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Ação exige devolução em dobro de multas a maior

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4. Indenização por danos extrapatrimoniais

            Não basta, como é óbvio, a mera devolução em dobro dos valores cobrados, obrigação que na verdade é pena imposta pelo ordenamento civil ao fornecedor que extrapola os limites da cobrança.

            Na situação configurada nos autos, é preciso reparar integralmente os danos causados aos consumidores e, sob este aspecto, vale lembrar que o art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor, garante o direito básico do consumidor de obter "efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

            Isso porque, conforme se viu nos autos, a cobrança ocorreu durante mais de dez anos, dez anos durante os quais os honestos trabalhadores rurais da região, ainda que à custa de esforços pessoais, pagaram as multas que lhes foram cobradas, sem reclamações que tenham chegado ao conhecimento do Ministério Público.

            A conduta da requerida, por isso mesmo, gera o dever de indenizar, desta feita a título difuso. O dano causado é extrapatrimonial, porque flagrantemente lesionada a confiança [12] do consumidor, que tinha a expectativa de estar sendo cobrado apenas dentro dos limites legais.

            E, assentando-se o dano extrapatrimonial difuso justamente na agressão a bens e valores jurídicos que são inerentes a toda a coletividade, de forma indivisível, não há como negar que conduta como a da ré abala o patrimônio moral da coletividade, pois é coletivo o sentimento de ofensa e desrespeito que o cidadão e sua família acaba experimentando com a prática abusiva.

            Ao dissertar sobre o dano moral coletivo, o professor André de Carvalho Ramos assinalou com muita propriedade: "Devemos considerar que tratamento aos chamados interesses difusos e coletivos origina-se justamente da importância destes interesses e da necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba cedendo lugar, no caso de dano moral coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade. Imagine-se o dano moral gerado pela propaganda enganosa ou abusiva, O consumidor potencial sente-se lesionado e vê aumentar seu sentimento de desconfiança na proteção legal do consumidor, bem como seu sentimento de cidadania" [13].

            O valor da indenização a ser pleiteada, também por esses motivos, deve levar em conta o desvalor da conduta, a extensão do dano e o poder aquisitivo da requerida.

            Não se pode conceber tenham lugar condutas como a da ré. Numa sociedade democrática, onde se espera e se luta pelo aperfeiçoamento dos mecanismos que venham garantir ao cidadão o pleno exercício dos atributos da cidadania, ludibria o consumidor, auferindo lucros exorbitantes a partir de práticas nitidamente contrárias à legalidade. E sempre na esperaça, como se confirmou nestes autos, de que a resposta a ser dada pelo Judiciário fará valer a pena o risco.

            É dentro desse mesmo contexto que não se pode esconder a grande extensão do dano causado, pois além de agredir interesses garantidos por lei ao consumidor, o procedimento denunciado gerou sentimento de descrença e desprestígio da sociedade com relação aos poderes constituídos.

            A jurisprudência tem reconhecido a possibilidade de condenação do responsável por danos extrapatrimoniais coletivos:

            DANO MORAL COLETIVO - POSSIBILIDADE - Uma vez configurado que a ré violou direito transindividual de ordem coletiva, infringindo normas de ordem pública que regem a saúde, segurança, higiene e meio ambiente do trabalho e do trabalhador, é devida a indenização por dano moral coletivo, pois tal atitude da ré abala o sentimento de dignidade, falta de apreço e consideração, tendo reflexos na coletividade e causando grandes prejuízos à sociedade [14].

            Assim, presente o dano extrapatrimonial, consistente na lesão da confiança depositada pelos consumidores no anúncio publicitário, e presente o nexo de causalidade entre o dano e a conduta da requerida, nasce o dever de repará-lo, cabendo indenização pelos danos causados.

            O Ministério Público, portanto, entende ser devida indenização aos consumidores que, embora não identificáveis, foram enganados pela publicidade da requerida.

            Tal indenização, como é natural em sede de direitos difusos, deverá reverter ao fundo de reconstituição de bens lesados (art. 13 da Lei nº 7.347/85). Em Santa Catarina, o Fundo para Reconstituição dos Bens Lesados foi criado pelo Decreto nº 1.047, de 10 de dezembro de 1987.

            A jurisprudência tem abonado a tese de que a indenização por danos morais independe da devolução em dobro do valor cobrado abusivamente, já que as causas são diferentes: na devolução em dobro aplica-se pena e ocorre parcialmente o ressarcimento do dano material causado; na indenização por danos morais, protege-se outra esfera de direitos, os direitos extrapatrimoniais, que devem igualmente ser tutelados.

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            Os precedentes abaixo colacionados amoldam-se por analogia ao caso dos autos. Nas situações ali observadas, empresas de telefonia cobraram indevidamente por serviços não fornecidos a consumidores, situação evidentemente extremamente próxima à dos autos.

            RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATAÇÃO DO SERVIÇO DE INTERNET DE ALTA VELOCIDADE - ADSL. FALHA NO SERVIÇO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. 1. Tendo em vista a violação da fornecedora do serviço ao dever de informação e a configuração da falha na sua execução, impõe-se o dever de indenizar, forte do artigo 14 DO CDC. 2. O pagamento por serviço não prestado merece ser integralmente ressarcido, sob pena de enriquecimento ilícito, o que é vedado no ordenamento jurídico. Admite-se na hipótese, ainda, a restituição do montante em dobro, nos termos do artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. 3. Danos morais que se aplicam visando ao caráter dúplice do instituto, qual seja, compensatório, pela desconsideração à pessoa do consumidor, cobrado por serviço não usufruído, e dissuasória, evitando, assim, que conduta futura semelhante seja novamente praticada. Verba indenizatória que merece, todavia, ser minorada, devendo ser proporcional à lesão sofrida sem representar enriquecimento indevido da parte. Recurso parcialmente provido [15].

            TELEFONIA FIXA. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. COBRANÇAS RELATIVAS A SERVIÇOS NÃO CONTRATADOS DE INTERNET BANDA LARGA. 1. Decisão liminar que fixou multa diária para o caso de descumprimento da obrigação de não fazer imposta. Demonstrado o efetivo descumprimento da ordem judicial por parte da empresa, é aplicável a multa. Quantum que deve, todavia, ser reduzido, evitando desproporção com a obrigação principal e enriquecimento injustificado da parte autora. 2. Fornecedora que não se desincumbiu do ônus de comprovar a contratação ou a efetiva utilização dos serviços. Restituição em dobro dos valores indevidamente cobrados já determinada pelo juízo de origem. Ausência de irresignação da parte ré. 3. Dano moral caracterizado ante o infortúnio imposto mensalmente ao consumidor por longo período de tempo, somado ao descaso da ré frente às reclamações administrativas do cliente e ao descumprimento da determinação judicial de suspensão das cobranças. Patamar indenizatório fixado em R$ 2.000,00 [16].


5. Pedidos

            Pelo exposto, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina requer:

            a) o recebimento e processamento da presente ação civil pública;

            b) a publicação de edital nos termos do art. 94 do Código de Defesa do Consumidor, determinando-se à Rádio Nova FM, de Pinhalzinho [17] e à Rádio Modelo AM [18] que divulguem a propositura desta ação, para possibilitar que os interessados, querendo, através de advogado intervenham no processo como litisconsortes;

            c) a citação da requerida para, querendo, apresentar a defesa que entender pertinente;

            d) a inversão do ônus da prova, por ocasião do ingresso na fase probatória [19], se houver, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor;

            e) a condenação da requerida a devolver a cada consumidor dos municípios de Saudades, Pinhalzinho, Maravilha, Modelo, Nova Erechim, São Carlos, Cunha Porã, Serra Alta, Sul Brasil e São Miguel da Boa Vista, o dobro dos valores cobrados ilegalmente a título de multa, fixando-se como data inicial o dia 2 de agosto de 1996;

            f) a condenação da requerida ao pagamento quantia não inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de danos extrapatrimoniais difusos, acrescida de juros legais e correção monetária desde a citação, valor este a ser revertido ao Fundo de Recuperação de Bens Lesados;

            g) a condenação da requerida em custas, despesas processuais e honorários advocatícios (estes conforme art. 4º do Decreto Estadual nº 2.666/04, em favor do Fundo de Recuperação de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina).

            Dá-se à causa o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

            Modelo, 20 de junho de 2007

            Eduardo Sens dos Santos

            Promotor de Justiça – MODELO

            GUILHERME LUIS LUTZ MORELI

            PROMOTOR DE JUSTIÇA – PINHALZINHO


Notas

  1. Santa Catarina é dividida em 36 secretarias regionais de desenvolvimento, conforme informação contida na página www.sc.gov.br.
  2. Ação civil pública em defesa do meio ambiente: a questão da competência jurisdicional. Ação Civil Pública. – Lei nº 7.347/85 – 15 anos – Coordenação: Édis Milaré. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001. p. 73.
  3. Para a estimativa tomou-se o valor inicialmente estimado para três meses (R$ 5.267,86) e dividiu-se pelo número de meses para se ter o valor mensal de R$ 1.755,95. Este último valor foi multiplicado pelo número de anos em que está em vigor o limite de juros de 2% (dez anos), pelo número de meses de cada ano (doze).
  4. ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. São Paulo : Saraiva, 2003. p. 15.
  5. EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 216.
  6. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 511.
  7. Idem, p. 511.
  8. Recurso Cível Nº 71001153287, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Maria José Schmitt Santanna, Julgado em 15/05/2007.
  9. Recurso Cível Nº 71001115443, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 12/04/2007.
  10. Apelação Cível Nº 70016040503, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 15/03/2007.
  11. Apelação Cível Nº 70014224935, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mario Rocha Lopes Filho, Julgado em 16/03/2006.
  12. A confiança, ou boa-fé objetiva, é princípio da Política Nacional de Relações de Consumo, conforme prevê o art. 4º, III, in fine, do CDC. Para Luiz Antônio Rizzatto Nunes, "quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se no comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes" (NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo : Saraiva, 2000. p. 108).
  13. Revista de Direito do Consumidor nº 25. Editora Revista dos Tribunais, p. 82.
  14. TRT 8ª R. - RO 5309/2002 - 1ª T. - Rel. Juiz Luis José de Jesus Ribeiro - j. 17.12.2002.
  15. Recurso Cível Nº 71001122886, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 26/04/2007.
  16. Recurso Cível Nº 71001223098, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 07/03/2007,
  17. Rádio 103,1 de Pinhalzinho Ltda, rua São Luiz, 1787, CEP 89870-000, Pinhalzinho.
  18. Rua do Comércio, centro, Modelo.
  19. Hugo Nigro Mazzilli entende que o momento adequado para a declaração da inversão do ônus da prova é o momento da produção da prova, e não o da sentença, como parte da doutrina tem apregoado, pois é ilógico que somente quando finda a instrução processual tenham as partes conhecimento da forma como devem conduzir a produção. MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 17ª ed. São Paulo : Saraiva, 2004. p. 164.
Assuntos relacionados
Sobre os autores
Eduardo Sens dos Santos

Promotor de Justiça em Santa Catarina

Guilherme Luiz Lutz Moreli

promotores de Justiça de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Eduardo Sens ; MORELI, Guilherme Luiz Lutz. Ação exige devolução em dobro de multas a maior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1930, 13 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16867. Acesso em: 19 dez. 2024.

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