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Telefonia: serviço de valor adicionado.

Ação civil pública proposta pelo Ministério Público: contra-razões em apelação

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03/12/2005 às 00:00
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V.Da refutação articulada das razões de recurso da apelante:

            A partir deste momento, far-se-á uma contraposição mais minuciosa e profunda de cada argumento exposto pela recorrente. Para facilitar ao apelado este trabalho, e para tornar mais fácil a verificação da procedência do mesmo pelos nobres Desembargadores, estas contra-razões seguirão a ordem de cada item das razões do recurso da apelante.

            1.Do item "1. Quanto à solicitação e à prestação dos serviços elencados na inicial":

            a)Quanto à prestação dos serviços de valor adicionado:

            A apelante, na tentativa de fugir de sua responsabilidade, alega que, como foi reconhecido na sentença (f. 85), não fornece o serviço elencado na inicial, mas tão somente presta aos consumidores o serviço essencial de telefonia, através de contrato de adesão. Argumenta que os Serviços de Valor Adicionado são de responsabilidade de provedores particulares, que se utilizam do suporte da rede de telecomunicações. Segundo ela, a única responsabilidade sua seria a de manter uma rede de telecomunicações funcionando.

            Em resumo, a alegação dela é: se ela não presta o serviço questionado, não tem ela como violar o inciso III do artigo 39 do CDC que proíbe a prestação de serviço sem a solicitação prévia do consumidor.

            Deve-se dizer que a responsabilidade dela não decorre pura e simplesmente da violação do artigo 39, III, da Lei 8.078/90, mais também da violação de muitos outros direitos fundamentais do consumidor, como se demonstrará no correr desta exposição.

            Deve-se dizer também que, quando a recorrente reduziu sua defesa dizendo que ela não pode ser responsabilizada porque não prestou qualquer serviço sem solicitação, deixou de tratar de muitas outras lesões contidas na sentença, pelo que se conclui que a condenação que sofreu em relação a essas outras lesões não deve ser novamente apreciada por este Egrégio Tribunal, posto que não são objetos da apelação.

            Por todos os documentos que instruem o processo, percebe-se claramente que a apelante participa ativamente do fornecimento dos Serviços de Valor Adicionado, seja fornecendo sua estrutura para tal, seja fazendo as cobranças, seja fazendo contrato com os provedores para tornar possíveis esses serviços, seja suspendendo o fornecimento dos mesmos quando o consumidor não pagar por ele, seja recebendo dos provedores valores consideráveis para participar no fornecimento dos serviços, seja bloqueando ou desbloqueado o serviço, ou por ordem judicial ou a pedido do consumidor. Sem sua participação, os serviços não seriam prestados, tanto é que a Anatel editou regras para que as concessionárias colaborassem para a consecução desses serviços, firmando, com quem de direito, contratos para possibilitar seu oferecimento ao público. Não se quer dizer aqui que, em razão das referidas normas, a recorrente estava autorizada ou obrigada a prestar os serviços de forma ilegal, de modo a lesar os consumidores. Os regulamentos da Anatel, como se verá melhor adiante, não tinham esse condão, mas tão somente o de garantir a universalização do uso do serviço essencial de telecomunicações.

            Os argumentos expostos pelo magistrado, que o levaram a se convencer da procedibilidade dos pedidos contidos na inicial, já referendados acima, demonstram, por sua solidez, a responsabilidade da qual a recorrente tenta se safar de qualquer modo.

            A leitura da sentença atacada permite denotar-se que o magistrado firmou suas convicções sobre a responsabilidade da apelante pelo serviços adicionais exatamente em razão do amplo domínio que a mesma exerce sobre tais serviços.

            O domínio da apelante nesta relação, vale ressaltar, evidencia-se pelo fato de que aos provedores não é possível determinar os consumidores que serão destinatários de seus serviços, bem como não é possível aos mesmos solicitar o bloqueio dos serviços para determinados consumidores.

            Adotando o raciocínio proposto pela própria apelante de que a responsabilidade decorre do controle sobre a utilização do serviço, conclui-se que ela pode e deve responder por ele, como bem determinou a sentença atacada, uma vez que restou comprovado que, sem sua participação, o serviço não podia ser prestado.

            É oportuno salientar, antes de prosseguir, que, quanto o juiz a quo disse que ela não presta Serviço de Valor Adicionado, ele estava se referindo àqueles mencionados nos itens "f", "g" e "h" da petição inicial (f. 22-23), em relação aos quais julgou improcedente a ação, como se comprova pela leitura dos parágrafos 5 e 6 da f. 85. Assim, é incorreto observar, genericamente, sem as ressalvas necessárias, que o magistrado afirmou que a recorrente não presta os Serviços de Valor Adicionado, como fez a apelante.

            De qualquer forma, deve-se dizer que o juiz a quo não foi muito feliz em afirmar que a recorrente não presta os serviços enumerados nos itens "f", "g" e "h" dos pedidos contidos na petição inicial, posto que a forma de prestar todos os Serviços de Valor Adicionado é a mesma.

            O máximo que se pode fazer, para ser bem fiel ao ocorrido, é reconhecer que a recorrente não forneceu sozinha os Serviços de Valor Adicionado, posto que precisou do concurso dos provedores e, às vezes, como no caso do 0900, de outra concessionária (Embratel), tanto é que com eles firma contrato de prestação de serviços.

            Ainda antes de seguir avante, mister se faz explora um pouco mais a constatação de que a recorrente firma contrato de prestação de Serviços de Valor Adicionado com os provedores destes serviços, para salientar que o contrato é exatamente para prestação de serviço e não para outra coisa. Desta forma, a apelante, independentemente do que tenta mascarar, presta sim, em nome dos provedores, o SVA aos consumidores, em função da avença que firma para este fim.

            Esta constatação não é, entretanto, suficiente para admitir que a responsabilidade pelos enormes danos causados aos consumidores possa ser atribuída aos provedores, pelo fato de eles jamais detiveram qualquer controle de como os referidos serviços eram disponibilizados, como se verá de maneira mais detalhada avante. Mas, mesmo que se admita, por uma hipótese absurda, que houve co-participação dos provedores para causar prejuízos aos usuários, ainda assim restaria à recorrente a responsabilidade solidária pelos mesmos.

            Este tipo de responsabilidade está previsto nos já citados artigos 7º, p. único, e 25, § 1º, ambos do CDC, da seguinte forma:

            "Art. 7º. (....).

            Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

            (....).

            Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas Seções anteriores.

            § 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores."

            De qualquer forma, as ilegalidades praticadas pela recorrente, devidamente descritas na inicial, e que serão aprofundadas adiante, demonstram que ela teve participação decisiva na efetivação dos danos econômicos e morais sofridos por milhares de consumidores, em razão da prestação dos serviços relacionados na inicial.

            Assim, não é simplesmente afirmando, sem nada comprovar, que não participou do fornecimento dos serviços lesivos, que a apelante estará automaticamente livre da responsabilidade pela reparação dos danos causados.

            Tenta a apelante escapar também da responsabilidade objetiva, constante no artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, jogando a culpa nos provedores e na Embratel, bem como dizendo que inexiste defeito. Isso porém não é o suficiente. Para escapar de referida responsabilidade deveria ela ter comprovado, nos termos do artigo 14, § 3º, incisos I e II, do diploma já citado, que o defeito na prestação do serviço não existiu ou que a culpa foi exclusiva de terceiro.

            Considerando o modo do seu fornecimento e os riscos causados aos consumidores em razão da falta de informação (principalmente desses riscos) não há como, à luz do § 1º do mencionado artigo 14, a seguir transcrito, negar que o defeito na prestação dos serviços questionados existe:

            "Art. (....).

            § 1º. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

            I - o modo de seu fornecimento;

            II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam".

            Mesmo admitindo, novamente por uma hipótese absurda, que os referidos serviços não eram defeituosos, ainda assim a responsabilidade persistiria, dado que, nos termos do artigo 14, caput, do CDC, não só o defeito na prestação do serviço é causa de responsabilidade objetiva, mas também a "informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos" o são, desde que desse tipo de informações resulte, como no caso, danos aos consumidores.

            Para não deixar dúvida a respeito de sua aplicabilidade no caso vertente, cita-se aqui o referido artigo:

            "Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."

            Informações insuficientes ou inadequadas sobre a fruição e riscos dos Serviços de Valor Adicionado não faltaram, como também já ficou demonstrado na inicial e se aprofundará mais adiante.

            Em relação a culpa exclusiva de terceiro que poderia afastar, na relação de consumo, a responsabilidade objetiva, há de se dizer que tal hipótese já ficou afastada na sentença de forma irrefutável, além do que, também aqui a recorrente, desatendendo ao ônus que lhe incumbia, não logrou fazer as comprovações necessárias.

            Há que se considerar, ainda, que a apelante, por ser uma concessionária de serviço público, não tem como afastar sua responsabilidade objetiva também em face do previsto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

            Para ter escapado das responsabilidades mencionadas, objetiva e solidária, deveria ela ter comprovado a não incidência, no caso, dos artigos 7º, p. único, 25, § 1º, 14, caput e § 3º, incisos I e II, todos do Código de Defesa do Consumidor, bem como o 37, § 6º, da Constituição Federal, mas não o fez.

            Diante do até aqui verificado, o máximo que resta à recorrente é, com base na previsão contida neste artigo 37, § 6º, da Carta Política, tentar, em outros autos, ação de regresso contra eventual terceiro que também tenha responsabilidade pelos danos causados, ou, nos mesmos autos da Ação Civil Pública, caso venha a cumprir o dever de ressarcir previamente os consumidores lesados, como previsto no parágrafo único do artigo 13 da lei protetiva.

            A recorrente tenta eximir-se de qualquer encargo, dizendo simplesmente que "a única responsabilidade da apelante é a de manter funcionando uma rede de telecomunicações no Estado e de fornecer ao usuário uma linha telefônica, tendo o direito de cobrar as tarifas pela utilização das mesmas". Será que os seus deveres são só esses mesmo, de manter funcionando a rede de telecomunicações (sem se importar sequer com a qualidade desse funcionamento) e fornecer uma terminal telefônico para o consumidor que o solicitar? Com toda certeza não o são. Para confirmar a amplitude das obrigações das concessionárias de serviço essencial de telecomunicações, não é necessário sequer ler por inteiro a Lei de Telecomunicação, nem todas as demais normas expedidas pela Anatel para regular e fiscalizar o setor, bastando tão somente verificar, nas referidas normas, quais são os deveres das concessionárias e quais são os direitos dos usuários. A título de exemplo, cita-se apenas alguns direitos dos usuários dos serviços oferecidos pela apelante, que, por conseqüência, são deveres seus, e que, aliás, não estão sendo cumpridos por vontade expressa da concessionária, e não por seu desconhecimento.

            1) Direitos dos usuários retirados da Lei nº 9.472/97:

            "Art. 3° O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:

            I - de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional;

            III - de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço;

            IV - à informação adequada sobre as condições de prestação dos serviços, suas tarifas e preços;

            VII - à não suspensão de serviço prestado em regime público, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização ou por descumprimento de condições contratuais;

            VIII - ao prévio conhecimento das condições de suspensão do serviço;

            X - de resposta às suas reclamações pela prestadora do serviço;

            XII - à reparação dos danos causados pela violação de seus direitos."

            2) Direitos dos usuários retirados do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado aprovado pela Anatel através da Resolução nº 85, de 30 de dezembro de 1998:

            Art. 12. O Usuário do STFC tem direito:

            (....);

            II - à liberdade de escolha de sua Prestadora de serviço, em suas várias modalidades;

            IV - à informação adequada sobre condições de prestação do serviço, em suas várias modalidades, facilidades e comodidades adicionais, suas tarifas ou preços;

            VI - ao conhecimento prévio de toda e qualquer alteração nas condições de prestação do serviço que lhe atinja direta ou indiretamente;

            VII - à suspensão ou interrupção do serviço prestado, quando solicitar;

            VIII - à não suspensão do serviço sem sua solicitação, ressalvada a hipótese de débito diretamente decorrente de sua utilização ou por descumprimento de deveres constantes do artigo 4º da Lei nº 9.472, de 1997;

            IX - ao prévio conhecimento das condições de suspensão do serviço;

            XI - de resposta eficiente e pronta às suas reclamações e correspondências, pela Prestadora, conforme estabelece o Plano Geral de Metas de Qualidade;

            XIII - à reparação pelos danos causados pela violação dos seus direitos;

            XVII - a não ser obrigado ou induzido a consumir serviços ou a adquirir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse, bem como a não ser compelido a se submeter a condição para recebimento do serviço, nos termos da regulamentação;

            XIX - a ter bloqueado, temporária ou permanentemente, parcial ou totalmente, o acesso a comodidades ou utilidades oferecidas, bem como a serviços de valor adicionado".

            3) Direitos dos usuários retirados da Norma de nº 004/97 da Anatel que trata do "Uso da Rede Pública de Telecomunicações para Prestação de Serviços de Valor Adicionado:

            "5.6 É responsabilidade da Operadora assegurar o bloqueio ou o desbloqueio do acesso aos serviços, conforme previsto em 5.4.

            (....);

            6.1 Aos assinantes do Serviço Telefônico Público é assegurado, nas condições previstas nesta Norma:

            a) o livre acesso aos serviços de Provedores;

            b) o direito de bloqueio e de desbloqueio, sem ônus, aos serviços de Provedores.

            (....);

            7.1 - Serviço de Valor Adicionado prestado através da rede pública de telecomunicações poderá ser cobrado em conta emitida pela Operadora, observadas as seguintes condições:

            (....);

            b) explicitação, na conta telefônica, das informações que permitam aos assinantes identificar o serviço de valor adicionado utilizado bem como os valores associados, de forma separada daqueles correspondentes aos serviços de telecomunicações prestados pela Operadora;

            c) suspensão da cobrança dos valores referentes ao serviço do Provedor ou estorno dos valores pagos quando a conta for contestada pelo assinante, reinserindo-se em conta os valores relativos a reclamações improcedentes;

            d) continuidade da prestação do Serviço Telefônico Público ao assinante, independentemente de qualquer pendência entre o Provedor de Serviço de Valor Adicionado e o assinante"

            Demonstrado que os direitos dos consumidores são bem mais numerosos do que os únicos dois que a apelante afirma ser, e que a mesma não os está respeitando, não se tem como eximi-la da responsabilidade inerente ao descumprimento destes direitos, principalmente sabendo que ninguém mais, a não ser ela, tem condição de cumpri-los ou descumpri-los.

            Reforça ainda mais a responsabilidade da apelante demonstrar que, apesar de o consumidor ter direito "à liberdade de escolha de sua prestadora de serviço, em suas várias modalidades", no caso em análise, não tem ele como escolher outra empresa, tendo que se submeter a todas as regras, normas e arbitrariedades promovidas pela concessionária recorrente que era, no princípio, a única que poderia realizar o serviço de que ele necessitava, inclusive com envio de serviços não solicitados e com cobranças abusivas.

            Reportando-se ainda à afirmação supra transcrita, a apelante disse ser seu direito tão somente a cobrança de "tarifas pela utilização" das linhas telefônicas oferecidas por ela aos usuários. Se assim o é, não tem ela o direito de disponibilizar, para o usuário, serviços outros que não os de telecomunicações, bem como não pode fazer outra cobrança a não ser a referente a esse serviço essencial, posto que assim agindo estaria extrapolado o único direito que reconhece que tem, de onde se deduz que não é dever do consumidor aceitar o serviço adicional ou pagar por ele.

            A apelante, na qualidade de integrante da administração pública, como diz ser, deveria se manter estritamente obediente aos ditames legais, sem querer alargá-los para seu exclusivo interesse, principalmente em se tratando de relações de consumo, que são regidas por normas de ordem pública e interesse social.

            Afirmou a recorrente que "a única responsabilidade [sua] é a de manter funcionando uma rede de telecomunicações no Estado e de fornecer ao usuário uma linha telefônica", para então concluir que não lhe competiria determinar a quem o consumidor vai ligar ou a que serviço ele terá acesso (f. 99, § 4º).

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            Tal conclusão é totalmente descabida, por duas razões básicas, além de outras que a inteligência e agudeza privilegiadas de Vossas Excelências irão perceber. Primeira. Pela própria palavra da apelante, que admite que tem o dever de oferecer tão somente serviço de telecomunicação e o direito de cobrar as tarifas correspondentes. Logo, não pode disponibilizar nem cobrar pelo Serviço de Valor Adicionado fornecido, segundo seus argumentos, pelos provedores, sem a aquiescência do consumidor, posto que este, conforme ela mesma admite, de forma transversa, não é o seu dever nem seu direito. Seu dever e seu direito, repita-se, estão ligados ao serviço de telecomunicação. Apesar da contradição em que a recorrente se coloca, é de se notar que o poder e domínio de disponibilização, bloqueio e desbloqueio do serviço de valor adicionado é absoluto dela, conforme previsão contida no item 5.6 da Norma de nº 004/97 da Anatel. Por outro lado, é correto afirmar que o consumidor tem o direito de usar da forma como quiser o serviço de telecomunicação (repetindo: o serviço de telecomunicação) que foi objeto de sua solicitação, e que a apelante tem o direito de receber tão somente por este serviço. Este fato não justifica, entretanto, a referida disponibilização de serviço adicional sem solicitação prévia. E mais. Mesmo quando o consumidor solicite tal tipo de serviço, a apelante não pode condicionar, por proibição de norma já transcrita, a continuação da prestação do serviço de telecomunicação ao pagamento dos valores correspondentes ao serviço extra. Segunda razão. O direito de o consumidor poder ligar para quem ele quiser não importa, de forma alguma, que ele tenha que aceitar que serviços estranhos ao contrato que firmou lhe sejam, sem solicitação prévia, disponibilizados. A liberdade de uso de sua linha está ligada ao direito que tem em razão de ter contratado o serviço essencial de telefonia. Tanto isso é verdade, que nenhum usuário pode usar seu direito de reclamação para se voltar contra a apelante diante da Anatel, por não ter o Serviço de Valor Adicionado disponibilizado em sua residência, comércio ou indústria, sem que tenha solicitado previamente este serviço, como também não pode reclamar a estes da qualidade desse serviço adicional. A fiscalização desta Agência refere-se aos serviços de telecomunicações. Ela se interessa pelo serviço estranho aos serviços essenciais tão somente no sentido de que referido serviço não atrapalhe o fornecimento de serviço essencial, e para dar prioridade aos serviços essenciais em caso de ter que fazer restrição de uso de linhas telefônicas.

            Ainda, segundo a apelante, a lesão sofrida pelo consumidor adviria da forma como ele utiliza a rede, e diz que não pode ser responsabilizada pela forma e finalidade com a qual é utilizada esta rede. Em suma, eis como foi colocada a questão: "a utilização da linha telefônica é de inteira responsabilidade do seu usuário que, portanto, tem o deve de ‘vigilância’ e de ‘controle’ sobre quem, como e para que a utiliza" (f. 99).

            Ao admitir que as lesões advieram da forma da utilização da rede e da linha telefônica, a recorrente está deixando bem claro sua responsabilidade, posto que as maiores lesões advieram, como ainda advêm, exatamente em razão da possibilidade que se tem de se fazer mau uso da rede e da linha telefônica, em razão da insegurança que esta apresenta. embora tal irregularidade não seja admitida pelo CDC, que a condena em várias dispositivos, chegando, inclusive, a estipular como crime a omissão relevante de informação relativa à segurança.

            Sem dúvida alguma, o serviço de telecomunicação "não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar" (artigo 14, § 1º, CDC), o que leva a responsabilidade objetiva da recorrente, e não do consumidor-usuário.

            Se em relação aos serviço essencial de telecomunicações, a questão é tratada desta forma, com maior razão que assim também seja tratado o Serviço de Valor Adicionado, que o consumidor não solicita, nem obtém previamente as informações necessárias sobre seus risco e forma de fruição.

            A insegurança da rede telefônica está demonstrada em inúmeras ações judiciais propostas, sobre as quais, com certeza, esses nobres Desembargadores já tiveram conhecimento.

            Tal insegurança tornou-se tão escancarada e insuportável que os representantes das concessionárias do ramo, não tendo mais como escondê-la, vão para os jornais assumir isso e dizer que estão arrumando uma forma para corrigir o problema. Este foi o caso do representante da Telemar, em Pernambuco, que anunciou, através do Diário de Pernambuco (cópia em anexo, enviada pelo Promotor de Justiça de Fortaleza/CE, Dr. João Guaberto), um investimento de R$ 6 milhões para reforçar a segurança física de sua rede.

            Eis, na parte que interessa, o teor da matéria:

            "A Telemar está investindo R$ 6 milhões somente em Pernambuco para reforçar a segurança física de sua rede. Esse valor está sendo gasto, principalmente, com a instalação de cadeados eletrônicos e microcâmeras nos chamados armários, centrais telefônicas de pequeno porte localizadas em vias públicas. A medida tem o objetivo de impedir que os equipamentos sejam usados indevidamente por terceiros, prejudicando o consumidor.

            A Telemar lidera o ranking de queixas registradas contra empresas privadas, perdendo apenas para o comércio. Somente no Procon Recife, 60% das reclamações são contra a empresa de telefonia fixa. Destas, boa parte dizem respeito a cobranças indevidas na conta telefônica. Segundo denúncias, os prestadores de serviço da Telemar, por terem acesso livre aos armários, estariam utilizando as linhas dos clientes da empresa para realizar ligações pessoais.

            Para antecipar todas as metas de 2003 acordadas com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Telemar-PE colocou cinco mil pessoas nas ruas para executar os serviços. "Treinamos ótimos técnicos e alguns bandidos", admitiu ontem o diretor de Negócios Tomazo Truoquio, durante o debate promovido pelo vereador Henrique Lein (PT) na Câmara Municipal do Recife. Truoquio disse que a Telemar sabe do problema e está tentando coibir essa prática pedindo ajuda à polícia, instalando os cadeados e as microcâmeras."

            Em conclusão, deve-se dizer que - se o CDC exige, através de seu artigo 22, que as concessionárias de serviços públicos, como o de telecomunicações, são obrigadas "a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos", não tem como a apelante jogar a responsabilidade para o usuário, pelos prejuízos decorrentes do serviço que oferece, principalmente quando, repetindo, o consumidor não é avisado, antes de o serviço lhe ser disponibilizado, de todos os riscos que corre.

            2.Quando à não-solicitação dos serviços elencados na inicial:

            À f. 101, a apelante diz que, "ao acessar os Serviços de Valor Adicionado por sua livre e espontânea vontade, o usuário está tacitamente solicitando aquele serviço. E não há nenhum amparo legal, nem mesmo no estatuto o consumidor para que o Judiciário não reconheça como válida esta solicitação ou contratação tácita, muito menos para determine que a mesma seja feita obrigatoriamente de forma expressa". Tal afirmativa não condiz nem com o disposto no Código de Defesa do Consumidor nem com as normas despedidas pela Anatel.

            O objetivo do CDC, em razão da reconhecida vulnerabilidade do consumidor, é o de não deixá-lo submetido a métodos comerciais coercitivos e desleais, e às publicidades, informações e práticas comerciais enganosas e abusivas. Por isso, estabelece os princípios da liberdade de escolha e da informação eficiente, dos quais a solicitação prévia e expressa é conseqüência natural. Mero jogo de palavras, para confundir e diferenciar "fornecimento de serviço" de "colocação de serviço a sua disposição" não tem o condão de afastar a proibição contida no artigo 39, inciso III, do CDC, nem sua conseqüência lógica, prevista no parágrafo primeiro deste mesmo artigo 37.

            Se eventual dúvida pudesse persistir, o inciso XVII do artigo 12 do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado aprovado pela Anatel através da Resolução nº 85, de 30 de dezembro de 1998, poria fim a ela, ao estipular como direito do usuário do STFC "a não ser obrigado ou induzido a consumir serviços ou a adquirir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse.

            O que claramente a recorrente está fazendo é tomar medidas altamente desleais e despidas de qualquer boa-fé, ao colocar o Serviço de Valor Adicionado à disposição do consumidor (e de terceiros, em razão da vulnerabilidade do serviço), sem que o consumidor o tenha solicitado. Nestas condições, a apelante está, no mínimo, induzindo o consumidor, o que também é proibido.

            A apelante não consegue comprovar sequer que a maioria dos consumidores têm interesse no Serviço de Valor Adicionado, uma vez que, como já dito, o sistema é inseguro, permitindo que a linha seja usada por terceiros, inclusive para o uso deste serviço.

            Há de se fazer, em relação a esta situação, duas observações importantes. A primeira é a de que o dito Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado trata apenas de serviços de telecomunicação (serviços essenciais) e não de Serviço de Valor Adicionado, que tem regulamento próprio. Essa distinção é importante para reforçar a proibição para serviços não essenciais. Ora, se para serviço essencial deve-se ter cuidados minuciosos, em relação àqueles de cunho eminentemente comercial e explorador, os cuidados devem ser naturalmente redobrados. A segunda observação relaciona-se com a afirmação de que "ao acessar os Serviços de Valor Adicionado, por sua livre e espontânea vontade, o usuário está tacitamente solicitando aquele serviço". O problema não é posterior ao ato de o consumidor tirar o telefone do gancho, mas anterior. Está no fato de o serviço estar disponibilizado em sua casa sem sua aquiescência prévia. Mais ainda. Mesmo que o referido induzimento de consumo forçado, por absurdo, pudesse ser admitido, há de se considerar que o Serviço de Valor Adicionado muitas vezes é cobrado do consumidor contratante do serviço essencial mesmo quando ele, de forma alguma, o acessou. Isto ocorre, como já foi dito, por exemplo, quando terceiros o acessam, em razão da já dita insegurança do serviço. Como, então, se pode dizer que o usuário solicita o serviço quando o acessa em sua casa? Isto significa risco intolerável ao consumidor. Como já foi anteriormente dito, ele só pode ser exposto a riscos normais e previsíveis depois de ter sido informado deles e tê-los aceito livremente. No caso em concreto, o consumidor sequer sabe que o serviço existe, quem o presta e em que condições é prestado. Diante das irregularidades que serão expostas abaixo, isso ainda é pouco para admitir que se possa deixar, sem solicitação prévia, esse serviço à disposição do usuário.

            Por outro lado, a afirmação de que "o serviço prestado pela apelante é aquele decorrente do contrato de adesão para a prestação de serviço telefônico que, (.....), a apelante fornece uma linha telefônica ao usuário, através da qual este pode obter todos os serviços de telecomunicação" não justifica a lesões causadas aos consumidores nem o oferecimento de serviço sem solicitação prévia. O consumidor deve, na verdade, ter acesso a todos os serviços colocados a sua disposição, posto que isso resulta de previsão constitucional e legal, mas isso não autoriza a violação da liberdade de escolha do consumidor nem justifica abusos. Quem deve determinar quando, quanto e por que período quer o serviço é o consumidor, e não a apelante. Uma coisa é ter os meios, de forma isonômica e sem discriminação, para obter os serviços que desejar, e outra é ser forçado a receber um serviço.

            Vale ressaltar que o serviço que o consumidor solicitou, e que, portanto, tem o direito de que lhe seja disponibilizado, é o de telecomunicações, e não o de valor adicionado, que com aquele não se confunde, tanto é que o contrato de adesão é feito para o fim de receber o serviço de telecomunicação e não outro qualquer. Nas palavras da recorrente, isso é dito da seguinte forma: "o serviço prestado pela apelante é aquele decorrente do contrato de adesão para a prestação de serviço telefônico"; ou "Ao acessar os serviços de valor adicionado por sua livre vontade, o usuário está tacitamente solicitando aquele serviço". Ora, se o consumidor tem a necessidade de acessar o Serviço de Telecomunicação para solicitar, tacitamente, o Serviço de Valor Adicionado, é porque este serviço não foi, por qualquer forma, solicitado ou contratado anteriormente.

            Aparentemente, mais apenas aparentemente, o raciocínio desenvolvido no parágrafo anterior parece ruir por completo diante da afirmação de que através da linha telefônica o contratante "pode obter todos os serviços de telecomunicação". Apesar de que as aparências enganam, aqui o engano não pode ocorrer, justamente porque os serviços de telecomunicação são distintos dos Serviços de Valor Adicionado. Diante do disposto no artigo 61, caput e § 1º, da Lei de Telecomunicação, a única interpretação possível para o que a apelante disse é que, por meio do dito contrato de adesão feito, o contratante só faz jus aos serviços essenciais de telecomunicação e não ao Serviço de Valor Adicionado. Qualquer outra interpretação diferente dessa seria absurda. Além do mais, é a única que se harmoniza com os princípios e normas contidos no CDC.

            A única conclusão sensata do dito nos três parágrafos anteriores é que o contrato de adesão firmado com a concessionária tem fim específico, isto é, visa à prestação de serviço público de telefonia. Assim sendo, este contrato não pode ter seu conteúdo modificado unilateralmente pela recorrente, principalmente para alterar seu objeto, sob pena de tal modificação não ter validade alguma, por constituir-se em cláusula abusiva, isto é, nula de pleno direito, de acordo com o disposto no artigo 51, inciso XIII, do CDC.

            É também importante que se diga, pelo menos para reforçar o argumento supra, que a disposição legal contida no referido artigo 51, inciso XIII, é conseqüência lógica do disposto no artigo 46 da lei protetiva, que estabelece que "Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance".De que valeria o consumidor tomar conhecimento do conteúdo do contrato e compreendê-lo por completo, se o fornecedor pudesse, posteriormente, alterá-lo unilateralmente?

            O dito fornecimento de uma linha também não justifica nada, posto que esta linha, em primeiro lugar, só pode ser fornecida mediante a solicitação prévia do consumidor e para dar suporte ao serviço público contratado, qual seja, o de telecomunicações. Assim, a disponibilização de uma linha telefônica para uso do consumidor não pode servir para que ele seja obrigado a aceitar qualquer outro serviço que a apelante queira oferecer ou disponibilizar, principalmente, quando não está ligado diretamente ao serviço que o usuário solicitou ao adquirir o direito de uso da linha. Isso sem dizer que o fornecimento do Serviço de Valor Adicionado é oferecido pela apelante, sem autorização do usuário-consumidor, não pela benevolência desta, mas em razão dos autos lucros que a mesma aufere com este serviço adicional. O lucro, para ela, como se vê à escâncara, está acima de qualquer legalidade, moralidade e boa-fé. Nesse campo, a trapaça reina solta, posto que, quando mais a apelante desrespeitar os direitos do consumidor, mais lucro terá.

            Definitivamente, não há como negar o interesse comercial e econômico da apelante no oferecimento do serviço adicional a um maior número possível de usuários. O próprio juiz sentenciante já constatou tal fato em sua decisão, e os dispositivos abaixo transcritos, retirados da Norma de nº 04/97 da Anatel que trata do "Uso da Rede Pública de Telecomunicações para Prestação de Serviços de Valor Adicionado", reforçam tal constatação:

            "3.2 Esta Norma não se aplica:

            (....);

            c) aos serviços de utilidade pública, caracterizados como aqueles serviços prestados pelos órgãos do Governo Federal, Estadual, Municipal ou por entidades que não visam lucro, (....)".

            (....).

            5.2 Havendo disponibilidade técnica, é assegurado o fornecimento de Facilidade Suplementar do Serviço Telefônico Público aos interessados, atendidas as disposições legais e regulamentares e as da presente Norma. A Operadora estabelecerá preço a ser cobrado ao Provedor, por chamada recebida ou por unidade de tempo, pelo fornecimento da facilidade suplementar.

            (....).

            6.2 O ônus da chamada destinada aos Provedores caberá ao assinante do Serviço Telefônico Público que a originar, sem prejuízo do valor adicional referente ao preço do serviço do Provedor.

            (....).

            7.1 - Serviço de Valor Adicionado prestado através da rede pública de telecomunicações poderá ser cobrado em conta emitida pela Operadora, observadas as seguintes condições:

            (....).

            e) estabelecimento, mediante acordo da Operadora com o Provedor, do preço e das demais condições comerciais para a execução da cobrança em conta do respectivo serviço, de forma razoável, justa, equânime e não discriminatória".

            Embora a responsabilidade da recorrente não dependa da comprovação de que a mesma tenha auferido vantagens econômicas com suas falcatruas, é importante dizer que, pelas citações acima, ficou evidente a existência de vantagem econômica para ela, em razão da disponibilidade para o consumidor do Serviço de Valor Adicionado, e que esta vantagem tem a seguinte origem:

            a) nas ligações que os usuários fazem para o Serviço de Valor Adicionado (item 6.2, primeira parte). O interesse da apelante aqui é que ocorra o maior número possível de ligações, para aumentar seus lucros com estas ligações. Se elas ocorrerem durante o período comercial, muito melhor, pois o valor da ligação é maior;

            b) no preço cobrado pelas operadoras dos provedores, por chamada recebida ou por unidade de tempo (item 5.2, última parte, da Norma de nº 004/97). Aqui o lucro está não só no número de ligações, mas também na duração dessas ligações. Assim, quanto mais uma pessoa liga ou demora numa ligação de telesexo, por exemplo, melhor para a recorrente;

            c) no preço para a execução da cobrança dos valores devidos aos provedores, em conta do serviço telefônico dos consumidores (item 7.1, letra "e").

            A gratuidade é só para as entidades enumeradas no item 3.2 da Norma, e para mais ninguém.

            Outra vantagem econômica que a apelante tinha com o Serviço de Valor Adicionado advinha da cobrança que fazia para bloquear o serviço indesejado que colocava na residência do consumidor sem a solicitação do mesmo, como já foi debatido anteriormente.

            Ainda neste subitem 2, a apelante - após transcrever os incisos I, III, XVII e XIX do artigo 12 do "Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado" aprovado pela Anatel através da Resolução nº 85, de 30 de dezembro de 1998 e o Item 6.1 da Norma de nº 04/97 da Anatel que trata do "Uso da Rede Pública de Telecomunicações para Prestação de Serviços de Valor Adicionado" - alega "que, em matéria de telecomunicações, não há que se falar em solicitação prévia e expressa do usuário para poder acessar a um determinado serviço ou número de telefone, o livre acesso aos telefones e serviços disponíveis e existentes na rede é a regra". Alega ainda que o juiz a quo estaria invertendo as normas do setor, que são expedidas pela Anatel por força de determinação da Lei de Telecomunicações, o que representa a negativa de vigência de lei federal.

            A afirmação de que "em matéria de telecomunicações, não há que se falar em solicitação prévia" está em total descompasso com o inciso XVII do artigo 12 do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado da Anatel (STFC), já transcrito acima e que tem a seguinte redação:

            "Art. 12. O Usuário do STFC tem direito:

            (....);

            XVII - a não ser obrigado ou induzido a consumir serviços ou a adquirir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse, bem como a não ser compelido a se submeter a condição para recebimento do serviço, nos termos da regulamentação".

            Precisaria de clareza solar mais que essa? Onde tal norma está em desacordo com o disposto no artigo 39, III, do CDC? Em que momento ela estabelece que, em matéria de telecomunicação, o fornecimento sem solicitação prévia é a regra?

            Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, ao comentar o supra-referido artigo 39, III, diz exatamente o contrário do que afirma a apelante. Em sua abalizada lição, ensina que "A regra do Código é de que o produto ou serviço só pode ser fornecido desde que haja solicitação prévia." Claro que ele diz que "O fornecimento não solicitado é uma prática corriqueira", mas não quer dizer que isso é a regra, mesmo porque, logo em seguida, acrescenta: "...corriqueira e abusiva".

            A regra, portanto, é da boa-fé objetiva, da liberdade de escolha, onde a solicitação prévia é ingrediente fundamental para se formar uma relação jurídica sadia, entre parceiros que se respeitam e se consideram como tal.

            Se o "Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado" da Anatel quisesse - através dos incisos I, III, XVII e XIX do seu artigo 12, quando fala de direito ao acesso ao serviço de telecomunicações (I), a tratamento não discriminatório (III), a não se submeter a condição para recebimento do serviço (XVII) e a ter bloqueado, temporária ou permanentemente, parcial ou totalmente, o acesso a comodidades ou utilidades oferecidas, bem como a serviços de valor adicionado (XIX) - fixar, como regra, para o serviço de telecomunicação, o fornecimento sem solicitação prévia, é claro que neste mesmo artigo 12, em seus incisos II, IV, VI, VII, VIII, XVII e IX, não valorizaria os princípios da informação, da liberdade de escolha e da próprio solicitação prévia, estabelecendo como direitos do usuário: a liberdade de escolha de sua Prestadora de serviço, em suas várias modalidades; a informação adequada sobre condições de prestação do serviço, em suas várias modalidades, facilidades e comodidades adicionais, suas tarifas ou preços; o conhecimento prévio de toda e qualquer alteração nas condições de prestação do serviço que lhe atinja direta ou indiretamente; a suspensão ou interrupção do serviço prestado, quando solicitar; a não suspensão do serviço sem sua solicitação, ressalvada a hipótese de débito diretamente decorrente de sua utilização ou por descumprimento de deveres constantes do artigo 4º da Lei nº 9.472, de 1997; o de não ser obrigado ou induzido a consumir serviços ou a adquirir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse; o prévio conhecimento das condições de suspensão do serviço.

            Ora, se, em relação aos serviço de telecomunicação, que é serviço essencial, reina o direito de escolha, de informação e de solicitação prévia, por que em relação aos Serviço de Valor Adicionado seria diferente?

            O fato de a Norma 004/97 da Anatel, em seu Item 6.1, letras "a" e "b", dispor que ao assinante do serviço público telefônico é assegurado o livre acesso aos serviços de provedores; e o direito, sem ônus, de bloqueio e de desbloqueio aos serviços de Provedores, também não autoriza a conclusão de que, neste campo, "o fornecimento sem solicitação prévia é a regra".

            Tanto o direito de bloqueio e desbloqueio previsto nesta norma quanto o previsto no inciso XIX da Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado têm o mesmo objetivo, qual seja, de propiciar - àquele que vinha recebendo o fornecimento de algum serviço (seja de telecomunicação, seja de valor adicionado) instalado em sua linha telefônica em conformidade com os princípios previstos no artigo 12, incisos II, IV, VI, VII, VIII, XVII e IX (dentre eles, a liberdade de escolha e a prévia solicitação) e que veio, posteriormente, a não mais querer o serviço - o direito de solicitar a suspensão ou a interrupção do serviço (nos termos do artigo 12, VII, do predito regulamento), bem como de propiciar àquele que pediu o bloqueio o direito de solicitar a continuidade na prestação do serviço, isto é, o desbloqueio.

            Se porventura a interpretação do direito ao bloqueio e desbloqueio dos Serviços de Valor Adicionado, previsto nas duas normas examinadas, levasse à regra "do fornecimento de serviço sem solicitação prévia", estar-se-ia, sem dúvida, diante de um absurdo e de uma incongruência jurídica que conduziria a inconstitucionalidade das referidas normas.

            Por outro lado, a Norma 004/97 da Anatel, ao prever, em seu Item 6.1, letra "a", que "ao assinante do serviço público telefônico é assegurado o livre acesso aos serviços de Provedores" não está dizendo que para receber os serviços fornecidos pelos provedores basta ter uma linha telefônica à sua disposição, sendo dispensável a solicitação prévia. O que ela está a garantir ao consumidor-usuário do serviço essencial de telefonia é que a ele não se imponha restrições para ingressar e sair desse serviço a hora que ele bem desejar. Ora, se o livre acesso, de entrada e saída, ocorre com o próprio serviço de telecomunicação, sem que se possa dizer com isso que para tê-lo a sua disposição não precisa o consumidor de solicitação prévia, como, em relação ao serviço adicionado, poderia ser diferente? A este, em razão de seu cunho eminentemente privado e econômico, as exigências dever ser, naturalmente, maiores.

            O resultado a que se chega, após examinar tudo isso, é que a conclusão tirada pela apelante é totalmente equivocada. Caso as referidas normas previssem o que ela pretende, tais normas deveriam ser declaradas inconstitucionais e ilegais, posto que não se poderia admitir que um mero Regulamento possa, além de ferir a Lei de Telecomunicações, ferir também a Constituição Federal e o CDC, norma de ordem pública e de interesse social. Assim, percebe-se que a apelante não apresentou elementos suficientes para convencer de que o artigo 39, inciso III, do CDC, não é aplicável aos serviços de telecomunicações e aos de valor adicionado.

            B.Do item "Quanto à cobrança dos serviços de valor adicionado elencados na inicial" (2):

            Como já argumentado em itens anteriores, a apelante alega que os serviços que eram, à época do ajuizamento da presente ação, prestados a outras concessionárias e aos provedores, inclusive o serviço de cobrança, decorriam de imposição legal da ANATEL.

            Esta questão já foi tratada anteriormente (no item: "Inclusão na conta do consumidor de débitos por ele não autorizados" contido no subitem "Conclusão deste item "A"), valendo se falar, aqui, de maneira destacada, apenas de algumas situações pontuais das razões da apelante, posto que imprescindíveis para a solução da causa:

            1) A recorrente não fazia as cobranças de acordo com as normas em vigor, como diz que fazia, posto que, se assim agisse, ela sequer suspenderia ou interromperia o serviço essencial de telefonia por conta de débitos relativos à prestação do Serviço de Valor Adicionado, mas bloquearia apenas este serviço;

            2) Os artigos 21, 22 e 23 da Resolução 33/98 da Anatel, transcritos pela recorrente às f. 101-102, não dizem respeito ao "Serviço de Valor Adicionado", mas tratam somente do "Serviço de Telecomunicação" (serviço essencial), assim, a cobrança ali referida diz respeito à cobrança dos valores relativos a este serviço e não àquele. Tanto é que esta norma fala em prestação de serviço pela "concessionária" e não por "provedores" que não são concessionárias nem como tal podem ser tratados, posto que não recebem concessão alguma, em razão de que o serviço que prestam não é público e muito menos essencial.

            Reforça esse entendimento o fato de o contrato de f. 176-182, firmado pela apelante e a Embratel com base no artigo 23 da resolução em comento, tratar apenas do serviço essencial de telefonia. Isso é percebido muito bem pelo disposto, dentre outras, em suas cláusulas 1.1, 4.1.1, 4.2 e 4.4, onde fica claro que o objeto da predita avença relaciona-se com o serviço próprio da recorrente, qual seja, o de "telecomunicação" e não o de "valor adicionado", prestado pelos provedores, com a concorrência da recorrente. Algumas expressões usadas nas citadas cláusulas clarificam ainda mais a situação: "dos serviços próprios das signatárias" (1.1), "Cobrança aos clientes, referentes ao Serviço de Longa Distância Nacional e Internacional" (4.1.1), "Efetuar a cobrança, bloqueio, desbloqueio e tomar outras providências que julgar necessárias referentes a valores devidos pelo Serviço de Longa Distância Nacional e Internacional" (4.4).

            O fato também do item 4.4 do referido contrato (que certamente foi aprovado pela Anatel, como exige o artigo 23 da dita Resolução) prever a possibilidade de bloqueio e desbloqueio por conta de valores devidos pelo Serviço de Longa Distância Nacional e Internacional confirma a sobredita constatação, isto é, fala-se de serviço essencial de telefonia e não de SVA.

            Para tornar mais lúcido o raciocínio acima desenvolvido, algumas perguntas devem ser feitas e respondidas, tais como:

            a) Pode ocorrer bloqueio do Serviço Público Essencial de Telefonia?

            - Sim, em duas situações: a pedido do consumidor ou, de acordo com as normas da Anatel, desde que o débito existente seja relacionado com o serviço essencial.

            b) Pode ocorrer bloqueio em razão de débito com o serviço adicional?

            - Sim, desde que o bloqueio seja tão somente do serviço adicional.

            Há de se esclarecer também que, em relação ao SVA, pode ocorrer bloqueio, independentemente da existência de débito, desde que solicitado pelo usuário.

            Em resumo, a lição é a seguinte: pode-se, segundo as normas da Anatel, bloquear, por falta da pagamento, apenas em relação ao serviço não pago. A recorrente, entretanto, para tornar efetivo o pagamento do SVA, bloqueava, com violação das normas em vigor, todos os serviços, inclusive o serviço essencial de telefonia.

            3) ao contrario do afirmado na inicial, a Resolução 33/98 não visa obrigar a recorrente a fazer cobrança de valor adicionado do consumidor, já que tal serviço não é daqueles que deve ser fiscalizado e regulado pela agência reguladora. Na realidade, ao contrario do que a apelante está a dizer, a Anatel não a está autorizando a lesar o consumidor, mas visa garantir que o serviço essencial de telefonia não sofra solução de continuidade, com interrupção, suspensão ou bloqueios indevidos, por conta de desentendimento entre as concessionárias, em razão de disputa pelo mercado que naturalmente ocorre entre as concorrentes de qualquer ramo de atividade. Sem essa garantia mínima proporcionada pela norma citada, não seria possível, à época, a consecução do serviço essencial relativo às ligações à longa distância (DDD e DDI), posto que esta jamais chegaria até a residência do consumidor, dado que a Embratel não dispunha de estrutura física para tal e as concessionárias locais, como a apelante, dificultariam ao máximo que o serviço fosse prestado.

            Há que se observar que as relações entre as concessionárias, assim como com os provedores, devem ser regidas por contrato firmado entre as duas partes. Os regulamentos têm somente o condão de fixar princípios e definir regras básicas para tais contratações, do que se conclui que ela não estaria obrigada, como diz, a fazer um contrato contrário aos direitos de ordem pública do consumidor. Ao contrário, os regulamentos da União impõem à apelante o tratamento dos consumidores de serviços adicionais isonômico em relação aos consumidores dos serviços essenciais, o que importa em confirmar a legislação de proteção ao consumidor, posto que a apelante deve respeitá-la tanto na prestação do serviço essencial como na prestação do serviço adicional.

            O teor dos contratos que as concessionárias firmavam com os provedores (doc. em anexo), em várias cláusulas deles, principalmente na cláusula 10, confirma a idéia acima, posto que deixa claro que as partes não só eram livres para contratar, como também para rescindir o contrato a qualquer momento. Ora, se a cobrança do Serviço de Valor Adicionado era feita por conta deste contrato, que poderia ser rescindido a qualquer momento, não há como dizer que a cobrança era obrigatória e imposta pela Resolução 33/98 da Anatel.

            4) A referida resolução não proíbe a recorrente de cobrar pelos serviços executados para outra concessionária (inteligência do artigo 22), o que está de acordo com outras normas da própria Anatel, já transcritas nesta peça, que autorizavam, expressamente, a cobrança pelo uso da linha por outras concessionárias ou por provedores, bem como autorizavam que as concessionárias recebessem pelo serviço que prestavam em nome de outras concessionárias ou de provedores. O que as normas, por conta de usura das concessionárias, não lhes autorizavam, em relação a tais cobranças, é que elas pudessem cometer atos ilegais para receberem os valores devidos aos provedores.

            5) A Resolução 33/98 da Anatel citada pela recorrente deixa claro que, quando as concessionárias locais, dentre elas a apelante, cediam sua rede para possibilitar à Embratel completar as ligações de longa distância, elas estavam executando (executar é a palavra usada pela norma) uma atividade de telecomunicação, isto é, estavam prestando (palavra sinônima de executar). Assim, analogicamente, quando a apelante, em colaboração também com a Embratel, propiciava a prestação do Serviço de Valor Adicionado, através do 0900, ela estava também prestando aquele serviço, pelo que não tem sentido a sua reiterada negativa, para se livrar de sua responsabilidade, de que ela não presta esse serviço. Ora, sem a apelante, este serviço jamais chegaria à residência do consumidor.

            C.ITENS 03 e 04 - do regime jurídico de concessão da apelante e da competência legislativa exclusiva da União.

            Quanto às alegações da apelante em relação a seu regime jurídico de concessionária de serviços públicos, bem como no que se refere à competência legislativa da União, não há o que se impugnar, como também tais alegações não guardam qualquer relevância em relação à presente causa. Deduz-se que foram incluídas na apelação na tentativa de sustentar a alegação do ITEM 05.

            D.Item 05 - do litisconsórcio passivo necessário da União federal e da Embratel.

            Neste item, a apelante pretende sustentar que qualquer questionamento jurídico em face ao conjunto de normas instituído pela União Federal importa em seu interesse e legitimação para participar do feito judicial. Argumenta que a sentença atacada declarou a ilegalidade de normas e regulamentos instituídos unilateralmente pela União, que deveria ser considerada litisconsorte passivo necessário, em razão de sua comunhão de interesses. O mesmo seria aplicável à EMBRATEL, que detinha exclusividade na exploração dos serviços DDI e DDD.

            A apelada pretende fazer crer que toda declaração de ilegalidade de norma deva contar com a intervenção do poder público que a instituiu, mesmo que tal declaração repercuta efeitos somente nos limites da lide. Tal alegação é absurda, e não contém fundamento legal.

            A União tem interesse na legalidade e no cumprimento das leis. Trata-se do princípio da legalidade dos entes públicos. A declaração de ilegalidade de uma norma não importa na responsabilidade do ente público que a instituiu, razão pela qual a União não poderia figurar no pólo passivo desta ação, se não pela livre opção do apelado, autor da demanda, a fim de que respondesse pelas ilegalidades praticadas por sua concessionária.

            Quanto à EMBRATEL, se houver responsabilidade, o que não foi provado, ela é solidária, razão pela qual sua colocação no pólo passivo da ação compete exclusivamente ao apelado, e não à apelante, a quem a lei garante o direito de regresso, a ser processado nos mesmos autos, após a prévia efetivação do pagamento do devido (art. 13, p. único, do CDC).

            O que pretende a apelante com estas alegações é dissimular sua intenção de promover a denunciação da lide, medida que é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 88), que revoga disposições regulamentares anteriores quando a matéria diz respeito à relação de consumo, como no caso.

            O Decreto nº 881/62, referido pela apelada, não se aplica ao caso em discussão, uma vez que na presente ação não se pretendeu rescindir contrato algum, mesmo porque o consumidor nunca assinou contrato com a apelante para a prestação de serviços adicionais. Ademais, a rescisão contratual versada no referido decreto é da concessão do serviço de telefonia realizada pela União com a apelada. Seria um absurdo que a União, por si ou por sua autarquia (ANATEL) fosse obrigada a intervir em todos os processos judiciais que tratassem de rescisão de contrato de fornecimento de serviços de telefonia, e tal absurdo seria ainda maior se a intervenção fosse em processo para rescisão de contrato de prestação de serviço adicional, que é um serviço particular, que não tem sequer relevância pública.

            Destaque-se ainda que a apelante sequer consegue definir de quem seria a responsabilidade pelos fatos apontados na inicial, na hipótese de admiti-la, uma vez que, em sua contestação (f.55/66), não apontou a União para integrar o pólo passivo da ação, nem alegou a incompetência do juízo estadual e, neste tópico, chega a admitir seu litisconsórcio com a Embratel.

            E.ITEM 6. da incompetência absoluta do foro estadual

            A apelada sustenta, a partir da premissa de que a intervenção da União neste processo é obrigatória, que o foro estadual é incompetente para julgar o feito.

            Se tal premissa fosse verdadeira, não caberia questionamento sobre a determinação da competência da Justiça Federal, que se encontra cristalinamente determinada na lei.

            Entretanto, como foi sustentado no item anterior, a intervenção da União não pode ser admitida, razão pela qual resta prejudicada a conseqüência da incompetência, alegada pela apelante.

            A incompetência alegada funda-se também na argumentação de que, em razão de sua condição de concessionária de serviços públicos, não se pode dissociar a apelante do conceito de Estado, razão pela qual o feito deve processar-se perante a Justiça Federal.

            Esta argumentação serve apenas para comprovar as alegações aqui formuladas, de que a responsabilidade da apelante é objetiva e solidária ao Estado, cumprindo ao apelado a faculdade de acionar também este último, a fim de responsabilizá-lo pelos fatos apontados na inicial. Entretanto, a responsabilidade do Estado é também solidária à da apelante, e ao Estado caberia o direito de regresso em face da apelante, em razão dos fatos decorrerem de sua atuação no exercício da atividade concedida. Portanto, não há interesse do Estado em integrar uma lide na qual já figura a pessoa em face da qual o mesmo deteria direito de regresso, caso fosse ele o réu da ação.


VI.Conclusão

            Por todo o exposto, o Ministério Público requer a V. Exas que julguem improcedente a apelação proposta, mantendo, por conseqüência, a sentença atacada, no que tange às reformas pretendidas pela apelada.

            Campo Grande/MS, 5 de setembro de 2002.

            Amilton Plácido da Rosa

            Promotor de Justiça

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Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. Telefonia: serviço de valor adicionado.: Ação civil pública proposta pelo Ministério Público: contra-razões em apelação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 883, 3 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16657. Acesso em: 19 abr. 2024.

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