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ACP contra empresa telefônica para reabertura de postos de atendimento ao público

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2. DA LEGITIMIDADE ATIVA E DA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL:

O Ministério Público, enquanto instituição una, permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do art. 127 da Lei Maior, encontra-se legitimado à propositura da presente ação civil tendo em vista o disposto pelo art. 129, inciso III, da Carta Magna, o qual estabelece dentre as funções institucionais do Parquet:

"(...)

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (...)"

Igualmente, prevê a Lei Complementar nº 75/93 a legitimidade do Ministério Público Federal para defesa dos interesses sociais, in verbis:

"Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União:

VII - promover o inquérito civil público e a ação civil pública para:

(...)

c) a proteção dos interesses, individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor." (gn)

A Lei n. 8625/93, intitulada Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dispõe em seu art. 25, IV, "a", o seguinte:

"Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

(...)

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;"

Por sua vez, a Lei Complementar Estadual nº 72/94, que instituiu a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, assegura em seu art. 26, IV, "a":

"Art. 26. Além das funções previstas na Constituição Federal e Estadual, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

(...)

IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos." (gn)

Por fim, nunca é demais lembrar que o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90), no Título III, pertinente a Defesa do Consumidor em Juízo, dispõe, respectivamente, em seus arts. 82, I, e 83, o seguinte:

"Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente.:

I – O Ministério Público;

(...)"

"Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela."

A Carta Magna, portanto, garantiu ao Ministério Público a legitimidade para atuar na defesa dos interesses e direitos coletivos lato sensu dos consumidores, na qualidade de legitimado autônomo, quando aqueles interesses ou direitos forem lesados ou estiverem na iminência de sofrer qualquer espécie de lesão.

Esta permissão de legitimação processual denota característica inerente à tutela coletiva, embora os interesses versados não se destinam ou se reduzem a cidadãos individualmente considerados, mas à coletividade, ainda que certos interesses venham a possuir titulares determináveis, como é o caso dos interesses e direitos coletivos (art. 81, parágrafo único, II, CDC).

O interesse em tela revela-se como direito difuso ¾ cuja definição legal encontra-se prevista no art. 81, parágrafo único, I, do CDC [2] ¾ considerando-se a incontável gama de consumidores sul-mato-grossenses, presentes e futuros (sujeitos indetermináveis), que, de maneira geral, se encontram na posição de usuários ou futuros usuários do serviço de atendimento da TELEMS, sendo esta a circunstância de fato que os une.

Ademais, o Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) é o serviço de telecomunicações que, por meio de transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia. São modalidades do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral o serviço local, o serviço de longa distância nacional e o serviço de longa distância internacional [3]. Trata-se, portanto, de um serviço de utilidade pública, oferecido a população de um modo geral, ainda que este ou aquele indivíduo não possua aparelho telefônico em sua residência, mas utiliza o serviço de telefonia através dos denominados "orelhões", de modo que os usuários do serviço de atendimento oferecido pela empresa concessionária de telecomunicações não são passíveis de identificação ou determinação, o que reforça a natureza difusa do direito versado.

Sobre a conceituação de interesses difusos, importante colacionar, ainda, a lição do ilustre professor João Batista de Almeida citando Péricles Prade:

"Já Péricles Prade, em sua magnífica monografia Conceito de interesses difusos, afirma serem os interesses coletivos "aqueles perseguidos através do processo associativo, co-natural ao homem (família, cooperação profissional, empresa, sindicato). Quanto aos interesses difusos, enumera e estuda as suas características: a) ausência de vínculo associativo, b) alcance de uma cadeia abstrata de pessoas, c) a potencial e abrangente conflituosidade, d) ocorrência de lesões disseminadas em massa e e) vínculos fáticos entre os titulares do interesses. Acrescenta serem eles "titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situações, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita e num quadro abrangente de conflituosidade"." (A Proteção Jurídica do Consumidor, 2ª ed., rev., atual., ampl., Ed. Saraiva, 2000, p. 32)

Retomando, a grande missão da tutela coletiva consiste na possibilidade de defesa e proteção de interesses e direitos coletivos lato sensu o que, se fosse realizado a título individual, inviabilizaria a prestação efetiva da tutela jurisdicional pelo Estado.

E de modo a garantir essa efetiva prestação jurisdicional, o legislador lançou mão de dois importantíssimos instrumentos processuais, consubstanciados na Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7347/85) e no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90), os quais, devidos a sua sistemática peculiar, atuam como bases primárias de orientação à defesa dos interesses e direitos coletivos lato sensu.

Nesse sentido, a Lei da Ação Civil Pública trouxe grande inovação ao permitir o litisconsórcio facultativo entre os legitimados ativos, estabelecendo em seu art. 5º, § 5º, o seguinte:

"Art. 5º. A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que:

(...)

§ 5º. Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta Lei. (...)" (gn)

Assim, a atuação em conjunto entre o Parquet Federal e o Estadual torna-se plenamente cabível e viável, isto porque, em primeiro lugar, tanto um quanto o outro são legitimados ativos para a pretensão que ora se deduz, como outrora demonstrado e, num segundo momento, porque ambos possuem interesse direto no deslinde da causa, considerando-se a existência de Procedimento Administrativo (junto ao MPF - PA nº 1.21.000.000105/2001-72) e Procedimento Investigatório Preliminar (junto ao MPE - PIP nº 014/2000) ¾ anexos à presente ação ¾ destinando-se a apurar provável lesão aos direitos dos consumidores sul-mato-grossenses em virtude do fechamento dos postos de atendimento aos usuários dos serviços de telecomunicações prestados pela TELEMS - BRASIL TELECOM S/A e implantação do sistema Call Center, como única forma de serviço de atendimento ao cliente.

Ademais, com o litisconsórcio, garante-se a legitimidade tanto na Justiça Federal quanto Estadual para o caso de haver de declínio de competência, fazendo-se desnecessária eventual ratificação do outro ramo do Parquet.

Por fim, ressalte-se ainda que a legitimação para atuação em conjunto entre os ramos do Parquet, nos termos do art. 5º, § 5º da Lei nº 7347/85, decorre do fato de que a presente ação possui como ré a TELEMS - BRASIL TELECOM S/A (que importaria competência da Justiça Estadual), todavia, configura-se como função inerente a ANATEL - AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (natureza jurídica autárquica federal, nos termos do art. 8º da Lei nº 9472/97) a atuação, como órgão administrativo, incumbido da fiscalização e regulamentação do serviço público de telefonia, de modo que, havendo interesse jurídico da referida entidade autárquica na qualidade e forma de prestação dos serviços de telecomunicações, desloca-se o foro competente para a Justiça Federal, segundo melhor entendimento do art. 109, I, da Constituição Federal, necessitando, portanto, a ação da ratificação de seus termos por ambos os representantes institucionais.

Isso sem dizer que, tendo a Requerida desatendido as determinações administrativas da Anatel (Autarquia Federal), esta entidade, por si, ou o Ministério Público Federal podem tomar as medidas judiciais cabíveis para que as normas administrativas e as decisões emanadas da entidade federal sejam respeitadas.

Assim é que o litisconsórcio ativo deve ser aceito por esse d. Juízo, por se tratar de medida legalmente prevista e que melhor atende os interesses daqueles que se vêem representados pelo Ministério Público, a saber, os incontáveis consumidores/usuários do serviço de telefonia prestado pela TELEMS - BRASIL TELECOM S/A, cuja fiscalização de suas atividades deve ser norteada pela ANATEL - AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES.


3. DA LEGITIMIDADE PASSIVA:

A Requerida enquadra-se como empresa concessionária de serviço de utilidade pública, caracterizando-se pela prestação de serviço fixo de telefonia comutada destinado ao uso público em geral (STFC) nas modalidades local e longa distância, no âmbito da Região II do Plano Geral de Outorgas (PGO - aprovado pelo Dec. Nº 2534/98), ajustando-se perfeitamente à definição legal de fornecedora de serviço público ao consumidor, conforme dispõem os arts. 3º, caput, e parágrafos 1º e 2º, todos da Lei nº. 8.078/90.

Assim, cabe à Requerida cumprir as normas em vigor para o setor de telefonia, dente elas, a de prestar atendimento individualizado e pessoal ao usuário-consumidor e garantir o registro escrito (protocolo) das reclamações e, em alguns casos, assegurar resposta escrita. O não atendimento de tal obrigação enseja, como já dito, a invocação da tutela jurisdicional do Estado para que a empresa recalcitrante, no caso a Telems – Brasil Telecom S/A, ajuste sua conduta aos parâmetros estabelecidos nos dispositivos legais pertinentes.


4. DA FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL:

Em conformidade com o art. 21, XI, da Carta Magna, o qual elenca as competências privativas da União, há menção específica sobre a exploração, direta ou mediante autorização, concessão ou permissão, dos serviços de telecomunicações, o que restou disciplinado por lei específica (Lei nº 9472/97 que dispôs sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais referentes ao serviço de telecomunicações). Trata-se a telefonia, portanto, de serviço público concedido.

Em seu art. 8º, a Lei nº 9.472/97, também conhecida como Lei Geral das Telecomunicações - LGT, determinou a criação da ANATEL - AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES, estabelecendo o seguinte:

"Art. 8°. Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais."

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Continuando, no que diz respeito às competências pertinentes a ANATEL, a Lei Geral das Telecomunicações determinou em seu art. 19, dentre outras, que:

"Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações;

(...)

X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;

XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções;

(...)

XVI - deliberar na esfera administrativa quanto à interpretação da legislação de telecomunicações e sobre os casos omissos;

(...)

XVIII - reprimir infrações dos direitos dos usuários;" (gn)

Assim, é a ANATEL o organismo da Administração Federal Indireta responsável, no território nacional, pelo controle e fiscalização da Política Nacional de Telecomunicações a ser cumprida pelas empresas concessionárias dos serviços de telefonia, podendo, inclusive, como mencionado no próprio texto do art. 19 da Lei nº 9472/97, aplicar sanções quando do descumprimento dessa política, extinguir a autorização para prestação do serviço de telefonia no regime privado, bem como, reprimir infrações aos direitos dos usuários.

É pois, entidade diretamente interessada juridicamente no regular oferecimento do serviço de telefonia.

E no que diz respeito à fixação do foro competente para a presente ação, disciplina o art. 109, I, da Constituição da República:

"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica o empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

(...)" (gn)

No caso em apreço, há nítido e evidente interesse da ANATEL - AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES, entidade autárquica federal, visto que, conforme mencionado anteriormente, possui atribuição para fiscalizar a prestação e fruição do serviço de telefonia em todo o território nacional, o que implica consignar que a TELEMS - BRASIL TELECOM S/A somente pode desempenhar suas atividades na medida em que se norteia pelos parâmetros constitucionais e pelas normas estabelecidas pela ANATEL.

E é necessário mencionar, ainda, que a ANATEL vem exercendo sua missão, enquanto órgão fiscalizador, quando, ao tomar conhecimento do fechamento dos postos de atendimento da TELEMS - BRASIL TELECOM S/A em Mato Grosso do Sul, o que ocorreu em meados de julho de 2000, instaurou Procedimento Administrativo para Apuração de Descumprimento de Obrigação (PADO Nº 535000040092000), em desfavor da referida concessionária, haja vista o teor das Resoluções nº 30/98 e nº 85/98, ambas publicadas pela ANATEL, que prevêem o atendimento público e pessoal que permita a interação entre usuário e a prestadora; e das cláusulas do contrato de concessão firmado entre a Agência e prestadora. Tendo, inclusive, o Conselho Diretor, órgão máximo da Agência (art. 8º, §1º da Lei nº 9472/97), determinado, cautelarmente, a imediata reabertura dos postos de atendimento pela concessionária, decisão esta que se encontra na iminência de transitar em julgado [4].

Verifica-se, assim, pelas medidas já tomadas, que a ANATEL possui legítimo interesse jurídico no deslinde da questão objeto da presente demanda. Havendo tal interesse de uma autarquia federal, a teor do que dispõe o art. 109, I, da Constituição Federal, deve ser considerado como foro competente a Justiça Federal, mais especificamente a Subseção Judiciária de Campo Grande, uma vez que o dano causado pela conduta da TELEMS - BRASIL TELECOM S/A possui amplas proporções, envolvendo todo o Estado de Mato Grosso do Sul (dano de proporção regional, o que implica a aplicação do art. 91 do CDC).

Segundo informações da ANATEL (Of. nº 2675/2001/PBQID/PBQI/SPB-ANATEL - f. 351/356 - PIP Nº 014/2000), a referida concessionária, no Plano Geral de Outorgas (aprovado pelo Decreto nº 2534/98), tornou-se responsável pela prestação do serviço de telefonia fixo comutado no Setor 21 da Região II, o qual abrange todo o Estado de Mato Grosso do Sul, exceto o município integrante do Setor 22 (Paranaíba) [5] e promoveu o fechamento dos postos de atendimento ao consumidor, nas principais localidades estaduais, a saber: Campo Grande, Dourados, Corumbá, Naviraí, Três Lagoas e Ponta Porã.

Estabelecido o foro competente, passa-se a demonstrar os fundamentos jurídicos da presente ação.

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Sobre os autores
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Alexandre Amaral Gavronski

respectivamente promotor de Justiça do Consumidor e procurador da República no Mato Grosso

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido ; GAVRONSKI, Alexandre Amaral. ACP contra empresa telefônica para reabertura de postos de atendimento ao público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16462. Acesso em: 28 mar. 2024.

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