EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE MODELO
Processo nº 256.07.000426-2
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, pelo titular da Promotoria de Justiça de Modelo, apresenta IMPUGNAÇÃO à contestação oferecida por COOPERATIVA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL VALE DO ARAÇÁ - CERAÇÁ na Ação Civil Pública nº 256.07.000426-2.
1. Síntese
Move o Ministério Público em face da Cooperativa de Eletrificação Rural Vale Araçá – Ceraçá – ação civil pública que tem por objetivo obter provimento jurisdicional que a obrigue à devolução em dobro de multas cobradas abusivamente de seus consumidores desde a edição da Lei nº 9.298/96, que limitou a multa moratória em 2% do valor da obrigação.
Citada, a Ceraçá apresentou contestação. Na peça, após longo histórico do sistema cooperativo mundial e da legislação brasileira sobre distribuição de energia elétrica, alega ser constituída sob regime de direito privado e, portanto, não exercer serviço público de distribuição.
Nessa situação, argumenta, os próprios associados é que estabelecem os preços dos serviços e todas as regras da prestação e, em assim sendo, deve ser considerada não como fornecedora do serviço de distribuição de energia, mas sim consumidora direta final. Em outras palavras, entende a Ceraçá que não é fornecedora, mas sim consumidora de energia elétrica, por ser assim considerada pela Resolução nº 456/2000, da Aneel, "para fins de aplicação das tarifas".
Cita artigo doutrinário da Ministra Fátima Nancy Andrighi, para quem os sócios das cooperativas são os "donos do negócio", de modo que existe um sistema jurídico próprio e independente, incompatível com a sistemática jurídica de outros ramos do direito. A partir do texto, conclui que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor à relação entre cooperativa e cooperado, porque "o associado é um dos titulares da sociedade", já que "todas as deliberações são tomadas pelos próprios associados".
Cola também precedente jurisprudencial datado de 1996, segundo o qual o Superior Tribunal de Justiça, por três votos a dois, decidiu que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às cooperativas. Do voto transcrito pela contestante se colhe que um dos fundamentos enunciados pelo ministro foi o de que as cooperativas são "organizações democráticas controladas por seus sócios, os quais participam ativamente no estabelecimento de suas políticas e na tomada de decisões". Conclui a contestante, assim, que o associado é "proprietário da empresa que ele próprio construiu e mantém" (fl. 157).
Por fim, argumenta que não há danos extrapatrimoniais a serem indenizados, porque todas as decisões foram tomadas de forma democrática pelos próprios associados. Requer, ao final, o reconhecimento da prescrição qüinqüenal.
2. Impugnação à contestação – arts. 326. e 327 do CPC
Conforme regra do art. 326. do Código de Processo Civil, "se o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro lhe opuser impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ouvido no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe o juiz a produção de prova documental".
No caso dos autos, a ré reconheceu o fato em que se funda a ação, mas opôs outro impeditivo, qual seja, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre cooperado e cooperativa. Torna-se necessária, portanto, a impugnação à contestação.
3. Esclarecimentos necessários – natureza "democrática" da Ceraçá – fatos
Busca a contestante transparecer perante o Judiciário Catarinense uma realidade que não existe. Busca, com hábeis palavras, fazer crer que sua situação fática se amolda perfeitamente ao conceito legal de cooperativa, e que, diante dessa subsunção, nenhuma lei – mesmo de ordem pública, como o Código de Defesa do Consumidor – pode atingir-lhe.
Para tanto, após o longo arrazoado sobre as mais remotas origens do cooperativismo mundial, alega a Ceraçá que "democraticamente" os associados, verdadeiros "donos da cooperativa" é que decidem sobre o preço da energia elétrica e sobre os encargos que melhor se apliquem à realidade econômica por eles mesmos vivida.
A argumentação surpreende quem quer que minimamente conheça o "cooperativismo" brasileiro na prática, ou seja, sem a forçada argumentação formal de que as cooperativas não visam a lucro nem são empresas no sentido técnico da palavra.
O fato, que aliás é notório, está bem comprovado nos autos e, mesmo que não estivesse, da prova em contrário não se desincumbiu a Ceraçá, que tinha este ônus, conforme regra expressa do Código de Defesa do Consumidor muito bem aplicada pela magistrada (art. 6º, VIII; fl. 102-3).
Veja-se, por exemplo, que a "democrática" Ceraçá, que conta atualmente com exatos 6.387 associados (fl. 120), elegeu sua diretoria – ato que se presume da maior importância para os associados – com a presença de menos de dois por cento dos associados: a ata da Assembléia Geral Ordinária de fl. 194. registra nada mais que cento e vinte e quatro associados presentes, num corpo de mais de seis mil!
A fixação do percentual de multa, evidentemente, não seguiu regra muito diferente, como quer fazer crer a contestante. Como fica claro da Ata nº 273, trazida pelo Ministério Público com a inicial, a Diretoria da Ceraçá – não a Assembléia Geral – foi quem praticou a última alteração da multa moratória de que se tem notícia: reduziu de 20% para 10%, sem consulta a qualquer associado (fl. 66). Altera a verdade, portanto, o presidente da Ceraçá quando diz que o valor foi fixado em Assembléia Geral (fl. 24) e quando, em sua contestação, afirma que democraticamente são os associados quem definem o percentual da multa.
E o mesmo foi feito quando do atendimento à requisição ministerial sobre o valor atual da multa. Veja-se que ao ser confrontado com o limite percentual da multa constante do Código de Defesa do Consumidor, o presidente da Ceraçá, o senhor José Samuel Thiesen, informou que a "foi devidamente alterada para 2% no mês corrente, tendo em vista adequação ao artigo 52 §1º do Código de Defesa do Consumidor".
Tal alteração, como fica evidente nos autos, foi realizada sem consulta aos associados, ou seja, sem assembléia geral. É interessante também observar que a alteração, conforme palavras do próprio presidente da Ceraçá, foi feita "tendo em vista adequação ao artigo 52 §1º do Código de Defesa do Consumidor" e que, nos termos do próprio Estatuto Social da Ceraçá, "A Assembléia Geral [...] tomará toda e qualquer decisão de interesse da sociedade" (art. 14, fl. 47).
Enfim, alega-se insistentemente que a cooperativa é "propriedade do associado", que ele tudo decide consciente e democraticamente e que a relação mantida é de direito privado e, portanto, inaplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, a documentação constante dos autos demonstra realidade bem diversa: questões como a discutida nestes autos – multa moratória – são decididas pelo "Conselho de Administração" da Ceraçá (fl. 66) ou por ato de seu presidente, quando o deveriam ser por assembléia geral. E, é claro, tudo sem a menor participação de seus associados.
Por outro lado, decisões também de grande importância para a vida da "empresa" são tomadas em Assembléia Geral (quando não o são apenas pela Diretoria) com a presença de menos de dois por cento dos "associados". Não custa repetir que a Diretoria da Ceraçá foi eleita em assembléia na qual estavam presentes menos de dois por cento dos associados (apenas 124, no universo de 6.387).
O que fica claro é o já há muito sabido: embora com o nome de cooperativa, a Ceraçá é verdadeira empresa distribuidora de energia elétrica, tanto que assim se denomina em seu site1, e tanto que nem seus próprios associados são conscientes do cooperativismo, porque simplesmente não participam das reuniões.
Não se diga aqui que é ônus do associado participar das reuniões da cooperativa. Se o que se está discutindo é o fato de – na prática – o percentual de 10% de multa ter sido fixado pelos próprios associados, de forma "consciente e democrática", como alega a ré, é preciso observar os fatos, e não a teoria. E os fatos demonstram que, por absoluta falta de espírito cooperativo, as decisões de relevo da Ceraçá são tomadas exclusivamente pela diretoria, que é eleita por uma minoria ínfima de "associados".
Algo parece errado e realmente está. Estivéssemos mesmo diante de cooperativa, o sentimento de cooperação seria latente e boa parte dos cooperados, pelo menos, participaria das assembléias e seria efetivamente consultada quando da tomada de decisões como a dos autos. O que se vê é que, por inexistir sentimento cooperativista, a própria Ceraçá trata seus associados como meras peças do jogo do mercado, ou seja, como formalidade necessária, como substância dispensável.
Nada mais falso, portanto, que alegar o pacta sunt servanda ou a "vontade democrática" dos associados para lhes impor multa abusivamente dissonante das regras de ordem pública e interesse social (art. 1º) do Código de Defesa do Consumidor. O que ocorre é que a realidade dos fatos não suporta os limites do formalismo: uma verdadeira empresa, erigida sob a forma de cooperativa, diante de olhar mais acurado fatalmente evidenciará que a alcunha de "cooperativa" não lhe calha bem.
De qualquer forma, como se verá a seguir, tanto o conceito de consumidor quanto o conceito de fornecedor abarcam a relação jurídica entre o cooperado e a cooperativa no caso dos autos, como reconhecem os tribunais e a doutrina.
4. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às cooperativas
Dito, isso, a questão central que resta a dirimir nestes autos é se à relação jurídica existente entre a Ceraçá e seus cooperados é de direito privado e se resolve nos termos da Lei das Cooperativas (Lei nº 5.764/71), ou se é de direito público e se resolve nos termos do Código de Defesa do Consumidor.
Argumenta a Ceraçá, em síntese, que seus associados são os verdadeiros "donos da cooperativa" e que, assim, livres e "democraticamente", mais de seis mil associados decidem como bem entenderem as regras da cooperação, o que, já se viu, é falso.
De qualquer forma, por trazer a contestante precedentes jurisprudenciais de relevo – nenhum de Santa Catarina, por motivos que ser verá a seguir! – é preciso examiná-los e esclarecer o atual estágio da jurisprudência e da doutrina sobre o tema. E, para tanto, é preciso num primeiro momento esclarecer que a argumentação da ré peca pelo fato de desconsiderar cabalmente o conceito de fornecedor e consumidor adotado pela Lei nº 8.078/90.
Como se sabe, o conceito de consumidor dado pela Lei nº 8.078/90 é amplo, justamente para impedir que manobras jurídicas como a que se observa nestes autos subsistam.
Pois bem. Diz o Código que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (art. 2º).
Grifam-se os verbos adquirir e utilizar, e o substantivo serviço, porque, como parece por demais claro, o "cooperado" da Ceraçá adquire energia elétrica (o que já o caracterizaria como consumidor), e ao mesmo tempo utiliza o serviço de distribuição realizado pela contestante. Não há como negar que a coletividade tutelada nesta ação deve ser considerada consumidor, nos exatos termos da Lei nº 8.078/90.
Por sua vez, a Ceraçá enquadra-se perfeitamente no conceito de fornecedora, tal qual dado pelo art. 3º do Código de Defesa do Consumidor: "Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".
Aqui, grifa-se o substantivo distribuição para que fique bem claro que a atividade desenvolvida pela Ceraçá – a distribuição de energia elétrica em propriedades rurais – também é abarcada pelo Código de Defesa do Consumidor, ainda que para efeitos de tributação ou concessão do serviço seja considerada consumidora final.
E, note-se, serviço, para o Código de Defesa do Consumidor, é "qualquer atividade fornecida no mercado de consumo", "salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista" (art. 3º, §2º).
Ora, a simples leitura dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor já permite concluir que a intenção do Código é dar conceito amplo de consumidor e fornecedor, para abarcar com suas regras – verdadeiras regras gerais de Direito Contratual, conforme lição do professor Fernando Noronha – todas as relações contratuais em que uma das partes esteja fragilizada perante outra (princípio da vulnerabilidade, invocado na inicial).
E igualmente não se pode negar que a atividade desenvolvida – fornecimento de energia elétrica em propriedades rurais – é "oferecida no mercado de consumo", porque qualquer pessoa residente no campo pode se "associar" à Ceraçá e passar a adquirir a energia elétrica que fornece. Dito de outro modo, qualquer um pode se tornar consumidor do serviço e do produto fornecido pela ré, o que permite concluir que o serviço é efetivamente "oferecido no mercado de consumo".
Note-se, especialmente neste ponto, que a própria fatura dos serviços registra o associado como "consumidor", indica a faixa de "consumo" de energia e destaca o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, o ICMS (fl. 30). Por outro lado, em sua página na Internet a Ceraçá se autodenomina "empresa" e trata seus cooperados como "clientes",como se pode observar pelo documento que segue, extraído de www.ceraca.com.br.
Além disso, a prestação dos serviços da Ceraçá se dá de forma remunerada (art. 3º, §2º, do CDC), é evidente a vulnerabilidade do cooperado (art. 2º e 4º, I, do CDC) e, por fim, o serviço é prestado com habitualidade e profissionalismo.
Neste ponto convém citar alentado estudo de Dora Bussab Castelo, Promotora de Justiça referenciada em diversos outros estudos e inclusive no já citado REsp nº 436.815-DF, cuja relatora foi a Ministra Fátima Nancy Andrighi.
Segundo esta autora, cujo artigo segue na íntegra anexo, "Em se tratando de verdadeira Associação ou Cooperativa, haverá relação de consumo entre a Associação e seus respectivos associados, e entre a Cooperativa e seus respectivos cooperados, se presentes estiverem quatro requisitos, extraídos de uma análise sistemática do Código de Defesa do Consumidor. São eles : a) a prestação de serviços de forma remunerada (art. 3º, § 2º, do CDC); b) a prestação dos serviços no mercado de consumo (art. 3º, § 2º, do CDC); c) a vulnerabilidade do cooperado ou associado (art. 2º, c/c art. 4º, I, do CDC); e d) a habitualidade e o profissionalismo na prestação dos serviços pela Cooperativa ou Associação (art. 3º, "caput" e § 2º, do CDC)".
Em suma, como fica claro, os conceitos diretos de consumidor e de fornecedor se aplicam ao caso dos autos e permitem o exame da causa à luz das normas de ordem pública e interesse social do Código de Defesa do Consumidor.
5. Ainda sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor – art. 29
Mas, mesmo que não se pudesse aplicar os conceitos diretos de fornecedor e consumidor ao caso dos autos, é indiscutível que a regra constante do art. 29. do Código de Defesa do Consumidor impõe solução idêntica a até aqui apresentada.
Conforme o dispositivo, "para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas".
Em outras palavras, ainda que não se amolde ao conceito de consumidor, a pessoa exposta às "práticas comerciais" (Capítulo V do Código de Defesa do Consumidor) ou às "práticas abusivas" (Capítulo VI do Código de Defesa do Consumidor) é equiparada a consumidor.
Pois bem, se aquele que está sujeito a uma prática abusiva, como por exemplo a exigência de multa moratória superior a 2% (art. 51, §1º), é considerado consumidor, nada mais claro do que considerar os associados da Ceraçá como consumidores, nos exatos termos da Lei nº 8.078/90, com todas as implicações daí decorrentes, porque desses associados vinha sendo ilegalmente exigida multa superior a 2%. Vale lembrar que a regra do art. 51. do Código de Defesa do Consumidor está posta justamente no Capítulo VI do Código, a que faz referência o art. 29.
Especificamente sobre este tema e sua correlação com o sistema cooperativista, o jurista Fernando Noronha conclui pela aplicação irrestrita do Código de Defesa do Consumidor.
Citado na Apelação Cível nº 00.018579-5, de Blumenau, da relatoria do Des. Orli Rodrigues, diz o autor radicado em Santa Catarina: "Sempre que tivermos pessoas expostas às práticas referidas no art. 29, mesmo fora das relações caracterizadas pela presença de um consumidor, de um lado, e de um fornecedor, de outro, serão aplicáveis os preceitos do Código relativos às práticas comerciais (Capítulo V) e à proteção contratual (Capítulo VI). Para concluir assim, a jurisprudência deu especial valoração à situação de vulnerabilidade que muitas vezes afeta uma das partes, em relações que não podem ser consideradas como de consumo."
E expressamente com relação aos cooperados, diz Fernando Noronha: "E de qualquer forma, mesmo que o Código de Defesa do Consumidor não fosse aplicável diretamente, sempre deveria sê-lo indiretamente, por força no disposto no art. 29, quanto às cláusulas abusivas inseridas em contratos celebrados com os cooperativados e quanto a outras matérias similares"2.
Enfim, o que precisa ficar claro é que, tanto diretamente (arts. 2º e 3º) quanto indiretamente (art. 29), a todos os consumidores do serviço de fornecimento de energia elétrica devem ser aplicadas as normas de ordem pública e interesse social da Lei nº 8.078/90, quer mantenham relação de cooperativismo quer de usuários de serviço público, quer de consumidores de serviço privado.
6. Excerto doutrinário trazido pela ré – comentários
Habilmente, a contestante traz excerto doutrinário e precedentes jurisprudenciais que aparentemente resolvem a questão de modo diferente do que o até aqui proposto pelo Ministério Público.
Da doutrina, traz o entendimento retratado em artigo escrito por Fátima Nancy Andrighi, atualmente ministra do Superior Tribunal de Justiça. Para a autora, "as relações jurídicas decorrentes do ato cooperativo não encontram guarida nas relações de consumo, porque o associado não é consumidor, mas sim um dos titulares da sociedade, com quotas de capital e direito a voto" (fl. 143).
No entanto, olvida-se a Ceraçá de que a mesma Ministra Fátima Andrighi , certamente por conta de realidade semelhante à dos autos, no exercício da judicatura e, portanto, diante de caso concreto, decidiu pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação cooperativa. E justamente porque, como no caso aqui posto em julgamento, o cooperado apesar de teoricamente ter voto, na prática não tinha qualquer controle sobre o serviço prestado pela cooperativa.
Trata-se, do Recurso Especial nº 436.815-DF, em que no voto condutor a Ministra Fátima Andrighi reconheceu a existência de relação de consumo entre associado e a cooperativa Poupex, que tem por objeto a aquisição de imóveis financiados pelo SFH.
No caso, diante da natureza da Cooperativa, que como a Ceraçá é aberta ao público [vide Estatuto, art. 3º], decidiu a Terceira Turma do STJ que "o fato de o associado formar a pessoa jurídica associação não impede que também se caracterize como consumidor dos serviços prestados por esta". "Com efeito, nem mesmo o direito de voto do associado na Assembléia Geral retira a possibilidade de ser consumidor, uma vez que, em grandes associações, abertas ao público, como a que ora se examina, o fato de votar não dá ao associado qualquer controle sobre o serviço prestado pela associação". Na ementa fez a Ministra constar que "[...] a associação age na posição de fornecedora de serviços aos seus associados, então caracterizados como consumidores". [íntegra anexa].
A Ministra Fátima Andrighi cita ainda dois precedentes do próprio STJ sobre o assunto, o REsp nº 254.467/SP e o REsp nº 267.530/SP. Do último deles, que trata de cooperativa de serviços de saúde, transcreve a Ministra a seguinte passagem: "O Centro é uma empresa que presta serviços de saúde, definida como operadora de serviço de assistência à saúde, e o seu associado é um consumidor desses serviços, pelos quais paga uma taxa mensal e o que mais vier a ser cobrado, na forma do contrato. Faz publicidade disso, como aparece no painel localizado ao lado do prédio do Tribunal de Justiça de São Paulo, e deve, portanto, se comportar no mercado de acordo com as regras que garantem a leal concorrência".
Como se observa, a mesma Ministra que doutrinariamente entende que em tese na relação entre associados e cooperativa não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, diante de casos concretos e análogos ao dos autos, em que o direito de voto pouco ou nada significa na gestão da cooperativa, mantém o entendimento do STJ de que é plenamente aplicável o Código de Defesa do Consumidor.