Modelo de ação popular: União, Receita Federal e leilões públicos

13/09/2016 às 11:05
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Os leilões públicos da Receita Federal do Brasil aparentemente agridem a publicidade, a eficiência e a legalidade, quando deixam de mostrar os pré-lances recebidos por cada lote e deixam de conduzir à fase pública todos os concorrentes.

EXCELENTÍSSIMO (A) SR (A) JUIZ (A) FEDERAL DESTA ____ SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO AMAZONAS

Assunto: leilões; Receita Federal;

Fase de lances; exclusão de participantes;

DANIEL TIAGO INÁCIO SALINA, brasileiro, eleitor, título eleitoral ....., casado, técnico de informática, identidade .............., CPF ............, telefone (92) ..........., e-mail ..........., residente e domiciliado a ........, Manaus, AM, CEP .........., vem, por intermédio de seu advogado ................., OAB/AM ........, respeitosamente a presença de V. Excelência propor esta presente:

AÇÃO POPULAR.

Em face da UNIÃO FEDERAL, Pessoa Jurídica de Direito Público, representada pela ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - AGU, com endereço na Av. Tefé, 611, Praça 14 de Janeiro, Manaus, AM, CEP 69065-020, Telefone (92) 3622-3750. Conforme adiante explicado.

Preliminar - Cabimento

É a AÇÃO POPULAR o remédio constitucional que aciona o Poder Judiciário, dentro da visão democrática participativa dos jurisdicionados pátrios, fiscalizando e atacando os atos lesivos ao Patrimônio Público; assim garante o Art. 5º, LXXIII da CFB.

Aqui constituídos todos os pressupostos da Ação Popular, quais sejam, condição de eleitor, ilegalidade e lesividade, o que impugna para que seja cabível a propositura da Ação Popular, por conter ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, em conformidade com a Lei 4.717/65.


FATOS - O LIMPE constitucional

Os leilões públicos de bens apreendidos ou abandonados promovidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil seguem - na sua execução - a Portaria RFB 2.206 de 2010; que - indubitavelmente - agride frontalmente a publicidade, eficiência e a legalidade constantes do “LIMPE” constitucional, assim como ataca o artigo 3o da Lei 8.666/93 (sobre a seleção da proposta mais vantajosa à Administração), quando respectivamente a) deixa de mostrar publicamente os lances recebidos por cada lote (antes da sessão pública); b) deixa de conduzir a esta fase de lances todos os participantes de cada lote e - o que é pior - c) ao excluir candidatos a esta mesma fase pública dos lances, deixa de selecionar as propostas mais vantajosas à Administração, lesando aos cofres.

Funciona assim, os licitantes cadastram pré-lances até a data de abertura da hasta; então, os computadores da RFB só escolhem o pré-lance maior (primeira colocada) sem que as outras saibam antes (da sessão pública) o quanto a primeira ofereceu; os concorrentes só vão para disputa de ofertas caso estejam dentro de 10% abaixo do valor da primeira colocada. É o único leilão do mundo assim, exótico, peculiar.

As Delegacias Alfandegárias do Brasil todo, seguindo a Portaria RFB 2.206 de 2010, estão desperdiçando grande oportunidade de instituir a fase de lances para todos os concorrentes, independente de percentuais:

Art. 5º Será declarado vencedor de lote o proponente que:

I- tiver apresentado a proposta de maior valor, desde que não exista proposta com valor igual ou de até 10% (dez por cento) inferior a ela;

II- tiver apresentado a única proposta classificada para o lote.

Art. 6º Não havendo vencedor de lote na forma do artigo anterior, a sessão do leilão prosseguirá, em cada lote, com lances sucessivos ofertados somente pelo proponente que apresentar a maior proposta e pelos proponentes das propostas com valor igual ou de até 10% (dez por cento) inferior à maior proposta. [...]

Portaria RFB 2.206 de 2010

    Editais de leilões

    Os leilões seguem à risca a r. Portaria RFB 2.206/2010, vejamos um exemplo do leilão da Delegacia de Santarém, de 29/07/2016; trecho do edital (íntegra anexa):

6.8. Será declarado vencedor do lote o proponente que:

I. Tiver apresentado a proposta de maior valor, desde que não exista proposta com valor igual ou de até 10% (dez por cento) inferior a ela;

II. Tiver apresentado a única proposta classificada para o lote.

6.9. Não havendo vencedor do lote na forma do item anterior, a sessão do leilão prosseguirá, em cada lote, com lances sucessivos ofertados somente pelo proponente que apresentar a maior proposta e pelos proponentes das propostas com valor igual ou de até 10% (dez por cento) inferior à maior proposta.

Cerne desta questão

    A ideia desta Ação Popular é - no exemplo anterior - anular o inciso I e a alteração do item 6.9 para que todos os proponentes participem na sessão do leilão.

Computadores

Não "custa nada" o sistema eletrônico colocar a fase de lances para todos os licitantes em todos os lotes como é em qualquer leilão privado com os leiloeiros estaduais, ou, pelo menos que esta fase crucial seja com os cinco ou sete licitantes mais bem colocados (algo amplo). Ou então aumentar o índice de 10% para 50 ou 80%.

Certo que somente com a fase de lances "para todos os participantes", a escolha da melhor proposta seria plenamente satisfeita, pois assim os lances só tenderão a melhorar e a Administração não perde absolutamente nada.

Abstração das intenções

Isto não é bem uma questão numérica, é questão de lógica, pois é impossível abstrair numa estatística de 10% as intenções de um licitante em ganhar. Num rol de vários participantes, todos são interessados, são profissionais da área, empresas sérias, líderes de sucesso, que venceram todas as outras centenas de obstáculos para chegarem a ofertar um pré-lance; e a menor oferta cadastrada inicialmente, de muitas, pode perfeitamente ser a que mais pagaria no final (fase pública); e isto não tem como ser inserido numa estatística percentual, ou seja, os índices 10%, 50% ou 80% não conseguem “entender” o calor do momento, visto esta ser uma verdadeira disputa acalorada entre pessoas.

A reserva financeira

Vale dizer também que a Portaria RFB 2.206/2010 acaba por diminuir a concorrência por “prender” a reserva financeira dos licitantes em lotes incertos, não os liberando para disputar outros bens: especificamente a regra que limita à fase de lances apenas os licitantes que estejam dentro do limite de 10% da maior proposta - sendo esta uma peculiaridade dos leilões da RFB. Em outras palavras: veremos um péssimo sistema para os licitantes.

Trecho da ata do leilão da Delegacia de Santarém de 29/07 (íntegra anexa), onde consta que 51 lotes ficaram sem lances devido a falta de transparência do sistema:

(grifo inexistente no original)

A quantidade de 51 lotes sem arrematantes escancara e torna patente os problemas aqui relatados. Simplesmente porque mostra imensa ineficiência da Administração, que não consegue vender produtos novos e abaixo do preço de mercado.

Valor da causa

Este problema causa milhões de reais de prejuízo a ré anualmente; apenas com os dois primeiros lotes lote 2 e 12, a União receberia R$ 867.644,00 (oitocentos e sessenta e sete mil, seiscentos e quarenta e quatro reais) se tivesse um sistema claro e eficiente de hasta.

Trecho da ata e da relação de lotes, onde consta os valores do lote 2 e 12, ambos não arrematados devido aos problemas aqui apontados:

Eficiência x proposta mais vantajosa

Nos casos sobre os menores pré-lances iniciais, que são desprezados pela RFB, não são necessariamente os mais fracos ou humildes. A Lei de Licitações é de conhecimento de todos os profissionais da área jurídica, mas é sempre prazeroso relembrar seus primeiros dizeres, onde consta confusão feita pela Portaria RFB 2.206/2010 com relação à obrigação de selecionar a proposta mais vantajosa:

Lei 8.666/93, Art. 3o A licitação destina­-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)

Precisamos entender o que o legislador que dizer com “proposta mais vantajosa” e cruzar esta com os princípios gerais, sobretudo o da eficiência, preconizado na Constituição Federal. Simplesmente e tão somente recolher e classificar as propostas não é eficiente; aflora-se claramente o sentimento de algo faltar; e algo fácil de implementar, com só um pouco de boa vontade gerencial.

Inserindo a eficiência neste caso, chegamos à conclusão que fase de lances ampla e aberta só agregará vantagens para a Administração, pois os licitantes terão a tão desejada oportunidade de retificarem para maior suas ofertas.

Exemplo prático

Para explicar a falta de inteligência do sistema, vejamos o exemplo: o senhor “Lucius” deseja participar dos lotes 3 e 7, ambos veículos automotores, que estão avaliados cada um em 30 mil reais, e este “Lucius” pagaria todo seu dinheiro - R$ 50 mil - em qualquer um deles. Só que ele quer apenas um (nem tem dinheiro para os dois). Pelo Sistema de Leilão Eletrônico (SLE) da RFB ele escolhe o lote 3 - ofertando R$ 33.000,00 mil reais - sem saber se existem outros concorrentes (a explicada falta de publicidade) - porém, na sessão pública, este item saiu diretamente para outro concorrente por R$ 38.000,00 mil reais. Ou seja, pior para a Receita, pois o senhor “Lucius” pagaria até 50 mil no lote, mas perdeu porque ficou de fora da fase de lances (os já explicados 10%). Pior também para o “Lucius” porque ele deixou de comprar o outro item, pois o sistema SLE não permite lances na data da sessão pública e o nosso “Lucius” só pode ofertar em uma unidade na fase de pré-lances (pois - sem saber se há concorrência - não pode correr o risco de ganhar as duas unidades e não ter dinheiro para pagar pelos dois). Pior para a Administração Pública também pois ninguém comprou o outro item e o “Lucius” poderia comprar se os lances fossem abertos para todos ou se as propostas fossem públicas - o lote 7 sobrou sem ganhadores, continuará a apodrecer e a dar trabalho para os analistas nos depósitos federais.

A Justiça Federal de Campo Grande / MS (em 09 de Agosto de 2016) realizou leilão de bens apreendidos na Operação Nevada da Polícia Federal.

Os pré-lances - todos - estavam publicados no site, e na data do evento todos os cadastrados no site poderão lançar, independentemente de terem enviado pré-lance:

Acessado em: http://www.mariafixerleiloes.com.br/externo/lotes/13236

E em http://www.leiloesjudiciais.com.br/externo/

Na data de 08/08/2016 (antes da sessão pública do leilão que foi em 09/08/2016)

Inexistência de motivos e desvio de finalidade

A Portaria RFB 2.206/2010  afronta diretamente a Lei 4.717/65, quando cria regras sem motivação e previsão legal e quando desvia-se a finalidade da escolha da proposta mais vantajosa à Administração:

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:

d) inexistência dos motivos;

e) desvio de finalidade.

Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;

e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

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    Definitivamente, como demonstrado anteriormente, a r. Portaria 2.206/2010 desvirtua a escolha da melhor proposta para a Administração, pois veta que os outros concorrentes possam aumentar suas ofertas.

E também, inexiste no ordenamento jurídico a restrição de levar à fase de lances apenas os 10% selecionados pelo sistemaconfigurando perfeitamente a “inexistência de motivos legais” previstos pela lei 4.717/65.

    A Portaria RFB 2.206/2010 viola vários outros artigos, incisos e alíneas da lei 4.717/65:

Art. 4º São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou celebrados por quaisquer das pessoas ou entidades referidas no art. 1º. [...]

III - A empreitada, a tarefa e a concessão do serviço público, quando:

a) o respectivo contrato houver sido celebrado sem prévia concorrência pública ou administrativa, sem que essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma geral;

b) no edital de concorrência forem incluídas cláusulas ou condições, que comprometam o seu caráter competitivo;

c) a concorrência administrativa for processada em condições que impliquem na limitação das possibilidades normais de competição. [...]

V - A compra e venda de bens móveis ou imóveis, nos casos em que não cabível concorrência pública ou administrativa, quando:

a) for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, ou constantes de instruções gerais;

Alto estresse

Funcionando assim, este mecanismo coloca em alto estresse e pressão os servidores e participantes, pois quaisquer destes últimos querem pagar o mínimo possível - isto é humano, psicologia básica, mas este “mínimo” ficará provavelmente fora dos 10% (da fase de lances). Coloca-se todo o evento sob suspeita, pois quem tomar conhecimento da melhor proposta (antes da classificação) pode cadastrar qualquer valor 11% maior e sair vitorioso! E quem sabe os valores cadastrados nos bancos de dados? Auditores? Técnicos da informática? Analistas? Hacker externos? É certo que os servidores da RFB são íntegros, mas é tão difícil termos um sistema inteligente que não os “coloca em tentação”?

    Estamos diante de um caso onde a informática - neste caso, mal aplicada - está defasada se comparada à atuação à moda antiga dos leiloeiros, os quais, desde épocas muito remotas, realizam sua profissão com sucesso.

Antigos leiloeiros

Muito melhor, e cumpriria os princípios do “LIMPE” constitucional com fartura de elogios, se a RFB contratasse (de graça, via dispensa de licitação e com revezamentos) os leiloeiros oficiais estaduais, organizados pelas Juntas Comerciais, que fazem pregões presenciais onde quaisquer participantes comparecem e realizam o famoso e multimilenar “levantar de mãos” para os bens que desejam, cobrindo as propostas menores. Disposição legislativa sobre o assunto:

“Art. 42. Nas vendas de bens moveis ou imóveis pertencentes à União e aos Estados e municípios, os leiloeiros funcionarão por distribuição rigorosa de escala de antiguidade, a começar pelo mais antigo.”

Decreto 2.1981/1932

Da Antecipação da tutela

As provas juntadas a esta inicial demonstram claramente a verossimilhança da gravidade do caso, demonstrando a plausibilidade da lesividade e ilegalidade perpetradas pela ré, que continua violando várias normas legais (fumus boni iuris).

Apesar do erário já ter sido lesado com o que deixou de receber, a continuidade das ações da ré neste sentido em mais aumentará os prejuízos e infortúnio dos participantes dos eventos públicos (periculum in mora).

Necessário se faz o deferimento de antecipação de tutela, nos termos do artigo 5°, §4° da Lei 4.717/65, determinando-se que a União adapte-se à legalidade, eficiência, publicidade e à Lei 8.666/93, art. 3o.

Pedidos

1.Concessão de antecipação de tutela () após contestação da ré (20 dias, art. 7o. IV, da Lei 4.717/65) e do Ministério Público, com estipulação de um prazo (sugere-se 30 dias) para a ré adotar 1) liberação irrestrita de partipação a qualquer licitante para a fase final e pública de lances (independentemente destes terem ofertado pré-lances); 2) exibição no sistema informatizado de cada (ou maior) lance ofertado previamente à fase pública de lances.

2.Procedência desta Ação, com anulação dos artigos 5º, I e 6º () da Portaria RFB 2.206/2010, por conflito com o artigo 3º da Lei 8.666/93, e por caracterização das possibilidades de nulidade previstas na Lei 4.717/65 (), art. 2º, “c”, “d”, e “e”, com estipulação de prazo (sugere-se 30 dias) para a ré se adequar.

3.Procedência desta presente ação, confirmando a antecipação da tutela, com 1)  condução irrestrita (ou ampliada) a todos os participantes de cada lote para a fase final e pública de lances; 2) exibição no sistema informatizado de cada (ou maior) lance ofertado previamente à fase pública de lances.

4.A condenação da ré nas custas processuais e honorários advocatícios;

5.A intimação do ilustre representante do Ministério Público (artigo 6.°, §4.° da Lei 4.717/65), para acompanhar todos os atos e termos da presente ação;

6.A Citação da parte requerida, para querendo, comparecer e responder a esta ação no prazo de 20 dias (artigo 7°, IV da Lei 4.717/65);

7.Protesta provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, especialmente por prova documental e testemunhal.

Dá-se à causa o valor de R$ 867.644,00 (conforme exemplo demonstrado sobre o leilão da Delegacia de Santarém).

Em Manaus, 10 de Agosto de 2016

Nestes Termos,

Requer Deferimento.

Advogado

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Sobre o autor
Daniel Tiago Inácio Salina

Doutorando em ciências jurídicas, servidor (TRE-AM)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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