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Ação de indenização por danos morais por sevícias sexuais na prisão

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01/11/2001 às 01:00
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A HONRA:

            A partir de uma incipiente posição ossificada e conservadora, onde se relutava em aceitar-se a viabilidade do pleito de reparação por danos morais, a jurisprudência pátria, com suporte em sucessivas interpretações sistemáticas do ordenamento jurídico, veiculadas por notórios doutrinadores, evoluiu seu renitente posicionamento para hodiernamente sedimentar o entendimento que acena para a plena reparabilidade dos prejuízos emergentes dos danos imateriais, independentemente da existência de reflexos patrimoniais do evento.

            Com efeito, tendo-se como premissa os objetivos reparatórios ou simplesmente penalizantes de tal modalidade de indenização, a verdade é que essa assertiva tem sido sucessivamente esposada por vários arestos oriundos dos mais graduados Tribunais do país, como, por exemplo, o emitido pela 3ª Turma do STJ no julgamento do Rec. Esp. nº 7.072, onde ficou assentada pelo Min. CLAUDIO SANTOS em sua vencedora declaração de votos, a orientação, abaixo transcrita, que sintetiza bem a evolução pretoriana sobre a matéria:

            "A idéia de que o dano simplesmente moral não é indenizável pertence ao passado.

            Na verdade, após muita discussão e resistência, acabou impondo-se o princípio da reparabilidade do dano moral.

            Quer por ter a indenização a dupla função reparatória e penalizante, quer por não se encontrar nenhuma restrição na legislação privada vigente em nosso país. Ao contrário, nos dias atuais, destacáveis são os comandos constitucionais quanto ao agravo através dos meios de comunicação e à violação da intimidade, respectivamente estabelecidos nos incisos V e X, do Art. 5º da Constituição da República.

            (...) O nosso envelhecido Código Civil de 1916, aliás, em seu conhecido art. 159, já não estabelecia limitação à obrigação de indenizar ante a violação de qualquer direito, admitindo, em seu art. 76, o interesse meramente moral para a propositura da ação. A propósito, CLÓVIS BEVILACQUA, intérprete de justo prestígio da Lei civil brasileira, lecionava: "Se o interesse moral justifica a ação para defendê-lo, é claro que tal interesse é indenizável, ainda que o bem moral não se exprima em dinheiro. É por mera necessidade dos nossos meios humanos, sempre insuficientes, e, não raro, grosseiros, que o Direito se vê forçado a aceitar que se computem em dinheiro o interesse de afeição e outros interesses maiores". ("Código Civil Comentado", vol. 1, comentário ao art. 76).

            Vitoriosa, assim, na doutrina e no direito positivo bem como na jurisprudência, é a tese do ressarcimento do dano moral". ( Acórdão publicado na AASP nº 1711, p. 250, em 1991).

            Outro exemplo dessa linha evolutiva que hoje predomina na jurisprudência se extraí do julgamento emitido sobre a matéria pelo 2º Grupo de Câm. Cíveis do Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro, em acórdão da lavra do Juiz SEVERO COSTA, proferido no julgamento de Embargos Infringentes na Apelação n. 44.186, inserido na obra sobre "Jurisprudência da Responsabilidade Civil" compilada por R. LIMONGI FRANÇA, pág. 35/40, onde cunhou-se a seguinte ementa:

            "RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE FERROVIÁRIO - INDENIZAÇÃO PLEITEADA POR PAI DE VÍTIMA - DANO MORAL - REPARAÇÃO - AÇÃO PROCEDENTE - FIXAÇÃO - CORREÇÃO MONETÁRIA.

            - Todo e qualquer dano causado a alguém, ou seu patrimônio, deve ser indenizado, de tal obrigação não se excluindo o mais importante deles, que é o dano moral, que deve autonomamente ser levado em conta.

            O dinheiro possui valor permutativo, podendo-se, de alguma forma, lenir a dor com a perda de um ente querido pela indenização, que representa também punição e desestímulo do ato ilícito.

            Impõe-se a indenizabilidade do dano moral para que não seja letra morta o princípio "neminem laedere".

            Esses posicionamentos pretorianos podem ser ainda confirmados em inúmeros outros arestos, contidos na RJTJESP 18/108; 14/182, JTACSP 123/156; 111/142 e RT 614/120, bem como, em manifestações do Colendo Supremo Tribunal Federal insertas na RTJ 39/38, 39/67; 103/1.315 e 104/1.276, dentre outras fontes.

            As provas incontestes dos malefícios morais experimentados pelo autor estão corporificadas nas cópias do Proc. Penal. Nº 1.456/94 ( docs. 1 a 64, anexos), que apurou, naquela seara jurisdicional, os lamentáveis fatos aqui revivescidos.

            O nexo causal entre a conduta delituosa da administração pública no trato de seus cativos e os inegáveis danos à honra do ofendido estão, assim, claramente denotados em tais documentos.

            A responsabilidade do Estado, calcada na teoria do risco administrativo, encontra-se sedimentada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que se constituiu no esteio do sistema da responsabilidade objetiva dos órgão públicos, a impor a reparação dos danos emergentes do malsinado evento independentemente da comprovação da culpa dos agentes administrativos, coisa que neste caso é totalmente despicienda face a clamorosa responsabilidade estatal pelas imerecidas pungências vivenciadas pelo demandante.

            Infere-se, destarte, que o direito a indenização por danos morais titularizado pelo demandante é inquestionável sob o pálio não só das diretrizes jurisprudenciais, supra citadas, como, também, da garantia consagrada no já mencionado inciso X do art. 5º da Constituição Federal, que sedimentou em sí toda a tendência pretoriana que informava a matéria.

            Restá-nos, agora, estabelecer os critérios para a estipulação do "quantum" inerente a vindicada reparação, a ser feita por arbitramento judicial, consoante preconiza o Art. 1.553 do Estatuto Material Civil.


A LENIÊNCIA:

            Já foi frisado que a teoria da reparabilidade do dano moral não visa a alcançar o enriquecimento ilícito às custas da dor sofrida em decorrência da supressão ou lesão de um dos atributos da personalidade humana. Isso, por imoral, seria inadmissível.

            Todavia, salienta-se, neste passo, que o objetivo almejado pelo demandante encontra-se na busca da necessária penalização contra o causador do absurdo evento do qual, imerecidamente, foi vítima.

            Tal objetivo deve, pelo Juiz e só por ele, ser contemplado à luz da equanimidade e a par de critérios que, além de uma solução ponderada, consigam satisfazer o dogma constitucional da mais completa indenização.

            Não são ignoradas pelo autor as dificuldades práticas para se estabelecer o montante indenizatório. Porém, não consegue ele esquecer da força motriz que o impulsiona, cingida na busca de um "quantum" reparatório que sirva como fator de desestímulo, para que malefícios como os aqui retratados não mais ocorram.

            Frente à essas dificuldades, doutrina e jurisprudência criaram fórmulas práticas, extraídas de casos semelhantes, e que servem como diretrizes ao juiz no momento do arbitramento do "quantum" indenizatório.

            CARLOS ALBERTO BITTAR, dentre outros, nos dá a idéia da natureza desses critérios ao enunciar que: "para auxiliar o trabalho dos magistrados, certos parâmetros e certos critérios têm sido ideados e, mesmo, sufragados em decisões judiciais e em textos de Lei. (...). Referem-se eles à reparação, ao correspondente modo e ao alcance da indenização, tanto quando pecuniária, como quando pessoal a fórmula adotada na decisão judicial. (...). Descrevem-se, então, como parâmetros, certas linhas diretivas, retidas na análise fática, tais como o comportamento das partes, as correspondentes posições econômicas, a intensidade do dano e fatores outros que, apontados na doutrina, encontram guarida em certas codificações, como a portuguesa".

            Diante dessas premissas, arremata apontado civilista: "em consonância com essas diretrizes, a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que se não aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo..."

            ..."Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante". ( "Reparação Civil por Danos Morais", RT, 1993, págs. 215/220).

            Em face desses parâmetros, poderíamos apontar vários exemplos de arbitramento judicial em indenizações por danos morais, cuja característica predominante é a sensível variação de critérios para a fixação dos valores de acordo com a condição social da vítima. Se pobre, os valores são menores dos que aqueles apurados quando o lesado provém de classe social mais elevada.

            Essa oscilação, tem motivado muitas críticas ao comportamento do Judiciário quando chamado a atuar em tais questões. Críticas como a emitida por GALENO LACERDA em monografia intitulada "INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL", publicada na RT 728/ 94.

            O processualista gaúcho, nesse estudo, após pontificar que o objetivo da indenização do dano moral é proporcionar à vítima um "status" material diferenciado de conforto, minimizando a dor através de um equivalente pecuniário que contrabalance o sofrimento, salienta que a elaboração teórica acerca da questão não tem impedido que os valores das indenizações estejam sendo arbitrados sem qualquer relação uns com outros, produzindo a impressão de uma incômoda falta de norte a respeito do tema.

            Assim, relata alguns leading cases, como, por exemplo, "o do Desembargador gaúcho que recebeu 1.000 salários mínimos porque figurou indevidamente numa lista de aponte para protesto publicada em jornal (...) e outras situações, como a do jovem de 18 anos preso por dois meses por engano, que mereceu apenas 10 salários mínimos pelo injusto sofrimento. ( decisão da 1ª Vara de Santa Maria - Zero Hora, 19.03.1993, p. 63)". ( op. cit., p. 94/95).

            Todavia, para imprimir a necessária coesão e justiça no momento da estipulação judicial do "quantum" reparatório, o apontado jurista sugere uma diretriz que, por ser a mais condizente com os objetivos reparatórios e penalizantes do pleito, fica aqui adotada.

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            Com efeito, preleciona GALENO LACERDA que o direito civil pátrio contém um sistema de quantificação do dano, onde se incluí o dano moral.

            Destarte, obrigatoriamente teremos "de concluir que o arbitramento previsto no referido art. 1.553 C.C., para casos omissos, haverá de ter os patamares valorativos dos casos expressos na lei como referencial necessário, até porque o direito não pode ser visto como um universo de compartimentos estanques, incomunicáveis entre sí.

            Importa, pois, expressar em valores o paradigma indenizatório do Código Civil para o caso de exclusivo dano moral, previsto no art. 1.547, que reza: "A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido. Parágrafo único: Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva".

            A norma remete ao direito penal, onde o tema da quantificação, por óbvio, preocupou muito antes - e muito mais - os juristas. As últimas reformas do Código Penal, especialmente a da Lei 7.209/84, trouxeram considerável avanço relativamente a este ponto, da quantificação, ajustando o valor da multa à capacidade econômica do réu.

            Para tanto, a busca do "quantum" passou a ser uma operação genérica ( daí a previsão dela na parte geral do CP), superando a previsão particularizada de valores para cada um dos tipos penais tradicionalmente utilizada no direito criminal brasileiro.

            Então, o máximo da pena de multa que, em tese, poder-se-á, no sistema atual do CP, atribuir a qualquer delito, inclusive calúnia ou injúria, paradigma da lei civil ( art. 1.547) é de 5.400 salários mínimos, valor que se obtém seguindo o roteiro legal, senão vejamos:

            O art. 49 do CP diz que a multa máxima corresponderá a 360 dias-multa. E o valor máximo do dia-multa, diz o § 1º, daquele artigo, é cinco salários mínimos. Então, 360 X 5 = 1.800 salários mínimos.

            Mas o art. 60, § 1º do mesmo CP salienta que "a multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo".

            Então, a multa máxima do Código Penal para qualquer delito, inclusive injúria e a calúnia, repita-se, é de 5.400 salários mínimos.

            E como o art. 1.547, parágrafo único, do Código Civil, prevê o dobro da pena pecuniária criminal, chega-se a um total máximo, no cível, de 10.800 salários mínimos.

            Vale dizer, em se tratando de um réu muito rico, que cometa o delito de calúnia ou injúria contra alguém, poder-se-á chegar, mediante simples aplicação do roteiro da lei, a uma indenização pelo dano moral de até 10.800 salários mínimos". ( op. cit., págs. 95/96, grifei).

            Esses critérios, que pela justiça que lhes inspira, seguem, aqui, adotados, foram delineados, como se percebe, no teor do art. 1.547 do Código Civil, alusivo ao delito de injúria ou calúnia.

            Ficou, de outra parte evidente nos autos, que a penitência excessiva e injustificada sofrida pelo autor quando do evento já noticiado, extrapolou, em muito, os limites dos delitos contra a honra, de forma a resplandecer, a primeira vista, que tais critérios, ante ao conteúdo do art. 1.547, não teriam aplicação sobre este caso.

            Todavia, o art. 1.550 do mesmo código é preciso ao ordenar que "A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547".

            Infere-se, portanto, que embora taxado de vetusto, o nosso código civil consegue, ainda, concentrar solução precisa para a plena solvência do caso em epígrafe.

            Pois bem! Levando-se em consideração os critérios supra estabelecidos, e jamais olvidando da gravidade das ofensas morais impingidas ao autor por atos incompreensivelmente brutais perpetrados quando a mercê e responsabilidade do Estado, que deveria dar o exemplo, como frisado, de respeito aos direitos humanos; considerando-se, ainda, objetivo maior deste pleito, que é o de evitar que novas barbáries se repitam, fica aqui vindicado, como sendo suficiente e adequado à reparação das pungentes dores experimentadas pelo autor, a quantia equivalente a 10.800 salários mínimos, valor que adere bem não só a situação econômica e reincidente da ré como, também, a teratológica gravidade dos atos consumados por seus agentes.


O PEDIDO:

            ISTO POSTO, requer a citação da ré, via precatória e junto ao endereço referido no preâmbulo, para, querendo, oferecer resposta, sob pena de revelia, devendo, a final, ser JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO para condená-la a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de 10.800 salários mínimos, equivalentes, hoje, à quantia de R$ 1.404.000,00 ( Hum milhão, quatrocentos e quatro mil reais).

            Requer, outrossim, os benefícios da assistência jurídica, por ser pessoa pobre na acepção jurídica do termo.

            Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, notadamente com os documentos que instruem a presente, que atestam de maneira ampla a patente responsabilidade da ré, e todos os necessários ao deslinde da questão.

            Com amparo no art. 128, I da Lei Complementar Federal n. 80/94 c.c. art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/50, requer que este Defensor Público ou quem faça às suas vezes, seja pessoalmente intimado de todos os atos praticados no feito, contando-se-lhe em dobro os respectivos prazos.

            Dá-se à causa o valor de R$ 1.404.000,00 ( Hum milhão, quatrocentos e quatro mil reais).

            Taubaté, Janeiro de 1999.

WAGNER GIRON DE LA TORRE
Procurador do Estado
Defensor Público

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Sobre o autor
Wagner Giron De La Torre

procurador do Estado de São Paulo, atuando na Procuradoria de Assistência Judiciária em Taubaté (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DE LA TORRE, Wagner Giron. Ação de indenização por danos morais por sevícias sexuais na prisão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16425. Acesso em: 18 mai. 2024.

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