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Ação contra fabricantes de pneus: informações claras e objetivas sobre o produto

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01/07/2002 às 00:00
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DO DIREITO

No Código de Defesa do Consumidor encontramos diversos dispositivos que tratam sobre o direito de informação ao consumidor.

Com efeito, estatui o art. 6.º daquele diploma legal:

"Art. 6.º São direitos básicos do consumidor:

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;"

Esse "direito à informação adequada e clara" – escreve CARVALHO SILVA 29 – "resulta do princípio da transparência, positivado no caput do art. 4.º do CDC, correspondendo ao direito o dever dos fornecedores de informar, de modo inteligível e apropriado, os consumidores sobre os diferentes produtos e serviços, com a especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam."

Comentando esse mesmo inciso III do art. 6.º, porém com maior ênfase, afirma JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO, 30 um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor:

"Trata-se, repita-se, do dever de informar bem o público consumidor sobre todas as características importantes de produtos e serviços, para que aquele possa adquirir produtos, ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles." (negritamos)

Prevê, por seu turno, o art. 8.º do Estatuto Consumerista:

"Art. 8.º. Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto."

ZELMO DENARI, também autor do anteprojeto do CDC, e também co-autor da obra diversas vezes citadas nesta peça, 31 anota que:

"a situação jurídica subjetiva passiva do consumidor corresponde a uma expectativa de boa qualidade das informações, vale dizer, de informações claras e precisas a respeito do bem ou serviço fornecido."

A lição de CARVALHO SILVA 32 não discrepa desse padrão:

"Os fornecedores, em qualquer hipótese, têm a obrigação de informar, adequadamente, os consumidores sobre os riscos à saúde ou à segurança criados pelos produtos e serviços, porque, se assim não fizerem, poderão responder pelos danos causados pelos vícios de informação, independentemente do fato de terem ou não obrado com culpa (arts. 12, caput, e 14, caput). O art. 31. do CDC, destacando o dever de informação, dispõe que a oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações sobre os riscos que apresentam à saúde e à segurança dos consumidores.

Tratando-se de produtos industrializados, compete ao fabricante prestar as informações relativas à nocividade ou à periculosidade, por intermédio de impressos apropriados que devem acompanhar os produtos."

Estabelece, outrossim, o caput do art. 12. do Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos."

Em comentários a este dispositivo, após afirmar que "os defeitos de informação são extrínsecos, pois dizem respeito às instruções que devem acompanhar, externamente, qualquer produto idôneo no mercado de consumo", afirma ZELMO DENARI: 33

"Tendo em vista o elevado índice de analfabetismo e o baixo nível de instrução da sociedade brasileira, as informações ao consumidor devem ser veiculadas de forma clara e precisa, numa linguagem de fácil compreensão.

Na atual conjuntura econômica, tendo em vista a liberação das importações e a abertura do livre comércio, através do Mercosul, os importadores deverão traduzir para o vernáculo as informações e instruções constantes dos produtos importados – pelo menos aquelas relativas à sua utilização e respectivos cuidados – sob pena de serem responsabilizados por eventuais danos, nos termos do dispositivo comentado."

O art. 31, também respeitante ao tema, está assim redigido:

"Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores."

As informações que necessariamente devem constar de produtos ou serviços, na autorizada lição de ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELOS E BENJAMIN, 34 são as seguintes:

"características (produtos e serviços), qualidades (produtos e serviços), quantidade (de regra, só produto), composição (mais para produtos do que para serviços), preço (produtos e serviços), garantia (produtos e serviços), prazos de validade (produtos e serviços), origem (mais para produtos) e riscos (produtos e serviços)".

E essas informações devem ser prestadas em conformidade com os requisitos estabelecidos pelo art. 31. do CDC, quais sejam: veracidade, clareza, precisão, ostentação e vernaculidade.

Valeremo-nos do escólio do ilustre jurista FÁBIO ULHOA COELHO 35 para a conceituação desses requisitos. Vejamos:

"a) Veracidade – Diz a lei que as informações devem ser corretas, ou seja, verdadeiras. Este atributo se relaciona com a adequação entre aquilo que se afirma sobre o produto ou serviço e o que ele realmente é. Qualquer disparidade entre as indicações constantes da embalagem, oferta ou propaganda e a realidade do produto ou serviço importa na inobservância deste requisito, caracterizando, inclusive, vício de qualidade ou de quantidade, nos termos dos arts. 18, 19 e 20 do Código de Defesa do Consumidor.

b) Clareza – Além de verdadeira, a informação deve ser clara, isto é, inteligível. O consumidor deve ter condições de conhecer o produto ou serviço que ele está adquirindo. A informação pertinente ao potencial de risco, por exemplo, deve ser elaborada em termos tais que o seu destinatário a compreenda com facilidade. A explicação do risco em linguagem científica pode até ser verdadeira, mas, se for inacessível ao consumidor médio, o requisito legal não estará sendo atendido e, em conseqüência, o fornecedor poderá ser responsabilizado por inadequação ou insuficiência da informação (Código de Defesa do Consumidor, art. 12).

c) Precisão – Uma informação precisa é aquela que, sendo verdadeira, é também exata, particularizada, delineada. Um dado absolutamente correto mas genérico não atende ao que determina a lei. Afirmar, por exemplo, que ‘a má utilização deste produto pode trazer riscos à saúde’, sem detalhar as hipóteses de uso inapropriado ou os danos decorrentes, significa veicular uma informação correta e clara, mas imprecisa. A inobservância deste requisito importa na responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto ou serviço, nos termos do art. 12. do Código de Defesa do Consumidor, já que revela insuficiência e inadequação da informação veiculada.

d) Ostentação – As informações destinadas ao esclarecimento dos consumidores devem ser ostensivas, ou seja, devem-se apresentar aos olhos destes, dispensando qualquer esforço para a sua localização, na embalagem, na oferta ou publicidade. Há responsabilidade pelo fato do produto ou serviço se não se atender este requisito quanto ao potencial de risco (Código de Defesa do Consumidor, arts. 9.º e 12).

e) Vernaculidade – Estabelece o legislador que as informações devem ser transmitidas em língua portuguesa. Claro está que não se proíbe a utilização de expressões estrangeiras na embalagem, oferta ou publicidade de produtos ou serviços. O que necessariamente deve ser veiculado em vernáculo é o conjunto de dados indispensáveis ou simplesmente úteis ao conhecimento do consumidor quanto ao bem ou serviço que ele está adquirindo. Nada impede também a utilização das duas línguas. O requisito deve ser atendido também pelo importador, que tem o dever de entregar ao consumidor a tradução para o português das informações sobre o produto que ele comercializa, posto que responde pelos danos causados à saúde e segurança deste, nos termos ainda do art. 12. do Código de Defesa do Consumidor."

Sobre este último requisito, o da vernaculidade, reputamos interessante transcrever as anotações feitas por ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELOS E BENJAMIN, 36 verbis:

"A INFORMAÇÃO EM PORTUGUÊS – As informações prestadas devem ser apresentadas em língua portuguesa. Em alguns casos, quando absolutamente inexistente similar na nossa língua, o fornecedor pode utilizar a palavra estrangeira, explicando-a, contudo, sempre que necessário.

Acrescente-se que informações em outras línguas não estão proibidas. Desde que conjugadas, com igual ou maior destaque, a outras em português. Com isso atende-se às preocupações daqueles fornecedores que, além de servirem o mercado interno, ainda exportam seus bens. Poupa-se o esforço de elaboração de dois rótulos ou manuais distintos: um para o comércio local e outro para o externo.

Os produtos e serviços que apresentam informações em língua estrangeira, segundo os próprios profissionais da área, assim o fazem por duas razões básicas: busca-se passar para o consumidor a impressão enganosa de aquisição de um bem importado ou, ao menos, de algo com ‘qualidade exportação". Facilmente se percebe que a utilização de outros idiomas é fruto de uma prática de marketing (condenável) e não de uma necessidade do mercado. Cabe ressaltar que os fornecedores brasileiros, ao exportar, são extremamente ágeis na colocação das informações exigíveis na língua do país a que se destina o produto."

Bem de se ver, portanto, que em todo o Código transparece a ênfase do legislador com a questão do aspecto preventivo da proteção do consumidor, de modo que a informação pré-contratual recebeu um tratamento normativo especial. Afinal, bem que justificada, já que, nas palavras do jurista português Mário Frota, presidente da Associação Internacional de Direito do Consumo, "a informação aos consumidores é conditio sine qua non da realização do mercado". 37

Digno de nota é o fato de que a intervenção governamental, no quadrante da informação ao consumidor, já é utilizada em vários países de primeiro mundo. Nos EUA, por exemplo, o Estado obriga a veiculação de informações chaves sobre preços, durabilidade das lâmpadas, octanagem da gasolina, conteúdo de tártaro e nicotina nos cigarros e a quilometragem por litro de combustível nos automóveis.

Todavia, e conforme já assinalado anteriormente, as informações sobre os pneus colocados à disposição dos consumidores nacionais não são as necessárias à boa escolha do produto e nem sequer atendem aos requisitos exaustivamente relatados acima, o que nos leva a concluir que estão a necessitar de imediatas e imprescindíveis alterações.

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DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Segundo consta do § 3.º do art. 84. do Código de Defesa do Consumidor,

"Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu."

Fácil depreender, assim, que os dois requisitos necessários à antecipação da tutela em ação que verse sobre o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer são (a) a relevância do fundamento da demanda, e (b) o justificado receio de ineficácia do provimento final.

Contudo, adverte-nos NELSON NERY JÚNIOR 38 que

"para o adiantamento da tutela de mérito na ação condenatória em obrigação de fazer ou não fazer, a lei exige menos do que para a mesma providência na ação de conhecimento tout court (Código de Processo Civil 273). É suficiente a mera probabilidade, isto é, a relevância do fundamento da demanda, para a concessão da tutela antecipatória da obrigação de fazer ou não fazer, ao passo que o Código de Processo Civil, em seu artigo 273, exige, para as demais antecipações de mérito: a) prova inequívoca; b) o convencimento do juiz acerca da verossimilhança da alegação; c) ou o periculum in mora (Código de Processo Civil 273 I) ou o abuso do direito de defesa do réu (Código de Processo Civil 273 II)."

Portanto, conforme a doutrina mais autorizada, em se tratando de demanda que objetive o cumprimento de obrigação de fazer, a relevância do fundamento é o único requisito a ser observado para fins de antecipação da tutela. Isto porque, verificando o magistrado que a fundamentação apresentada é relevante, e estando diante de prova inequívoca, a decisão antecipatória do cumprimento da obrigação de fazer torna-se imperativo legal.

No entanto, no caso sub judice, não apenas o fundamento é sobremaneira relevante, como também a demora na prestação jurisdicional pode ocasionar aos consumidores de pneus inúmeros e reais prejuízos, eis que enquanto não forem feitas as devidas alterações na apresentação dos produtos, continuarão aqueles participando da relação de consumo sem que sejam minimamente informados sobre as características básicas dos produtos que estão adquirindo, para que fins de destinam ou mesmo sua adequação ao veículo para o qual estão sendo comprados.

A relevância da fundamentação (fumus boni juris) resta evidenciada em face da flagrante violação às disposições de ordem pública consignadas no Código de Defesa do Consumidor, conforme demonstrado ao longo desta peça.

O justificado receio de ineficácia do provimento final, ou, para assim dizer, o periculum in mora, emerge da necessidade de se evitar que os consumidores brasileiros continuem expostos, até provimento jurisdicional definitivo, às conseqüências danosas da prática abusiva, ora atacada, consubstanciada na colocação no mercado de consumo de produtos sem as mínimas informações que orientem a escolha correta a ser feita pelos consumidores de pneumáticos.

Cumpre registrar, nesse aspecto, o escólio de RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, 39 para quem, em sede de proteção de interesses difusos, "o que importa é evitar o dano, até porque o sucedâneo da reparação pecuniária não tem o condão de restituir o status quo ante".

Em assim sendo, caso não se concedam as requeridas ordens liminares, os consumidores continuarão a ter que adquirir produtos sem que, para tanto, lhes fosse fornecida a informação adequada, clara e precisa, comprometendo a sua opção de compra realizada, o que está a contrariar o próprio Código de Defesa do Consumidor, que erige a transparência nas relações de consumo como um dos princípios norteadores da política de proteção aos consumidores.

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Sobre o autor
Flávio Corrêa Tibúrcio

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Oeste de Minas em 2000. Laureado com o prêmio “Professor Hélio Lopes Ribeiro”, pela obtenção do 1º lugar geral no curso de Direito. Ex-membro das Comissões de Ensino Jurídico, Direito Desportivo e Direito Empresarial da OAB/GO. Membro-fundador do Instituto de Direito Societário de Goiás (IDSG). Pós-graduado em Direito Civil pela Universidade Federal de Goiás. LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Advogado sócio do escritório Tibúrcio Advogados, em Goiânia/GO e Brasília/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TIBÚRCIO, Flávio Corrêa. Ação contra fabricantes de pneus: informações claras e objetivas sobre o produto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -366, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16501. Acesso em: 8 mai. 2024.

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