ou excesso de poder legislativo; no segundo, manifesta-se ofensa ao princípio da razoabilidade dos atos do Poder Público, e aqui, do Poder Legislativo. Em muitos casos a teoria do excesso de poder e o princípio da razoabilidade cobrem um mesmo campo teórico, oferecendo, portanto, soluções semelhantes (senão idênticas) quando da aferição da legitimidade de determinados atos normativos do Poder Público. (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro)
Antes, porém, do exame detalhado da inconstitucionalidade dessas alíquotas, abordaremos o tema da competência dessa Egrégia Corte para conhecer e decidir a respeito da matéria.
SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:
É hoje incontroverso o princípio da superlegalidade constitucional: a própria estrutura jurídico-política reclama o reconhecimento da superioridade da Constituição sobre as leis ordinárias.
A Constituição é, portanto, uma lei fundamental. Primeiro, porque ela é o padrão, o eixo, o estalão, de nosso ordenamento jurídico, determinando seus princípios básicos. Depois, porque é uma lei hierarquicamente superior, de modo que qualquer outro provimento normativo que com ela conflite não será válido, será inconstitucional, será nulo e de nenhum efeito.
O controle de constitucionalidade é, exatamente, o processo através do qual se controla a regularidade das leis em face da Constituição. No Brasil, esse controle é feito pelo Poder Judiciário, daí a denominação : controle jurisdicional de constitucionalidade.
O exame da regularidade das leis em face da Constituição se opera de duas maneiras: através da ação direta, ou através da via de exceção. Pelo primeiro, também chamado controle concentrado, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo é feita em tese, isto é, independentemente da existência de caso concreto. Já na via de exceção, no também denominado controle incidental, existe o caso concreto, que está sendo examinado pelo juiz ou pelo Tribunal, e a declaração de inconstitucionalidade será incidental. Como conseqüência, aplicável apenas às partes, enquanto que, se a declaração de inconstitucionalidade for obtida através da ação direta, terá efeitos erga omnes.
Sob a vigência da Constituição Federal de 1.946, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, de 1.947, adotou dispositivos parlamentaristas, o que originou a Representação no. 94, que teve como Relator o Ministro CASTRO NUNES. Dizia o grande jurista:
Trata-se aqui, porém, de inconstitucionalidade em tese, e nisso consiste a inovação desconhecida entre nós na prática judicial, porquanto até então não permitida pela Constituição. Em tais casos a inconstitucionalidade declarada não se resolve na inaplicação da lei ao caso ou no julgamento do direito questionado por abstração do texto legal comprometido; resolve-se por uma fórmula legislativa ou quase legislativa, que vem a ser a não vigência, virtualmente decretada, de uma dada lei. Nos julgamentos em espécie, o Tribunal não anula nem suspende a lei, que subsiste, vige e continuará a ser aplicada até que, como, entre nós, estabelece a Constituição, o Senado exercite a atribuição do art. 64.
Na declaração em tese, a suspensão redunda na abrogação da lei ou na derrogação dos dispositivos alcançados, não cabendo ao órgão legiferante censurado senão a atribuição meramente formal de modificá-la ou revê-la, segundo as diretivas do prejulgado; é uma inconstitucionalidade declarada "erga omnes", e não somente entre as partes; a lei não foi arredada apenas em concreto; foi cassada para todos os efeitos... (Os Grandes Julgamentos do STF, Ministro EDGARD COSTA, p. 141)
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO PARA O JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL :
.Tratando-se, porém, do controle da constitucionalidade das leis municipais ou estaduais, em face da Constituição Estadual, a competência é do Tribunal de Justiça do Estado, nos termos do art. 161, I, " l ", de nossa Constituição Estadual :
Art. 161- Além das outras atribuições previstas nesta Constituição, compete ao Tribunal de Justiça:
I. processar e julgar, originariamente:
......................................................
l) a ação direta de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face desta Constituição, e o pedido de medida cautelar nessa ação;...
Na verdade, a norma do Município de Belém que constitui o objeto desta Ação, estando em completa oposição à Constituição do Estado do Pará, sua irregularidade material é causa de nulidade absoluta e de ineficácia ipso jure, desde o momento de sua edição, antes mesmo que sua inconstitucionalidade seja solenemente declarada pela Sentença dessa Suprema Corte de nosso Estado, assim operante ex tunc.
A competência desse Egrégio Tribunal de Justiça, para controlar a regularidade desse provimento jurídico municipal em face da Constituição Estadual, decorrente da própria autonomia conceptual dos Estados-membros da Federação, justifica-se, ainda, pela necessidade de manter a unidade do ordenamento jurídico pátrio, sob a inspiração dos princípios basilares consagrados pela Constituição Federal, e nos limites da liberdade que aos Estados se garante, de diversificarem, pela auto-organização, respeitado porém aquele mínimo de uniformidade obrigatória, consectário da forma federativa de Estado.
Essa Suprema Corte atuará, no desempenho da alta missão que lhe é constitucionalmente deferida, como Corte Constitucional, eis que sua decisão não importará na interpretação da lei para resolver litígio entre partes, mas na apreciação de sua validade e eficácia erga omnes.
Ressalte-se, portanto, desde logo, que não teria qualquer cabimento alegar que estaria essa Egrégia Corte usurpando a competência constitucionalmente atribuída ao Supremo Tribunal Federal, de guardião da Constituição, mesmo porque a competência dos Tribunais de Justiça Estaduais para decidir a respeito da matéria decorre das normas do art. 125 e seu § 2o., da própria Constituição Federal, verbis:
Art. 125- Os Estados organizarão suas Justiças, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 2o Cabe aos Estados a instituição da representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimidade para agir a um único órgão. (os grifos são nossos)
Em obediência a esse preceito da Constituição Federal, a Constituição do Estado do Pará, de 05.10.89, consagrou a competência dessa Egrégia Corte para o exame da constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Estadual, conforme a suso transcrita norma do art. 161, I, "l". Ressalte-se que os arts. 152 a 156 do Regimento Interno dessa Egrégia Corte (Capítulo II do Título VII) tratam das normas processuais pertinentes à Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Complementando a normatização da matéria, no art. 162, de que trataremos a seguir, a Constituição do Estado do Pará atribuiu a legitimidade ativa às autoridades e órgãos que enumerou.
Assim como é pacífica a jurisprudência do Excelso Pretório, que transcreveremos posteriormente, quando examinarmos os artigos da Carta Estadual vulnerados pela inconstitucionalidade das alíquotas progressivas do IPTU, é pacífica, também, a jurisprudência dessa Egrégia Corte a respeito de sua competência para o exame da inconstitucionalidade, em tese, de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual:
Acórdão 27.488- Ação Direta de Inconstitucionalidade. Comarca: Capital. Julgamento 06.09.95, Tribunal Pleno. Relator: Des. João Alberto Castello Branco de Paiva. EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei Complementar no. 15, de 24 de janeiro de 1.994. Competência do Tribunal de Justiça do Estado para julgar a matéria, nos termos do art. 125 § 2º da Constituição Federal e art. 161, I, l, da Constituição Estadual. Legitimidade de parte da entidade autora, de âmbito estadual, vinculada ao objeto da ação (art. 162, IX, da Constituição Estadual). Os vícios formais que teriam ocorrido no "iter" legislativo para a aprovação da lei atacada não são de molde a ensejar a inconstitucionalidade formal argüida, posto que foram observados os ditames do art. 113 e seu parágrafo 2º da Carta Estadual. Contudo, há choque entre os parágrafos 2º e 3º do art. 1º e o inciso II e seus anexos do art. 2º da Lei Complementar objeto desta ação, respectivamente, com os arts. 295, parágrafo 5º e 18 e seus incisos da Constituição Estadual. Ação julgada parcialmente procedente. Votação unânime.
Acórdão 30.174- Ação Direta de Inconstitucionalidade. Comarca: Capital. Julgamento: 06.11.96, Órgão Especial. Relatora: Desa. Maria Lúcia Gomes Marcos do Santos. EMENTA: Câmara Municipal não tem poderes para processar e julgar o Prefeito Municipal. Competência do Egrégio tribunal de Justiça do Estado Declarados inconstitucionais o art. 90 "caput" e seu parágrafo 1º inciso II e art. 81 da Lei Orgânica do Município de Almeirim por violação ao art. 161, inciso I, letra "a" e art. 56 da Constituição Estadual. Decisão unânime.
É curial, portanto, a inexistência de qualquer conflito ou invasão de competência, em relação às atribuições constitucionalmente deferidas ao Supremo Pretório. Trata-se aqui da inconstitucionalidade das alíquotas progressivas aprovadas pelo art. 6º da Lei municipal já referida, em face da Constituição Estadual, conforme detalharemos no momento oportuno, e essa matéria está excluída da competência do Supremo Tribunal Federal, que somente poderia examinar a constitucionalidade dessa lei municipal em face da Constituição Federal, e assim mesmo, não através da Ação Direta, mas pelo controle incidental, v. g., nos casos em que, pela via do recurso extraordinário, a matéria fosse suscitada perante aquela Suprema Corte.
Portanto, se o Supremo Tribunal Federal tem a missão precípua de atuar como guardião da Constituição (Federal), declarando a inconstitucionalidade de leis e atos que com ela conflitem, podemos dizer que cabe a esse Egrégio Tribunal de Justiça do Estado atuar como guardião da Constituição Estadual, controlando a regularidade das leis e atos municipais ou estaduais que com ela conflitem, conforme disposto em seu art. 155, verbis:
O Tribunal de Justiça, com jurisdição em todo o Estado e sede na Capital, compõe-se de vinte e sete Desembargadores, cabendo-lhe, precipuamente, a guarda da Constituição do Estado do Pará. (grifamos)
CELSO RIBEIRO BASTOS, tratando do controle de constitucionalidade em nível estadual, leciona:
O constituinte, ao dispor sobre os Tribunais dos Estados, foi bastante feliz, conferindo a estes órgãos a competência para verificação de inconstitucionalidade das leis e atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Estadual. No sistema anterior, não havia o controle por via de ação direta das leis e atos de alçada municipal; estes só eram controlados através do método difuso, ou seja, pela via de exceção ou defesa. Dessa forma, temos um sistema maior onde o Supremo Tribunal Federal cuida do controle da constitucionalidade das normas e atos federais e estaduais em face da Constituição Federal. E, na alçada estadual, um outro sistema concentrado, que controla a constitucionalidade das normas e atos municipais e estaduais perante a Constituição dos Estados, portanto um microssistema de controle da constitucionalidade. Cabe lembrar, por prudência, que as leis municipais não são passíveis de controle por via de ação direta em face da Constituição Federal, portanto pelo Supremo Tribunal Federal. (CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 18ª edição, 1.997, p. 411)
Declarada definitivamente por essa Egrégia Corte a inconstitucionalidade das alíquotas em questão, essa decisão terá efeitos erga omnes, conforme já demonstramos, citando CASTRO NUNES, embora a formalidade do § 2º do art. 162 da Constituição Estadual, que determina a comunicação à Câmara Municipal, para que suspenda sua execução.
No mesmo sentido, a norma do art. 45, IX, da Lei Orgânica do Município de Belém, verbis:
Art. 45- É de competência privativa da Câmara Municipal:
..............................................................
IX- suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo municipal declarado inconstitucional por decisão definitiva.
Comentando o art. 52, X, da Constituição Federal, JOSÉ AFONSO DA SILVA leciona, a respeito da eficácia da sentença proferida no processo da ação direta de inconstitucionalidade genérica:
Essa ação, como vimos, tem por objeto a própria questão de constitucionalidade. Portanto, qualquer decisão, que decrete a inconstitucionalidade, deverá ter eficácia "erga omnes" (genérica) e obrigatória. Mas a Constituição não lhe deu esse efeito, explicitamente, como seria desejável. Deixou a questão na mesma indefinição do sistema anterior, sem dizer também se se aplicará, à declaração de inconstitucionalidade em tese, a suspensão prevista no art. 52, X, que, por seus termos, somente se refere à declaração de inconstitucionalidade "incidenter tantum". De fato, se esse dispositivo fala em "lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal", parece, pelo "definitiva", que se trata de conclusão de uma série de decisões, o que é característica de decisão num processo concreto, não compreendidas as decisões definitivas prolatadas em processos de competência originária do próprio Pretório Excelso. A não definição explícita sobre o efeito da sentença que reconhece a inconstitucionalidade acaba por ser uma definição, porque, se não se aplica a regra própria da declaração de inconstitucionalidade de um processo concreto, é porque a Constituição não quis dar tal solução, o que significa que o problema se resolve, logicamente, pelas regras processuais sobre a eficácia e autoridade da sentença. E como o objeto do julgamento consiste em desfazer os efeitos normativos (efeitos gerais) da lei ou ato, a eficácia da sentença tem exatamente esse efeito, e isto tem valor geral, evidentemente. Em suma, a sentença aí faz coisa julgada material, que vincula as autoridades aplicadoras da lei, que não poderão mais dar-lhe execução, sob pena de arrostar a eficácia da coisa julgada, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade em tese visa precisamente atingir o efeito imediato de retirar a aplicabilidade da lei. Se não fosse assim, seria praticamente inútil a previsão constitucional de ação direta de inconstitucionalidade genérica. (Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 11ª edição, 1.996)