Modelo de apelação criminal: crime impossível

25/02/2020 às 16:42

Resumo:


  • Apresentação de razões de apelação pelo réu Fulano de Tal, alegando crime impossível, atipicidade do fato e insuficiência de provas.

  • Argumentação baseada na inexistência do objeto ameaçador, falta de dolo específico e ausência de provas concretas que sustentem a condenação.

  • Pedido de absolvição com base nos artigos 17 do Código Penal e 386, III, do Código de Processo Penal, ou, alternativamente, por insuficiência de provas conforme artigo 386, VII, do mesmo código.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Modelo de apelação criminal por crime de ameaça (art. 147 do Código Penal), no âmbito da Lei Maria da Penha, alegando se tratar de crime impossível.

EXCELENTISSIMO(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA _____VARA CRIMINAL DA COMARCA DE XXXX – ESTADO XXXX.

Autos nº XXXXXXXX

FULANO DE TAL, devidamente qualificado nos autos da ação penal em epígrafe, por intermédio de sua Defensora que adiante subscreve, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 600, caput, do Código de Processo Penal, apresentar RAZÕES DE APELAÇÃO, requerendo a juntada desta aos autos.

Outrossim, requer seja a presente Apelação remetida ao Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná.

Termos em que respeitosamente,

Pede e espera deferimento.

XXXX, 21 de fevereiro de 2020.

ADVOGADA, OAB Nº XXX


RAZÕES DE APELAÇÃO

Apelante: FULANO DE TAL

Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO

Juízo de Origem: ____VARA CRIMINAL DA COMARCA DE XXXXX

Processo nº: XXXXXX

EGRÉGIO TRIBUNAL, COLÊNDA CÂMARA, DOUTOS DESEMBARGADORES:

1. DOS FATOS

O apelante fora denunciado como incurso nos artigos 147, combinado com as disposições do art. 61, inciso II, alínea “f” ambos do Código Penal, observadas as regras contidas na Lei nº 11.340/2006.

Fora realizada audiência de instrução onde foram colhidos o depoimento do informante, da suposta vítima e o interrogatório do apelante por videoconferência (mov. 102).

Após, o Ministério Público e o apelante ofereceram suas alegações finais (123.4 e 123.6, respectivamente).

Sobreveio a r. Sentença de 1º grau que condenou o apelante como incurso no artigo 147 do Código Penal, onde considerou-se como circunstâncias agravantes o fato do crime ter sido cometido no âmbito da violência doméstica, impondo-lhe a pena de 1 mês e 10 dias de detenção, em regime semiaberto, em razão da reincidência do apelante.

Com a máxima vênia, o douto magistrado a quo não agiu com o costumeiro acerto que lhe é peculiar, motivo pelo qual o r. decisão deve ser reformada, pelos fundamentos expostos a seguir.


2. DO DIREITO

2.1. Do Crime Impossível

O apelante fora condenado por supostamente ter ameaçado a vítima com um taco de beisebol, objeto este que teoricamente estaria dentro do veículo do apelante. Entretanto, conforme relato do mesmo, tal objeto não existe, tampouco possui veículo.

O diploma penal brasileiro estabelece que “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime” (art. 17, CP).

Assim, em nenhum momento o delito de ameaça foi consumado, porque: a) o apelante não possui o objeto que fora indicado na denúncia, mesmo porque trata-se de uma peça incomum; e b) o apelante não possui veículo, haja vista que em seu depoimento, relatou ter entregue o bem a ex esposa quando da separação do casal; assim sendo, não se pode dizer que a vítima foi ameaçada, se inexiste o meio que fora apontado como ameaçador.

Com efeito, para que o crime de ameaça seja consumado, é preciso que a conduta do sujeito ativo seja apta a intimidar a vítima, o que claramente não ocorreu no presente caso, pois não houve nenhuma comprovação do alegado.

Deste modo, o apelante deve ser absolvido da acusação de ameaça, com fulcro nos artigos 17 c. C 386, III, ambos do Código Processo Penal, uma vez que o crime de ameaça nunca se consumou por absoluta impropriedade do meio.

2.2. Da atipicidade do fato narrado como crime de ameaça (art. 147 , CP )

Denunciado como incurso no artigo 147, do Código Penal, o apelante fora condenado porque sua conduta descrita na peça acusatória teria o condão de ameaçar e abalar a tranquilidade da vítima, prometendo causar-lhe mal injusto e grave.

Data maxima venia, alguns pontos devem ser analisados no presente caso.

Inicialmente, embora a suposta vítima tenha relatado que o apelante já havia lhe ameaçado com palavras anteriormente, o fato constitutivo da demanda se deu em virtude de que este, havia lhe abordado em via pública quando se encaminhava para o trabalho (mov 123.2) “Estava andando pela rua falando ao celular com sua tia quando o mesmo pediu para conversar sobre o filho”.

Outrossim, como é cediço, para configuração do crime de ameaça, é necessário a plena consciência e vontade de ameaçar causar à alguém mal injusto e grave.

Fernando Capez nos ensina que:

“Não basta somente a vontade de ameaçar; é necessário um fim especial de agir, consistente na vontade de intimidar, de incutir medo na vítima, de cercear a sua liberdade psíquica. Tal não ocorre quando a ameaça, por exemplo, é proferida com “animus jocandi””.

(Curso de Direito Penal, 4ª ed. Rev. E atual., 2º vol, parte especial, São Paulo, Edi. Saraiva, 2004, p. 302)

Assim, mesmo na remota hipótese de se admitir que o apelante tenha se dirigido à vítima de modo ameaçador, o fato continuaria atípico, uma vez que ausente o elemento subjetivo especial do tipo, pois houve apenas uma suposição, um medo sem motivo explícito por parte da ex esposa.

Ademais, considerando que apelante e vítima mantiveram uma relação de afeto sólida e duradoura, possuindo um vínculo eterno que é o filho, o comportamento daquele de procurar esta para falar sobre a criança deve ser interpretado como uma conduta natural e que demonstra a dor e o sofrimento suportados pelo apelante naquele momento, uma vez que tais sentimentos normalmente são experimentados por quem é rejeitado na relação.

Portanto, eventuais palavras ou atitudes em momento de ira não podem ser interpretadas como crime de ameaça tipificado no Código Penal, uma vez que não têm o condão de ameaçar seu destinatário.

De mesmo modo, não há que se falar perturbação da tranquilidade por motivo reprovável, pois pequenos dissabores do término de um relacionamento, ainda mais possuindo filhos em comum, não podem levar à caracterização do crime de ameaça.

A jurisprudência coaduna de mesmo entendimento, senão vejamos:

AMEAÇA - AÇÃO PENAL - FATO ATÍPICO - PARA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE AMEAÇA EXIGE-SE QUE AGENTE ENCONTRE-SE COM ÂNIMO CALMO E REFLETIDO, SENDO QUE O ESTADO DE IRA ELIDE A TIPIFICAÇÃO DE TAL DELITO.2. PALAVRAS PROFERIDAS PELO AGENTE DURANTE UMA DISCUSSÃO SÃO INSUFICIENTES PARA ATEMORIZAR A VÍTIMA, POSTO QUE TAIS EXPRESSÕES, TIDAS COMO AMEAÇADORAS, FORAM PROFERIDAS NUM CLIMA DE RAIVA E NERVOSISMO ENTRE AS PARTES. 3. NECESSIDADE DE HAVER ABALO PSICOLÓGICO DA VÍTIMA EM VIRTUDE DA CONDUTA DO AGENTE E NÃO DERIVADO DO CALOR DA DISCUSSÃO. 4. SENTENÇA REFORMADA

(20010110143965 DF, Relator: LUCIANO VASCONCELLOS, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D. F., Data de Publicação: DJU 09/11/2011 Pág.: 131)

AMEAÇA. AÇÃO PENAL. FATO ATÍPICO. ABSOLVIÇÃO CONFIRMADA. 1.PARA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE AMEAÇA, EXIGE-SE QUE O AGENTE ENCONTRE-SE COM ÂNIMO CALMO E REFLETIDO, SENDO QUE O ESTADO DE IRA E REVOLTA ELIDE A TIPIFICAÇÃO DE TAL DELITO.2. NÃO CONVENCIDO O JULGADOR QUANTO À EXISTÊNCIA EFETIVA DE AMEAÇA, POR NÃO HAVER PROVA SUFICIENTE DA MATERIALIDADE DO CRIME IMPUTADO, FACE A CONTROVÉRSIA APRECIADA DOS DEPOIMENTOS COLHIDOS; RESTANDO DÚVIDAS QUANTO À COMPROVAÇÃO DO SUSCITADO DELITO, POR INDÍCIOS DE QUE O AGENTE ESTAVA EMOCIONALMENTE DESCONTROLADO, A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA, APLICANDO-SE O BROCARDO "IN DÚBIO PRO REO", É MEDIDA QUE SE IMPÕE. 3. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO CONSISTENTE NA VONTADE DE EXPRESSAR PRENÚNCIO DE MAL INJUSTO E GRAVE A ALGUÉM, VISANDO À SUA INTIMIDAÇÃO BEM COMO DE COMPROVAÇÃO DO ABALO PSICOLÓGICO NA VÍTIMA. 4. SENTENÇA MANTIDA. UNÂNIME.

(TJ/DF, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 19/06/2017, SEGUNDA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF, DJU Pág. 125. Seção: 3)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DÚVIDA. ABSOLVIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica e familiar contra a mulher, a palavra da vítima apresenta especial relevo, contudo para condenar, deve haver certeza absoluta, fundada em dados objetivos não demonstrados no caso em análise. 2. Se o conjunto probatório não demonstra cabalmente a intenção do agente em intimidar ou ameaçar a vítima, imperiosa se torna a absolvição por atipicidade da conduta. 3. Se a conduta do acusado não incutiu na vítima real temor e intimidação, inexiste dolo específico do crime de ameaça, restando o fato atípico. 4. Recurso conhecido e provido.

1ª TURMA CRIMINAL Classe : APELAÇÃO N. Processo : 20161410000705APR (0000066-10.2016.8.07.0014) Relator : Desembargador CARLOS PIRES SOARES NETO Acórdão N. : 1122596

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O que se percebe no presente caso é que a vítima, talvez por medo de que o ex marido venha requerer a guarda da criança interpreta toda tentativa de contato do acusado como uma ameaça.

Imperioso ressaltar que nas relações familiares onde a separação do casal é inevitável, o direito de ambos com relação aos filhos deve ser totalmente respeitado. Segundo o apelante, a denunciante a tempos utiliza-se de todas as formas para denegrir sua imagem, pois relata que o menor tem sofrido maus tratos por parte da genitora, tendo este demonstrado interesse pela guarda do infante, sendo este o principal motivo de tais conflitos.

Ademais, não foi corroborado em juízo os elementos de provas constantes no inquérito policial, o que impede a condenação do réu, em respeito, entre outros ao princípio do indubio pro reo.

Deste modo, deve o apelante ser absolvido da acusação do crime tipificado no artigo 147, do Código Penal, com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, ante a atipicidade do fato narrado.

2.3. Da Insuficiência de Provas

Com efeito, denota-se que toda a acusação e também a r. Sentença condenatória, basearam-se principalmente nos depoimentos prestados pela suposta vítima, o que evidentemente não poderiam levar à condenação do apelante.

Percebe-se claramente que no presente caso não houve crime, mas apenas o fato de uma ex esposa que se sente intimidada com a presença do ex marido que como pai, almeja ter o filho próximo, onde este, pleiteou o que fora combinado em determinação judicial, ou seja, de que esta deveria lhe passar informações diárias sobre o infante o que não foi cumprido pela mesma.

Outrossim, insta salientar que não houve quaisquer documentos e testemunhas que pudessem ser considerados como prova, pois a decisão aquo se baseou apenas no relato da suposta vítima e de seu pai que fora ouvido como informante.

Nesta seara, somente a prova robusta e certeira, sem qualquer resquício de dúvida é capaz de fundamentar uma condenação com privação de liberdade ou de direitos. Do contrário, a falta de evidência, não materializada pela solidez da prova, retira a faculdade de punição, pois não se condena em dúvida ou na falta de certeza.

“Atendendo-se ao resultado obtido, ou ao menos tentado, provar é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo”.

(MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 16. ed., revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2004. p. 274-275.)

A verdade é que não há nos autos nenhuma prova que incrimine o apelante.

Portanto, caso não sejam acolhidas as teses dos tópicos anteriores, ad argumentandum tantum, deve o apelante ser absolvido pela insuficiência de provas, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.


3. DOS PEDIDOS

Ante todo o exposto, requer o Apelante que após conhecido, seja dado provimento ao presente Recuso de Apelação para o fim de:

I. Absolver o apelante da acusação de ameaça, com fulcro nos artigos 17 do Código Penal e 386, III, do Código Processo Penal, uma vez que o crime de ameaça nunca se consumou por absoluta impropriedade do meio;

II. Caso não seja reconhecido o crime impossível, seja o apelante absolvido da acusação do crime tipificado no artigo 147, do Código Penal com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, ante a atipicidade do fato narrado;

III. Outrossim, seja o apelante absolvido da indenização por danos morais fixados no valor de R$ 300,00 (Trezentos reais) artigo 387, IV CPP, corrigidos monetariamente desde a data do arbitramento (Súmula nº 362, do STJ), incidindo juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir do evento danoso (Súmula nº 54, do STJ), haja vista que não houve prejuízo material nem moral, tampouco o mínimo de prova quanto a existência de algum prejuízo.

IV. Caso não sejam acolhidas as teses dos tópicos anteriores, ad argumentandum tantum, deve o apelante ser absolvido pela insuficiência de provas, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal e, subsidiariamente a diminuição da pena.

V. Por fim, esta Advogada Dativa requer a Vossa Excelência o arbitramento de seus honorários advocatícios, nos termos da Resolução Conjunta n. 05/2019 – SEFA/PGE.

Termos em que respeitosamente,

Pede e espera deferimento.

XXXXX, 21 de fevereiro de 2020.

ADVOGADA, OAB Nº XXXX

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Sobre a autora
Josyane Limonge Marengoni

Advogada - Inscrita nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil sob o nº 90973/PR; Pós graduada em Civil e Processo Civil pela Faculdade São Luis de Jaboticabal/SP; Atuante nas áreas: Cível, Consumidor, Família e Penal; Participante da advocacia dativa em diversas áreas; Advogada correspondente.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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