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Ação civil pública contra desconto para portadores de carteira de estudante

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08/09/2005 às 00:00
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IV – DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

                        Como forma de por fim à incoerência que se encontrava em nosso sistema, com a existência do que se convencionou chamar de "cautelares satisfativas", a Lei 8952/94 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da tutela antecipada que - acabando com a desnecessária duplicidade de procedimentos para a tutela do direito material - alterando o art. 273 [09] do Código de Processo Civil, prestigiou a segurança que deve advir do judiciário, permitindo que o juiz, mediante requerimento da parte, antecipe, total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou, caracterizado abuso do direito de defesa ou propósito protelatório do réu.

                        Através deste mesmo instrumento legislativo – Lei 8.952/94 – abarcou também o instituto da Tutela Específica [10], contemplando os magistrados com outro instrumento de salvaguarda dos direitos ao permitir ao juiz que, mesmo dissonante do pedido da parte e no propósito de assegurar o resultado prático equivalente ao adimplemento, conceda a tutela específica da obrigação objeto da ação e assim garanta o direito de imediato, admitindo apenas como última alternativa que o cumprimento das obrigações se resolva em prestação pecuniária ou indenização por perdas e danos.

                        Teleologicamente analisando, a técnica antecipatória visa prescipuamente distribuir o ônus do tempo, tentando evitar que a demora do processo prejudique o autor que tem razão (motivo último da exigência legal dos requisitos da prova inequívoca e verossimilhança da alegação) e, segundo obtempera Marinoni, estampou em nosso ordenamento a necessária diferenciação entre lesão e ilícito, deixando claro que o direito moderno não se pode contentar apenas com a indenização da lesão sofrida mas, bem ao contrário, deve preocupar-se cada vez mais em extirpar, no tempo menor possível, o ilícito, servindo a tutela antecipatória para demonstrar que não é só a ação (o agir, a antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão.

                        Como se constata de todo o exposto, o Estado do Tocantins tem coagido o setor de entretenimento a promover um desconto de cinqüenta por cento de seu custo quando o consumidor apresentar a Carteira de Identificação de Estudante – CIE – independentemente de qualquer compensação financeira e, desta forma, criou artificialmente um patamar mínimo nos preços dos serviços deste jaez que, regra geral, são o dobro daquele efetivamente necessário à remuneração dos serviços, transferindo portanto todo o custo de sua política estudantil para os não estudantes, numa oneração que segrega e restringe o acesso à cultura, lazer e entretenimento.

                        Tal medida é extremamente agressiva, na medida em que, partindo de uma falsa premissa – fomentar a cultura ao estudante – e utilizando um método ineficaz – permite a qualquer associação a emissão da CIE - chega a uma conclusão desastrosa pois restringe o acesso à cultura a todos aqueles que não são estudantes, com nefastos efeitos especialmente à população mais pobre que, não tendo acesso ao estudo, fica também restringida no acesso à cultura.

                        Pior ainda é que a falta de controle fez nascer uma indústria da falsificação, havendo em circulação um sem número de entidades e associações fazendo as ditas "carteirinhas" num explícito convite à fraude e ao crime, enquanto que se chega a absurdos percentuais de ingressos a meia entrada nos estabelecimentos destinatários da medida, atentando contra a iniciativa privada e restringindo a criação e a produção cultural neste Estado.

                        Os dados colhidos neste procedimento comprovam com clareza as alegações produzidas se constata que não existe nenhum controle acerca da emissão das CIE tal como informa a própria Secretaria Estadual de Educação, sendo comprovado pelos depoimentos de proprietários do setor atingido a limitação do acesso à cultura e lazer para os "não estudantes" na medida em que existem pessoas que chegam a desistir de adentrar em cinemas e estabelecimentos de diversão em razão do alto custo da entrada, ocasionado pelo desconto forçado da lei em questão.

                        As limitações de que ora se trata tem vitimado, dia a dia, inúmeras pessoas que deixam de se instruir e se descontrair, elitizando os serviços atingidos numa ofensa institucionalizada aos direitos de terceira geração que configura uma lesão diuturnamente praticada pelos órgãos de controle estatais, especialmente o PROCON, a ser urgentemente cessada através da tutela antecipada que ora se pleiteia.


V – DOS PEDIDOS FINAIS

                        Por todo o exposto, na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais indisponíveis, requer o Ministério Público, depois de recebida e autuada a presente:

                        I-Seja deferido liminarmente o pedido de antecipação da tutela, concedendo de imediato, sob pena de multa diária, a tutela pretendida, para determinar ao Estado do Tocantins e ao Município de Gurupi a cessação e abstenção de toda e qualquer ação coercitiva destinada a exigir o fornecimento dos descontos de meia-entrada previstos pela Lei Estadual 934/97 e Lei Municipal 1.191/97, em razão de sua notória inconstitucionalidade, a ser incidentalmente declarada, por ofenderem os princípios da igualdade, moralidade, legalidade, impessoalidade e propriedade privada, visto que têm natureza de confisco além de serem discriminatórias das camadas mais pobres da sociedade, bem como prejudiciais à difusão dos produtos e serviços culturais e de lazer e entretenimento, que representam um interesse trans-individual;

                        II-Acaso entenda impossível a análise da inconstitucionalidade das leis na presente demanda, seja deferido liminarmente o pedido de antecipação da tutela, concedendo de imediato, sob pena de multa diária, a tutela pretendida, para determinar ao Estado do Tocantins e ao Município de Gurupi a cessação e abstenção de toda e qualquer ação coercitiva destinada a exigir os desconto de meia-entrada previstos pela Lei Estadual 934/97 e Lei Municipal 1.191/97, em razão de sua não auto aplicabilidade, devendo tal se prorrogar até que sejam as mesmas regulamentadas, para que se lhes especifique a fonte de financiamento dos descontos exigidos e a forma de controle das associações e emissões de documentos de identificação estudantil e de garantia de acesso aos serviços afetados àquelas pessoas sem condições de pagar em dobro os valores respectivos (não estudantes);

                        III-Acaso deferida a medida liminar, seja determinada a sua publicação nos órgãos oficiais e jornais de grande circulação, semanalmente, pelo prazo mínimo de 90(noventa) dias, às expensas dos demandados;

                        IV-Seja determinada a citação do Estado do Tocantins e da Prefeitura Municipal de Gurupi, na pessoa de seus representantes, através da Procuradoria Geral do Estado e do Município, para contestar a presente ação no prazo legal;

                        V-Seja determinada a publicação de edital no órgão oficial a fim de que os eventuais interessados possam intervir no processo, sem prejuízo da ampla divulgação pelos meios de comunicação (art. 94, CDC).

                        VI-Seja julgada procedente a presente demanda, com a confirmação da antecipação da tutela e seus fundamentos, para determinar ao Estado do Tocantins e ao Município de Gurupi a cessação e abstenção de toda e qualquer ação coercitiva destinada a exigir o fornecimento dos descontos de meia-entrada previstos pela Lei Estadual 934/97 e Lei Municipal 1.191/97, em razão de sua notória inconstitucionalidade, a ser incidentalmente declarada, por ofenderem os princípios da igualdade, moralidade, legalidade, impessoalidade e propriedade privada, visto que têm natureza de confisco além de serem discriminatórias das camadas mais pobres da sociedade, bem como prejudiciais à difusão dos produtos e serviços culturais e de lazer e entretenimento, que representam um interesse trans-individual;

                        VII-Seja julgada procedente a demanda, com a confirmação da tutela antecipada e seus fundamentos, para determinar ao Estado do Tocantins e ao Município de Gurupi, sob pena de multa diária, a cessação e abstenção de toda e qualquer ação coercitiva destinada a exigir os desconto de meia-entrada previstos pela Lei Estadual 934/97 e Lei Municipal 1.191/97, em razão de sua não auto aplicabilidade, devendo tal se prorrogar até que sejam as mesmas regulamentadas, para que se lhes especifique a fonte de financiamento dos descontos exigidos e a forma de controle das associações e emissões de documentos de identificação estudantil e de garantia de acesso aos serviços afetados àquelas pessoas sem condições de pagar em dobro os valores respectivos (não estudantes);

                        VIII-Sejam os demandados condenados aos ônus de sucumbências, cujos valores deverão reverter ao Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos, ou outro similar.

                        Dá-se à causa, em obediência ao art. 258 do CPC, o valor simbólico de R$- 5.000,00 (cinco mil reais) protestando provar o alegado por todos os meios admitidos em direito, especialmente pelos documentos que acompanham a presente, laudos periciais e pela oitiva de testemunhas que, caso necessário, terão o rol oportunamente apresentado.

                        Nestes termos,

                        Pede deferimento.

                        Gurupi, 31 de agosto de 2005.

                        Konrad Cesar Resende Wimmer

                        Promotor de Justiça


Notas

                        01

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

                        Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.

                        02

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

                        § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

                        § 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

                        § 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.

                        03

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

                        I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

                        II - garantir o desenvolvimento nacional;

                        III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

                        IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

                        04

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

                        I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

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                        II - desapropriação;

                        III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;

                        05

Curso de Direito Administrativo, 14ª Ed. Malheiros, pags. 313/314.

                        06

STF-012806) DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: CABIMENTO ADMITIDO PELA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, QUE ATRIBUI COMPETÊNCIA AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA PROCESSÁ-LA E JULGÁ-LA. INADMISSIBILIDADE.

                        1. O ordenamento constitucional brasileiro admite ações diretas de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Estadual, a serem processadas e julgadas, originariamente, pelos Tribunais de Justiça dos Estados (artigo 125, parágrafo 2º; da CF).

                        2. Não, porém, em face da Constituição Federal.

                        3. Aliás, nem mesmo o Supremo Tribunal Federal tem competência para ações dessa espécie, pois o art. 102, I, ´a´, da CF só a prevê para ações diretas de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. Não, assim, municipal.

                        4. De sorte que o controle de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais diante da Constituição Federal só se faz, no Brasil, pelo sistema difuso, ou seja, no julgamento de casos concretos, com eficácia ´inter partes´, não ´erga omnes´.

                        5. Precedentes.

                        6. Ação direta julgada procedente pelo STF, para declarar a inconstitucionalidade das expressões "e da Constituição da República" e em face "da Constituição da República", constantes do art. 106, alínea ´h´, e do parágrafo 1º do art. 118, todos da Constituição de Minas Gerais, por conferirem ao respectivo Tribunal de Justiça competência para o processo e julgamento de ADI de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal.

                        7. Plenário. Decisão unânime.

                        (Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 508 e 699/MG, Tribunal Pleno do STF, Rel. Min. Sydney Sanches. j. 12.02.2003, unânime).

                        07

Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed. rev. e ampl., SP, RT, pag. 1403, nota 7.

                        08

Art. 5º Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença.

                        Art. 325. Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do direito depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide (art. 5º).

                        09

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

                        I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

                        II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

                        10

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

                        § 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

                        § 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).

                        § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

                        § 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

                        § 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

                        § 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.

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Sobre o autor
Konrad Cesar Resende Wimmer

promotor de Justiça da Cidadania da Comarca de Gurupi (TO)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WIMMER, Konrad Cesar Resende. Ação civil pública contra desconto para portadores de carteira de estudante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 797, 8 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16636. Acesso em: 7 mai. 2024.

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