Breve Introdução:
A requerente informa que atua no ramo de hotelaria e oferece aos seus hóspedes a experiência de resort com all-inclusive (junto com a estadia, oferece alimentação e bebidas sem a cobrança de valores).
Desta forma, não há comercialização de mercadorias, mas consumo apenas.
Por conta disso, a requerente não estaria sujeita à sistemática de substituição tributária do ICMS em relação às mercadorias adquiridas, uma vez que oferece o sistema de resort all-inclusive (oferecimento de alimentação e bebidas sem a cobrança de valores).
Ao final, requer:
a) que a Fazenda pública autorize aos fornecedores do demandante a emissão de notas fiscais, utilizando alíquota de ICMS de consumo, e não de ICMS-ST de revenda;
b) que sejam compensado (sic) os valores pagos em excesso, referentes aos últimos 5 (cinco) anos nas parcelas de ICMS vincendas da demandante, devidamente atualizado pela SELIC.
Desta forma, a requerente objetiva duas coisas distintas, a saber:
a) que a Fazenda pública autorize aos fornecedores do demandante a emissão de notas fiscais, utilizando alíquota de ICMS de consumo, e não de ICMS-ST de revenda; e
b) que sejam compensados os valores pagos em excesso, referentes aos últimos 5 (cinco) anos nas parcelas de ICMS vincendas da demandante, devidamente atualizados pela SELIC.
Pois bem. Tratemos de cada uma das situações de forma específica.
Da autorização para utilização da alíquota de ICMS para consumo
Ao longo de sua exposição, a requerente faz menção à base de cálculo do ICMS nas operações sujeitas à substituição tributária, indicando que esta é superior à base de cálculo das operações destinadas a consumo final.
Porém, quando do pedido final, menciona a utilização de alíquota do imposto para consumo, ao invés da alíquota do ICMS para fins de substituição tributária.
Neste ponto, devemos informar que a alíquota do ICMS é rigorosamente a mesma, quer em operações destinadas a consumo final, quer em operações sujeitas à substituição tributária.
Quanto à base de cálculo, aí sim temos diferenciação.
A base de cálculo da operação com mercadoria destinada a uso ou consumo é a seguinte, prevista no inciso VI do caput do art. 6º da Lei nº 5.900, de 1996:
Art. 6º A base de cálculo do imposto é: (Art. 13 - LC)
(...)
VI - no caso do inciso V do art. 2º[1], o valor da operação de que decorrer a entrada da mercadoria, sendo o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;
Verifica-se que a base de cálculo é o valor da entrada da mercadoria destinada a uso ou consumo, e o ICMS devido corresponde à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, sem qualquer tipo de agregação de valores.
Além disso, caso a mercadoria destinada a uso ou consumo esteja também sujeita à sistemática de substituição tributária, a base de cálculo é a prevista no inciso VI do caput do art. 6º da Lei nº 5.900, de 1996.
Por outro lado, a base de cálculo da substituição tributária é estabelecida no inciso XIII do caput do art. 6º da lei nº 5.900, de 1996. Vejamos:
Art. 6º A base de cálculo do imposto é: (Art. 13 - LC)
(...)
XIII - para fins de substituição tributária:
(...)
b) em relação às operações ou prestações subseqüentes, esgotada sucessivamente cada hipótese:
1 - tratando-se de mercadoria ou serviço cujo preço final a consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão ou entidade competente da Administração Pública, o mencionado preço;
2 - existindo preço final a consumidor, sugerido pelo fabricante ou importador, o mencionado preço, desde que previsto em legislação específica ou em acordo firmado com outras unidades da Federação;
3 - nos demais casos, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:
3.1 - o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário;
3.2 - o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço;
3.3 - a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes, a ser fixada em decreto do Poder Executivo, com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados;
Fácil constatar que nas operações sujeitas à sistemática de substituição tributária progressiva (caso da requerente), a base de cálculo é distinta daquela prevista para as operações para uso ou consumo.
De fato, a base de cálculo nas operações sujeitas à substituição tributária é maior que nas demais operações.
Demonstrado que a base de cálculo do ICMS é diferente nas hipóteses de aquisição para uso ou consumo e revenda de mercadorias, devemos nos ater ao caso específico da requerente.
Em regra, os hotéis oferecem hospedagem com café da manhã incluído no preço da hospedagem (diária). As demais refeições devem ser pagas em separado.
Esta situação nos leva ao seguinte:
(i) sobre o valor da hospedagem, exige-se ISS (de competência municipal);
(ii) sobre o valor das refeições e bebidas não incluídas no preço da hospedagem (diária), exige-se ICMS (de competência estadual).
A este respeito, observe-se o disposto no item 9.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003:
9.01 – Hospedagem de qualquer natureza em hotéis, apart-service condominiais, flat, apart-hotéis, hotéis residência, residence-service, suite service, hotelaria marítima, motéis, pensões e congêneres; ocupação por temporada com fornecimento de serviço (o valor da alimentação e gorjeta, quando incluído no preço da diária, fica sujeito ao Imposto Sobre Serviços). (grifo nosso)
A requerente simplesmente afirma, sem qualquer documentação probatória, que se trata de um hotel resort all-inclusive, enquadrando-se na situação prevista no item 9.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003.
Aparentemente, uma vez caracterizado como hotel resort all-inclusive, tal condição é permanente e imutável.
Supostamente, em nenhuma hipótese a requerente pode realizar venda de alimentação ou bebidas, pois estas já estão incluídas no valor da diária.
Entretanto, a requerente em nenhum momento traz elementos concretos de que atua desta forma (toda alimentação e bebida estão incluídos no preço da diária).
Como saber, então, que a requerente exerce suas atividades como informado (resort all-inclusive)?
Além disso, como garantir que, uma vez adotado o sistema de hospedagem resort all-inclusive, no outro dia a requerente não possa adotar o sistema “normal” de hospedagem (refeições e bebidas cobradas a parte, com incidência de ICMS)?
Como comprovar a imutabilidade do sistema de hospedagem resort all-inclusive?
Acaso fosse demonstrado pela requerente, de forma límpida, clara e cristalina, sem qualquer resquício de dúvidas, que:
a) o sistema de hospedagem adotado é exclusivamente o resort all-inclusive (todas as refeições e todas as bebidas estão incluídas no valor da diária); e
b) tal sistemática de hospedagem é imutável (pelo menos por certo período de tempo); aí sim poderíamos tratar de uma forma operacional a permitir a aquisição de mercadorias sujeitas à substituição tributária com a base de cálculo prevista no inciso VI do caput do art. 6º da Lei nº 5.900, de 1996 (mercadoria destinada a uso ou consumo da requerente).
Por hora, de se ressaltar que inexistem provas a permitir a requerente utilizar como base de cálculo a prevista no inciso VI do caput do art. 6º da Lei nº 5.900, de 1996, uma vez que toda e qualquer mercadoria adquirida pela requerente (alimentação e bebida) pode, em tese, ser revendida aos seus clientes (não incluídas no valor da hospedagem).
Da compensação/restituição de ICMS
Por entender que fez recolhimentos indevidos nos últimos cinco anos, por conta do suposto erro relativo à base de cálculo das aquisições para uso ou consumo, a requerente faz um pedido de compensação/restituição amplo, geral e irrestrito.
Porém, conforme previsão contida no art. 62 da Lei nº 6.771, de 2006, temos que:
Art. 62. Serão restituídas, no todo ou em parte, as quantias pagas indevidamente, relativas a tributo ou penalidade, seja qual for a modalidade de seu pagamento, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo de quantia indevida ou maior que a devida em face da legislação tributária aplicável ou de natureza ou circunstância do fato gerador efetivamente ocorrido;
II - erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao imposto;
III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória;IV - quando ocorrer erro de fato.
§ 1º A restituição do tributo na forma desta seção será feita a quem provar haver assumido o respectivo encargo financeiro ou estiver expressamente autorizado por quem tiver suportado o ônus financeiro correspondente, observados os prazos de prescrição e decadência.
Mais uma vez, a requerente não traz qualquer comprovação de pagamento indevido do imposto. Não apresenta uma única nota fiscal.
Como saber o valor da compensação/restituição?
Como identificar as mercadorias adquiridas e sua respectiva base de cálculo, para saber se podem ou não ensejar a compensação/restituição?
Parece-nos impossível saber e, por conseqüência, autorizar qualquer tipo de compensação/restituição.
Diante destas considerações, temos que:
1 - Inexistem provas a permitir a requerente utilizar como base de cálculo a prevista no inciso VI do caput do art. 6º da Lei nº 5.900, de 1996 (mercadoria destinada a uso ou consumo, sem agregação de valores), uma vez que toda e qualquer mercadoria adquirida pela requerente (alimentação e bebida) pode, em tese, ser revendida aos seus clientes (não incluídas no valor da hospedagem).
2 – Não é possível autorizar a compensação/restituição do ICMS por conta do suposto erro relativo à base de cálculo das aquisições para uso ou consumo, posto não restar comprovada qualquer irregularidade no pagamento do imposto (a requerente não apresentou uma única nota fiscal para demonstrar o alegado, nem valores ou mercadorias).
NOTAS
[1] O inciso V do caput do art. 2º da Lei nº 5.900, de 1996, tem a seguinte redação:
Art. 2º Considera-se ocorrido o fato gerador do ICMS no momento:
V - da entrada no estabelecimento do contribuinte de mercadoria proveniente de outra unidade da Federação, destinada a integrar o respectivo ativo permanente ou a seu próprio uso ou consumo;”