XVI-DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA FEITO PELA AUTORA:
A respeito do pedido de tutela antecipada feito pela autora, é necessário dizer apenas que, diante da improcedência de todo o alegado na ação rescisória, como ficou demonstrada nesta contestação, o indeferimento do referido pedido é inatacável, principalmente diante da sábia conclusão da nobre Desembargadora Relatora no sentido de que "inexiste nos autos prova inequívoca da ilegitimidade passiva da Brasil Telecom".
XVII- DA IMPOSSIBILIDADE DE SE CONDENAR O MINISTÉRIO PÚBLICO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS:
A autora requereu a condenação do Ministério Público no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.Apesar da remotíssima possibilidade de a ação rescisória sagrar-se vitoriosa, tratar-se-á desta questão em respeito ao princípio da eventualidade, para, de pronto, dizer que o pedido em referência é inexoravelmente improcedente, posto que é ilegal e inconstitucional, conforme se demonstrará a seguir.
Com efeito, o entendimento pela impossibilidade de condenação do órgão ministerial ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios é dominante na doutrina e na jurisprudência.
Antônio Cláudio da Costa Machado, em sua obra "A intervenção do Ministério Público no Processo Civil Brasileiro", é convincente em concluir que o Ministério Público, em nenhuma circunstância, mesmo quando figura como autor da ação civil pública, pode responder por custa ou por honorários advocatícios:
"A dúvida que emerge é a seguinte: responde a instituição pelas despesas que houver provocado no caso do pedido ser julgado improcedente? Celso Agrícola Barbi, comentando o dispositivo, entende que quando o Ministério Público age como parte não tem aplicação o art. 27, mas sim o art. 20, que consubstancia o princípio geral sobre responsabilidade por despesas e honorários. Não concordamos com o mestre por uma razão muito simples: ainda quando o Ministério Público se posicione no processo como autor da ação civil pública, não é seu o direito material que está em jogo, mas um direito cuja realização importa ao Estado e à sociedade como um todo. Por isso, mesmo que seja julgado improcedente o pedido, não haverá o Ministério Público, como instituição, de suportar qualquer condenação. É que o art. 27 não pode ser interpretado sem se levar em conta a circunstância de que a função ministerial vincula-se impreterivelmente à defesa do interesse público (interesse indisponível), o que inviabiliza a idéia de condenação do ‘parquet’ como vencido.
E quanto à responsabilidade por honorários advocatícios? Malgrado a inexistência de regra expressa que isente o Ministério Público dessa obrigação, é evidente que a instituição não pode ser condenada ao pagamento de verba honorária pelos mesmos motivos acima expendidos. De fato, alem do argumento de que o ‘parquet’ só atua para tutelar o interesse público, e não para defender um interesse substancial seu, há de se considerar que ontologicamente falando os honorários não passam de espécie do gênero despesas, o que, por si só, justificaria a isenção ministerial, segundo o art. 27." [76]
Complementando a lição acima, Alexandre Morais ensina que o Ministério Público, por disposição constitucional, não é dotado de personalidade jurídica própria e nem defende seus interesses institucionais, mas sim os interesses de toda a sociedade (CF, art. 127), verbis:
"O Ministério Público, atualmente, não se encontra no âmbito de qualquer dos Poderes de Estado, constituindo-se, nos termos da própria definição constitucional, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado (princípio da essencialidade), incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis." [77]
É premissa conhecida que o Ministério Público, somente para garantir a sua autonomia administrativa é que pode defender interesses institucionais próprios, sendo que, nesse momento, o Parquet assume personalidade judiciária para estar em juízo, o que não significa que tal personalidade autorize a transferência de todas as responsabilidades decorrentes do exercício de suas funções essenciais, pois a personalidade judiciária não se confunde com a personalidade jurídica.
A autonomia que a Constituição garante ao Parquet, em relação aos demais órgãos e ao próprio Estado, não importa na conclusão de que a Lei Maior tenha atribuído personalidade jurídica à Instituição, pois essa autonomia é um dos pilares nos quais foi instituída a atuação ministerial, e Francisco Campos justifica a sua necessidade:
"(....) toda vez que um serviço, por conveniência pública, é erigido em instituição autônoma, com capacidade própria de decisão, ou com capacidade de decidir mediante juízos ou critérios da sua própria escolha, excluída a obrigação de observar ordens, instruções, injunções ou avisos de autoridades estranhas ao quadro institucional, com o fito de evitar infiltrações de natureza política, no exercício de sua competência deliberativa ou decisória, impõe-se a garantia aos funcionários incumbidos de tomar as deliberações ou decisões institucionais, da necessária independência, mediante a única técnica eficaz, empregada em relação à Justiça, de lhes assegurar a estabilidade nas funções e nos soldos".
Assim, não se pode conceber que o Ministério Público, ao propor ações coletivas (ações civis públicas, ações civis coletivas, mandado de segurança coletivo, etc.), assim como quando figura no pólo passivo da ação rescisória movida para rescindir sentença ou acórdão proferida em ação coletiva em que ele figure como autor, possa ser condenado a pagar as verbas sucumbenciais e os honorários advocatícios decorrentes do julgamento que contrarie os interesses defendidos por ele no processo.
A idéia de que o Ministério Público defende, em nome do Estado, os direitos do cidadão e não os seus, fica mais claro quando se trata de proteção ao consumidor, posto que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXII, a respeito do assunto dispõe que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".
A condenação do Ministério Público ao pagamento das verbas sucumbenciais e dos honorários advocatícios viola também as disposições constitucionais denominadas "garantias de imparcialidade" (José Afonso da Silva). Tais disposições encontram-se expressamente consignadas nas proibições dos membros do Ministério Público de receber verbas sucumbenciais ou honorários em razão de sua atuação (art. 128, § 5º, I, CF).
Ora, se o membro do Ministério Público não pode receber os valores resultantes de sua atuação na defesa dos interesses públicos, como forma de se garantir a imparcialidade da atuação da Instituição, a conseqüência lógica de tal proibição é que o Ministério Público não possa pagar pelos débitos resultantes dessa atuação.
Não faz sentido proibir que as verbas decorrentes do processo sejam percebidas pelos membros do Ministério Público e obrigá-lo a arcar com as despesas do processo, sem nenhuma previsão para recompor tais despesas.
Isso sem dizer que – levada a reflexão até suas últimas conseqüências, em razão da falta de previsão para o Parquet recompor as referidas despesas – seus membros correriam o risco de ficar sem salário ou alguma atividade essencial da instituição ficaria sem ser realizada, posto que dever-se-ia destinar os parcos recursos de seu duodécimo para fazer frente às condenações judiciais.
Vê-se dessa forma a inteligência do sistema que não permite que os membros do Parquet sejam pressionados ou atuem motivados por interesses financeiros – seja para receber mais, quando for vencedor na ação, ou para não se arriscar a ter que pagar custas e honorários, em virtude de uma eventual improcedência da ação por ele movida. Ou mais absurdo ainda, quando, após julgada procedente a ação coletiva, for ajuizada ação rescisória, visando rescindir a coisa julgada material e, ainda assim, ser condenado nas verbas de sucumbência e nos honorários advocatícios decorrentes da ação rescisória.
Neste ponto, para defender a importância da independência e da imparcialidade do Ministério Público, cabe trazer à colação as lições de Haroldo Valladão, que muito antes da idealização da Constituição Federal de 1988, nos idos de 1940, já explicava a alguns Promotores de Justiça recém empossados as dificuldades do exercício da função ministerial:
"O Ministério Público é outra árdua atividade do jurista. É um advogado cujo cliente não fala, não vê, não houve, não tem amigos nem parentes. Esse cliente é a lei. E tem inimigos poderosos, todos aqueles a quem não convém que ela se cumpra, sejam indivíduos, sejam autoridades. Daí uma grande dose de coragem e não só, de combatividade. Violada a lei, o Ministério Público sai imediatamente a campo. Não é preciso que outra pessoa venha chamar sua atenção, pedir sua intervenção, que outra autoridade apure o fato (...). Não pode ter os olhos vendados, nem os ouvidos moucos, nem esperar que alguém lhe conte, há de ele próprio ir procurar o seu cliente, cego, surdo, mudo, desamparado (...). Vereis, então, como é fraca a vossa constituinte, os pedidos que vos fazem para não defender a lei, as razões, sentimentos e políticas, que vos apresentam para deixá-la de lado, a trama poderosa, individual e coletiva, para o seu desrespeito (...). E vos será difícil resistir, e muitas vezes tereis ameaçado o vosso cargo, mas haveis de permanecer de pé, que tanto vos obriga o juramento que acabais de prestar." [78]
Outro ponto importante a ser considerado quando se discute a impossibilidade de se condenar o Ministério Público ao pagamento de honorários e custas processuais é o fato de que, para o Ministério Público vigora o princípio da obrigatoriedade, ao contrário do que ocorre com os demais legitimados para manejar as ações coletivas (ação civil pública, ação civil coletiva e execução coletiva), que se governam pelos critérios de conveniência e oportunidade e, por conseguinte, estão sujeitos ao princípio da causalidade que dita que todo aquele que der causa à propositura da demanda ou à instauração de incidente processual deve responder pelas despesas daí decorrentes.
O princípio da causalidade não se aplica ao Ministério Público, na medida em que conflita com o princípio da obrigatoriedade.
Caso se admitisse que ambos os princípios fossem aplicados à atuação do Ministério Público, ter-se-ia um sistema legal que obrigaria o Ministério Público a ingressar com a ação civil pública para defender um interesse público e atribuiria a essa mesma instituição as responsabilidades decorrentes dessa atuação obrigatória, desprezando o fato de que quando o Ministério Público ingressa com uma ação judicial, existe uma certa margem de possibilidade de o Poder Judiciário julgar improcedente a demanda ou, até mesmo, o que é o mais comum acontecer, extinguir o processo sem julgamento do mérito, por negar legitimidade ao órgão ministerial.
Neste diapasão, nem sequer se poderia dizer que o Poder Judiciário, ao deixar de condenar o Ministério Público ao ônus da sucumbência, por estar o órgão ministerial agindo em obediência ao princípio da obrigatoriedade, estaria ofendendo o princípio da isonomia. Nesta situação, está-se apenas tratando de forma desigual os que se encontram em situação totalmente diferente, bem como a finalidade da discriminação atende plenamente ao "discrimem" utilizado pela norma, consoante leciona magistralmente Celso Antônio Bandeira de Melo em sua obra "Conteúdo Jurídico do Princípio da Isonomia".
Restaria a ofensa se o Ministério Público estivesse submetido tão-somente ao princípio da causalidade. Foi a sociedade, beneficiária da atuação ministerial, que, por meio de seus representantes legislativos, fez esta escolha, a qual não pode ser contrastada por interesse meramente individual e econômico, em prejuízo da supremacia do interesse público.
Além disso, deve ser adicionada à equação, obrigatoriedade/causalidade, o fator falibilidade humana, presente nas hipóteses em que o órgão de execução do Ministério Público incorre em erro (de fato ou de direito), no exercício de suas funções.
Para exemplificar tal hipótese, cita-se aqui, no que interessa, decisão que o TJSP proferiu na Apelação 18323-0:
"ACP ajuizada pelo MP. O Ministério Público, que terminou pleiteando a improcedência da ação, propôs esta agindo em nome do interesse público, tão-somente, não estando sujeito ao pagamento de custas e demais despesas processuais, entre elas, honorários de advogado. Além do mais, o representante do MP só ajuizou o pedido de destituição do pátrio poder por ter sido a menor apanhada pelo serviço de assistência social da Comarca em estado de abandono, situação que depois se alterou, provocando o já citado pedido de improcedência" (TJSP, Câm. Esp., Ap 18323-0. rel. Des. Silva Leme, v.u., j. 13.1.1994).
Foi por estas razões que a Lei da Ação Civil Pública e, posteriormente, o Código de Defesa do Consumidor disciplinaram, de forma expressa, que somente as associações, em caso de comprovada litigância de má-fé, poderiam ser responsabilizadas pelas despesas decorrentes do processo [79].
O pedido da autora, para se condenar o Ministério Público nas verbas de sucumbência e honorários advocatícios, é totalmente improcedente, além de ser ilegal e inconstitucional, mesmo porque não existe disposição legal que imponha ao Ministério Público a obrigação de pagar as despesas do processo e honorários advocatícios, nem mesmo em razão de litigância de má-fé, tratando-se, portanto, de matéria de ordem pública.
E mesmo que houvesse previsão legal, de sanção processual semelhante à instituída para as associações, que fosse aplicável ao Parquet, não há nos autos de ação civil pública em que decorreu a sentença rescindenda, comprovação de que a Instituição tenha obrado com interesses escusos, fato esse de plano afastado pela lógica e pelo bom-senso.
Rodolfo de Camargo Mancuso, em sua obra "Ação Civil Pública em defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural e do Consumidor", justifica a razão da ausência de sanções processuais dessa natureza:
"(....) não são aplicáveis ao Ministério Público, em princípio, porque seria desarrazoado supor que uma Instituição tão respeitável proceda como litigante de má-fé." [80]
E mais; ainda que se pudesse admitir, para efeito de argumentação, que a ação cognitiva e a ação rescisória tenham ocasionado despesas ou custos à autora e que existisse previsão legal autorizando a restituição do "status quo ante", nos casos de ação civil pública intentada pelo Ministério Público Estadual, certamente competiria ao Estado de Mato Grosso do Sul tal obrigação e jamais ao Parquet.
Nesse sentido, Nelson Nery Júnior relaciona entendimento, aplicável por analogia ao caso em debate:
"8. Condenação do MP. Se o MP der causa a adiamento de audiência ou outro ato processual, sem justo motivo, deve arcar com as custas do retardamento ou repetição do ato. Neste caso, a responsabilidade pelo efetivo pagamento é da Fazenda Pública." [81].
Para reforçar este ponto, cabe aqui acrescentar duas comparações, para que seja possível vislumbrar o desacerto do pedido de condenação do Ministério Público nos honorários advocatícios e no ônus da sucumbência.
Primeiro, comparando-se a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário, ambos são órgãos políticos que agem em nome do Estado, cabendo-lhes funções essenciais. A receita de ambos os órgãos apresenta semelhante previsão constitucional. Assim, caso fosse admitida a tese de que o Ministério Público pode ser condenado pelos prejuízos a que der causa em razão de sua atuação institucional, também o Poder Judiciário deve receber igual tratamento, e ser responsabilizado pelos danos a que der causa, em razão de sua atuação jurisdicional.
Segundo, comparando-se a atuação do Ministério Público e da Advocacia Pública (a Procuradoria do Estado, p.ex.). Ambos são órgãos públicos internos do Estado e atuam em nome deste, o primeiro defendendo os interesses da sociedade, e a segunda defendendo os interesses do próprio Estado e do Poder Executivo. Assim, caso fosse admitida a tese ora combatida, também a Procuradoria Estadual deveria receber igual tratamento e ser responsabilizada pelas sucumbências que lhe forem impostas.
Por fim, em razão de serem extremamente pertinentes, transcreve-se aqui as lições do já citado Antônio Cláudio da Costa Machado, que enfrenta com muita propriedade a questão do adiantamento das despesas e da responsabilidade pelas despesas de atos do Ministério Público:
"Seja qual for a função que exerça o ‘parquet’ no processo civil – seja autor, substituto do réu, assistente ou fiscal da lei – um e somente um interesse defende a instituição: o interesse público, o interesse indisponível envolvido na demanda posta perante o Judiciário. Por isso, vale dizer, por tutelar sempre um interesse que está acima dos interesses dos particulares, é que a lei desincumbe o Ministério Público de adiantar o numerário relativo às despesas dos atos que por sua vontade devam ser praticados no processo (...)." [82]
"É claro que o curador ou a Instituição do Ministério Público não sofrerão condenação alguma (...) pois atua no processo em cumprimento a uma disposição legal e não por sua alta recreação, não sendo seu o interesse substancial que defende." [83]
Por todas estas razões, restando plenamente demonstrada a ilegalidade do pedido de condenação do Ministério Público no ônus da sucumbência e honorários advocatícios, ele deve ser improvido, na eventualidade de a ação rescisória ser julgada procedente.