Seguindo o nosso compromisso de atualizar os leitores sobre pontos controversos do direito penal e processual penal, hoje iremos abordar mais um tema relacionado a prática advocatícia. Embora de carga teórica, não se pode desconsiderar o pragmatismo do tema e a importância do conhecimento geral sobre o mesmo para que o advogado possa assegurar o respeito às regras do jogo e uma decisão judicial, ao final, que corresponda ao ideal de justiça.
O Processo penal democrático é impulsionado a partir da lógica de um sistema acusatório, reconhecendo a importância do sistema inquisitório apenas no momento que antecede a ação penal. No processo penal acusatório existe a compreensão de que a persecução desenvolve-se a partir de uma necessária separação de funções entre acusação, defesa e julgamento; o processo penal acusatório exige que a gestão da prova seja feita pelas partes, até mesmo para preservar a imparcialidade e o papel do juiz; mais do que isso, o sistema acusatório pressupõe que a forma de o juiz tomar contato com a prova seja a mais imediata, direta e oral possível, sem mediações ou obstáculos tradutores ou deturpadores do sentido (BERCLAZ, 2016).
O artigo 3°-A do CPP, com vigência ainda suspensa, aduz:
Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.
Um processo penal acusatório é aquele que privilegia a tomada de decisões dentro de um sistema de audiências a partir de uma gestão administrativo-judiciária que deve ser feita por profissionais, não por juízes.
Nem todos os juízes são adeptos da condução processual democrática, o que ocasiona, na prática, juízes que invertem a lógica processual, tumultuam processo, assumem protagonismo de parte e criam regras naquilo que podemos chamar de código de processo penal do juiz.
Nesse ponto, chama-nos atenção uma premissa que Noberto Bobbio já sacramentava, em seus estudos: é que para o autor os direitos do homem, a democracia e a paz formam um tripé, assim como o são, para o processo, juiz, promotor e advogado. Em suma, se houver violação aos direitos do homem, não existirá democracia, e sem democracia não haverá forma de solução de conflito pacífica (MOREIRA, 2004).
O papel do advogado é de suma importância, no combate às ilegalidades e arbitrariedades. Contribuirá para uma decisão judicial justa, dentro das provas dos autos. Deverá estar atento desde o início, analisando a cadeia de custodia dos vestígios, ainda na fase do inquérito policial, verificando a obediência a todas as etapas (artigo 158-B do CPP), e, em caso de irregularidade, deverá tomar as medidas judiciais pertinentes, em busca da nulidade da prova contaminada, nos termos do artigo 157 do CPP, anulando também as obtidas por derivação daquelas.
O advogado também deverá contribuir de forma clara e precisa com a instrução criminal, pois, se o juiz deve formar sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial (artigo 155 do CPP) é a participação zelosa do advogado, além do representante ministerial, que fornecerão elementos que irão embasar a decisão do juiz.
No processo penal democrático, as decisões são tomadas após ouvir as partes, por escrito ou oralmente, sendo preferível que as questões sejam debatidas em audiência, com ônus da prova sendo distribuído conforme o artigo 156 do CPP.
No processo penal democrático, o advogado deve zelar pela observância da separação das funções, posto que estas são perfeitamente definidas: acusar, julgar e defender, sendo vedado ao Juiz proceder como órgão persecutório.
Outro ponto importante é a valoração da prova, cuidando para que, no confronto entre depoimentos de testemunhas de acusação, de defesa e vítimas, além do interrogatório do réu, não ocorra evidente injustiça epistêmica, o que certamente conduziria a um julgamento parcial.
Para tanto, a análise acurada da infração imputada ao acusado, das peças que compõem o inquérito policial ou o TCO, além do conhecimento prévio sobre os procedimentos previstos a partir do artigo 394 do CPP darão uma perspectiva ampla para a atuação profissional.
No processo penal, a participação do advogado, imbuído do espírito de que, em seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social, não é só obrigatória, mas constitui única ferramenta capaz de conduzir a validade da decisão judicial, em busca da desejada verdade real. Uma sociedade democrática não espera a condenação de inocentes, tampouco que criminosos permaneçam impunes, ao contrário, exige a soma de esforços do Poder Judiciário, dos órgãos de segurança pública e das partes como ideal de justiça. A utópica verdade real cede cada vez mais à verdade processualmente possível, dentro dos limites legais.
O objetivo do artigo não é exaurir o tema, mas sim propor o debate, tendo em vista que, cada vez mais a mídia repercute notícias relacionadas ao aqui aludido.
E você, qual sua opinião?
BERCLAZ, Márcio. O que significa um processo penal democrático? Disponível em: < http://www.justificando.com/2016/07/04/o-que-significa-um-processo-penal-democratico/>. Acesso em: 25 mai. 2022.
MOREIRA, Rômulo de Andrade. O processo penal como instrumento de democracia Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/6301/o-processo-penal-como-instrumento-de-democracia. Acesso em: 25 mai. 2022.