Análise de Vínculos (AV) e sua Aplicação com a Tecnologia da Informação (TI)
A AV pode ser considerada uma técnica de mineração de dados na qual é possível estabelecer conexões entre registros com o propósito de desenvolver modelos baseados em padrões de relações. É mais aplicada nas investigações de comportamento humano, especialmente na área policial, quando determinadas "pistas" são ligadas entre si para solucionar crimes. HARRISON (apud GONÇALVES, 1999, p. 22)
A técnica da análise de vínculos possibilita ao investigador a visualização de diferentes elementos funcionais e estruturais da investigação correspondente. De maneira sintética, a técnica engloba a captura, armazenamento e diagramação de informações pertinentes aos chamados "alvos monitorados", emprestando um valor agregado ao trabalho investigativo que está fora do alcance prático da cognição humana normal. Ela permite a visualização gráfica de relações entre pessoas, objetos, empresas, dados bancários e registros/dados de qualquer ação que revele padrões de ação e de comportamento (Figura 2), o que de outra forma permaneceria oculto em meio a um grande volume de dados e/ou informações desconectadas.
Figura 02 – Definição de conduta criminosa. Polícia Civil do Distrito Federal, Operação Galileu.
XU e CHEN (2003) explicam que para estabelecer vínculos em uma análise de relacionamento (ou "de vínculos"), a tarefa indispensável é a extração de informações sobre entidades, e suas associações, em grande escala de dados brutos, convertendo-as em uma representação de rede. Normalmente, na forma gráfica, as entidades são representadas por pontos centrais ou "nós", e as associações entre elas são representadas por uma teia ou rede. Métodos de construção de diferentes redes são utilizados, dependendo da categorização dos dados, ou seja, se os dados brutos são registros estruturados de bases de dados ou documentos textuais não-estruturados.
Prosseguem os autores referindo que a consolidação e as operações de formação de relacionamentos são executadas em registros de dados transacionais durante investigações de crimes. Assim, a consolidação consiste no processo de "fazer com que os dados deixem de ser ambíguos, combinando informações de identificação em uma única chave referente a indivíduos específicos". Relacionamentos ou vínculos entre indivíduos consolidados são formados com base em um conjunto de fórmulas heurísticas, tal como se os indivíduos dividissem endereços, contas bancárias ou transações relacionadas.
DANTAS (2004) explica que a expressão "vínculo" traduz a idéia de ligação entre elementos de um determinado universo, com essa relação possibilitando a consecução de diferentes propósitos. No domínio da análise de Inteligência de Segurança Pública (ISP), identificar os entes vinculados e determinar suas relações permite, respectivamente, (i) identificar delinqüentes e (ii) determinar seus crimes ou propósitos criminosos. A análise criminal envolve descobrir o significado das relações existentes entre os elementos de uma usualmente grande e complexa "teia" de eventos, nela incluídos registros de chamadas telefônicas e mensagens eletrônicas, sítios visitados da Internet, débitos feitos em cartões magnéticos, transferências bancárias, viagens realizadas, contatos pessoais, etc.
A grande questão é como processar essa enorme e intricada massa de dados, identificando os indivíduos vinculados e determinando, uma-a-uma, suas relações e respectivos significados. Isso é fácil de descrever, mas extremamente difícil de conceber e fazer, já que, mais além da tecnologia da informação, a AV demanda o suporte conceitual da tecnologia do conhecimento.
A metodologia da AV se desenvolve com a análise computadorizada de vínculos, não apenas de forma metafórica, mas de fato, permitindo efetivamente o "mapeamento gráfico" de todos os vínculos que algo ou alguém possui. Para tanto, é necessário monitorar uma série de dados em relação a esse alguém ou coisa. Uma categoria de dado, por exemplo, permite a determinação de vínculos por intermédio da utilização da fonte tecnológica representada pela telefonia e a comunicação respectiva. Através das comunicações mantidas por alguém, é possível detectar quais são as relações que um delinqüente mantém com o restante da comunidade (Figura 03). Isso representa um enorme avanço na capacidade investigativa, que passa assim a operar de maneira extremamente efetiva, tendo sua "capacidade cognitiva" multiplicada, literalmente se igualando a uma máquina, no caso, um computador.
Figura 03 – Vínculos entre pessoas envolvidas no crime. Polícia Civil do DF. Projeto TENTÁCULO.
Estabelecer vínculos pressupõe associar dados, condutas, eventos, entidades ou quaisquer outros elementos de um empreendimento criminal complexo, subsidiando a ação policial no sentido de permitir uma visão esclarecedora de um determinado comportamento ou ação delitiva, possibilitando o alcance de resultados efetivos na consecução de operações de Inteligência/investigação policial.
Em uma pesquisa de comportamento humano em crimes violentos, novamente STRANO (2003) propõe modelos gráficos que extraiam conhecimento de um determinado sistema de dados empíricos, mapeando relações de nexo causal (causa e efeito) entre variáveis relevantes de um local de crime. As variáveis podem ser: (i) o objeto do crime, (ii) o local, (iii) o sexo do criminoso e (iv) o modus operandi [14]. Usando probabilidades condicionantes, pode-se perceber a extensão com que determinadas variáveis são passíveis de afetar umas às outras, ainda que as circunstâncias em que o crime ocorreu sejam desconhecidas. Os relacionamentos causais entre variáveis independentes (causas) e variáveis dependentes (efeitos) são assimilados de um conjunto de casos conhecidos, dos quais todas as variáveis da mesma espécie são avaliadas.
Vínculo é uma expressão algumas vezes mencionada pela doutrina e legislação penal brasileira, principalmente nas definições teóricas das organizações criminosas, estando contida na lei 9034/95 e que corresponde à associação para o tráfico de drogas, como também no artigo 14 da lei 6368/76 e no artigo 288 (quadrilha ou bando) do Código Penal Brasileiro.
O conceito de Organização Criminosa, difundido pela Escola de Inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (ESINT/ABIN) é de que tal expressão corresponde a "toda e qualquer associação estruturalmente organizada e vinculada, caracterizada por hierarquia, divisão de tarefas e diversificação de áreas de atuação, com o objetivo precípuo de delinqüir visando à obtenção de lucro financeiro e, eventualmente, vantagens político-econômicas e controle social, adquirindo dimensão e capacidade para ameaçar interesses e as instituições nacionais e estaduais".
De acordo com SZINICK (1987), a formação de quadrilha, no caso do tráfico de entorpecentes, previsto no artigo 14 da lei 6368/76, corresponde à associação, com vínculo psicológico, de pessoas que praticam a ação de juntar-se, unir-se ou agregar-se com o fim de cometer os crimes definidos nos artigos 12 e 13 daquela mesma lei.
Ainda que com o apoio da TI, a realização da AV não prescinde de uma avaliação dos dados pertinentes, verificando-se aspectos relativos à sua coerência, credibilidade, e confiança quando da coleta. A informação produzida a partir de dados recolhidos de fontes diversas, pressupõe alta fidelidade do conhecimento, depois de estabelecidas as correlações, conexões, bem somo sua classificação sigilosa, antes do conhecimento correspondente ser difundido.
A análise de vínculos tem particularidades na apresentação da informação visual. Acontece assim, por exemplo, quando da investigação de empreitadas delitivas em que existem numerosas relações de interdependência ou de subordinação. Tais relações são de difícil apreensão pelo intelecto, inclusive em razão de seu caráter organizativo complexo. Em tais casos, as conexões e relacionamentos, entre pessoas e respectivas ações praticadas, são apresentadas em "diagramas explodidos". Ficam assim "iluminadas" (mostradas) todas as entidades e alvos escondidos. Ao exibir a informação de um determinado contexto, de forma expandida, em formato de rede vínculos, ela passa a ser de fácil entendimento, com a subseqüente seleção de entidades singulares para demonstração dos seus respectivos vínculos graficamente mostrados em diagramas.
Os resultados da aplicação da técnica de análise de vínculos, visualizados em fluxogramas, são exibidos graficamente na tela do terminal do microcomputador do analista, facilitando o entendimento das relações apresentadas. A análise integra também rotinas, como a aplicação de argumentos, classificação, filtros de comparação e níveis de ramificação. Durante a exploração dos dados é possível formular hipóteses (dedução, indução e extração), elaborar conclusões, bem como formular novas questões e configurar outras pesquisas de diversas formas. Com as informações extraídas são montados novos gráficos e o fluxo das informações principais surge com uma nova imagem de outros vínculos significativos.
Organizações policiais que dispõem de sistemas corporativos próprios, e de outros sistemas de domínio público, passam a ter acesso a uma ampla variedade de bancos de dados, sem mencionar o vasto mundo da Internet. Apesar de tudo isso, muitos sentem que continuam a estar mal informados. Os administradores e analistas de informação freqüentemente suspeitam que o conhecimento que desejam existe em algum lugar. O que falta, supõem eles, é uma maneira de acessar o ambiente daquele conhecimento específico, bem como poder identificar outros tipos específicos de conhecimento, tanto interna quanto externamente, em relação ao primeiro ambiente explorado.
As comunicações telefônicas se constituem em um exemplo bastante ilustrativo da AV. Em tal ambiente complexo de dados, a técnica favorece as interações gráficas dos registros de conversações, apresentando um resultado analítico imediato, e que de outra forma levaria meses para poder ser analisado. Ela proporciona, portanto, um considerável aumento de produtividade, ao permitir a rápida execução, com menor margem de erro, de uma tarefa complexa. A AV facilita substancialmente a operação de investigação, ao permitir a interação direta com bases eletrônicas de dados e aperfeiçoar o trabalho de investigação, revelando precisamente os dados que interessam à investigação, com o valor agregado da qualidade e da confiança.
Nas investigações que envolvem a quebra do sigilo telefônico, a tecnologia de análise de vínculos tem fundamental importância. Isso acontece em função da necessidade de analisar o volume total de contatos estabelecidos pelo alvo que se tem autorização judicial de interceptar. Analisar esses dados, manualmente, implicaria em compulsar extratos inseridos em pilhas de papel enviadas das operadoras de telefonia, o que é absolutamente impraticável de realizar em um curto espaço de tempo. O investigador vê-se diante de um desafio semelhante ao de "encontrar uma agulha no palheiro", ao defrontar-se com milhares de registros, entre os quais estão apenas alguns que interessam ao caso investigado.
As tecnologias da TI, hoje disponíveis para a AV, proporcionam uma visão gráfica do "grande conteúdo", oferecendo apoio procedimental automático com três diferentes técnicas de determinação de relacionamentos: (i) análise de freqüência de dados, (ii) análise de redes de contatos e (iii) análise de convergência de ações no caso investigado. A visualização destas formas de relacionamento se faz pormenorizadamente, pela análise de cada parte de um todo de grupos de informações conexas. Da visão geral, de maneira prática e funcional, o analista pode focar em componentes separados, e que serão analisados detalhadamente, produzindo-se então uma seqüência de novos gráficos.
A análise de freqüência relaciona-se à quantidade de vezes em que um registro surge numa faixa de tempo, podendo sugerir padrões de comportamento dos alvos (Figura 02). Qualquer desvio do padrão de freqüência revela mudança na atitude e na forma de agir daquele alvo específico da investigação. As freqüências dos contatos dos alvos, apresentadas inicialmente de maneira uniforme, são analisadas com respeito a suas respectivas alterações ao longo de um período ou série histórica.
A análise de redes permite determinar relações entre entidades de atividades aparentemente distintas (Figura 04). Na análise de redes são automaticamente relacionadas entidades supostamente díspares, sendo gerando uma visão geral e mais abrangente da atividade em exame. Ela possibilita verificar situações inicialmente não detectadas, a exemplo, grupos de pessoas que mantêm contatos com outros grupos de pessoas e/ou organizações que interagem com outras organizações criminosas, o que antes permanecia obscuro e impossível de detectar.
Figura 04 – Análise de Redes do Crime (Software I2).
Federal Bureau of Investigation
A análise de convergência aponta graficamente a convergência de contatos mútuos para novos alvos identificados, do que se pode, por sua vez, derivar novas investigações. Com o isolamento dos contatos comuns, pode-se focar a atenção nas entidades principais, o que permite a determinação de informações importantes e que irão determinar o próximo passo da investigação, ou mesmo a realização de uma nova investigação. Uma vez isoladas as informações relevantes, elas são colocadas em quadros sintéticos, com o que inicialmente era complexo passando a ser de simples compreensão (Figura 05).
Figura 05 – Convergência de Ligações e Relacionamento de Entidades (Sistema NEXUS)
Dois aplicativos computacionais comerciais já estão disponíveis para a realização de análises de vínculos computarizadas, o i-2 "The Analyst’s Notebook" da Tempo Real e o "Nexus" da Digitro Tecnologia. Os dois produtos são programas de análise computadorizada de vínculos, sendo cada vez mais utilizados, na área de investigação de crimes, por instituições policiais, auditores e investigadores de governo (comissões parlamentares de inquérito inclusive), forças militares e até mesmo organizações privadas envolvidas com análises da chamada Inteligência Competitiva. A utilização desse tipo de software permite a consecução de análises rápidas de grandes volumes de dados, com os resultados sendo apresentados de maneira gráfica, o que representa um grande apelo à descoberta cognitiva por intermédio da inteligência visual.