Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Comarca de Água Boa - M. T..
O Ministério Público, através deste Promotor de Justiça, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente Ação Civil Pública, com pedido de liminar, face a C. E. M. A. T. - S./A, neste ato representada por Antônio Mendes de Souza, estabelecida na Usina Termoelétrica desta Cidade, com fulcro nos fatos e fundamentos jurídicos, que passaremos a expor a seguir:
I
Ressai dos apensos autos de Inquérito Civil Público n. 01/96, que há aproximadamente 40 (quarenta) dias atrás, a ré, vem submetendo os consumidores e a população em geral desta Cidade, a racionamentos regulares de prestação de energia elétrica. Se não bastasse tal fato, nos dias 7 e 14 (sete e quatorze) do mês de setembro do corrente ano, conforme se depreende dos depoimentos e declarações de f. 17, e 25 a 27 do I. C. P., a ré chegou a interromper o fornecimento de energia elétrica a esta Cidade, por 24:00 (vinte e quatro) horas ininterruptas. Ressalte-se, ainda, que tais racionamentos, ocorrem por setores da urbe, e não obedecem a critérios programados, nem tão-pouco, há a prévia divulgação, para a população, de quais regiões terão racionamentos iminentes. O resultado da conduta da ré veio expressamente registrado no bojo do Inquérito Civil Público, instaurado por esta Promotoria de Justiça, qual seja: prejuízos disseminados pelo comércio em geral, que além de perder diversas mercadorias perecíveis, como carnes bovinas, derivados de leite etc., ainda deixou de angariar as quantias monetárias, que normalmente o faz, a título de lucros cessantes; aumento da criminalidade, com novos furtos e a fuga de presos na ocasião de um dos racionamentos de energia elétrica etc.; pane em eletrodomésticos, como geladeiras, freezers, etc., o que, inclusive, está fazendo grande número de pessoas, não só comerciantes, a dispender gastos imprevistos e excedentes, com a aquisição de motores geradores de energia elétrica, conforme se registrou às f. 26 do I. C. P.; falta de abastecimento de água para a população, pois, quando da ausência de fornecimento de energia elétrica para a Estação de Abastecimento da S. A. N. E. M. A. T., nesta Cidade, as bombas propulsoras de água não funcionam, interrompendo-se, assim, o fornecimento de água para os estabelecimentos comerciais e residenciais.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1.990), é claro, sendo até imperativo, quando dispõe:
"Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único - Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código."
"Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Parágrafo 1. - O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I-o modo de seu fornecimento;
II-o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III-a época em que foi fornecido.
(...)
Parágrafo 3. - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I-que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II-a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.(...)"
Analisando-se os dispositivos acima transcritos, verifica-se que, em primeiro lugar, a ré está se conduzindo de forma a violar o que determina o artigo 22, pois, está deixando de fazer uma obrigação de sua alçada, qual seja, a de prestar, de forma contínua, o fornecimento de energia elétrica à população em geral; a qual é, gritantemente, um serviço essencial. Em segundo lugar, e, pela simples leitura do artigo 14 e parágrafos, dessume-se que a responsabilidade do Poder Público, e, inclusive através de suas concessionárias, pela violação do que determina o artigo 22, tem caráter objetivo. Outro entendimento não é o que se firmou na obra "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor - Comentado pelos Autores do Anteprojeto", da lavra dos renomados doutrinadores: Ada Pellegrini Grinover, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe, Nelson Nery Júnior e Zelmo Denari, Editora "Forense Universitária", 4. edição (revista e atualizada), nos trechos que passaremos a transcrever, a seguir, das páginas 122 e 123:
"A exemplo do que foi estabelecido no artigo anterior, o caput do dispositivo dispõe que a responsabilidade do fornecedor de serviços independe da extensão da culpa, acolhendo, também nesta sede, os postulados da responsabilidade objetiva.(...)
A responsabilidade por danos do prestador de serviços não envolve somente as empresas ligadas à iniciativa privada. O art. 22 do CDC estende essa responsabilidade aos órgãos públicos, vale dizer, aos entes administrativos centralizados ou descentralizados. Além da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, estão envolvidos as respectivas autarquias, fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas, inclusive as concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Todas essas entidades são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Por todo exposto, o ente público não se furtará a reparar os danos causados aos administrados quando incorrer nas práticas, tão freqüentes, como as que decorrerem da:
-paralisação dos serviços de transporte coletivo;
-suspensão dos serviços de comunicação;
-interrupção do fornecimento de energia elétrica, ou
-corte do fornecimento de água à população."
Subsumindo-se os fatos relatados, aos dipositivos legais transcritos e mencionados acima, verifica-se que a conduta da ré, está revestida do manto da ilegalidade, traduzindo comportamento que trás à cavalo, prejuízos incomensuráveis à toda população de Água Boa, quando não, representa sério comprometimento à segurança pública, e à saúde da comunidade.
II-
Ao longo da instrução do Inquérito Civil Público n. 01/96, apurou-se, em Laudo Pericial de f. 31 e 32, que há 11 (onze) grupos geradores de energia elétrica, na Estação Termoelétrica desta Cidade, sendo que destes 11 (onze) grupos geradores, somente 7 (sete), estão em funcionamento. Ao final do respectivo laudo, o perito nomeado concluiu que 2 (dois) grupos geradores paralisados estão "fundidos" e com a carcaça quebrada, e os 2 (dois) restantes estão aguardando consertos, sendo que, ainda segundo o aludido perito, para que não ocorra estes problemas, seria necessário que a Estação Energética desta Cidade, fosse composta por um total de 12 (doze) grupos geradores de energia elétrica, e, assim mesmo, recomenda o profissional respectivo, que haja uma paralisação dos mesmos grupos geradores, no período de 2 (duas) horas da madrugada, até às 5 (cinco) horas também da madrugada, diáriamente, para que houvesse os seus resfriamentos.
Ante a demonstração, retro feita, da plausibilidade do direito da população em geral, qual seja, a de ver a prestação contínua de serviço essencial, por parte da concessionária-ré, e dos riscos de perecimento de mais direitos, além daqueles que já pereceram, em razão da demora na proteção judicial dos mesmos, e ainda tendo em vista o disposto na legislação pertinente, é que solicitamos esta medida emergencial.
A Lei n. 7.347/85, no caput do seu artigo 12, dispôs:
"Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.(...)"
A Constituição Federal, no inciso XXXV, do artigo 5, dispôe:
"(...)a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;(...)".
E, ainda o artigo 797, do Código de Processo Civil, aplicável à espécie sob análise judicial, face a inexistência de rito que regulamente, em particular, as matérias atinentes à Lei n. 7.347/85, estabelece:
"Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes."
Por seu turno a Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1.993, de aplicação nacional, dispôs também:
"Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
IV-nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no práxo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e initerruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;(...)"
Voltando-se, novamente, a fazer exercício de subsunção das premissas, acima expostas, conclui-se que a concessão da medida liminar, é mais do que necessária, pois, apresenta caráter de urgência e emergência, frente a situação de calamidade pública por que vem passando esta Cidade, e ainda frente aos prejuízos que serão acarretados a toda a comunidade, caso ocorra demora na concessão do remédio emergencial; sendo que tal medida emergencial, exatamente, pelo seu caráter urgente/urgentíssimo, deva, no seu deferimento, prescindir da audiência de justificação prévia, devendo ser concedida inaudita altera pars.
Nem se alegue que a pretensão de concessão de liminar sem justificação prévia, face a ré, Pessoa Jurídica de Direito Privado, morre, frente ao que normatiza a Lei n. 8.437/92, no seu artigo 3., pois, o sujeito processual que ocupa o pólo passivo da presente demanda, é Pessoa Jurídica de Direito Privado, como já se mencionou acima, e a regra do aludido artigo 3., só se aplica às Pessoas Jurídicas de Direito Público.
A doutrina e a jurisprudência já se manifestaram neste sentido, como se depreende dos seguintes trechos, que pedimos venia, para transcrever a seguir:
"(...) A segunda observação é a de que a regra só se aplica às pessoas jurídicas de direito público; sendo assim, pode ser concedida liminar, sem ouvir a parte contrária, se for ré pessoa jurídica de direito privado, incluindo-se entre estas, como já se viu, algumas pessoas administrativas, como as sociedades de economia mista, as empresas públicas e as fundações públicas de direito privado."(Obra do respeitado membro do Ministério Público Fluminense, José dos Santos Carvalho Filho, "Ação Civil Pública - Comentários por Artigo", Editora "Freitas Bastos", 1. edição, 1.995, com citação à p. 276.)
"Não se aplica o disposto no parágrafo único do artigo 928 do CPC: a liminar pode ser concedida independentemente de audiência da pessoa jurídica de direito público (RT 637/80)"(Glosa realizada por Theotônio Negrão, em Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 27. edição, atualizada até 10 de janeiro de 1.996, sob código n. art. 12: 1a, à p. 672.).
III
Pelo Exposto, solicitamos a V. Exa. o seguinte:
a)a concessão de liminar, sem justificação prévia (inaudita altera pars), para que se ordene à ré, que restitua em 10 (dez) dias, 2 (dois) grupos geradores de energia elétrica da Usina Termoelétrica desta Cidade e que se encontram em pane, fazendo-o com os mesmos, já consertados e em funcionamento; e a restituição de mais 2 (dois) grupos geradores de energia elétrica da Usina desta Cidade, também já o fazendo, com os mesmos consertados e em funcionamento, além da remessa de mais 1 (um) grupo gerador de energia elétrica, em 60 (sessenta) dias, perfazendo, portanto, o total de 3 (três) grupos geradores;
b)ainda em liminar, e sem justificação prévia, solicitamos a V. Exa. que conceda ordem judicial para que a ré, em 72:00 (setenta e duas) horas, e, enquanto não se normalizar a prestação de energia elétrica de forma contínua (por 24:00 horas ininterruptas), estabeleça Programa de Racionamento, por setores da Cidade, privilegiando-se os estabelecimentos que prestem serviços essenciais (S. A. N. E. M. A. T., Cadeia Pública etc.), efetuando, a ré, a prévia comunicação, em 24:00 horas, à população, de que haverá racionamento em algum setor, comunicando-se, ainda, as horas em que se suspenderá o fornecimento;
c)fixar uma multa diária, como penalidade, caso a ré desobedeça a ordem judicial, incidindo desde o dia em que se configurar o descumprimento, nos termos do parágrafo 2., do art. 12, da Lei n. 7.347/85, a ser recolhida ao Fundo de que trata o art. 13 da mesma Lei;
d)a seguir, se expeça mandado para citação da ré, através de seu representante legal, pelo Correio (arts. 221, inciso I, 222 e 223 do C. P. C.), para, querendo, contestar este pedido, no prazo da lei, prosseguindo-se, segundo o devido processo legal, até final condenação da ré, a fazer a prestação de fornecimento de energia elétrica (serviço essencial), de forma contínua, qual seja, por 24:00 (vinte e quatro) horas ininterruptas, sob pena de cominação de multa diária, a ser depositada no Fundo a que se refere o artigo 13 da Lei n. 7.347/85;
e)se expeça mandado à Associação Comercial e Industrial de Água Boa, através de seu representante legal, para que exerça a função de fiscalizar o cumprimento da eventual obrigação, objeto do presente processo, estipulada em sentença judicial, bem como das liminares, acaso concedidas, de modo que, ao se constatar tais irregularidades, provoque-se ao Sr. Oficial de Justiça deste Juízo, a certificar a (s) referidas ocorrências.
Protestamos provar o alegado por todos os meios em Direito admitidos, especialmente depoimento pessoal, oitiva de testemunhas, juntada de documentos e perícia.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (Um Mil Reais).
N. termos,
p. deferimento.
Água Boa, 1 de outubro de 1.996.