Tópico de defesa do crime de descaminho pelo princípio da insignificância

Leia nesta página:

TRATA-SE DE MODELO DE DEFESA DO RÉU ACUSADO DO CRIME DE DESCAMINHO QUANDO O VALOR DOS TRIBUTOS DEVIDOS SÃO MENORES DO QUE A LEI AUTORIZA PARA QUE O ESTADO POSSA COBRAR.

DA CONDUTA ATÍPICA E DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

            O acusado supostamente praticou a conduta descrita no artigo 334 do Código Penal. De acordo com a acusação, deixou este de ter efetuado os pagamentos dos devidos tributos aduaneiros referentes à importação de mercadorias num montante de R$ 9.000,00 (nove mil reais).

Ocorre, Excelência, que, no caso em tela, tal acusação é totalmente infundada e improcedente.

Tendo em vista se tratar de valor abaixo do mínimo estabelecido pela legislação tributária, para que a Fazenda Pública possa proceder com a execução fiscal. Vejamos, à luz do artigo 20 da Lei 10.522/02:

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Desta feita, tal acusação é desprovida de pressupostos legais para interposição da ação penal, pois, em conformidade com a codificação repressiva brasileira, para que uma conduta seja considerada crime, deve-se ocorrer um fato típico, antijurídico e culpável.

Neste sentido, discorrem NESTOR TÁVORA e ROSMAR RODRIGUES ALENCAR:

[...]o conceito analítico de crime que é o somatório do fato típico, da ilicitude e da culpabilidade, é solar o entendimento de que sem um destes elementos, temos que reconhecer a inexistência da infração.

[...]condutas bagatelares levam à própria atipicidade do fato, desaguando em fundamento idôneo para rejeição da inicial. (2013, pág. 200).

Destarte, como informa o artigo de lei supracitado, o montante supostamente sonegado pelo acusado não se enquadra no requisito da tipicidade, pois a afetação insignificante a exclui em virtude do seu baixo valor.

Em conformidade com o dispositivo legal, e para melhor sedimentar o que até agora foi escrito, declinaremos jurisprudência que atine ao assunto do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.VIOLAÇÃO DO ART. 334 DO CP. DESCAMINHO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR DO TRIBUTO ILUDIDO. FUNDAMENTO INATACADO SUFICIENTE PARA MANTER O ACÓRDÃO. SÚMULA 283/STF. AGRAVO REGIMENTALA QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1.  Nos termos da Súmula nº 283/STF, aplicável por analogia, "é inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrangetodos eles".

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1567105/PR AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2015/0291735-8 - Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. T6 - SEXTA TURMA. j. 15/12/2015 – DJe 01/02/2016).

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TRIBUTOS QUE ULTRAPASSAM O VALOR PREVISTO NO ARTIGO 20 DA LEI N. 10.522/02. INAPLICABILIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.

1. Esta Corte Superior de Justiça, no âmbito da Terceira Seção, por ocasião do julgamento do REsp 1.393.317/PR, firmou entendimento no sentido de que o reconhecimento do princípio da insignificância no delito de descaminho está adstrito ao valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) previsto no artigo 20 da Lei n. 10.522/02.

2. A Portaria n. 75, de 22 de março de 2012, do Ministério da Fazenda, por se tratar de ato administrativo normativo, não tem o condão de revogar conteúdo de lei ordinária em sentido estrito.

3. Na hipótese, o valor do tributo iludido com a manutenção em depósito e exposição à venda pelo agravante de produtos de origem estrangeira introduzidos clandestinamente em território nacional foi avaliado em R$ 19.059,98 (dezenove mil e cinquenta e nove reais e noventa e oito centavos), circunstância que impede o reconhecimento da atipicidade material da conduta.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1552514/SP AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2015/0214643-8 - Ministro JORGE MUSSI. T5 - QUINTA TURMA. j. 15/12/2015 – Dje 03/02/2016).

Meritíssimo Juiz, vale ressaltar, também, a iniciativa do Ministério da Fazenda, no ano de 2012 (dois mil e doze), o qual editou duas portarias que discorrem sobre a matéria, a primeira 72/2012 no inciso II, artigo 1º, determina:

II – o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

A segunda de número 130/2012 no seu artigo 2º que rege:

Art. 2º O Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito.

Tais portarias vêem sendo aplicadas pela Suprema Corte brasileira, que as utiliza como elementos normativos subsidiários da Lei 10.522/02, senão vejamos em casos recentes levados ao seu crivo:

EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REGISTROS CRIMINAIS PRETÉRITOS. ORDEM DENEGADA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, na avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Embora, na espécie, o descaminho tenha envolvido elisão de tributos federais em montante pouco superior a R$ 11.533,58 (onze mil, quinhentos e trinta e três reais e cinquenta e oito centavos) a existência de registros criminais pretéritos obsta, por si só, a aplicação do princípio da insignificância, consoante jurisprudência consolidada da Primeira Turma desta Suprema Corte (HC 109.739/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC 110.951/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20.10.2011; e HC 107.674/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.9.2011). Ressalva de entendimento pessoal da Ministra Relatora. 4. Ordem denegada.(HC 123861/PR – Ministra ROSA WEBER. 1ªT - PRIMEIRA TURMA. j. 07/10/2014 – DJe 28/10/2014 ).

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“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, na avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Descaminho envolvendo elisão de tributos federais em quantia de R$ 15.748,38 (quinze mil, setecentos e quarenta e oito reais e trinta e oito centavos) enseja o reconhecimento da atipicidade material do delito dada a aplicação do princípio da insignificância. 4. Habeas corpus concedido para reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao paciente, com o restabelecimento do juízo de absolvição sumária exarado na instância ordinária.”

(HC 123035/PR - Ministra ROSA WEBER. 1ªT - PRIMEIRA TURMA. j. 19/08/2014 – DJe 12/09/2014).

Assim sendo, está consolidada na jurisprudência dos Tribunais Superiores pátrios a aplicação do princípio da insignificância no caso de infração de descaminho quando não se tratar de práticas reiteradas.

Portanto Vossa Excelência, o valor de R$ 9.000,00(nove mil reais) constantes no caso em questão se enquadra nos parâmetros adotados tanto pelo Superior Tribunal de Justiça quanto pelo Superior Tribunal Federal para efeito da aplicação do princípio da insignificância, pois ambos utilizam como umas de suas fundamentações principais o alto custo que arcará o erário público para poder executar através de processo judicial tais valores.  

Desta feita, partindo dos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais pátrios, chegamos à conclusão inevitável de que este princípio se aplica ao caso em tablado, visto que o valor em questão é inferior ao quantum mínimo estipulado tanto pelo dispositivo legal como pelas resoluções que regem a matéria para fins de execução fiscal.

De forma que, não houve lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma legal. Por isso, o acusado faz jus ao benefício arguido, excluindo assim a tipicidade material devido à irrelevância penal da conduta do agente.

Diante de todo o exposto, vem requerer se digne Vossa Excelência a proceder com a aplicação do princípio da bagatela, afastando a tipicidade da conduta, declarando assim a absolvição sumária do réu conforme insculpido no artigo 397, inciso III do Código Penal Brasileiro, como medida da mais lídima justiça.

Sobre as autoras
Ismaela Freire Gonçalves

ACADEMICA DO CURSO DE DIREITO DA FACULDADE PARAÍSO DO CEARÁ - FAP

Emanuela Freire Gonçalves

ACADÊMICA DE DIREITO DA FACULDADE PARAÍSO DO CEARÁ - FAP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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